DAS RELAÇÕES DE PÊRO DE ALCÁÇOVA CARNEIRO


Descrição do levantamento e juramento de D. Sebastião em 1557 e do começo do seu governo pessoal em 1568, pelo secretário do novo rei. Em Portugal, como se lê, os reis não eram coroados durante uma cerimónia religiosa, nem tão pouco ungidos, como os reis franceses e ingleses, mas sim aclamados pelos representantes do Reino numa cerimónia em que a população de Lisboa participava com a sua presença no Terreiro do Paço. O modelo do «levantamento» de D. Sebastião serviu de base aos sucessores, mantendo-se na Praça do Comércio mesmo depois do Terramoto de 1755, e da destruição do Palácio Real da Ribeira. De facto na aclamação de D. Maria II haverá mesmo a construção de um passadiço na Praça.

Nota: Algumas das ligações no texto remetem para entradas no «Portugal - Dicionário histórico».

 

A Aclamação e começo do governo pessoal de D. Sebastião.

 

D. Sebastião com 11 anos

D. Sebastião (1565), por
Cristóvão de Morais

[ Aclamação de El-Rei D. Sebastião ]

À quarta-feira, logo seguinte, 16 dias do dito mês de Junho, véspera do Corpo de Deus, às quatro horas da tarde; na sala dos Paços da Ribeira, foi alevantado por Rei destes Reinos e Senhorios de Portugal o Príncipe D. Sebastião, nosso Senhor, que Deus guarde, em idade de três anos, cinco meses e quatro dias. Prazerá a Nosso Senhor guardá-lo, como a todos estes Reinos e Senhorios é necessário; na qual se guardou, a ordem que adiante vai escrita, e, logo tanto que Sua Alteza, foi levantado por Rei e sucessor de seus Reinos, escreveu aos Grandes e pessoas do Conselho, que se não achavam presentes ria Corte e assim às cidades e vilas notáveis deste Reino as cartas, cujo traslado diante vai ­Escrito com o traslado dos capítulos que El-Rei, que Deus tem, deixou escrito, de que acima se faz menção.

[ Saimento de Sua Alteza; que Deus tem ]

Aos 13 dias do mês de Julho de 1557; no mosteiro de Belém, onde El-Rei, nosso Senhor, que Deus tem, está depositado, se fez o saimento de Sua Alteza, a que for foram presentes todos os Grandes e pessoas principais destes Reinos, que para isso vieram; sem serem chamados.

Fez a pregação o doutor António Pinheiro, na qual toda tratou das esclarecidas virtudes de sua Alteza: duraria duas horas e meia. A missa disse-a o Arcebispo de Lisboa 1, e todas as Ordens de frades desta cidade com o Cabido da Sé, que foram presentes ao dito saimento, celebraram no dito o mosteiro.

Cópia das cartas que se escreveram às cidades e vilas principais

A Nosso Senhor aprouve levar para si, sexta-feira depois da meia-noite, onze dias deste mês de Julho, de súbita e grave doença, a El-Rei, nosso Senhor e Avô, que santa glória haja, recebendo primeiro os Sacramentos, da Santa Madre Igreja.

Em tamanha e universal perda e, assim, em dor e sentimento tão grande e tão comum a todos seus vassalos e naturais, não há que dizer senão darmos a nosso Senhor, por tudo o que faz e é servido, justos louvores.

Fui alevantado por Rei, como Príncipe e verdadeiro herdeiro e sucessor, que era, destes Reinos e Senhorios, segundo costume deles, logo à quarta-feira seguinte depois de seu falecimento, véspera do Corpo de Deus, dezasseis dias do dito mês; e não foi possível poder-se fazer mais breve, assim por o tempo ser o que era, como por uma pequena má disposição, que nestes dias tive, em que, louvores a Nosso Senhor, estou já são.

