Alegoria às Memórias da Academia das Ciências de Lisboa

Discurso de Sebastião Francisco de Mendo Trigoso

 

Discurso proferido pelo vice-secretário na sessão pública da Academia das Ciências de Lisboa de 24 de junho de 1814

 

O relatório das atividades da Academia durante o ano de 1813-1814, apresenta a pequena actividade científica realizada ao longo do ano, explicando-se a debilidade pela necessidade dos académicos concentrarem os seus esforços, desde 1808, na guerra contra a França napoleónica.

O discurso é interessante por relatar as dificuldades da vida intelectual em Portugal, da agricultura, e mesmo da continuação da feitura do dicionário, caso célebre de incapacidade da Academia realizar ao longo de toda a sua vida o projecto de produção de um Dicionário da Língua Portuguesa, tendo saído dois volumes, em 1793 e 1796, que abarcavam a letra A, não tendo saído, até 2001, mais nenhum volume. Encontra-se aqui pela voz do vice-secretário a resposta às eventuais perguntas sobre como tal foi possível.

O discurso torna-se importante quando lembra, claramente, uma muito importante consequência da Guerra Peninsular. O total isolamento de Portugal da Europa durante largos anos, não só no plano político, mas sobretudo no plano científico e cultural. Assunto que não tem sido notado na historiografia, e que para o orador é um assunto importante. De facto, esperava que  "o progresso dos conhecimentos humanos chegará facilmente àquele grau de perfetibilidade, a que a nação portuguesa em todos os tempos tem mostrado que é capaz de aspirar". 

 

 

«Que reunião de meios, e de esforços não será necessário empregar para ombrearmos com as outras nações cultas nos seus novos conhecimentos? Os tesouros que elas têm amontoado há mais de doze anos, são-nos quase desconhecidos.»

 

Senhores,

Tendo concorrido algumas vezes neste mesmo lugar, em tempos de amargura, em que nos era preciso um esforço extraordinário para atender a outros objetos, que não fossem a salvação da Pátria, e da independência Nacional; quão grande não deve ser o nosso contentamento por nos acharmos hoje outra vez reunidos, quando a nossa honra brilha livre de toda a mancha, quando estão cumpridos os nossos votos mais ardentes, e quando a Paz precursora de todas as prosperidades vem afugentar as nossas penas, e debuxar a expressão da alegria. Sobre todos os semblantes? Os males físicos e morais, que até agora nos oprimiam, estão desvanecidos, ou vão a desvanecer-se dentro de pouco tempo; e os nossos, esforços acabam de ser coroados com a mais ditosa recompensa: mas eles foram extraordinários em todo o sentido durante aquela época era necessário segurar ao mesmo tempo a glória das armas, e a das letras: e que constância podia ser bastante, para estas se não deixarem ao desamparo, quando os horrores da guerra devastavam o nosso País, quando víamos correr perto das próprias habitações o sangue dos nossos concidadãos?

Eu não pretendo trazer-vos à memória o calamitoso período, em que curvados, debaixo de um domínio usurpador vacilávamos ainda na incerteza do nosso último destino; nem tão pouco aquele, em que arrojando com um nobre entusiasmo os grilhões que pareciam de novo ameaçar-nos, perseguíamos o inimigo além das nossas Fronteiras; basta-me lembrar-vos, que durante estes mesmos períodos, não desamparou esta Academia o posto, que lhe havia, sido confiado, e que não só não ficarão estacionárias, mas ainda fizeram alguns progressos os seus estudos científicos e literários. Esta tinha mostrado a energia, que a animava no meio dos perigos e das calamidades; e devia igualmente dar-vos, dentro de pouco tempo, outro exemplo próprio a fazê-la credora dos vossos aplausos.  

O Deus dos Exércitos abençoou as nossas armas: uma vitória seguia-se a outra vitória, um triunfo a outro triunfo; o regato que no princípio corria pobre e vagaroso, engrossou, rompeu os diques, e desbaratou quantos obstáculos se lhe opunham; nada resiste ao valor português, e é, ele o primeiro que faz arvorar a Bandeira branca aos nossos opressores, envergonhados da sua própria escravidão. A força sustentada pelo despotismo ficou aniquilada; e que espírito poderia, no meio de tanta glória, conservar bastante sangue frio para se dedicar exclusivamente às meditações científicas, e deixar de seguir, ao menos com o pensamento, as ditosas fadigas, e imortais troféus dos nossos compatriotas?  

Tal era sem dúvida a situação do Reino inteiro, e principalmente a desta Academia, desde a última vez que aqui concorrestes: toda a sua atenção parecia reunir-se no objeto mais digno de ser contemplado, na sucessão de cenas as mais brilhantes, que uma imaginação, exaltada podia apenas conceber nos seus prestígios; mas quem se não deixou abater pelo terror, e pela desgraça, também se não devia deslumbrar com o resplandecente clarão da nossa glória. Os deveres contraídos por este Corpo continuavam a ser os mesmos, e era justo que o ardor a desempenhá-los continuasse também com igual atividade.  

