Portugal - Dicionário

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Ansures (Goesto de).

 

n.
f.

 

Trovador português, guerreiro valente e tronco da família dos Figueiredos.

As cronicas contam o seguinte episódio altamente dramático. Mauregato, filho bastardo de D. Afonso, o Católico, tendo usurpado o trono de seu sobrinho, dominava despoticamente as províncias N. O. da península Ibérica. Vassalo de Abd-el-Rhaman, emir de Córdova, todos os anos lhe pagava o tributo de cem donzelas, cinquenta nobres e cinquenta plebeias, escolhidas de entre as mais formosas do reino das Astúrias. O destino destas desgraçadas era serem vendidas como escravas ou fazerem parte das odaliscas do emir. Este golpe, que todos os anos vinha ferir as famílias das vítimas, obrigou-as a excessos tais, que mais de uma vez aconteceu serem as donzelas arrancadas das mãos dos moiros à força de armas, com derramamento de sangue e tumultos graves.

Ramiro, um velho, digno representante de todo o orgulho e pretensões da sua raça, tinha uma filha, chamada D. Mecia, a quem a fatal sorte havia destinado a ser incluída no terrível tributo. Haviam-lhe já morrido dois filhos, e só ela lhe restava, a quem estremecia com o mais fervoroso afecto. Num dia ardente do mês de julho, uma escolta mourisca conduzia seis donzelas, entre as quais se contava D. Mecia, para se ir encontrar com outras escoltas, que de diferentes lugares vinham reunir-se a um ponto ajustado; passando por Viseu, a escolta parou num sitio, a três léguas de distancia, situado no concelho de Alafões, e hoje chamado Figueiredo das Donas, em razão de um facto heroico que ali se deu. Era um sitio ameno e delicioso pela frescura das águas e pelo viçoso das arvores que as cobriam, largo bosque de figueiras; cujas amplas e grossas folhas vedavam todo o sol e convidavam ao repouso com a sua sombra. Numa pequena casa ali existente, recolheram as infelizes, enquanto o calor abrasava, indo os mouros espalhar-se por aquele figueiral, deitando-se à sombra das arvores, cantarolando alegremente canções nacionais, de envolta com os risos escarnecedores com que insultavam as pungentes lágrimas que as pobres vítimas derramavam. Nesse momento, porém, passava próximo um cavaleiro bem montado, armado rigorosamente e seguido de alguns pajens. Era Goesto de Ansures, o qual, observando aqueles prantos e ouvindo as imprecações dos mouros, corre para a casa indicada, aproxima-se de uma janela, descobre espantado D. Mecia, de quem estava apaixonado, e louco pela dor e pela triste narração que lhe fazem, promete às donzelas, com palavras que procura tornar meigas, que as salvará, a risco da própria vida. Os mouros ouvindo a conversação e reconhecendo uma voz de homem, correm precipitadamente, meio estremunhados. Ansures embraça então o escudo, abaixa a viseira, enrista a lança, pica de espora, e arremetendo enfurecido, acompanhado dos seus pajens, atravessa uns com a lança, derruba outros com as patas do cavalo, e roncando da espada mata desapiedadamente quase todos os que estavam, até que a espada se lhe quebrou. As donzelas, que presenciavam a carnificina, quase perderam a esperança de salvação e os mouros que ainda restavam, tomaram ânimo. O valente paladino, porém, não perdeu a coragem; amor e desesperação fazem prodígios, corre a uma figueira, arranca-lhe um tronco, brande-o como uma espada, repete os golpes sem cessar sobre os mouros, e em pouco tempo completa a vitória, jazendo o calmpo de cadáveres. Toma para si um dos cavalos mouriscos, e parte com as donzelas, já livres daquele cativeiro, levando junto a si D. Mecia. Chegando ao seu castelo, oferece-lhes abrigo até serem entregues às suas famílias.

Ramiro, louco d'alegria por tornar a ver sua !ilha, consentiu logo no casamento. O povo alvorotado, reúne-se ao libertador corajoso, aquele valoroso esforço excita os ânimos; todos tomam armas e juram livrar a Espanha e Portugal daquele tributo vergonhoso. A rebelião toma grande incremento, dão-se diferentes batalhas em que os mouros ficam vencidos, e o tributo foi de vez abolido. Em comemoração deste facto, Goesto de Ansures adoptou o apelido de Figueiredo, tomando também este nome o sitio onde se dera o facto; mandou pintar no escudo cinco folhas de figueira e uma no remate do elmo, aludindo assim às seis donzelas que libertara; ficaram sendo estas as armas da sua linhagem.

Este episodio curiosíssimo está poeticamente celebrado na conhecida Canção do Figueiral, que é um dos maia antigos monumentos da nossa poesia, e que a tradição atribui a Goesto de Angures, não obstante terem-se levantado duvidas sobre a sua identidade. Este facto vem contado por Almeida Garrett, num artigo intitulado Os Figueiredos, inserto na Ilustração, jornal universal, 1845 a 1846, e que está incluído no livro XXIV das suas obras, que tem por nome Escritos diversos, edição de 1877. A este respeito também há um drama, Le tribut des cent vierges, de que José da Silva Mendes Leal fez uma imitação, com o titulo de Tributo das cem donzelas, que há talvez perto de cinquenta anos se representou obtendo o maior êxito, conservando-se em cena por muito tempo, tendo enchentes repetidas.

 

 

 

A Lenda de Figueiredo das donas
Arquivo Português de Lendas
Centro de Estudos Ataíde de Oliveira

A Canção do Figueiral cantada por Luís Cilia
Luís Cilia

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume I, pág. 135

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2012 Manuel Amaral