Restauração de Portugal
 
«Restauração de Portugal»
    

 

 

De 910 a 1910

 

Da génese da Monarquia Portuguesa ao início da República

 


 

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5.

 

Assim ficou o País. Pobre homem que tremeu, e com ele todo o sistema. Em 1755, umas cinco mil pessoas morreram sob os escombros da capital e durante o incêndio que se seguiu, e outras tantas no decurso do mês, devido a ferimentos recebidos e a ataques cardíacos. Quando a onda veio do Tejo, lá de longe do Oceano, lavou os crimes do Marquês.

 

Até 1786, D. Maria I (1734-1816) governou juntamente com o seu marido, o qual, por vontade da soberana, se intitulou D. Pedro III (1717-1786). Quando faleceu o regedor, a rainha governou só durante mais seis anos. Nos fins de 1791, enlouqueceu e, quando todas as esperanças de melhoras se desvaneceram, seu filho D. João (1767-1828) tomou conta da regência (1792), pois o filho mais velho, D. José (n. 1761), morrera em 1788.

 

Entretanto, quanto o Marquês, politicamente derrubou, D. Maria mandou repor.

 

Foi o princípio do fim do Antigo Regime.

 

Esse estilo de governo marcou a Europa na Idade Moderna. Na esfera política, era caracterizado pelo absolutismo, ou seja, uma monarquia absolutista, na qual o monarca concentrava em suas mãos os modernos poderes executivo, legislativo e judicial; na economia, vigorava o mercantilismo, marcado pela acumulação de capital realizado pelas nações. Outros “antigos regimes” em diferentes países europeus tiveram origens semelhantes, mas nem todos terminaram do mesmo modo: alguns evoluíram para monarquias constitucionais, enquanto os demais foram derrubados por guerras e revoluções.

 

Recordemos as Invasões Francesas, na informação que nos foi dada pelo Senhor Cor. Rui Moura, no tempo do Comando do Regimento de Infantaria 14, de Viseu, em 2009, que diz terem sido quatro:

“A Primeira Invasão francesa (1807), comandada por Junot, com as seguintes etapas: Novembro, 17 - As primeiras tropas francesas entram em Portugal, pela fronteira de Segura, na Beira Baixa. Dá-se a ocupação de Lisboa e todo o País; em Novembro, 30,  a vanguarda do exército francês, acompanhada por Junot, entra em Lisboa. Em Agosto de 1808 toma lugar a Batalha do VIMEIRO e, a 15 de Setembro, dá-se o embarque do general Junot e do exército francês em Lisboa.

A Segunda Invasão Francesa (1809), chefiada por Soult, teve o seu início a 10 de Março de 1809, quando o corpo de exército de Soult, tendo subido o rio Minho desde a foz até Orense e dirigindo-se depois para a fronteira portuguesa, entra em Portugal pela veiga de Chaves. Dá-se a ocupação da cidade do Porto. A 18 de Maio, o exército francês de Soult abandona Portugal por Montalegre, terminando, deste modo, a 2.ª Invasão. 

A Terceira Invasão Francesa (1810) foi liderada por Massena e teve o seu início a 24 de Julho, com a Batalha do Rio Côa. As forças do general Craufurd são derrotadas pelo corpo comandado pelo marechal francês Ney. Em Setembro, toma lugar a Batalha do Buçaco. A 5 de Abril de 1811, o exército francês comandado por Massena atravessa a fronteira entre Portugal e Espanha, em Aldeia do Bispo e acaba assim a 3.ª Invasão Francesa.

A Quarta Invasão Francesa – por último – toma lugar em 1812 e começa a 3 de Abril, com o exército francês, comandado pelo marechal Marmont, a invadir Portugal. É a pouco conhecida e muito curta Quarta Invasão francesa. A 6 de Abril seguinte, a divisão francesa do general Clausel tenta tomar Almeida, sem sucesso. Entre 6 e 9 de Abril, Badajoz é tomada de assalto pela infantaria anglo-portuguesa, sendo saqueada pelas forças britânicas nos três dias seguintes. As unidades portuguesas serão as forças que servirão para  repor a ordem na cidade, ´entre elas o Regimento de Infantaria 14.”1

A 8 de Abril, o exército francês estabelece-se à roda do Sabugal, investindo contra Castelo Branco; a 13 de Abril,  Pedrógão e Medelim são saqueadas pelo exército francês. A 14 de Abril, dá-se o combate da Guarda entre forças de cavalaria francesa e Milícias portuguesas que são desbaratadas, perdendo várias bandeiras regimentais e a 24 seguinte, o exército francês de Marmont retira de Portugal. A «4.ª Invasão» durou cerca de 20 dias.