Mas será por ventura isto bastante para aparecermos hoje em público de maneira que fique satisfeita a vossa expectação? Algumas circunstâncias particulares podem fazê-lo recear; a dispersão de muitos dos nossos sócios, empregados em objetos de interesse mais imediato e urgente, é uma delas; a prolongada ausência e grave moléstia do nosso secretário o senhor José Bonifácio de Andrada é a outra, pois não só o impedia de assistir a quase todas as nossas conferências, que tanto animava, mas até de ocupar agora um lugar, em que tanto se distinguia. Obrigada a Academia, por este extraordinário motivo, a confiar de mim a história das suas transações e estudos deste ano, eu temo justamente que eles pareçam diminutos e mesquinhos, em razão da grosseira pena, que vo-los vai traçar. O paralelo do que ides ouvir, com os Discursos que tendes ouvido em outros semelhantes dias, seria suficiente para me desanimar de todo: lisonjeio-me porém que não criminareis a Academia pelas faltas, que conhecerdes no seu Orador; e que atendereis principalmente à relação dos seus trabalhos, desculpando o estilo e linguagem, com que vos vão ser anunciados.  

A Enumeração dos acontecimentos, mencionados nos nossos Fastos, envolve desta vez sucessos calamitosos, cuja recordação excita ainda a nossa sensibilidade. É a parte mais difícil e penosa da minha tarefa, e eu me apresso a cumpri-la com o mesmo sentimento de amargura, com que o viajante atravessa as pavorosas solidões, e horríveis precipícios dos Alpes, impaciente de estender a vista sobre as férteis campinas da Itália, e sobre o pomposo espetáculo do Adriático. Roubou-nos a morte no decurso deste ano dois sócios honorários, que reuniam em si as qualidades próprias para o desempenho daquele lugar; o amor às Letras, e o exercício dos empregos mais eminentes. Tais foram o Arcebispo de Évora, o senhor D. Manuel do Cenáculo Vilas Boas; e o Patriarca Eleito de Lisboa e um dos Governadores do Reino, o senhor D. António de S. José de Castro. O primeiro tendo enchido uma longa carreira, repartida entre o estudo, e as obrigações do seu ministério, fez-se mais do que ninguém acredor do prémio, com que esta Academia costuma recompensar, principalmente aqueles dos seus sócios, cujo nome deve passar á posteridade na frente dos seus escritos: assim vós ouvireis o seu Elogio no fim desta Sessão. O segundo, consumindo grande parte da sua vida na austeridade de um Instituto, que separa os seus membros da comunicação dos outros homens, soube tirar partido disto mesmo para profundar os estudos da sua profissão, e aplicar as horas que lhe restavam ao conhecimento da nossa literatura. Existe uma prova desta verdade na reimpressão dos opúsculos do nosso célebre João de Barros, cuja raridade era tal, que se tinham feito quase desconhecidos; e é igualmente certo, que projetava ainda novos trabalhos desta natureza, quando as suas reconhecidas virtudes o fizeram subir à cadeira episcopal do Porto.  

Empregado então unicamente em apascentar a sua diocese, e instruir o clero, para o qual edificava um seminário amplamente dotado; mal presumia ele que uma repentina série de sucessos inesperados, e incalculáveis o viria pôr à testa do governo civil, económico, e militar daquela cidade, que durante um curto período se pode dizer que foi também o principal do Reino. Não é da nossa competência referir os acontecimentos desta época, tão fatal, quão gloriosa da nossa Restauração; outra melhor pena se empregará sem dúvida em os transmitir aos vindouros; e esta Academia ocupada exclusivamente em objetos científicos, inibiu-se a si mesmo tudo o que diz respeito aos políticos. Não posso porém passar em silêncio, que os seus serviços foram julgados de tão relevante natureza, que o conduziram a ser um dos governadores do Reino, e patriarca eleito de Lisboa.  

Foi então que esta Academia o nomeou seu sócio honorário; não era a adulação quem dirigia um semelhante passo, era a experiência comprovada pela história literária de todas as Nações, de quanto o amparo e proteção das grandes personagens é proveitosa ao adiantamento das ciências; elas são semelhantes à videira, que com o apoio de alguma árvore cresce, enrama, e dá frutos copiosos; quando isolada, recompensa apenas mesquinhamente as despesas do Agricultor.  

Não ficou por esta vez enganada a nossa expetação. Assíduo àquelas sessões académicas para que era convocado, vós concorrestes aqui com ele, ainda quando uma grave oftalmia lhe fazia penosa qualquer claridade. Zeloso pelo adiantamento da literatura nacional, ele achou nos manuscritos da Livraria da Cartuxa de Évora o livro chamado Da Virtuosa Bemfeitoria escrito pelo senhor infante D. Pedro nos princípios do século XV., e por conseguinte um dos antigos monumentos da linguagem portuguesa: apesar de estar escrito numa letra muito apagada, e quase ininteligível, ele estudou e descobriu a sua chave, fez traslada-lo na sua presença, não confiou de ninguém mais a sua revisão, e presenteou por fim a Academia com uma nitidíssima cópia, que ela conserva cuidadosamente no seu Cartório.  

Se um dos nossos sócios não vos devesse dar conta dos progressos da Instituição Vacínica, eu vos faria ver quanto este projeto de beneficência lhe era devedor, e quanto as suas exortações pastorais fizeram propagar nas duas dioceses que administrava, este incomparável preservativo. Far-vos-ia igualmente conhecer outros factos, que provam com toda a verdade o interesse que ele tomava por esta corporação, mas a escassez do tempo deve desculpar o meu silêncio; ela me obriga, ainda que involuntariamente, a contentar-me com as poucas linhas, que deixo consagradas à sua memória.  