E precedeu, antes deste auto, aceitar-se, ratificar-se e aprovar-se uns certos capítulos, que El-Rei, meu Senhor, que santa glória haja, antes alguns meses de seu falecimento, tinha feito acerca da tutoria e curadoria de minha pessoa e acerca da governança destes Reinos e Senhorios, até Eu ser de idade de vinte anos cumpridos, nas quais coisas nomeou a Rainha, minha Senhora e Avó, segundo vereis pelos traslados dos ditas, conhecendo de sua muita grande virtude e grande zelo do bem universal, deste Reinos e de sua muita prudência e longa experiência nas coisas dele gue nisso faria o que se deve ter por muito certo que Sua Alteza sempre fará. E, persuadida da grande obrigação que; como tão católica Cristã, tem ao serviço de Nosso Senhor e à obediência que sempre teve a El-Rei, meu Senhor, vivendo, foi servida de assim o aceitar, e, considerando que, por parte de suas forças é por, razão de sua grande dor, a qual não poderia deixar de ter, enquanto lhe a vida durasse, faria muita falta em coisa de tamanha carrega e peso, desejosa de cumprir em tudo o que nisto pudesse fazer; quis tomar por ajudador nela o Senhor Cardeal Infante, meu tio [para], com sua ajuda e companhia, fazer o que El-Rei, meu Senhor, pelos ditos capítulos mandava; e o Senhor Cardeal o aceitou, por Sua Alteza lhe dizer que assim o sentia por serviço de nosso Senhor; seu e meu, e bem destes Reinos e Senhorios.

E, portanto, me pareceu dever-vos fazer saber tudo o que é passado, havendo muito certo que de assim, estar feito; se neste tempo pode haver contentamento de alguma coisa, o receberei desta.

Cópia dos Capítulos

Porquanto o Príncipe D. Sebastião, meu neto, filho do Príncipe D. João; meu filho que nosso Senhor tem em sua glória, é verdadeiro e natural herdeiro dos ditos Reinos. de Portugal e do Algarve e Senhorios deles, e sucessor deles, depois do meu falecimento, pelo que, acontecendo que Eu faleça da vida deste mundo em tempo que o dito Príncipe seja ainda menor, Eu devo declarar e ordenar quem seja seu tutor e curador, enquanto assim for menor, e a maneira. Que Ele em o dito tempo seja aviado e servido, considerando Eu como, por falecimento do dito Príncipe D. João, meu filho, pai do dito Príncipe, Ele foi sempre criado por mim e pela Rainha, D. Catarina, minha sobre todas muito amada e prezada Mulher, sua Avó, como próprio filho nosso, assim pelo muito grande amor e afeição que tínhamos ao Príncipe, seu Pai, e sempre tivemos ao Príncipe, nosso neto, como por a Princesa, D. Joana; sua mãe, se tornar, logo depois do falecimento do dito Príncipe, seu marido, para os Reinos de Castela, pela qual razão a dita Rainha ficou ao dito Príncipe, seu neto, em lugar de mãe, e, com o mesmo amor de mãe, o criou e tratou sempre, e, core-o, pelas Ordenações destes Reinos e por direito comum, o avô, que tem seu neto em poder, por ser falecido fulano, pai do dito neto, pode afectuosamente dar tutor e curador ao tal neto: pelos quais respeitos e por este meu testamento, ordeno e mando que se ao tempo que Nosso Senhor houver por bem de me levar para si, o dito Príncipe, meu neto, for menor de idade de vinte anos cumpridos, que a dita Rainha, sua avó seja sua tutora e curadora, e a dou por tutor e curador do dito Príncipe até à dita idade dos ditos vinte anos, e quero e mando que, em todo o dito tempo, a dita Rainha o crie e ordene tudo aquilo que, para a criação de sua pessoa e seu serviço, for necessário e assim como o Eu fizera e pudera fazer; se ao tal tempo fora vivo, o que assim hei por bem e mando que se cumpra e guarde inteiramente, de meu motu-próprio, poder Real e absoluto, sem embargo de quaisquer direitos, ordenações, opiniões de doutores que em contrário disto haja ou haver possa, os quais e cada um deles hei por revogados e anulados, posto que deles ou de cada um deles se devesse, por direito, neste caso fazer expressa revogação, sem embargo de qualquer direito que haja em contrário e da Ordenação do 2.º Livro, etc.