Logo aquando da primeira, a Família Real partiu para o Brasil e, se pudesse, transferia Portugal para a América do Sul. Passados os maus tempos e de péssima política por parte de Portugueses e Ingleses em Portugal, a Família Real regressou a Lisboa onde encontrou o caos. Vinham D. João VI e a rainha, sua mulher D. Carlota Joaquina de Bourbon [1775-1830]. O reinado decorreu em época de grandes mudanças mundiais e em Portugal: a Revolução Francesa com a guilhotina, o rolar de cabeças de quantos os políticos sucessivos entendiam e de outros de que nem tinham conhecimento (nome dado ao conjunto de acontecimentos que, entre 5 de Maio de 1789 e 9 de Novembro de 1799, alteraram o quadro político e social da França influenciada pelos ideais do Iluminismo e da Independência Americana, em 1776), e a consequente guerra europeia, o Bloqueio Continental (a proibição imposta por Napoleão Bonaparte com a emanação, em 21 de Novembro de 1806, do Decreto de Berlim, que consistia em impedir o acesso a portos dos países então submetidos ao domínio do Império Francês a navios do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda - com o decreto buscava-se isolar economicamente as Ilhas Britânicas, sufocando suas relações comerciais e os contactos com os mercados consumidores dos produtos originados em suas manufacturas)., a Campanha do Rossilhão (invectiva militar em que Portugal participou ao lado do Reino Unido, contra a França que, na altura, atravessava a fase da Convenção: decorreu de 1792 a 1795, tendo Portugal enviado uma divisão reforçada denominada Exército Auxiliar à Coroa de Espanha), a guerra com a Espanha com a injusta perda de Olivença, as invasões francesas, a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821), a Conspiração de Lisboa em 1817 (movimento, liderado pelo General Gomes Freire de Andrade, durante o seu breve período de existência, esforçando-se no planeamento da introdução do liberalismo em Portugal, embora não tenha conseguido atingir os seus propósitos finais), a Revolução Liberal do Porto (movimento de cunho liberalista que teve lugar em 1820 e que acarretou consequências, tanto na História de Portugal quanto na do Brasil) e a independência do Brasil (processo que culminou com a sua emancipação em relação a Portugal, no início do século XIX, oficialmente, a de 7 de Setembro de 1822, quando ocorreu o episódio do chamado "Grito do Ipiranga") … foram a derrocada de um mundo e o nascimento de outro.

O triunfo do Liberalismo no nosso País foi precedido por uma conspiração abortada, de objectivos aparentemente mais políticos do que ideológicos. Os Portugueses sentiam-se abandonados pelo seu monarca; queixavam-se da constante drenagem de dinheiro para O Brasil na forma de rendas e contribuições; lamentavam o declínio comercial e o permanente desequilíbrio do orçamento; ressentiam-se da influência britânica no Exército e na Regência.

Nos inícios de 1820, o Liberalismo triunfou em Espanha. Intensificaram-se , então, os contactos entre Espanhóis e conspiradores Portugueses. O major-general William Carr Beresford (depois Master General of Ordnance) resolveu ir ao Brasil, com o objectivo de obter poderes mais amplos, tanto para melhorar o estado do Exército como para conjurar o perigo liberal.

Em Fevereiro de 1821, tropas portuguesas dos quartéis do Rio de Janeiro amotinaram-se, exigindo que D. João VI regressasse o Portugal. Ante os vários conflitos, só o rei poderia evitar uma guerra civil. Apressou-se a nomear Regente seu filho primogénito, em 22 de Abril de 1821, e, quatro dias depois, embarcou para Lisboa.

Ao chegar A Portugal, em Julho de 1821, depois de ter jurado as bases da futura Constituição, muitos liberais olharam-no com desconfiança, porque viram nele o dirigente natural de uma corrente de opinião conservadora e anticonstitucional2. Contudo, D. João VI não traiu o seu juramento desde logo, aceitando até, com certa boa vontade, tudo quanto as Cortes e os governos lhe foram impondo. É verdade que escolheu principalmente, ministros conservadores, mas, no conjunto e durante dois anos, comportou-se bem para um primeiro monarca constitucionalista. Já o seu herdeiro, Pedro de Bragança (1798-1834)3, no entanto, recusava-se a regressar, mandando avisar, em 9 de Janeiro de 1822, ante instâncias do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, que dissessem ao Povo que ficava no Rio.