Quanto não estimaria parar aqui com a narração aflitiva das nossas perdas! Mas um dos sócios efetivos da classe das ciências matemáticas, e que consagrou grande parte da sua vida á utilidade do Estado, merece sem dúvida que se lhe não roube um lugar, que os seus trabalhos tão dignamente lhe granjearam. A eles é que se deve a medição dos grandes triângulos para a carta geográfica de Portugal, e o adiantamento em que ela se achava quando a dureza dos tempos fez suspender aquelas operações; a eles se deve uma série de observações astronómicas, que a Academia fez imprimir nas suas Atas: a ele finalmente se deve o simples, e bem combinado, sistema de telégrafos de que se faz uso com tanta vantagem no nosso Reino. O senhor Francisco António Ciera merecia sem dúvida, que nos demorássemos mais a seu respeito, mas a continuação e publicação daqueles trabalhos que foram por ordem superior remetidos ao Arquivo Militar, formará o elogio mais agradável à sua memória, e o mais proporcionado ao seu merecimento.           

O último, que em ordem de tempo tem também um direito incontrastável á nossa recordação, é o senhor João Manuel de Abreu, sócio livre desta Academia. Ainda moço se aplicou ao estudo das matemáticas, ao princípio com seu mestre e amigo José Anastácio da Cunha, e depois na Universidade de Coimbra. Alguns infortúnios e desgostos ofuscaram esta época da sua carreira; porém a sua alma não sucumbiu a eles, e os seus, reconhecidos talentos o fizeram nomear lente da Academia Real da Marinha, e da cadeira de História no Real Colégio de Nobres. Eu tive a fortuna de ouvir as suas preleções neste último estabelecimento; e posso assegurar que jamais conheci pessoa dotada em grau mais eminente das qualidades necessárias para o magistério, que mais fizesse amar o estudo aos seus discípulos, e melhor obtivesse o seu afeto. Acérrimo propugnador, e defensor dos princípios matemáticos do seu primeiro mestre, e desejoso de divulgá-los, aos estrangeiros, achando-se em Paris, ele empreendeu a sua tradução: as importunações dos seus amigos, e a contemplação dos incómodos que o ameaçavam, nada foi bastante a desviá-lo deste intento. Enfim, entre aflições e pesares, de que esteve a ponto de ser vítima, é que ele acabou de imprimir aquela obra, de que tanto lustre resulta à nação portuguesa; depois do que, teve ainda a doce consolação de vir acabar os seus dias no seio da sua pátria.  

Tais foram aqueles de cujas luzes, e patrocínio nos vimos privados no decurso de um ano; em qualquer outra ocasião seria a sua falta por extremo sensível, porém na presente ela se podia olhar como uma calamidade, pelas poucas aquisições que a Academia estava em circunstâncias de fazer para a reparar; contudo, ela elegeu o senhor Justiniano de Melo Franco seu correspondente e colaborador da Instituição Vacínica: nomeou também Correspondente o senhor Joaquim Machado de Castro, e sócio estrangeiro a Mr. Haûy; querendo assim dar no primeiro dupla prova de gratidão, devida a um dos melhores artistas deste século, e que emprega os seus momentos de descanso no comércio das musas; e ao segundo um sinal do apreço, que a Academia e a Europa inteira faz dos seus importantíssimos descobrimentos mineralógicos e cristalográficos, e das suas virtudes sociais.  

Passando já a fazer a resenha dos trabalhos literários, e privativos dos membros, da Academia; eu chamarei primeiro a vossa atenção para as ciências físicas, que fazem a principal base dos seus estudos. A medicina, a química, a história natural, a física e a economia, são os diferentes troncos, em que elas se ramificam, e que eu tratarei promiscuamente.  

O senhor Francisco Elias Rodrigues da Silveira leu uma memória sobre a Digitalis purpurea, planta da classe das Mascarinas, bastante trivial, entre nós principalmente nas províncias do norte, e de que não há ainda muitos anos que a medicina tem sabido tirar um vantajoso e enérgico remédio para a cura de muitas enfermidades.  

O senhor Francisco de Melo Franco ofereceu um tratado completo de higiene, o qual merecendo muito a aprovação da Academia, foi logo mandado imprimir num volume separado; não só por não poder fazer parte das coleções académicas, pela sua extensão, mas porque a matéria é de uma utilidade tão geral, e está tratada com tanta clareza e exatidão, e até com um estilo tão elegante, que não se devem poupar meios alguns para vulgarizar este precioso trabalho, cuja impressão já chega ao meio.  

Se porém o método de prevenir as moléstias em geral forma uma parte tão importante da medicina, quanto o não deve ser aquela que trata de minorar ou impedir o contágio das que já uma vez se declararão? A peste, e a febre-amarela, nomes que repetidos bastam para fazer sentir uma espécie de horror, são as que se propagam mais facilmente, quase por todas as maneiras imagináveis, e cujo foco pode permanecer largos tempos, até talvez dentro de uma carta. Por esta razão julgava-se, ainda há pouco, necessário abrir todos os papéis, que vinham de terras infetadas ou suspeitas, com o fim de os passar pelo vinagre. Esta medida, que por uma parte podia parecer perigosa e impolítica, era por outra a única que ditava o bem da saúde pública, Lei suprema de todos os Estados. As belas experiências de Mr. de Morveau sobre a propriedade desinfetante dos ácidos, principalmente do muriático oxigenado, deram logo esperanças, que eles fossem um defensivo contra a propagação da peste; e algumas experiências diretas, acompanhadas de todos os argumentos que pode sugerir a analogia, assim o demonstraram convincentemente. Mas é o gaz muriático suscetível de atravessar os poros do papel, e destruir o fomes pestilencial, que se oculta dentro de uma carta, sem que seja necessário primeiro abri-la? É o que provam as curiosas experiências do senhor Bernardino António Gomes, o qual não satisfeito ainda com a eficácia deste agente, nem com a do gaz acetoso, que igualmente empregou, descobria no vapor do ácido sulfúrico, outro que ele reputa mais próprio para permear a matéria do papel, e desinfetar económica, e quase instantaneamente as cartas, e os corpos suscetíveis, que dentro delas estiverem fechados.  

