VIAGEM A LISBOA DO PRÍNCIPE FREDERICO AUGUSTO
DA Saxónia, EM 1688

O futuro Frederico Augusto I, O Forte, eleitor da Saxónia a partir de 1694, e rei da Polónia com o nome de Augusto II em 1697-1704 e 1709-1733, visitou Portugal em 1688. O príncipe terminava uma grande viagem de estudos, tipo de viagem que, no século 18, ficará conhecido como Grand Tour. Tinha estado em França e em Madrid, onde segundo parece, foi recebido friamente. A situação diplomática pode ter contribuído para isso, já que o Eleitorado da Saxónia não tinha aceite participar na Liga da Augburgo, criada pelas potências europeias contra a França de Luís XIV, e que ficará conhecida por Grande Aliança, quando a Inglaterra aderir, no ano seguinte.

 

«DO MODO QUE FOI RECEBIDO E TRATADO NESTA CORTE
O FILHO SEGUNDO DO DUQUE DA SAXÓNIA»

 

Frederico Augusto I da Saxónia

© Barockschloss, Moritzburg

Augusto II de Saxe (c.1728)

Em Fevereiro de 1688, chegou a Lisboa um filho segundo do duque da Saxónia. Pediu audiência pelo secretário de Estado, de sua majestade, da rainha e da senhora infanta. Concedeu-se-lhe para dali a dois dias às 10 horas da manhã. Armaram-se as casas do Paço com as armações melhores que havia, e a câmara do rei com a armação de seda e ouro da China, e bem alcatifada.

Estava na dita câmara um só bufete com uma cadeira, e não pareceu que houvesse ali cama. Teve ordem o marquês de Marialva D. Pedro de Meneses1, para ir conduzir2 o príncipe ao topo da primeira escada, que vai para a Casa dos Moços do Monte, e o levou à sua direita até à câmara do Rei.

Sua Majestade estava de pé, com o chapéu sobre o bufete, e quando o príncipe chegou deu três passos a recebê-lo, e nesta forma, em pé e descoberto, lhe falou, sendo intérprete o Padre Leopoldo3, confessor da rainha. Na casa estava o mordomo-mor, o estribeiro-mor e o camarista da semana, que era o marquês de Marialva. Todos saíram para fora, logo que o príncipe chegou à presença de sua majestade, e ficando à mesma porta da Câmara até onde o acompanhou a sua família, ficando porém da parte de fora.

Sua majestade o recebeu com agrado e quando se despediu tornou a dar os mesmos três passos.

O mesmo marquês de Marialva o conduziu à presença da rainha e da senhora Infanta, a quem por erro deixou de falar. A rainha lhe faltou na casa de dentro da antecâmara. Estava encostada em um bufete com a senhora infanta à mão esquerda. Deram ambas as princesas os mesmos passos que o Rei; na casa se achavam os oficiais da rainha, e da senhora infanta4, as damas, donas e camareiras-mores. O marquês de Marialva o tornou dali a conduzir até o mesmo topo da escada, onde o foi receber. Fez-se aviso a D. Francisco de Sousa5, capitão da Guarda, para entrar o seu coche no pátio da Capela, e para que a Guarda Tudesca6 lhe tornasse as armas na mesma forma que se faz aos duques.

Daí a uns dias pediu audiência particular à Rainha. O secretário de Estado entendeu do seu governador se queria que lhe tornassem as armas, e o conduzissem, não obstante ser audiência particular; e dizendo ele que sim, se fez na mesma forma, sendo o conde-barão7 quem o conduziu como viador da rainha, e em tudo fez o mesmo que o marquês de Marialva.

Pediu ultimamente audiência de despedida, e se lhe deu na mesma forma. Sempre falou à rainha em alemão, e a rainha lhe respondeu na mesma língua. Nesta audiência cumprimentou a senhora infanta, fazendo-lhe o comprimento em francês. Sua alteza lhe respondeu na mesma língua francesa.

Quis ir a S. Julião8 e a Sintra.