A 7 de Setembro de 1822, D. Pedro declara a independência do Brasil e intitula-se de Imperador. O resto do reinado de João VI é passado em tentativas de reversão desta medida e de pacificação entre os filhos Pedro e Miguel (1802-1866 e Rei de Portugal, entre 1828 e 1834). Após o anúncio da morte de D. João VI (Março de 1826), D. Pedro I do Brasil foi reconhecido pelo governo vigente como rei de Portugal, como D. Pedro IV. Acumulou as duas coroas por poucos dias, o tempo de outorgar uma Carta Constitucional ao Reino europeu e de abdicar em nome de sua filha D. Maria da Glória, a rainha Maria II (1819-1853). Para os partidários do seu irmão absolutista, D. Miguel, porém, o inesperado advento de D. Pedro IV e, por conseguinte, o de D. Maria II seriam considerados ilegítimos, porque D. Pedro, sendo Imperador de uma potência estrangeira, não tinha quaisquer direitos em Portugal.

Foi, no entanto, rei do seu País entre 1828 e 1834, cobrindo o período da Guerra Civil Portuguesa [1831-1834], embora, segundo os partidários de D. Pedro, tenha sido um usurpador do título monárquico de sua sobrinha D. Maria da Glória. Por seu turno, os miguelistas contrapunham que D. Pedro I do Brasil perdera o direito à Coroa Portuguesa e, por isso, a designar-se um seu sucessor, – no caso, sua filha, D. Maria da Glória – era o que se impunha de imediato, desde o momento em que erguera armas contra Portugal, declarara a independência do Brasil e se tornara Imperador desse novo País.

Vejamos melhor: na década de 1820, D. Miguel liderou um movimento militar contra as forças parlamentares – a Vilafrancada – de que vêm a resultar a dissolução das Câmaras e o restabelecimento do poder régio absoluto (independente) de seu pai, D. João VI, que nomeou seu filho “Generalíssimo e chefe do Exército”. A reacção dos parlamentaristas organizou-se e projectou destronar o rei e restabelecer a Constituição de 1822, ao que D. Miguel respondeu com o que veio a ficar conhecido pela Abrilada. Regressado de Viena, via Paris e Londres, a Portugal, em Fevereiro de 1828 (depois de em Viena ter jurado a Carta Constitucional de 1826, perante a corte austríaca, com “reserva de todos os seus direitos” e a expressa determinação de esta ser previamente aceite pelos Três Estados do Reino, conforme seu decreto de outorga e realizado os esponsais com a sobrinha), em 30 de Abril de 1824, D. Miguel tenta travar a conspiração, convocando as tropas de todos os quartéis de Lisboa. Regente na menoridade da mulher, à sua chegada à capital, D. Miguel repete, nos mesmos termos, o juramento de fidelidade à Carta e à rainha, sua mulher. Pouco depois, convoca a reunião de Cortes, para decidir a sucessão no trono de Portugal.

Em 1831, o imperador D. Pedro vê-se na obrigação de abdicar do trono do Brasil em favor do filho, D. Pedro II, e parte para a Europa em busca de apoios para a causa de sua filha. O rei D. Miguel vê-se forçado a abdicar em favor de D. Maria II, através da Concessão de Évoramonte (26 de Maio de 1834). Parte para o exílio, em Julho do mesmo ano, tendo pernoitado, pela última vez em solo português, na vila alentejana de Alvalade. A rainha morreu em 1853 e foi sucedida por seu filho, D. Pedro V, ficando seu marido Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha-Koháry com o título de Fernando II a governar o Reino de acordo com as leis portuguesas, tornando-se Rei de Portugal jure uxoris, apenas após o nascimento do primeiro herdeiro, que foi o futuro D. Pedro V. Embora fosse D. Maria II a detentora do poder, D. Fernando evitava sempre que possível a política, preferindo envolver-se com a arte.

D. Fernando II foi, então, regente do Reino, por quatro vezes, durante os quatro períodos de gravidez de D. Maria II, depois da sua morte em 1853 e quando seu segundo filho, o rei D. Luís I, e a rainha D. Maria Pia de Sabóia se ausentaram de Portugal para assistirem à Exposição de Paris em 1867. D. Pedro V de Portugal [16 de Setembro de 1837 — 11 de Novembro de 1861), A 16 de Setembro de 1855, ao completar os 18 anos, é aclamado rei, presidindo, nesse mesmo ano, à inauguração do primeiro telégrafo eléctrico no País e, no ano seguinte, a 28 de Outubro, inaugura o caminho de ferro de  Lisboa ao Carregado. É também no seu reinado que se iniciam as primeiras viagens regulares de navio, entre Portugal e África, mais concretamente Angola (Luanda).