E, porque neste tempo e idade do Príncipe, em que ordeno que Ele tenha por tutor e curador a, Rainha, sua avó, é necessário Eu declarar e ordenar a pessoa que, no tempo, acima dito, governe estes Reinos e Senhorios e o modo que no governo deles haja de ter, conhecendo Eu o grande zelo que a Rainha, minha sobre todas muito amada e preza Mulher, tem a todas as coisas do serviço de Nosso Senhor e do bem, paz e sossego destes Reinos e Senhorios, e assim a muita prudência, discrição e inteireza que em todas as coisas tem, e a muita experiência que tem dos negócios do governo dos ditos Reinos e Senhorios, declaro, ordeno e mando que em todo o dito tempo que o dito Príncipe, meu neto, não for de idade de vinte anos cumpridos, a Rainha, sua Avó, seja Governador dos ditos Reinos e Senhorios e os governe nas coisas da Justiça, Fazenda e em todas as, outras coisas que tocarem à governança dele, assim e tão inteiramente como o dito Príncipe o fizera no tal tempo, se fora maior de vinte anos; e rogo e encomendo muito ao dito Príncipe, meu neto, e ao Cardial, meu irmão, e a D. Duarte 2, meu sobrinho, que hajam e reconheçam a Rainha, minha sobre todas muito amada. e prezada Mulher, por Governadora dois ditos Reinos e Senhorios, e lhe obedeçam , em tudo, e cumpram e guardem, e façam cumprir e guardar muito inteiramente, e com aquela obediência que Eu de cada um deles confio, todos seus mandados e toda a outra coisa que Ela ordenar e mandar na governança dos ditos Reinos e Senhorios, havendo por muito certo que em assim o fazerem cumprirão com a obrigação que me têm e com a que têm a quem eles são, e isto mesmo encomendo muito e mando aos Duques, Marqueses, Arcebispos, Bispos, Condes, e a todos os outros meus vassalos e naturais, de qualquer estado e condição que sejam, que façam, cumpram e guardem muito inteiramente, corno Eu deles confio, e tenho por muito certo que o farão, assim por lho Eu encomendar e mandar, como pelo muito proveito, descanso e repouso que se lhes seguirá de serem regidos e governados pela Rainha, em quem sempre conheci grande desejo, e afeição de seu bom governo.

Ordem que se teve no alevantamento de El-Rei D. Sebastião,
nosso Senhor, por Rei destes Reinos e Senhorios

A sala estará armada de rica tapeçaria com um dossel de brocado rico, o estrado estará alcatifado de boas alcatifas, assim o estrado grande como o pequeno. No pequeno, acima, no meio dele, debaixo do dossel, estará uma cadeira de brocado rico coberta com um pano de brocado rico, em que se El-Rei há-de assentar, com duas almofadas de brocado, que hão-de estar aos pés de El-Rei, à mão direita de El-Rei. No estrado grande, de baixo, estará uma cadeira de espaldar de veludo, logo pegada com os degraus do estrado pequeno, em que há-de estar El-Rei, na qual cadeira se há-de assentar o Senhor Cardeal Infante.

Ao pé do estrado, em que El-Rei há-de estar assentado; no estrado de baixo se porá uma cadeira rasa, que estará coberta com um pano de brocado; em cima da dita cadeira se porá urna almofada de brocado, e em cima da almofada estará um livro missal com uma cruz.

As trombetas, charamelas e atabales estarão em cima da tribuna da dita sala, e dali tangerão, ao tempo que adiante será declarado.

A varanda, que corre ao longo da dita sala, e a sala estarão as mais despejadas de gente que puder ser, de tal maneira que a gente, que estiver no terreiro possa bem ver Sua Alteza, ao tempo que por ela passar.

Ter-se-á grande tento e recado, que as portas que vêm ter à dita sala, de todas as partes estejam com porteiros que não consintam entrar nela gente que não deva de entrar na dita sala.

A varanda comprida se deve também trabalhar que não entre nela gente que não deva de ser.

