A Secretaria de Estado dos
Negócios da Guerra

 

 

A Secretaria de Estado da sua criação até 1808

A Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra foi criada em 28 de Julho de 1736, para coordenar o trabalho dos diferentes organismos encarregues de gerir o Exército português, assim como a diplomacia portuguesa. A ligação entre as relações exteriores e os assuntos militares manteve-se quase inalterável até 1820, data da separação definitiva da "Repartição" da Guerra da dos Negócios Estrangeiros..

O Terreiro do Paço
Cortejo de Gala no Terreiro do Paço
de José Caetano Círiaco

A nova secretaria veio centralizar num "Ministro," o primeiro dos quais foi Marco António de Azevedo Coutinho, nomeado somente em 1738, as consultas e respectivas decisões reais que, com o desenvolvimento do aparelho militar de Portugal, já não eram tratados unicamente pelos dois grandes tribunais régios que administravam os assuntos militares - o Conselho da Guerra e a Junta dos Três Estados.  As repartições que se tinham desenvolvido eram, entre outras, a Vedoria Geral,  as Contadorias, e os Hospitais.

Mas a criação da Secretaria não diminuiu imediatamente a importância do Conselho da Guerra, nem tão pouco do cargo de Secretário do Conselho da Guerra, este sim conhecido pelo nome de Secretário da Guerra. Nota-se pelos Avisos do Secretário do Conselho às diferentes autoridades militares, que ele é que continua a ser o porta-voz da Monarquia sobre os assuntos militares, durante quase todo o século XVIII. Foi assim durante a administração de Azevedo Coutinho, mas não durante a de Sebastião José de Carvalho e Melo, o futuro marquês de Pombal, que tentou acabar com a «popularização» do corpo de oficiais, com a grande promoção de 1754 e com a criação cinco anos mais tarde dos cadetes.

D. Luís da Cunha Manuel, homem do marquês, não interveio na administração directa porque, de 1762 a 1765, haverá um comandante em chefe activo, o conde de Lippe, que organizou o exército, afeiçoando-o a Pombal - fundamentalmente aristocrático, profissional quanto baste, sobretudo na artilharia, a menina bonita do conde, que tinha sido comandante da artilharia do "Exército de Sua Majestade Britânica na Alemanha", e sobretudo sem comando centralizado quando o príncipe não estivesse presente. Depois do conde ter abandonado Portugal, a administração diária do exército será entregue ao Conselho de Guerra, onde pontificava o marechal D. José António Lobo da Silveira, 1.º marquês de Alvito, um amigo pessoal do rei D. José. 

Aires de Sá e Melo, tendo que preparar a guerra com a Espanha, interveio nesse momento nas mudanças na organização interna dos regimentos. Mas a sua acção centrou-se mais na melhoria da gestão do exército - reorganização da indústria e comércio da pólvora, criação do Conselho de Justiça, para se rever mais rapidamente as decisões dos tribunais militares, aparecimento dos advogados de defesa e abolição dos auditores regimentais; aumento das obrigações dos governadores das Armas das Províncias, com a subordinação dos governadores das fortalezas às suas ordens, compilação das informações semestrais dos oficiais, em vez de anualmente, para além de um maior controlo sobre o recrutamento. Uma das decisões importantes da administração  de Aires de Sá foi a criação a Academia Real de Marinha, que formava em partes iguais tanto oficiais para a marinha, como engenheiros para o exército.

A Secretaria de Estado começou a intervir mais claramente nos assuntos militares, quando foi entregue, em 15 de Dezembro de 1788, a  Luís Pinto de Sousa - um militar, com larga experiência colonial e diplomática -,  que impôs uma política de modernização do exército, que terá uma outra faceta, mais aristocrática, quando se dá a nomeação de D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões, para marechal general junto à Real Pessoa.

Os planos de cada um dos dirigentes do Exército eram de facto bem diferentes... Os do duque de Lafões são-nos conhecidos, sobretudo mas com algumas omissões, por meio da obra de Garção Stockler, Cartas ao autor da História Geral da Invasão dos Franceses em Portugal, de 1816, livro onde o secretário militar do duque, de 1797 a 1801, tentou explicar as suas acções durante as invasões francesas, e onde delineou as propostas do marechal general. Os pormenores de Garção Stockler são muitos, mas o que interessa de facto é constatar que o que o duque, assim como o grupo de oficiais aristocratas que girava à sua volta, queria era, de acordo com a teoria militar dominante em finais do século XVIII - a prussiana -, aumentar a aristocratização do corpo de oficiais do exército, que, se já tinha sido aristocratizado pelo marquês de Pombal em 1754 e 1759 e mais tarde, em 1763-1765, sob a direcção do conde de Lippe, tinha vindo a "aburguesar-se" novamente a partir da Viradeira, com a necessidade de recrutar sargentos para os postos de oficiais subalternos, devido ao aumento do número de companhias. A necessidade de oficiais subalternos, em 1776-1777, devia-se à preparação para a guerra com a Espanha, e à saída de inúmeros oficiais ingleses, escoceses e alemães, que compunham uma parte muito significativa do corpo de oficiais do exército pombalino reorganizado pelo conde de Lippe. Estes estrangeiros aproveitavam a Guerra de Independência dos Estados Unidos, para fazer progredir as suas carreiras militares, indo oferecer-se ao exército britânico e às forças auxiliares alemãs, com necessidade de oficiais devido ao aumento significativo dos efectivos militares mobilizados contra os norte-americanos.