Dedicou-se deveras ao governo do Reino, estudando com minúcia as deliberações governamentais propostas. Criou ainda, o Curso Superior de Letras, em 1859, que subsidiou do seu bolso, com um donativo de 91 contos de réis. Nesse mesmo ano, é introduzido o sistema métrico em Portugal. Foi um defensor acérrimo da abolição da escravatura. Em 1858, D. Pedro V casa-se por procuração com a princesa D. Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringen, que veio a morrer no ano seguinte vítima de difteria. Sendo a saúde pública uma das grandes preocupações de ambos, foi juntamente com a sua mulher, a princesa D. Estefânia, que Pedro fundou hospitais públicos e instituições de caridade. Aliás, cumprindo os desejos por ela manifestados, o monarca, fundou o Hospital de Dona Estefânia, na capital.

Morreu, muito prematuramente, com apenas 24 anos, em 11 de Novembro de 1861, que, segundo parecer dos médicos, terá sido devido a febre tifóide.

D. Luís I de Portugal (1838-1889) foi o segundo filho da rainha D. Maria II e de D. Fernando II. Luís herdou o trono depois da morte do seu irmão mais velho, D. Pedro V, no referido ano de 1861. A 27 de Setembro do ano seguinte, casa-se, por procuração, com D. Maria Pia de Sabóia [1847-1911], filha do rei Vítor Emanuel II da Itália [1820-1878], primeiro rei de Itália, após a unificação.

Durante o reinado de D. Luís I e, em consequência da criação do imposto geral de consumo, que a opinião pública recebeu mal, deu-se o motim a que se chamou a Janeirinha (finais de 1867). Também a 19 de Maio de 1870, verificou-se uma revolta militar, promovida pelo Marechal Duque da Saldanha e que pretendia a demissão do governo. À revolta desse 19 de Maio, respondeu o monarca em 29 de Agosto, com a demissão do ministério de Saldanha, chamando ao poder Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, marquês de Sá da Bandeira.

Em Setembro de 1871, subiu ao poder Fontes Pereira de Melo, que organizou um gabinete regenerador, o qual se conservou até 1877. Seguiu-se o Duque de Ávila, que não se conservou no poder durante muito tempo por lhe faltar maioria. Assim, e depois do conflito parlamentar que rebentou em 1878, Fontes Pereira de Melo foi chamado outra vez, a fim de constituir gabinete. Consequentemente, os Progressistas atacaram o rei, acusando-o de patrocinar escandalosamente os Regeneradores. Este episódio constituiu um incentivo ao desenvolvimento do sistema republicano e da difusão dos seus princípios ideológicos. Em 1879, D. Luís chamava, então, os Progressistas a formarem governo.

No seu tempo, com a chamada Questão Coimbrã (1865-1866 - o primeiro sinal de renovação ideológica do século XIX, entre os defensores do status quo, desactualizados em relação à cultura europeia, e um grupo de jovens escritores estudantes em Coimbra, que tinham assimilado as ideias novas.) ocorreu a iniciativa das Conferências do Casino (uma série de conferências realizadas na primavera de 1871 em Lisboa, impulsionadas pelo poeta Antero de Quental e por Eça de Queiroz que insuflou no chamado Grupo do Cenáculo o entusiasmo para as realizar, o qual estava sob a influência das ideias revolucionárias de Proudhon - este grupo também passou a ser conhecido como Geração de 70 e tratava-se de uma série de escritores e intelectuais jovens e de vanguarda: as Conferências do Casino, ou Conferências Democráticas do Casino, foram uma réplica da anterior referida Questão Coimbrã.).

De temperamento calmo e conciliador, D. Luís I foi um modelo de monarca constitucional, respeitador escrupuloso das liberdades públicas. Do seu reinado merecem especial destaque o início das obras dos portos de Lisboa e de Leixões, o alargamento da rede de estradas e dos caminhos-de-ferro, a construção do Palácio de Cristal, no Porto, actualmente designado de Pavilhão Rosa Mota. Mas o mais importante: a abolição da pena de morte para os crimes civis (Lei de 1 de Julho de 1867, excepto para crimes militares, só resolvidos pela Constituição de 1911, mas sem efeitos globais)., a abolição da escravatura (25 de Fevereiro de 1869)4 e a publicação do primeiro Código Civil (o chamado Código de Seabra, de António Luís de Seabra, datando de 1 de Julho de 1867, sucessor das Ordenações Filipinas, impressas em 1603, quando já reinava Filipe II).