Sairá El-Rei da câmara de baixo, que está no andar da sala da Rainha, e entrará na sala grande para a derradeira janela, que vem da dita sala à varanda, que há-de estar despejada na maneira acima dita, [onde] se há Sua Alteza de deter o tempo que parecer necessário, para a gente, que estiver no terreiro, poder ver bem Sua Alteza.

Irão diante dele os porteiros das maças e, logo após os porteiros, irão os reis de armas e oficiais delas, com suas cotas vestidas. E, logo após os ditos oficiais de armaria, o Alferes-Mor 3, com a bandeira Real, e assim enrolada a terá até depois de feito pelo Cardeal o juramento, que há-de fazer pela Rainha, em seu nome, e, como o dito juramento for feito, o dito Alferes-Mor desenrolará a dita bandeira e a terá assim até ao fim deste auto.

O dito Alferes-Mor se porá na ponta do estrado grande, a mão direita de el-Rei, porque este é o seu lugar. Atrás da dita bandeira, junto de el-Rei, nosso Senhor, irá o Senhor D. Duarte, Condestável destes Reinos, com o estoque levantado.

O Condestável estará em pé, com o estoque levantado em cima, na ponta do estrado onde El-Rei há-de estar assentado, à mão direita de Sua Alteza.

Os Vereadores desta cidade estarão no segundo degrau do estrado grande.

Nenhuma pessoa há-de estar assentada, neste auto; somente o Cardeal, em sua cadeira de espaldar, como já fica dito.

No estrado grande, no derradeiro degrau dele, quando queiram a ele subir, estará o porteiro-mor e os mais oficiais de cana, que não consintam subir ao dito estrado grande senão as pessoas de Título, Prelados e Fidalgos principais.

Deve-se ter grande tento e recado, que a gente não peje a entrada do estrado grande, porque não haja embaraço nos que vierem beijar a mão a El-Rei, e deve-se também dar ordem com as pessoas que houverem de estar em cima do estrado grande, que estejam assim arrimadas, que fique o estrado despejado, para virem beijar a mão a El-Rei.

O Cardeal há-de assentar a El-Rei na cadeira, e, tanto que for assentado lhe há-de meter na mão o ceptro.

À mão esquerda de El-Rei, no estrado grande, a carão da ponta dele, há-de estar, o doutor António Pinheiro, que há-de fazer a arenga, o qual a começará a fazer, tanto que El-Rei for assentado e a gente se calar, e o traslado da dita arenga, é o seguinte

«Prouve a Nosso Senhor levar para si da vida deste mundo o muito alto e muito poderoso Príncipe de gloriosa memória, El-Rei D. João, que Deus haja, por cujo falecimento o muito esclarecido Príncipe e muito poderoso Senhor D. Sebastião, seu neto, nosso Senhor, natural e primogénito herdeiro destes Reinos e Senhorios, que por direito sucede, e ele é aqui ora presente para tomar seu ceptro e título de Rei vosso e de seus Reinos e o jurardes e lhe fazerdes preito [e] menagem, como a vosso próprio Rei e Senhor natural sois obrigados, pelo qual Sua Santidade vos encomenda o queirais assim fazer e logo cumprir com aquela lealdade que sempre em os tempos passados os naturais destes Reinos o costumaram fazer a seus Reis, porque, com a graça de Deus, vos espera bem reger e governar e manter inteiramente em justiça e guardar vossos privilégios, honras, liberdades, franquezas, graças, e mercês, que por El-Rei, seu Avô, e por os outros Reis, seus antecessores, vos são outorgadas».

Acabada a dita arenga, se lerá a procuração da Rainha para o Cardeal fazer, em nome de El-Rei, o juramento que Sua Alteza há-de fazer a seus vassalos, e a forma do juramento estará na dita cadeira sobre um missal, o qual o Cardeal há-de fazer dizer o mais alto que puder ser, e, enquanto o fizer, há-de estar em joelhos e o traslado da dita procuração e juramento é o seguinte:

