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Manuel Fernandes Tomás
Manuel Fernandes Tomás

 

Fernandes Tomás (Manuel).

 

n.       30 de junho de 1771.
f.        19 de novembro de 1822.

 

Um dos heróis dos acontecimentos políticos de 1820.

Nasceu na Figueira da Foz a 30 de junho de 1771, faleceu em Lisboa na antiga rua do Caldeira n.º 2 [a actual rua Fernandes Tomás], a Santa Catarina, a 19 de novembro de 1822.

Era filho de João Fernandes Tomás e de Maria da Encarnação, os quais à vista do engenho precoce que o moço revelara, o mandaram para Coimbra ainda em verdes anos, a fim de seguir a carreira eclesiástica. A vocação, porém, não o chamava para o sacerdócio e o jovem estudante tomou o grau de bacharel em Cânones, tendo apenas vinte anos. Dando-se primeiro à advocacia, praticou com vários jurisconsultos de Lisboa, e aperfeiçoou-se no estudo das ciências do direito, Em 30 de agosto de 1792 foi nomeado síndico e procurador fiscal do município da Figueira, sendo vereador desde 1795 a 1798. Em 1801 foi nomeado juiz de fora de Arganil, mostrando logo na magistratura a sua energia e carácter. Em 1805 foi nomeado superintendente das alfândegas e dos tabacos nas comarcas de Leiria, Aveiro e Coimbra, mas, pela invasão francesa de 1807, tomou-se de tal desgosto pela humilhação da pátria que se retirou para uma quinta sua, próximo da Figueira, e aí permaneceu até que Wellesley, em 1808, desembarcou as suas tropas naquela costa, sendo então indigitado pela voz pública como a pessoa competente, na ausência de todas as autoridades, para tratar com o comandante inglês de todos os assuntos referentes aos interesses e necessidades do exército. O futuro lorde Wellington apreciou tanto a actividade de Fernandes Tomás que, sendo este nomeado em 1809 provedor da comarca de Coimbra, logo o general instou para que fosse adjunto ao Comissariado do Exército, sendo nomeado intendente dos víveres no quartel-general de Beresford, em 1810, onde foi incansável de actividade, chegando a perder as noites encostado à banca, para que nada faltasse ao exército. Em 1811, tão importantes serviços prestou junto do exército que fazia o cerco de Badajoz, que, pelas recomendações dos generais, foi-lhe dada a categoria de desembargador honorário do Porto, ou o predicamento de desembargador, como então se dizia, não se lhe dando a efectividade, que só alcançou em 1817, por não ter ainda, à data do despacho, completo o triénio de provedor. De 1812 até ao findar da guerra, dois anos mais tarde, esteve Fernandes Tomás em Coimbra e ali começou a germinação do seu grandioso plano, que devia desenvolver-se e frutificar no Porto, anos depois.