Em 1884, tomou lugar a Conferência de Berlim, resultando daí o chamado Mapa Cor-de-Rosa, que definia a partilha de África entre as grandes potências coloniais: Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra e Portugal. Fértil em acontecimentos, foi no governo de D. Luís I que se fundaram alguns dos partidos políticos portugueses: o Partido Reformista (1865), que ascendeu ao poder em 1868, o Partido Socialista Português (1875), com o nome de Partido Operário Socialista, e o Partido Progressista (1876), que chega ao poder em 1879. Quatro anos mais tarde, dá-se a realização do Congresso de Comissão Organizadora do partido Republicano. No final do seu reinado, o Partido Republicano apresenta-se já como uma força política perfeitamente estruturada.

D. Luís era principalmente um homem das ciências, com uma paixão pela oceanografia. Investiu grande parte da sua fortuna no financiamento de projectos científicos e de barcos de pesquisa oceanográfica, que viajaram pelos oceanos em busca de espécimes. Seguiu os passos de sua mãe, D. Maria II, mandando construir e fundar associações culturais. Em 1 de Junho de 1871, o soberano esteve no Seixal, uma vila que havia sido fundada pela rainha-mãe, para testemunhar a fundação da Sociedade Filarmónica União Seixalense. Neste mesmo dia, terminava a Guerra Franco-Prussiana.

D. Carlos I de Portugal [1863-1908] recebera, desde muito cedo, uma cuidada educação reservada aos sucessores reais, incluindo o estudo de várias línguas estrangeiras. Ainda jovem viajou por várias cortes europeias (Inglaterra, Alemanha, Áustria…). Foi numa dessas deslocações que conheceu a princesa francesa Amélia de Orleães [1865-1951], filha primogénita de Luís Filipe, conde de Paris (pretendente ao trono de França, sucessor de seu pai, Luís Filipe I).

Após um curto noivado, veio a desposar a princesa, em Lisboa, na Igreja de São Domingos, em 22 de Maio de 1886. Ainda como herdeiro do trono, esteve ligado ao grupo Vencidos da Vida, personificando uma certa esperança de renovação cultural. Foi logo no início do seu governo, que o Reino Unido apresentou a Portugal o Ultimato britânico de 1890. Segundo os seus termos, Portugal era obrigado a renunciar a um vasto território africano, ligando Angola e Moçambique, no que são hoje a Zâmbia e a Rhodésia. Este ultimato provocou uma vaga nacional de indignação contra a nossa “aliada” Inglaterra e um movimento generalizado contra a monarquia e o próprio rei, acusados de não terem dado a atenção devida aos territórios ultramarinos e às colónias, em geral, e, assim, terem comprometido os interesses da Nação. Após um curto noivado, veio a desposar a princesa, em Lisboa, na Igreja de São Domingos, em 22 de Maio de 1886. Ainda como herdeiro do trono, esteve ligado ao grupo Vencidos da Vida, personificando uma certa esperança de renovação cultural. Foi logo no início do seu governo, que o Reino Unido apresentou a Portugal o Ultimato britânico de 1890. Segundo os seus termos, Portugal era obrigado a renunciar a um vasto território africano, ligando Angola e Moçambique, no que são hoje a Zâmbia e a Rodésia. Este ultimato provocou uma vaga nacional de indignação contra a nossa “aliada” Inglaterra e um movimento generalizado contra a monarquia e o próprio rei, acusados de não terem dado a atenção devida aos territórios ultramarinos e às colónias, em geral, e, assim, terem comprometido os interesses da Nação. Registaram-se tumultos, por quase todo o lado, e, em 31 de Janeiro de 1891, rebentou na cidade do Porto, a primeira revolta republicana. Embora sufocada, deu para ver o futuro próximo do regime, o início de um novo reinado atribulado e, como, em breve, tudo acabaria.