Ordenou sua majestade que se salvasse em S. Julião com treze peças à entrada, e com outras tantas à saída. Mandou-se guarnecer aquela fortaleza com três companhias do terço da Armada,9 por se acharem melhor vestidas; e ordem aos soldados para não aceitarem dinheiro, no caso que lho dessem.

Em Sintra se mandou ordem a Lourenço Pires para que lhe mandasse ter os Paços abertos e nenhuma outra coisa.

Pareceu que se lhe desse uma jóia depois das audiências. O dia antes que partisse, lhe levou João Rebelo de Campos, corretor da Fazenda, da parte de sua majestade, um broche para o chapéu que custou dez mil cruzados. O príncipe recebeu este favor do rei com muito carinho, e deu a João Rebelo um hábito de diamantes de valor de quinhentos cruzados; e, mostrando gosto a um picador de um cavalo do Rei se ordenou ao estribeiro-mor, que bem ementado lho mandasse, o que fez pelo mesmo picador, mandando-lhe dizer que, sabendo que tivera gosto daquele cavalo, o representara a sua majestade e que sua majestade lhe ordenara que lhe mandasse. Deu o príncipe ao picador um anel de valor de cinquenta mil réis.

Os títulos deste Reino não visitaram este príncipe pelas dúvidas dos tratamentos.

 


Notas:

1. D. Pedro António de Meneses, 2.º marquês de Marialva, nasceu em 31 de Março de 1658 e morreu em 18 de Janeiro de 1711. Participará, em 1704, na campanha da Beira, durante a Guerra de Sucessão de Espanha.

2. No sentido figurativo, que se usa na diplomacia de "encaminhar" o convidado de um local, normalmente a entrada, até ao local de recepção.

3. Leopold Fuess, padre jesuíta alemão, confessor da rainha Maria Sofia de Neuburg, segunda mulher de D. Pedro II, nascido em Brunswick em 1642, tradutor para latim, em honra do padre António Vieira, de Xavier dormindo, e Xavier acordado em três orações obra de Miguel Deslandes, de 1694, publicado em Augsburgo em 1701.

4. D. Isabel Luísa Josefa, nascida em Lisboa em 6 de Janeiro de 1668, morreu em 21 de Outubro de 1690. Foi herdeira presuntiva do Reino entre 1668 e 1689, até ao nascimento do futuro D. João V, esteve para casar com Vítor Amadeu de Sabóia.

5. D. Francisco de Sousa, nascido em Lisboa em 7 de Agosto de 1631, capitão da Guarda alemã, presidente do Senado da Câmara de Lisboa e da Mesa da Consciência e Ordens e conselheiro de Estado.

6. A segunda companhia da Guarda dos Archeiros, criada em 10 de Dezembro de 1640 por D. João IV, com a companhia de guardas da vice-rainha Margarida de Mântua, que governou Portugal em nome de Filipe III, IV de Espanha.

7. D. Vasco Lobo, 9.º barão do Alvito, 2.º conde de Oriola, nascido no Alvito em 1640, morreu em Lisboa em 23 de Fevereiro de 1705

8. Fortaleza de São Julião da Barra, construída entre 1553 e 1568 e muito desenvolvida a partir de 1582.

9. O mais antigo corpo militar permanente português tinha sido conhecido por Terço do Príncipe (Regente D. Pedro).

 

Fonte:

Voyage à Lisbonne du prince Frédéric-Auguste de Saxe (Auguste II) en 1688, tradução e notas de Cardoso de Bethencourt, Lisboa, s.n., 1907

  • Outras histórias
    A lista completa de documentos pessoais ordenada alfabeticamente.

| Página Principal |
| A Imagem da Semana | O Discurso do Mês | Almanaque | Turismo histórico | Estudo da história |
| Agenda | Directório | Pontos de vista | Perguntas mais frequentes | Histórias pessoais | Biografias |
| Novidades | O Liberalismo | As Invasões Francesas | Portugal Barroco | Portugal na Grande Guerra |
| A Guerra de África | Temas de História de Portugal | A Grande Fome na IrlandaAs Cruzadas |
| A Segunda Guerra Mundial | Think Small - Pense pequeno ! | Teoria Política |

Escreva ao Portal da História

© Manuel Amaral 2000-2010