Fernandes Tomás era um erudito, já nomeado por algumas obras de direito, que publicara, e um pensador que se preocupava com os males da pátria, cujos desastres sucessivos lhe enlutavam o generoso coração. O ano de 1817 ficou tristemente memorável na história da liberdade portuguesa pelo acto de inaudita crueldade que desonrou para sempre no nosso país a memória de Beresford. O sangue de Gomes Freire de Andrade (V. este nome) e dos seus desditosos companheiros, com que se julgou afogar todas as aspirações liberais, só contribuiu para as tornar mais fecundas. Indo de Coimbra para o Porto, aqui encontrou Fernandes Tomás quem simpatizasse com as suas ideias e aspirações; viu o sentimento patriótico invadindo todos os espíritos; apreciou a indignação que elevava ao prestígio de mártires as vítimas de 1817 e sentiu que essas aspirações, até aí vagas e quase teóricas, iam tornar-se em breve mais definidas e mais precisas. Com outro jurisconsulto notável e verdadeiramente liberal, José Ferreira Borges, se relacionou Fernandes Tomás na cidade do Porto, e aí em 18 ou 21 de janeiro de 1818 se juntaram os dois para jurarem mutuamente dar a liberdade a Portugal, ou morrerem na empresa. Convocaram uma conferência com os seus amigos José da Silva Carvalho e João Ferreira Viana, para formularem as bases em que devia assentar o plano a seguir da sociedade, que ficou constituída sob o nome de Sinédrio e que tinha por fim: "Observar os acontecimentos em Portugal e Espanha, tomando de vagar o pulso às tendências e às aspirações do espírito público". Ajustaram reunir-se no dia 22 de cada mês na Foz para discorrerem acerca dos sucessos e das notícias do mês passado e assentarem nos propósitos mais oportunos segundo as circunstâncias. Juraram uns aos outros inviolável segredo e decidiram que, se rompesse um movimento monárquico, ou uma revolução, os sócios do Sinédrio acudiriam para a dirigir, guardada sempre a fidelidade devida à dinastia de Bragança. Este foi o núcleo da associação denominada Sinédrio e estas as modestas bases com que se fundou. Circunscrito aos ilustres iniciadores em seu começo cresceu e alargou-se depois. Na escolha dos adeptos, discreta e resumida, sempre se antepôs a qualidade ao número. Em 1819 compunha-se, além dos quatro inauguradores, dos sócios Duarte Lessa, José Pereira de Meneses, Francisco Gomes da Silva, João da Cunha Souto Maior, José Maria Lopes Carneiro e José dos Santos Silva. Rodeados de silencio, antes de se aventurarem a hastear a bandeira das ideias, estes cidadãos, que se não intimidavam pela sorte das vitimas de 1817, sob a ameaça visível do cutelo de algoz, apalpavam o terreno sem precipitação, e pacientes por necessidade, não se antecipavam à sentença lógica do tempo e dos factos. Foi depois destes exórdios modestos, que surgiu a revolução de 1820. Fernandes Tomás foi a alma dela. O número dos associados no Sinédrio nunca passou de treze, sendo o último a inscrever-se, em 18 de agosto de 1820, Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda, que depois prestou à causa muitíssimos serviços. O espírito da população de Lisboa, menos propenso a entusiasmos do que os portuenses, não parecia disposto a secundar a agitação da opinião publica do Porto. Foi assim que vindo José da Silva Carvalho à capital, com o fim de angariar adesões, voltou profundamente desanimado e sem nada haver conseguido. Outro tanto aconteceu a Fernandes Tomás que, vindo a banhos ás Caldas da Rainha, chegou até Lisboa com os mesmos intuitos, nada conseguiu e teve que retirar para o Porto, por saber que era activamente vigiado pela polícia. Nestas condições a revolta ter-se-ia talvez malogrado se a Regência, cheia de pavor, não houvesse imprudentemente mandado o governador das justiças do Porto, Aires Pinto, prender Fernandes Tomás. O marechal inglês partira para o Rio de Janeiro a fim de alcançar mais largos poderes de D. João VI. A ausência de Beresford foi impolítica e inábil. O Sinédrio alargava o âmbito da sua actividade, a ponto de concorrerem a uma reunião, que promoveu, todos os oficiais do exército aliciados para o grande movimento. Nessa reunião Fernandes Tomás pôs ao serviço da causa tão entranhado amor da pátria que converteu em adeptos fanáticos até ao sacrifício todos os que o escutavam.