A Ranha D. Amélia

© C. M. Sintra

A rainha D. Amélia

Mas ainda tiveram de ser percorridos vinte anos, com o Regicídio a marcar a segunda fase, a mais medonha, violenta, desumana e insensata de todas, a terminar o Sistema com a saída da Família Real do País. E ainda de como Portugal se encontrava na bancarrota, pois só assim, tal movimentação foi impossível e, deste modo, se perderam importantes áreas, o que veio a ser altamente criticado pelos seus opositores. Na verdade, a propaganda republicana aproveitou o momento de grande emoção nacional para responsabilizar a Coroa pelos desaires no Ultramar. Estalou, então, a revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, que, apesar de sufocada, mostrou que as ideias republicanas avançavam com alguma rapidez e intensidade nos tecidos operários e urbanos, amedrontando a Família Real. De facto, durante todo o reinado de D. Carlos, o País encontrou-se a braços com crises políticas e económicas, que se estenderam a África. Essas crises decorriam do envelhecimento do sistema conhecido como Rotativismo, pelo qual os dois principais partidos, o Regenerador e o Progressista, se alternavam no poder. Esta mecânica era possível não só pela atribuição de poderes pela Constituição, como pelo sistema eleitoral. De facto, quando um ministério cessava funções, cabia ao Rei designar outro, o que este fazia dissolvendo o Parlamento, marcando novas eleições e chamando para formar novo governo o partido que havia estado na oposição. Este não tinha outra função enquanto o novo parlamento fosse eleito, que não fosse precisamente o de organizar essas eleições. Naturalmente, dado o limitado corpo eleitoral (cidadãos masculinos, alfabetizados com rendimentos acima de certo valor), o partido no governo não falhava, mediante promessas e combinações com os dignitários locais, em conseguir a vitória eleitoral. Esta influência notava-se menos nos dois grandes centros urbanos, onde os partidos minoritários – o Partido Republicano Português e o Partido Socialista Português – conseguiam ter alguma expressão (sobretudo o primeiro), mas nunca de molde a ameaçar o resultado. Ao longo de todo o período do Rotativismo, nunca o partido no poder à altura das eleições falhou em garantir uma maioria nas Cortes, o que quer dizer que o Rei era o único garante da rotatividade, de quem se esperava, uma vez o governo fora de funções, que chamasse os do partido oposto para governar.

 

O sistema, de inspiração britânica, teve o seu período áureo entre 1878 e 1890, dando ao País a estabilidade que lhe faltara nas décadas anteriores. Por volta de 1890, no entanto, começou a dar mostras de desgaste, agravado pelas crises financeiras, provocadas quer pelo maciço investimento nas obras públicas feito durante o Fontismo, pontificado por Fontes Pereira de Melo, quer pelo investimento militar, levado a cabo em África para cumprimento do princípio de ocupação efectiva decidido na Conferência de Berlim, em 1889. A esta situação se juntavam os escândalos financeiros (como a Questão dos Adiantamentos) com que a propaganda republicana aproveitou para atacar o sistema, e com que a oposição atacava o governo.

A falta dos líderes carismáticos das décadas anteriores também pode ter tido influência no desagregar dos partidos tradicionais. Em 1901, dá-se a primeira cisão, com a formação do Partido Regenerador Liberal, liderado por João Franco, a partir de um número de deputados do Partido Regenerador. Para agravar a situação, dá-se em 1905 uma segunda dissidência, desta vez a partir do Partido Progressista, quando José Maria Alpoim entra em ruptura com o seu partido e funda a Dissidência Progressista. Ao contrário do movimento de João Franco, esta nova cisão parece ter sido motivada apenas pelas ambições pessoais do seu líder, e a dissidência progressista vai acabar por juntar-se a movimentos conspirativos com o Partido Republicano. Antes disto, no entanto, esta cisão vai acirrar os ânimos entre os partidos tradicionais, já que, aquando da acção de Franco em 1901, o Partido Progressista não se aproveitou dessa fraqueza do seu rival, mas agora o Partido Regenerador alia-se inicialmente aos Dissidentes. Isto foi considerado uma traição pelo líder Progressista, José Luciano de Castro, que prometeu vingar-se do seu rival Regenerador Hintze Ribeiro.

 

Após a queda de mais um governo de Hintze Ribeiro, o Rei decide chamar para formar governo o regenerador liberal João Franco, em quem passou a dedicar toda a sua confiança, chegando a tratá-lo por tu, como podemos ler nas suas cartas a João Franco. Este teve o imediato apoio dos Progressistas, com quem fez um governo de coligação (a chamada concentração-liberal). Estava consumada a vingança destes. João Franco afirma querer governar à inglesa (19 de Maio de 1906), prometendo o aprofundamento da democracia. Liquidada a questão dos tabacos, com o novo contrato dos tabacos de Outubro de 1906, João Franco dedicou-se à implantação das suas reformas, apresentando às Cortes as da contabilidade pública, da responsabilidade ministerial, da liberdade de imprensa e da repressão anarquista.

O apoio dado por D. Carlos a João Franco, assim como a manutenção da ditadura, não eram inteiramente apoiados pelos seus mais próximos. A rainha-mãe, D. Maria Pia, a rainha D. Amélia, o Príncipe Real e o seu irmão D. Afonso, eram contra este papel do Rei nos assuntos públicos. Já o seu secretário particular, o conde de Arnoso, bem como Joaquim Augusto Mouzinho de Albuquerque, e o Dr. Tomás de Melo Breyner eram defensores de João Franco. Por mais controverso que tenha sido este caminho, visava um objectivo preciso, que é bem visível na carta de D. Carlos ao seu amigo, o Príncipe Alberto do Mónaco, escrita em Fevereiro de 1907:

 

“Considerando que as coisas aqui não iam bem, e vendo os exemplos de toda a Europa, onde não vão melhor, decidi fazer uma revolução completa em todos os procedimentos do governo daqui, uma revolução a partir de cima, fazendo um governo de liberdade e de honestidade, com ideias bem modernas, para que um dia não me façam uma revolução vinda de baixo, que seria certamente a ruína do meu país5.