O senhor Justiniano de Melo Franco leu uma memória intitulada: Tabelas comparativas do Estado da Puberdade, Fecundidade, Gestação, Grandeza individual, e termo da vida dos Animais mamíferos; e igualmente a Descrição das Vantagens de uma nova Cadeira obstetrícia, inventada primeiro pelo Dr. Stein, reformada e emendada pelo professor Osiander, e aperfeiçoada ultimamente segundo as suas próprias observações: era esta descrição acompanhada de um modelo em pequeno; e a Academia olhando este objeto; como muito digno da sua atenção (por dizer respeito à época mais essencial da existência humana, em que a reprodução da nossa espécie reclama todos os desvelos para ajudar a grande obra da natureza) mandou construir um modelo em grande da dita máquina, o qual não foi possível acabar a tempo de se expor aos vossos olhos.  

A análise das águas minerais é outro objeto de tão grande utilidade na praxe clinica, que todos os trabalhos tendentes a aumentar estes conhecimentos no nosso país, devem ser recebidos com todo o apreço. Assim sucedeu a uma memória que entregou o Ilmo. e Exmo. Sr. Visconde de Balsemão sobre os banhos dos Cucos junto â Vila de Torres Vedras, que há poucos anos se têm feito célebres por algumas curas prodigiosas.  

Estas águas são quentes, mas a sua temperatura varia à proporção da estação, e da quantidade da chuva, ainda que nem sempre por um modo uniforme: o estado da atmosfera, limpa ou nublada, influi nelas muito sensivelmente: estas alterações, que muitas vezes se observam no mesmo dia numa mesma nascente, fazem a sua análise mais dificultosa; a água de que se trata nesta memória foi tirada do banho vulgarmente chamado da Bomba; ela dá pela evaporação alguns produtos gasosos, como o gaz ácido carbónico, e uma pequena porção de hidrogénio sulfurado; e contém sais formados pelo dito ácido carbónico, e pelo sulfúrico e muriático, com a cal, ferro, magnésia, e soda. Estas observações são tanto mais estimáveis, que elas comprovam os resultados que tinha indicado o nosso sócio o senhor Francisco Tavares, que além disso observou nas mesmas águas uma grande porção de Nafta: eu mesmo a tenho visto muitas vezes formando uma espécie de teagem sobre a superfície dos Banhos.  

O mesmo senhor Visconde leu uma Descrição do Distrito da Marinha Grande, nas vizinhanças de Leiria, que compreende a notícia dos seus estabelecimentos. Não há talvez, em toda a extensão do Reino, um pequeno recinto onde o Observador tenha tanto a contemplar, quer o olhe pelo lado da Agricultura, quer pelo das manufaturas: uma parte da memória cujo extrato se vai ler nesta sessão, provará o que acabo de dizer.  

A Descrição Fíica e Económica da Vila da Ericeira ainda é obra da mesma pena, e igualmente o é outra Dissertação sobre a Agricultura da Província do Minho, e em particular no que toca ao ramo florestal.

Entre as ciências económicas não há nenhuma, que deva fixar agora tanto a atenção dos portugueses, como a agricultura; conforme o seu estado ela será para nós uma fonte inexaurível de riqueza e prosperidade, ou de abatimento e de miséria. Esta asserção tem ainda de vir a ser demonstrada pela experiência; e enquanto o não é, todos os escritos, que tratam deste assunto, são recebidos avidamente. Parece, a darmos crédito a alguns, que temos chegado neste ponto a um grande grau de perfeição, enquanto outros nos fazem sepultados na maior barbaridade. Longe de nós o falso patriotismo de apresentar a nossa nação como, grande agricultora, seria atentar do modo possível contra a felicidade pública: temos o mais belo clima, suscetível das produções mais variadas, o cultivo de algumas delas chega a ser perfeitamente conhecido, a nossa posição geográfica é sumamente vantajosa, os nossos operários não cedem a nenhuns da Europa, enfim tratou-nos a natureza como a seus filhos mimosos; são estes os bens com que podemos contar, e realmente não são poucos; mas ainda resta muito para fazer e uma das coisas mais urgentes é dar aos nossos agricultores uma suficiente instrução dos conhecimentos práticos da sua arte.  

Convencido desta necessidade ofereci à Academia um Projeto de Escolas rurais práticas, que me pareceram capazes de melhorar o nosso sistema agrário: foi este projeto remetido ao senhor Filipe Avelar Brotero para o examinar, e deu assim ocasião a ele escrever as suas Reflexões sobre a Agricultura de Portugal, sobre o seu antigo e presente estado, e se por meio de Escolas rurais práticas ou por outros ela pode melhorar, e tornar-se florescente? Esta obra aumentou consideravelmente o pequeno merecimento do meu opúsculo, pois é provável que sem ele nos não fossem conhecidos os princípios daquele sábio Professor, que está muito acima dos meus elogios.  

Outro lente da Universidade de Coimbra também sócio da Academia, o senhor Constantino Botelho de Lacerda lhe mandou uma Memória sobre a coesão artificial das madeiras; ele fez uma quantidade de experiências sobre diferentes paus principalmente do nosso país, unidos com grude, e ao mesmo tempo que reconhecia que a adesão do grude era mais forte, que a das fibras lenhosas, determinava. a força que era necessário empregar para estas se romperem.  