«Dona Catarina, por graça de Deus Rainha de Portugal e dos Algarves d’aquém e d’além-mar em África, senhora da Guiné e da conquista, navegação é comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia, Infante de Alemanha, de Castela, de Leão, de Aragão, das duas Sicílias, de Jerusalém, etc., a quantos esta minha Carta de poder e procuração virem faço saber que, por ora Eu não estar em tempo e disposição para por mim o poder fazer, hei por bem e me praz, pela parte que em mim cabe, como tutora e curadora, do Príncipe D. Sebastião, meu neto, que o Senhor Cardeal Infante D. Henrique meu irmão, em meu nome faça, ao tempo que o alevantarem e publicarem por Rei e sucessor destes Reinos e Senhorios de Portugal, o juramento que Ele, segundo o costume destes Reinos, há-de fazer a todos seus vassalos e naturais, assim como o Ele fizera, se fora de idade que por direito o pudera fazer, e pela mesma maneira dou poder ao dito Senhor Cardeal Infante, meu irmão, que para que Ele, em meu nome, pela parte que me toca, como tutora do dito Príncipe, se a isso pudera ser presente, e como o dito Príncipe fizera, se fora de idade legítima, para isso tudo o que o dito Senhor Cardeal Infante, meu irmão, acerca do acima dito, fora em meu nome feito, prometido e jurado, Eu me obrigo a o cumprir e tão inteiramente como se por mim fora feito, prometido e jurado.

E, porque me disto apraz, mandei ser feita a presente, por mim assinada e selada do meu selo. Dada em Lisboa, a 16 dias do mês de Junho. --- Pantaleão Rebelo a fez. --- Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1557» 4.

JURAMENTO

Esta forma de juramento lia Pêro de Alcáçova Carneiro ao Cardeal, e o Cardeal o dizia em voz alta, e o dito Pêro de Alcáçova estava em joelhos junto ao dito Cardeal que dizia o juramento.

«Juro e prometo de, com a graça de Deus vos reger e governar bem e direitamente e vos ministrar inteiramente justiça, quanto a humana fraqueza permite, e de vos guardar vossos bons costumes, privilégios, graças, mercês, liberdades e franquezas; que pelos Reis, meus predecessores, vos foram dados, outorgados e confirmados por El-Rei, meu Senhor e Avô, cuja alma Deus haja».

Feito o dito juramento, o Cardeal se tornará a assentar, e então  se lerá a procuração seguinte que a Rainha passou ao Cardeal, para em seu nome jurar 5 :

«Dona Catarina, por graça de Deus, Rainha de Portugal, etc. A quantos esta minha Carta de poder e procuração virem faço saber que, por Eu ora não estar em tempo e disposição para por mim o poder fazer, hei por bem e me praz, por esta minha Carta e procuração, de dar poder bastante e especial, tanto quanto de direito para isso for necessário, como de efeito por ela dou, ao Senhor Cardeal Infante D. Henrique, meu irmão, para que Ele, em meu nome, possa fazer e faça o juramento que Eu houvera de fazer ao Príncipe D. Sebastião, meu neto, ao tempo que o alevantarem e publicarem por Rei e sucessor destes Reinos, e tudo o que pelo dito Senhor Cardeal Infante, meu irmão, acerca deste caso for feito, jurado e prometido Eu me obrigo a o cumprir assim e tão inteiramente como se por mim fora feito, prometido e jurado, e, porque me disto apraz, mandei ser feita a presente, por mim assinada e selada do meu selo. Dada em Lisboa, a 16 de Junho de 1557».

E, depois de lida a dita procuração, se alevantará o Cardeal e irá fazer, em nome da Rainha, o dito juramento na forma seguinte que também sobre o missal está escrito 6:

«Eu, a Rainha D. Catarina, juro aos santos Evangelhos, corporalmente com a mão tocados, que recebo por nosso Rei e Senhor verdadeiro e natural ao muito alto e muito poderoso Príncipe, El-Rei D. Sebastião, nosso Senhor, e lhe faço preito e menagem, segundo foro e costume destes seus Reinos ».

Acabado de fazer o dito juramento, se tornará a sentar.