 

Na mesma carta, o rei dá conta dos seus medos, que acabariam por concretizar-se depois da sua morte:

 

 “Até ao momento, tenho tido sucesso, e tudo vai bem, até melhor do que eu julgava possível. Mas para isso, preciso de estar constantemente na passerelle e não posso abandonar o comando um minuto que seja, porque conheço o meu mundo e se o espírito de sequência se perdesse por falta de direcção, tudo viria imediatamente para trás, e então seria pior do que ao princípio6”.

 

Contra o conselho de D. Carlos (“não se apaga fogo lançando-lhe lenha.”), João Franco reaviva a questão dos adiantamentos (as dívidas da casa Real ao Estado), que antes dissera ter de ser resolvida no Parlamento, mas que agora o faz sem ele. Especula-se – diz Rui Ramos –, que visava prender o apoio do rei, dado que este já havia recusado antes dar a ditadura a Hintze ou a José Luciano, e não podia ter certeza do contínuo apoio do monarca, do qual dependia inteiramente a sua posição7.

 

É, precisamente, neste contexto de crescente oposição que se dá o episódio da entrevista ao jornal francês Le Temps, que veio acirrar ainda mais os ânimos e a contestação directa ao Rei. Nesta entrevista dada por D. Carlos ao jornalista francês Joseph Gaultier, o monarca reitera o seu apoio a João Franco, dizendo que esperou pela opção da ditadura até achar alguém com carácter para o efeito preciso.

O resultado desta entrevista que, supostamente, visava tranquilizar as praças financeiras acerca da estabilidade do País, teve um efeito muito negativo. A tradução do termo “carácter”, dita em francês no original, como possuidor de coragem e firmeza, foi vista no sentido português, implicando falta de carácter aos outros políticos. Também outros termos, como “Teremos eleições, teremos seguramente a maioria”, implicava uma falta de distanciamento face a um partido que ia contra o papel do monarca. A entrevista havia tido lugar por insistência de João Franco, mesmo com a oposição de outros franquistas (Vasconcelos Porto e Luciano Monteiro), de forma a cimentar a sua posição, mas teve um efeito contrário na oposição.

 

Apesar desta, o partido Regenerador-liberal de João Franco consegue tecer uma série de compromissos necessários com os círculos eleitorais de forma a garantir a esperada maioria, e são marcadas eleições para o Parlamento, o que poria fim à ditadura administrativa. É neste contexto de regresso a uma normalidade e estabilidade parlamentares, que republicanos e dissidentes progressistas decidem a agir pela força, levando a cabo uma tentativa de golpe de estado (28 de Janeiro de 1908).

 

Como era habitual no início de cada ano, D. Carlos partiu com toda a família para Vila Viçosa, a morada ancestral dos Bragança e o seu palácio preferido. Aí reuniu, pela última vez, os seus amigos íntimos (raramente levava convidados oficiais para a vila alentejana), promovendo as suas célebres caçadas. É nesta altura que tem lugar a tentativa de golpe de Estado já citada, que é gorada por pronta acção do governo, baseado na inconfidência de um conjurado, que tentou aliciar um polícia seu conhecido, com o resultado de que este foi dar parte do sucedido aos seus superiores. São imediatamente presos, além do comerciante, António José de Almeida, o dirigente Carbonário Luz Almeida, o jornalista João Chagas, França Borges, João Pinto dos Santos, e Álvaro Poppe. Afastados estes, a liderança do movimento recai sobre Afonso Costa, mas este também é apanhado, junto com outros conspiradores, entre eles o Visconde de Ribeira Brava e o Dr. Egas Moniz, de armas na mão, no Elevador da Biblioteca, de onde contavam chegar à Câmara Municipal. José Maria de Alpoim consegue fugir para Espanha, enquanto alguns grupos de civis armados, desconhecedores do falhanço, ainda fizeram tumultos pela cidade.

 

João Franco decidiu ir mais longe e preparou um decreto prevendo o exílio para o estrangeiro ou a expulsão para as colónias, sem julgamento, de indivíduos que fossem pronunciados em tribunal por atentados à ordem pública, o que se aplicaria aos revoltosos republicanos. O rei assinou o decreto ainda em Vila Viçosa , e conta-se que, ao assiná-lo, declarou: ”Assino a minha sentença de morte, mas os senhores assim o quiseram.”