Porei o último remate ao que tenho para dizer sobre as ciências naturais com uma notícia botânica comunicada pelo senhor Anastácio Joaquim Rodrigues. Descobriu ele nas ruínas do Castelo de Almourol, um tronco de Cactus, da espécie chamada vulgarmente Figueira-da-índia, de uma altura prodigiosa: todos conhecem aquele arbusto bastante trivial entre nós; mas nem todos sabem, que na sua velhice ele tem por  base um tronco pardo, lenhoso, e que não costuma ser muito alto: o comprimento total do de Almourol é-nos desconhecido, mas um toro cortado dele, e que veio para a Academia, tem cento e cinquenta polegadas de altura, e perto de vinte de diâmetro na sua maior grossura. Qual não deve ter sido a duração daquela árvore, que provavelmente é coeva das primeiras ruínas deste monumento dos Templários!  

As ciências matemáticas continuaram também a fazer alguns progressos, quer nos seus princípios, quer nalgumas das suas aplicações. O senhor Francisco Simões Margiochi nos seus Fundamentos da Algoritmia, deduziu de algumas proposições elementares da álgebra, por um modo simples e elegante, fórmulas logarítmicas próprias para demonstrar as propriedades destes números.  

O senhor Mateus Valente do Couto numa memória intitulada Breve Ensaio sobre a dedução Filosófica das operações Algébricas compreende uma teoria luminosa das operações e sinais algébricos, deduzida com muita clareza da operação primitiva da adição.  

Este mesmo sócio ofereceu também um breve Tratado da teoria da construção naval, para dela se derivarem as regras práticas relativas à construção, carregação, e manobra dos navios. Este escrito era destinado a formar a primeira parte de um compêndio para a Aula de Construção naval, e por diferentes motivos não chegou a concluir-se; mas ainda mesmo olhado sobre si, e como um exame das forças, a que fica sujeito um Navio, logo que se acha flutuando, ele não diminui o nome, que o autor tem ganhado com as suas outras publicações.  

O senhor Francisco de Paula Travassos apresentou uma Tábua Cosmográfica dos Portos, Ilhas, e Lugares das Costas Marítimas, a qual é tirada das Efemérides de Coimbra, mas as latitudes e longitudes de Lisboa; trabalho enfadonho e muito inferior às suas forças, mas de que havia sido incumbido, para se juntar às Tabuadas perpétuas Astronómicas para uso da Navegação Portuguesa, que estão debaixo do prelo.  

Finalmente o senhor Paulo José Maria Ciera entregou as suas Observações Astronómicas, feitas no Observatório da Marinha no ano de 1807, e nos que se seguiram até 1811. Semelhantes Observações, que a Academia se tem feito um dever de publicar logo que lhe são entregues, principiaram em 1778, e que tem depois sido continuadas, e interrompidas por diversas vezes: agora porém que se determinou para elas um estabelecimento permanente, é de esperar que o zelo daquele sócio nos habilite a divulgá-las de uma maneira mais regular.  

Depois das ciências físicas e matemáticas segue-se a literatura, terceira ramificação dos estudos académicos. Nesta parte fizemos este ano uma aquisição importante de alguns manuscritos do senhor Joaquim de Foios. São três traduções do grego, a primeira da Cyropedia de Xenofonte, a segunda da Expedição do mesmo Cyro à Ásia alta, e a terceira da Oração de Licurgo contra Leócrates. Estas obras postas em linguagem, e com as anotações de um dos nossos melhores helenistas, são muito merecedoras de ver a luz pública, e sem dúvida conseguirão este benefício, logo que as circunstâncias permitam prover-se a nossa tipografia dos caracteres necessários.  

 Não somente se fez conhecida esta parte da História antiga, fizeram-se também esforços para romper as trevas que o tempo, e a falta de notícias espalharam sobre alguns pontos da moderna: por isso o senhor João Pedro Ribeiro, continuando nas suas indagações diplomáticas, apresentou três dissertações, uma sobre o uso do papel selado no nosso reino, outra sobre os documentos divididos pelas letras do alfabeto e a terceira sobre os sinais públicos, rubricas e assinaturas empregadas nos nossos diplomas. Estas merias acompanhadas de sessenta e quatro documentos, até agora inéditos, correm já impressas, e formam a segunda parte do 3.º volume das suas Dissertações Cronológicas e Críticas.  

Este estudo das nossas antiguidades tão útil, e indispensável, é ao mesmo tempo árido e escabroso; e o senhor Alexandre António das Neves veio a propósito tornar mais amenas algumas das nossas conferências, com a leitura da sua Tradução de Ester, produção inimitável do imortal Racine. Esta Tragédia, que respira os mais nobres sentimentos de Religião e de Piedade, e cujos coros sobretudo têm um estilo simples e terno, que vai direito ao coração, devia, há mais tempo ter passado para a nossa linguagem, se mil dificuldades não fizessem desanimar o comum dos tradutores. Não é por certo pequena glória telas sabido vencer, e passar para o português no mesmo número de versos as belezas do original.  

Eu tive também a honra de ler o Elogio Histórico do senhor frei João de Sousa, religioso da Terceira Ordem da Penitência, professor Régio de língua arábica, e sócio desta Academia, falecido no ano de 1812; e li igualmente uma extensa Memoria a respeito do nosso célebre Matemático Martim de Boémia, sábio muito conhecido e nomeado entre os estrangeiros, e do qual entre nós se conservam escassas e pouco exatas notícias.  