A precipitação do medo da Regência forçou o lance, sendo opinião dos conspiradores militares Sepúlveda, Cabreira e António da Silveira, que a revolução devia rebentar. Fernandes Tomás teve a audácia de ir a casa do próprio Aires Pinto, de cuja missão fora avisado,. dizer-lhe que não cumprisse as ordens do governo de Lisboa, porque no dia seguinte a revolta explodiria, sem que ninguém lhe pudesse obstar. O mesmo referiu ao general das armas Canavarro, que prometeu retirar para Leça, fingindo-se doente. Com efeito no memorável dia 24 de agosto de 1820 rebentou a revolução, prenderam-se em suas casas os oficiais ingleses, propôs-se a nomeação. de uma junta provisória que governasse o reino em nome do rei, até ao seu regresso do Brasil, e dessa junta tomou Silveira a presidência, Cabreira a vice-presidência, ficando Fernandes Tomás simples vogal. O grande patriota teve o condão de se deixar em lugar secundário sendo o primeiro. Também a fortuna não quis que ele sobrevivesse muito tempo à liberdade da sua pátria. Hoje bem se pode isso considerar uma ventura, o morrer tanto a tempo, quando a sua obra era completa, o seu credito era incondicional, quando facto algum ulterior lhe podia ainda fazer empalidecer o brilho do renome conquistado ou lançar suspeitas sobre a pureza das suas intenções; quando, enfim, os defeitos da obra concluída ainda não tinham tempo para se revelarem. Este conjunto de circunstâncias aureolou de fama sem mancha e de glória absoluta o nome prestigioso do grande patriota Fernandes Tomás. De como o Sinédrio preparou, dirigiu e consumou, a revolução de 24 de agosto de 1820 são documento interessante as Revelações e Memorias para a história ela dita revolução, escritas pelo consócio José Maria Xavier de Araújo (V. este nome). Fernandes Tomás, além de membro da Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, foi deputado ás Cortes Constituintes congregadas em 26 de janeiro de 1821, em cujos trabalhos teve parte muito activa e conspícua, até ao encerramento delas em 4 de novembro de 1822. Agravando-se lhe pelos excessos e fadigas dos últimos meses a enfermidade crónica de que padecia, e tomando de repente um carácter agudo, que os socorros da medicina não puderam debelar, expirou entre dolorosos sofrimentos, temperados pela resignação, a 19 do referido mês, deixando consternados não só os seus amigos pessoais, mas todo o partido liberal que lhe tributava uma espécie de culto, e via nele um dos mais firmes sustentáculos do sistema, para cujo triunfo concorrera tão poderosa e eficazmente. Os seus restos mortais foram sepultados, primeiro na antiga igreja de Santa Catarina, trasladados depois para a dos Paulistas, e desta transferidos para jazigo de família no cemitério dos Prazeres. No Jornal do Comércio de fevereiro de 1883 estão reproduzidos alguns documentos acerca do óbito e trasladações das cinzas do eminente cidadão.