 

A 1 de Fevereiro de 1908, a Família Real regressava a Lisboa, depois de uma temporada no citado Palácio Ducal de Vila Viçosa. Viajaram de comboio até ao Barreiro, onde apanharam um vapor para o Terreiro do Paço. Esperavam-nos o governo e vários dignitários da corte. Após os cumprimentos, a Família Real subiu para uma carruagem aberta em direcção ao Palácio das Necessidades. A carruagem atravessou o Terreiro do Paço, onde foi atingida por disparos vindos da multidão que se juntara para saudar o rei. D. Carlos I, que morreu imediatamente, após ter sido alvejado. O herdeiro D. Luís Filipe foi ferido mortalmente e o infante D. Manuel ferido num braço. Os autores do atentado foram Alfredo Costa e Manuel Buíça, e foram considerados à época os únicos, embora a historiografia recente reconheça que faziam parte de um grupo cuja acção visando o Rei, pelo seu papel de suporte a Franco, já fazia parte integrante do Golpe de estado gorado. Os assassinos foram mortos no local por membros da guarda real e reconhecidos posteriormente como membros do movimento republicano.

 

A morte de D. Carlos e do Príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, indignou toda a Europa, em especial, a Inglaterra, onde o Rei Eduardo VII lamentou, veementemente, a impunidade dos chefes do atentado. Esta impunidade ficou a dever-se à queda de João Franco, responsabilizado pelo ódio ao Rei e, mais justamente, pela falta de protecção policial, e pelo rápido retorno ao poder dos partidos tradicionais, tal como o monarca havia previsto na carta ao príncipe do Mónaco. D. Carlos não desconhecia os riscos que corria, mas também não achava que podia fugir deles, como ficou patente no seu desabafo ao seu ajudante de campo, tenente-coronel José Lobo de Vasconcelos, alguns meses antes:

 

"Tu julgas que eu ignoro o perigo em que ando? No estado de excitação em que se acham os ânimos, qualquer dia matam-me à esquina de uma rua. Mas, que queres tu que eu faça? Se me metesse em casa, se não saísse, provocaria um grande descalabro. Seria a bancarrota. E que ideia fariam de mim os estrangeiros, se vissem o rei impedido de sair? Seria o descrédito. Eu, fazendo o que faço, mostro que há sossego no País e que têm respeito pela minha pessoa. Cumpro o meu dever8. Os outros que cumpram o seu".

Na verdade morreu no cumprimento do seu dever. Sucedeu-lhe seu outro filho, D. Manuel II (1908-1910) que veio a exilar-se em Inglaterra onde morreu. Foi o último monarca de Portugal.

 


 

Notas

 

1. Acerca do historial deste Regimento, agora em Viseu e presentemente comandado pelo Senhor Coronel João Porto, veja-se Rui Moura, O 14 de Infantaria, Viseu, 2009. O Senhor Coronel Rui Moura era, então, o Comandante do Regimento de Infantaria 14 em Viseu.

2. A. H. de Oliveira Marques, História de Portugal…, 6.ª ed., Vol. III, Lisboa, Palas Editores, 1981, pp. 3 e ss.. Vide bibliografia referida pelo autor.

3. Imperador do Brasil, entre 1822 e 1831, sucedido aí por D. Pedro II, entre 1831 e 1889 e rei de Portugal, entre 1826-1834.

4. Manolo Florentino, Ensaios sobre escravidão, Minas Gerais, UFMG, 2003; Milton Meltzer, História ilustrada da escravidão, São Paulo, Ediouro, 2004 e A. J. Avelãs Nunes, Os Sistemas Económicos, Génese e Evolução do Capitalismo, Coimbra, 2006.

5. Rui Ramos, "D. Carlos", Lisboa, Temas e Debates, 2007, pp. 306-307

6. Id., Id., ibidem.

7. Ver Rui Ramos, “Idade Contemporânea (Séculos XIX a XXI), in  História de Portugal, coordenação de Rui Ramos, 2.ª ed., Lisboa, A Esfera dos Livros, 2009, pp. 439 e ss. e bibliografia aduzida.

8. “Rei D. Carlos, o Martirizado”, texto de Ramalho Ortigão, in Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 11 de Março de 1908; Mendo Castro Henriques, Dossier Regicídio – O Processo desaparecido, 2.ª ed., Lisboa, Tribunas, 2008.  

 

 

 

De 910 a 1910

 

Da génese da Monarquia Portuguesa ao início da República

 

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