Além dos trabalhos individuais, que até agora tenho numerado, conta a Academia outros, feitos em comum pelas suas comissões, de que igualmente vos devo dar notícia. A Instituição Vacínica continua com o mesmo zelo e atividade, com que se tem distinguido desde o seu princípio: a ela se deve ter vacinado este ano uma grande quantidade de indivíduos, entre os quais 8.527 tiveram vacina verdadeira, fora outros, muitos, que igualmente a teriam, mas que não se apresentaram a tempo de isto se verificar. Que de vítimas pois não se subtraíram a uma morte antecipada! Que de cidadãos conservados ao Estado! E que satisfação não devem experimentar, aqueles que concorreram para uma tão nobre empresa, que se tem estendido a todas as províncias! Mas eu conheço que estou usurpando um direito, que hoje me não pertence, e o senhor Francisco Elias Rodrigues da Silveira deve logo anunciar-vos os louváveis esforços da instituição, e dos seus beneméritos correspondentes.  

A Comissão de Historia traz entre mãos duas obras importantes, que os eruditos desejam há muito tempo: é a primeira a publicação das antigas Crónicas do Sr. Rei D. Pedro I, e D. Fernando; escritas ao que parece originalmente por Fernão Lopes, e retocadas depois pelo outro cronista Rui de Pina. É certo, que José Pereira Baião tinha já imprimido a Crónica do Sr. D. Pedro, mas com uma frase tão adulterada, que ela se podia ainda reputar como inédita; pelo contrário a Crónica do Sr. D. Fernando faltava totalmente à nossa Literatura. Estas edições, que já entraram no prelo, são feitas escrupulosamente sobre os manuscritos da Torre do Tombo, cotejados com os da Biblioteca Pública, e com os que o Ilmo. e Exmo. senhor marquês de Tancos teve a bondade de confiar da Academia, que gostosa se aproveita desta ocasião, para lhe dar uma prova autêntica do seu reconhecimento. 

O segundo trabalho em que se emprega a comissão é coligir cronologicamente os principais, e mais importantes documentos da História de Portugal, debaixo de qualquer aspeto que seja considerada. Este projeto concebido há bastantes anos por um dos nossos sócios mais distintos, e que mais se desvelava pelo adiantamento das ciências, e da literatura nacional, o senhor José Correia da Serra, foi aprovado pela Academia, que, logo mandou alguns dos seus Membros a examinar a maior parte dos Cartórios do Reino; mas suspendeu-se depois por algum tempo, em consequência de circunstâncias calamitosas, que não deixavam nem os meios, nem o sossego de espírito necessários para uma empresa tão prolixa. Como porém entretanto aquela primeira ideia estava apenas adormecida, despertou novamente, mal começaram a ouvir-se as vozes, que auguravam o nosso descanso e felicidade. A Comissão criada há pouco mais de um ano, principiou por examinar a grande coleção destes diplomas, que com tanto trabalho tinha sido feita, e remetida para o nosso cartório; e não contente ainda com isto, faz novas indagações no Real Arquivo, e no do Mosteiro de S. Vicente de Fora; ambos minas riquíssimas destas preciosidades, mas onde é necessária toda a perícia da parte do operário, para não confundir o diamante com o cristal rocha, e para o lapidar de modo, que brilhe em toda a perfeição.  

O primeiro destes dois trabalhos, isto é, a impressão das crónicas, está já principiado, e continuará sem interrupção; o segundo caminha com um passo mais vagaroso, e mediará ainda bastante tempo, antes que acabe de aprontar-se o primeiro volume, que deve conter os Monumentos anteriores à Monarquia, e até ao fim do século XII.  

Resta ainda falar da Comissão de Língua, estabelecida ao mesmo tempo que a de História; e sinto ter a anunciar-vos, que os seus trabalhos estão em parte suspendidos interinamente. Era ela incumbida com particularidade da continuação do Dicionário da Língua Portuguesa; e como esta é uma das obras de maior interesse para a literatura nacional, parece que não será fora de propósito dar uma ligeira ideia dos motivos, que obstaram ao seu adiantamento.  

O Vocabulário de uma língua morta, pode ser composto debaixo de um de três planos; ou contendo só as palavras e frases dos tempos, em que ela se escrevia com pureza; ou escolhendo tão-somente os vocábulos e expressões bárbaras que se introduziram na sua decadência; ou ajuntando promiscuamente no mesmo corpo umas e outras, com a indicação das autoridades que as abonam. Em qualquer língua que não está em uso, o trabalho do dicionarista é regulado por uma destas três normas. Ele pode escolher a seu arbítrio, certo de que a revolução dos séculos nunca há-de aumentar, nem diminuir o merecimento intrínseco e absoluto da sua obra.  

Pelo contrário as línguas vivas marchando num sentido diferente, se, por um lado perdem, pelo outro acrescentam todos os dias os seus cabedais; o que hoje é neologia, passa brevemente a ser usado; e o que há pouco era puro e corrente vem a olhar-se como expressão antiquada. Um Dicionário numa língua destas, nunca pode ser perfeito, senão respetivamente ao tempo em que se escreveu.  

Mas para se adquirir esta mesma perfeição relativa, qual é o método que deve buscar uma sociedade de literatos incumbidos de tal empresa? Dois são os caminhos que até agora se têm trilhado: ou esta sociedade se compõe de homens de reconhecido merecimento, e empreende este projeto no século áureo da literatura nacional, e neste caso ela se erige em legisladora, e determina decididamente o uso e regras da linguagem: ou o vocabulário é composto em tempos de decadência, em que o idioma está contaminado com dicções e neoterismos estrangeiros, e então tem os dicionaristas (que não se devem considerar livres do mesmo mal) de se regular pelo que se acha escrito em tempos mais felizes, em que ele florescia com mais elegância, pureza, e majestade.  