E, após Ele, virá a jurar o Senhor D. Duarte o qual não dirá mais senão: E eu assim o juro. E, acabado de jurar, se tornará com o dito estoque ao seu lugar. Após ele, jurarão os Duques e pessoas, segundo se assentar, porque não hão-de fazer o dito juramento por precedências, e os que jurarem não hão-de dizer mais que, com as mãos postas no dito livro: E eu assim o juro, sendo perguntados se o juram assim 7: E, assim como cada pessoa acabar de jurar, irá beijar a mão El-Rei.

Feito o juramento por todos os Títulos, virá o Cardeal, por, si só, fazer o juramento e se tornará a assentar.

Após Ele, virá o Senhor D. António, e, após o Senhor D. António, os Prelados que aí estiverem, segundo suas precedências do tempo em que foram Bispos; e, após os ditos Prelados, irão jurar os Vereadores da cidade, e dirão: Assim o juramos, nós, os Vereadores desta cidade, como principal cidade, que é, de todo o Reino; e beijará cada um por si a mão a El-Rei.

Acabado de todos jurarem, dirá um rei de armas Portugal, em alta voz, três vezes: Ouvide, ouvide, ouvide! Após este, dirá o Alferes-Mor, em alta voz, a todos os ouvintes: Real, real, real por o muito alto e muito poderoso Senhor, El-Rei D. Sebastião, nosso Senhor! E os reis de armas e os oficiais delas responderão a cada uma destes vezes, assim em voz alta: Real, real, real!, sem mais outra coisa dizerem, e as trombetas, charamelas e atabales tangerão cada uma destas vezes.

E, acabado o dito auto, se alevantará El-Rei e irá fazer oração à casa que está no andar da dita sala, que tem janela sobre a capela. Em uma das ditas janelas estará posto um, setial, donde El-Rei faça oração, e os cantores, que hão-de estar na capela, dirão o Te Deum laudamus, - e dirá a oração o Arcebispo de Lisboa.

E, acabada a dita oração, se recolherá Sua Alteza para a casa donde primeiro saíu, vindo o Alferes, com a dita bandeira, diante dele, e, após ele, o Condestável com seu estoque.

E o Alferes-Mor, quando Sua Alteza entrar na varanda que está ao longo da sala, dirá: Real, real, real! três vezes, e responderão os oficiais de armas: Real, real, real!, sem mais dizer outra coisa.

Levou Sua Alteza no colo D. Lopo de Almeida, filho de D. Duarte de Almeida.

Fez-se este assento do alevantamento de el-Rei, nosso Senhor, na ordem e maneira assim declarada, na cidade de Lisboa, na sala grande dos Paços da Ribeira, no mês de Junho do ano de 1557, e não se fez disso escritura porque não se achou que se fizesse no alevantamento de el-Rei D. João, o terceiro, quando se alevantou por Rei, na cidade de Lisboa, no alpendre do Mosteiro de S. Domingos.

E eu, Pêro de Alcáçova Carneiro, mandei aqui trasladar esta ordem, com as adições declaradas nas margens dela, para tudo ser em lembrança, a qual ordem eu compilei e fiz, e passou assim na verdade.  - Pêro de Alcáçova Carneiro.

Lembrança do que passou, o dia que El-Rei, nosso Senhor,
tomou o regimento e governança destes Reinos

Em a cidade de Lisboa, terça-feira, que foram vinte dias, do mês de Janeiro de 1568 e em que a Igreja Católica celebra a festa do bem-aventurado mártir S.  Sebastião, no qual dia El-Rei D. Sebastião, nossa Senhor; fez catorze anos cumpridos, nos Paços dos Estaus 8, na sala da Madeira, Sua Alteza, para este auto, mandou fazer em presença de Sua Alteza, estando assentado em sua cadeira Real, sendo presente a Rainha D. Catarina, sua avó, e o Cardeal Infante, seu tio, Regedor, e Governador destes Reinos e Senhorios, e a Senhora Infante D. Maria, e o Senhor D. Duarte, Duque de Guimarães, Condestável destes Reinos, o Duque de Bragança e o Marquês de Torres Novas, os Condes de Vimioso, de Odemira, Portalegre e Vidigueira, e os Vereadores desta cidade de Lisboa, e outros muitos fidalgos e pessoas principais, logo pelo Senhor Cardeal foi dito a Sua Alteza o seguinte:

«Muito alto e muito poderoso Rei, nosso Senhor: Posto que este dia seja de mim o mais desejado e de maior glória que pode ser, em que vejo a Vossa Alteza em idade de catorze anos assentado em sua cadeira Real, com muita prudência, virtude e zelo do serviço de Nosso Senhor, e lhe entrego o governo destes seus Reinos quietos e pacíficos, no estado em que estão.