De 1788 até princípios de 1801, devido aos seus poderes discricionários de secretario de Estado, é Luís Pinto de Sousa que dirigirá o exército, apoiando-se em antigos oficiais estrangeiros, a quem beneficia, e que por isso têm a sua carreira militar restabelecida, sendo os mais importantes exemplos Forbes Skellater e Jacob Mestral, o primeiro escocês, o segundo suíço, vindos ambos para Portugal em 1762. A maneira de controlar o aparelho militar é realizado por meio de alvarás, em que vai determinando as grandes linhas de actuação, e por meio dos decretos remetidos aos diversos tribunais, sobretudo ao Conselho da Guerra e à Junta dos Três Estados.

A principal área de desenvolvimento, para o secretário de estado, foi a educação militar, tendo recriado a Academia Militar - a Academia Real de Fortificação e Desenho (Carta de Lei de 2 de Janeiro de 1790), que permitiu que, mesmo que vagarosamente, se impusesse na oficialidade a ideia do mérito técnico e do profissionalismo, em confronto com a ideia da "qualidade social" de fidalgo; e impondo definitivamente a obrigação dos exames técnicos para os oficiais de Artilharia na passagem de posto na arma (Aviso de 9 de Maio de 1789). 

O reforço da componente profissional do corpo de oficiais, em detrimento, da social, é uma parte importante da política de Luís Pinto de Sousa, e é por isso que se determina que com a chegada ao posto de general qualquer oficial passe a ser considerado automaticamente Fidalgo da Casa Real (Decreto de 13 de Maio de 1789). De facto, esta medida que acaba de jure com a separação entre fidalgos e profissionais - ou mercenários -, é reforçada com a reforma das ordens militares, em que, pelo capítulo XXIX, se determina que a "Ordem de S. Bento de Avis seja destinada para premiar, e ornar o Corpo Militar", sendo que a coroa decidiu, para os serviços militares, "dispensar a todos ... a quem for servida premiar com o Hábito de Avis, de todas e quaisquer inquirições, e habilitações...", porque o antigo método impedia os oficiais que não eram fidalgos de serem premiados com o chamado hábito. De facto, com esta medida as comendas, se ainda representam uma renda, passam a ser, de facto, condecorações por serviço distinto. Estas medidas de institucionalização do Exército são reforçadas, por Aviso de 29 de Janeiro de 1791, com a proibição da acumulação de Ofícios pelos oficiais militares, obrigando-os a entregar o serviço efectivo a serventuários. Significativamente, a última  decisão desta época sobre privilégios é o alvará de 22 de Agosto de 1793, que determina que "a preferência das diferentes armas ficasse abolido", isto é, que a cavalaria - a arma da aristocracia por excelência, desde o reinado de D. João IV - deixasse de ser considerada a arma principal.

Com a participação de Portugal nas guerras contra a revolução francesa, começa em 1795, um novo ciclo de leis militares, que visam a melhoria das defesas marítimas e terrestres, assim como a  artilharia.

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Ao longo deste tempo a Secretaria de Estado vai aumentando os seus efectivos. Em 1793, a secretaria de estado tinha 19 funcionários, contando com o oficial-maior, o oficial de línguas, e o porteiro, o que parece insuficiente para os tempos conturbados que se vislumbravam.

Em 1801 devido à declaração de guerra espanhola, os assuntos militares são separados e entregues a uma Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra, para a qual é nomeado o duque de Lafões. A solução dura menos de 6 meses, mas vai fazer aumentar os efectivos da secretaria, que em 1807 tinha 28 oficiais, incluindo dois oficiais maiores, um oficial de línguas, o porteiro e, novidade, um guarda livros, o que é um aumento significativo de funcionários. Sobretudo se analisarmos os números na perspectiva que se segue. Com a divisão das secretarias, cada uma terá ficado, se tivessem sido divididas equitativamente, com 8 oficiais, não contando com os oficiais com postos bem definidos - o oficial-maior, o oficial de línguas e o porteiro. O aumento de 7 funcionários implica que, numa das "repartições" da secretaria, o número de "oficiais" tivesse duplicado. Claro que a nossa visão deste aumento não pode ser tão "aritmética", mas mostra-nos que o aumento de sete oficiais não foi, para o tempo, tão pequeno como à primeira vista poderia parecer.

 

Secretários de Estado da Guerra:

Marco António de Azevedo Coutinho - de 28 de Julho de 1736 a 1750
Sebastião José de Carvalho e Melo - de 2 de Agosto de 1750 a 1756
D. Luís da Cunha Manuel - de 6 de Maio de 1756 a 1775
Aires de Sá e Melo - de 2 de Setembro de 1775 a 1786
Martinho de Melo e Castro (interino) - de 1 de Abril a 1 de Maio de 1786
D. Tomás Xavier de Lima, visconde de Vila Nova de Cerveira (interino) - de 1 de Maio de 1786 a 1788
Luís Pinto de Sousa - de 15 de Dezembro de 1788 a 1801
D. João Carlos de Bragança, duque de Lafões - 6 de Janeiro a 23 de Julho de 1801
D. João de Almeida de Melo e Castro - de 1801 a 24 de Agosto de 1803
João de Sá e Melo, visconde de Anadia (interino) - de 24 de Agosto de 1803 a 1804
D. Pedro de Noronha, conde de Vila Verde - de 15 de Abril a 6 de Julho de 1804
António de Araújo de Azevedo - 6 de Julho de 1804 a 12 de Março de 1808

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