Os sócios da Academia Francesa, que escreviam no século das luzes, e das belas letras, no reinado de Luís XIV seguiram com razão o primeiro destes sistemas: os sócios da Academia Real das Ciências de Lisboa, que publicaram as primícias do seu trabalho no ano de 1793, seguiram, e também com razão, o segundo.  

Tomando pois somente por guia a autoridade alheia, leram a maior parte dos autores do século chamado de quinhentos, e escolheram os que o juízo geral dos homens doutos tinha já antecipadamente recomendado do século seguinte, em que a linguagem principiava a marchar para a sua ruína com passos agigantados; e parando assim no princípio do século passado, prescindiram de quanto se tinha escrito depois, e até aos nossos dias. Não porque não reconhecessem nesta época bastantes escritores puros, elegantes, e por isso dignos de toda a estimação; mas porque pensaram que eles não deviam ser julgados (com uma espécie de menoscabo dos outros a quem se preferiam) senão por um tribunal competente, isto é, pelo juízo público, que é quem confirma pelo andar do tempo as decisões em matérias de gosto, que de outra maneira podem ser precipitadas ou influídas.  

Tal foi o plano do primeiro volume do Dicionário, tal foi também o que a Comissão quis adotar para o segundo; contudo era ela a primeira a refletir, que a obra podia ser olhada como defeituosa e imperfeita; por isso que de alguma sorte supunha a língua estacionária durante o último século: visto porém, que fiel aos seus princípios, não podia fazer uso do seu juízo particular na escolha destes autores modernos, determinou seguir a mesma vereda, que já tinha principiado a trilhar a outra Comissão que a precedera.  

Era porém necessário obter o voto da Academia, a quem se dirigiam todos aqueles trabalhos; e esta, ouvindo por escrito, e de viva voz a sua classe de literatura, não aprovou aquela restrição; pelo contrário tendo em vista a maior perfeição da obra, e o desar com que podia aparecer aos olhos de alguns críticos, e mostrando sobretudo uma confiança ilimitada nas forças e luzes da Comissão, determinou que esta se fizesse cargo dos principais escritores do século passado, e até aos nossos dias; ficando a seu arbítrio determinar o seu merecimento, e por de parte os que não fossem da sua aprovação.  

Esta decisão era sumamente honrosa; mas os dois novos trabalhos que acresciam à prolixa e fastidiosíssima tarefa que já se havia encetado, fez desanimar os membros da Comissão, que não se consideravam aptos para contrair um tão grande empenho. Era necessário ler atentamente perto de mil volumes, extratar as suas frases e termos, ou para melhor dizer copiá-los mais de uma vez; era necessário alfabetar esta coleção imensa, para depois escolher e joeirar, segundo regras fixas e anteriormente estabelecidas, o que fosse mais digno de se aproveitar; era necessário buscar etimologias, definições, enfim tudo o que constitui os materiais da grande compilação do tesouro da língua portuguesa; e era sobretudo necessário, antes de qualquer destes trabalhos, formar um juízo crítico dos escritores modernos; matéria difícil de sua natureza, ainda mesmo que se olhe despida de algumas circunstâncias, que a tornam melindrosa e cheia de espinhos. Eu tinha a honra de ser um dos cinco membros da Comissão, quando se deliberou sobre este objeto; e posso assegurar-vos que só depois do mais maduro exame, e de conhecer que os seus ombros eram sumamente fracos para suportar um tão grande peso é que ela se resolveu, ainda que com custo e pesarosa, a suspender nesta parte o seu trabalho, reservado talvez para tempos mais felizes, em que maior concurso de sócios, e de meios segure o cabal desempenho dos votos e importantes projetos da Academia, e da sua classe de literatura.  

Tais foram os estudos desta sociedade durante o último ano, ela desejava poder dar-vos conta de outros, que tinha promovido fora deste recinto, pelo concurso aos prémios do seu programa; mas esta mesma esperança era limitada, por conhecer que no meio da guerra poucas pessoas se poderiam dedicar a trabalhos aturados: conhece ainda agora que as ciências se hão-de sentir talvez por longo tempo do estado de opressão, por que passaram; semelhantes aos pêndulos, que depois de ter cessado a força, que lhes deu o primeiro impulso, continuam a fazer oscilações progressivamente menores, até virem a ficar em quietação. Com efeito não apareceu senão uma memória, a qual não pode ser coroada. É um esboço do estado da agricultura da Comarca de Castelo Branco, onde há factos interessantes, e bastantes ideias que se podem aproveitar: como porém tudo o que ali se diz relativo a alguns dos programas propostos, é antes indicado do que tratado, não pôde a Academia conferir nenhuma das medalhas destinadas àqueles assuntos; sem embargo do que, desejando dar ao autor uma prova do quanto aprecia os seus conhecimentos, mandou-lhe passar a carta de correspondente, e tendo-se para isso aberto o bilhete que continha o seu nome, achou-se ser o senhor João de Macedo Pereira da Guerra Forjaz.  