O Dicionário bibliográfico português faz a seguinte resenha dos escritos de Fernandes Tomás, publicadas com o seu nome, e de alguns que os biógrafos lhe atribuem: Observações sobre o discurso que escreveu Manuel de Almeida e Sousa em favor dos direitos dominicais da coroa, donatários e particulares, Coimbra, na Imprensa da Universidade, 1814, 4.º; Repertorio geral ou índice alfabético das leis extravagantes do reino de Portugal, publicadas depois das ordenações, compreendendo também algumas anteriores que se acham em observância, Coimbra, na Imprensa da Universidade, 1815 ; fólio, 2 tomos. – "Obra de ímprobo trabalho e preciosíssimo valor" lhe chama o dr. M. A. Coelho da Rocha no Ensaio sobre a historia do Governo e da Legislação de Portugal. Foi reimpressa há poucos anos, porém Inocêncio não viu exemplar do qual pudesse tirar as respectivas indicações. Relatório sobre o estado e administração do reino, durante o tempo da Junta Provisional do Governo Supremo, etc., Lisboa, na Imprensa Nacional, 1821. Quarto. Foi apresentado e lido nas sessões de Cortes, de 3 e 4 de fevereiro de 1821. Anda também incorporado no Diário das Cortes, tomo I, pág. 32 a 46. – O geógrafo Balbi mencionando este documento diz: "Que nele avulta, a par de uma eloquência varonil, o profundo saber do seu autor em todos os ramos da administração publica". São também da pena de Fernandes Tomás, segundo o testemunho afirmativo de Xavier de Araújo, as seguintes peças oficiais, que se imprimiram avulsas, e, andam reproduzidas nos periódicos políticos da época : Manifesto da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino aos Portugueses, que começa: "Se na agitação porfiosa, que comoveu as nações da Europa, e abalou os tronos, etc." – Datado de 24 de agosto de 1820. A Junta Provisional do Governo aos habitantes de Lisboa. – Começa: "O grito de cem mil almas, que nesta cidade aclamaram solenemente, etc." Proclamação dos soldados do Porto aos de Lisboa. Fernandes Tomás, e o seu colega nas Cortes José Joaquim Ferreira de Moura, foram os fundadores, e principais (se não únicos) colaboradores do jornal político O Independente, cuja publicação começou, segundo parece, com o ano de 1822, ou pouco antes, e do qual existem impressos três tomos no formato de folio. O citado Xavier de Araújo afirma também de modo positivo serem dele os dois seguintes opúsculos, que se imprimiram anónimos: Carta do compadre de Belém ao redactor do «Astro da Lusitania» dado à luz pelo compadre de Lisboa... Lisboa, na offic. de António Rodrigues Galhardo, 1820. quarto de dezanove páginas.; (V. Alves Sinval). Carta segunda do compadre de Belém ao redactor do «Astro da Lusitania» dado à luz pelo compadre de Lisboa. Ibidem, na mesma oficina, 1821, quarto de vinte e duas páginas. Por esse tempo, e a propósito dessas cartas se imprimiram igualmente anónimas as seguintes, cujo autor Inocêncio não pôde indicar: Resposta de João Carapuceiro, compadre de Lisboa, ás cartas do compadre de Belém, dirigidas ao «Astro da Lusitania»; Lisboa, na nova Imp. da Viuva Neves & Filhos, 1821, quarto de 39 páginas. Carta do compadre de Lisboa em resposta a outra do compadre de Belém, ou juízo critico sobre a opinião publica, dirigida pelo «Astro da Lusitania»; Lisboa, na Imp. de Alcobia, 1821. quarto de vinte e três páginas. Carta analítica de João Carapuceiro, compadre de Lisboa, ao compadre de Belém, Lisboa, na nova Imp. da Viuva Neves & Filhos, 1821. 4.º de 16 págs. Lutero, o Padre José Agostinho de Macedo, e a «Gazeta Universal» ou Carta de um cidadão de Lisboa escrita ao Geral da congregação de S. Bernardo, Lisboa, Typ. de Antonio Rodrigues Galhardo 1822. quarto de quarenta e seis páginas.

Para a biografia de Fernandes Tomás podem indicar-se numerosos documentos, e entre eles os impressos seguintes: Uma extensa noticia inserta no Diário do Governo, n.º 238, de 9 de outubro de 1822, e outra que se refere especialmente aos últimos dias da sua vida, no mesmo Diário, n.º 271, de 16 de novembro do dito ano. A Galeria dos Deputados das Cortes gerais, de página 323 a 334. O opúsculo intitulado: Discursos e poesias fúnebres, recitados a 27 de novembro de 1822 em sessão da Sociedade Literária Patriótica, etc. Um artigo inserto no Mosaico, tomo I (1839) a página 163 e seguintes. O Ensaio sobre a Historia Literária de Portugal, por José Liberato Freire de Carvalho, a pág. 163. Uma memoria com o título: Manuel Fernandes Thomaz, patriarca da liberdade portuguesa, Lisboa, 1840, folio de três páginas. A Carta e as Cortes de 1836, por José Pinto Rebelo de Carvalho, a página 25. As citadas Revelações e Memorias de J. M. Xavier de Araújo, particularmente num artigo especial de página 77 a 84. O Diorama de Portugal nos 33 meses constitucionais, por José Sebastião de Saldanha, a página 215. As Memorias da vida de José Liberato Freire de Carvalho, página 258 e seguintes. Os Varões ilustres das três épocas constitucionais por Luís Augusto Rebelo da Silva, Lisboa, 1870. Os Heróis de 1820, publicação ilustrada com os respectivos retratos, n.º 1, Lisboa.

 

 

 

 

Discurso de Manuel Fernandes Tomás sobre a liberdade de imprensa
O Portal da História

Biografia de Manuel Fernandes Tomás
O Portal da História

Genealogia de Manuel Fernandes Tomás
Geneall.pt

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume III, págs.
371-373

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