Os outros prémios de agricultura, que o zelo e beneficência do governo destes Reinos a tinha habilitado para oferecer aos lavradores, que mais se distinguissem no cultivo das batatas, ficaram igualmente por distribuir, à exceção de dois; um dos quais foi adjudicado ao Sr. Francisco Joaquim Carvalhosa, assistente no lugar do Arneiro, Comarca de Alenquer, e o outro ao senhor Francisco Luís Ferreira Tavares, do Lugar da Palhaça, Comarca de Aveiro, os quais ambos, cada um no seu distrito, tiveram uma ampla colheita daquelas raízes. A Academia, conferindo estes prémios, não pode deixar de lamentar amargamente as desastrosas calamidades, que entorpeceram os povos de algumas das nossas terras invadidas, e que a embaraçam de distribuir o depósito que se lhe confiou, para animar aquele precioso ramo de indústria nacional.  

A Biblioteca, e Medalheiro Académico também se locupletaram neste mesmo período com os dons de algumas pessoas que se interessam pela nossa prosperidade. O senhor João Pedro Ferreira Cangalhas ofereceu um exemplar das suas Tábuas de Unidades de peso e medida de Lisboa e Londres. O senhor frei Diogo de Melo e Meneses, professor régio nesta corte, mandou um exemplar da sua Arte Gramático-Filosófica para aprender a língua latina. Os redatores do Jornal de Coimbra entregaram vários números do seu periódico.

Os nossos sócios os senhores Francisco de Borja Garção Stockler, e José Maria Dantas remeteram da corte do Rio de Janeiro, o primeiro um exemplar das suas Cartas ao Autor da História da invasão dos Franceses em Portugal; e o segundo o seu Elogio Histórico do Sr. Infante D. Pedro Carlos. O benemérito diretor da classe de ciências exatas, o senhor José Monteiro da Rocha presenteou a Academia com as suas Tábuas Astronómicas, o senhor Francisco Manuel Trigoso com a continuação das Obras de António Diniz da Cruz, que formam o quarto volume das suas Poesias, e o senhor António de Araújo Travassos com um folheto em que responde a algumas objeções, que se haviam feito aos seus descobri mentos sobre a destilação e outros assuntos. Finalmente o senhor Joaquim Machado de Castro enriqueceu-nos com algumas obras estrangeiras; e com uma coleção das suas que tem publicado até ao presente.  

Foi esta remessa acompanhada de algumas medalhas modernas, e o senhor Francisco Xavier de Almeida Pimenta, correspondente da Instituição Vacínica, aumentou também num semelhante donativo, que havia feito no ano passado; mas o maior mimo desta natureza foi feito pelo senhor frei Bento de Santa Gertrudes Magna, cartorário da Congregação Beneditina, o qual ofereceu uma quantidade de medalhas romanas do Baixo-Império, achadas todas na Freguesia de Marecos, junto à Cidade de Penafiel.  

Tenho-vos, senhores, dado conta do que sucedeu mais notável em o último ano da nossa carreira literária: todos trabalharão, apesar das dificuldades que ponderei no princípio deste discurso, para não desmentir da nobre confiança, que a nação parece ter posto nesta Academia. As obras que hoje mesmo se publicam mostrarão até que ponto ela é merecida. Mas ou se repute grande, ou diminuta, a extensão destes trabalhos, que imensa carreira nos não resta para caminhar? Esta mesma paz que veio felicitar-nos, e abrir a comunicação com o resto da Europa, de que tantos anos havíamos sido privados, em que atrasamento nos vai achar a respeito dos seus novos descobrimentos e escritos nas ciências, nas Artes, e na literatura? Que reunião de meios, e de esforços não será necessário empregar para ombrearmos com as outras nações cultas nos seus novos conhecimentos? Os tesouros que elas têm amontoado há mais de doze anos, são-nos quase desconhecidos; e a nossa situação é de alguma sorte semelhante á daquele que depois de uma longa peregrinação, fosse obrigado a estudar de novo as ruas, e praças da cidade em que foi criado, pelas grandes alterações e melhoramentos feitos durante a sua ausência.  

Esta consideração ainda que penosa, deverá incitar-nos a redobrar de zelo, e atividade na nossa empresa. Nós pomos uma confiança ilimitada no patrocínio do governo, que ainda nos não faltou, e nas luzes dos sábios espalhados pelo corpo da nação, que se dignaram auxiliar-nos: munidos com estes socorros tudo nos será fácil; sem eles tudo dificultoso. Uma nobre emulação tem até agora prevalecido sobre o egoísmo apático, e feito reviver no momento do perigo todas as virtudes sociais, patrióticas, e militares; e porque não continuará ainda esta emulação a estimular-nos para o amor das ciências e da literatura como nos felizes reinados do senhor D. Joao II, e D. Manuel? Quando a nação portuguesa em esta brilhante época, impelida pelos mesmos sentimentos que agora, desbaratava os seus inimigos na Europa; estendia o seu comércio na África, alcançava o respeito de toda a Ásia, e fundava novas colónias na América, então mesmo ela produzia os Barros, os Resendes, os Camões, os Pedros Nunes, e tantos outros escritores estimados entre os mesmos estrangeiros: a nossa glória militar não é agora por certo menor do que o foi naquele tempo; por que razão pois o não há de igualmente ser a literária? Por que razão o país que converteu dentro de cinco anos as suas novas levas em soldados experimentados e valentes, não dará aos estudos aquele impulso próprio para lhe fazer reassumir o brilhante nome, com que já foi conhecido na Europa?

Basta somente quere-lo, e o progresso dos conhecimentos humanos chegará facilmente aquele grau de perfectibilidade, a que a nação portuguesa em todos os tempos tem mostrado que é capaz de aspirar.

 

Fonte:

História e Memórias da Academia Real das Ciências de Lisboa, tomo IV, parte 1, Lisboa, Na tipografia da mesma Academia, 1815, págs. i-xxiv.

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