Todavia, conhecendo as faltas e negligências que nele por mim passaram, me torno muito a encolher, antes de ter havido perdão delas de Vossa Alteza, que tenho por certo que não negará a quem com conhecimento, confiança e humildade, e também porque tudo o que fiz ou deixei de fazer foi sempre por me parecer, que era o que mais cumpria ao serviço de Vossa Alteza e bem de seus vassalos, sujeitos e naturais, sem outro particular respeito, e, se ainda assim, contra minha tenção, tenho agravado ou danificado, algum, estou prestes para, quanto em mim for, o satisfazer, e assim, com esta justificação de minha parte e perdão de Vossa Alteza tornar-se-me-á a dobrar a alegria com novo espírito.

Darei graças a Nosso Senhor pelas mercês que fez a Vossa Alteza e a estes seus Reinos em tempo de tanta necessidade e trabalhos, sem lho poder impedir um tão fraco instrumento, como eu, por quem Ele as quis obrar; e, pois de Nosso Senhor vêm todos estes bens, não se devem encobrir, para se lhe dar o louvor devido, e eu, de minha parte, se neles me cabe algum, os devo oferecer a Vossa Alteza, em satisfação de minhas faltas, pelo que mandei pôr em um papel o que se fez neste tempo, para Vossa Alteza o saber mais ,particularmente e lhe dar razão de mim. Far-me-á mercê, depois que se daqui for, querê-lo mandar ler perante si».

E, tanto que o Cardeal acabou de dizer o sobredito, posto em joelhos, entregou a Sua Alteza o selo grande das armas Reais, atado em um pau por urna fita verde, e, por ele, a governança e regimento destes Reinas e Senhorios, é o dito Senhor Rei tomou o dito selo e, por ele, o regimento e governança destes Reinos, e o deu a D. Aleixo de Meneses, seu aio, por Pêro de Alcáçova Carneiro, seu Secretário e do seu Conselho de Estado.

E o dito Senhor Rei respondeu ao Cardeal o seguinte:

«Tenho-vos em mercê o trabalho que levastes em governar estes Reinos e o cuidado que disso tivestes, de que sempre terei a lembrança que é razão.

Eu recebo o governo e espero em Nosso Senhor que, com a mercê que me a Rainha, minha Avó, quer fazer de me ajudar e com o que me Vós dareis, governe estes Reinos como convém a bem deles e a minha obrigação».

E logo o Cardeal beijou a mão a Sua Alteza, pela mercê que lhe fez nestas palavras, e a Rainha, nossa Senhora, beijou a mão a El-Rei, nosso Senhor. E o mesmo fez a Senhora Infante D. Maria e o Senhor Cardeal e os Vereadores e o Senhor D. Duarte, o Duque de Bragança, os Condes e pessoas acima declaradas.

E, findo assim tudo e acabado, El-Rei, nosso Senhor, se foi ao Mosteiro de S. Domingos dar graças a nosso Senhor, pelo deixar chegar a tempo em que lhe pudesse fazer os serviços que sempre desejou, e da entrega do dito regimento e governança fizeram Fernão Costa e Pantaleão Rebelo, notários públicos e gerais, escritura pública, para sua guarda do Senhor Cardeal e para se saber como cumpriu com o que estava obrigado.


Notas:

1. D. Fernando de Meneses Coutinho e Vasconcelos, arcebispo de Lisboa de 1540 a 1564.
(regressar ao texto)

2. D. Duarte, 4.º duque de Guimarães, condestável do Reino, era filho do infante D. Duarte (1515-1540), 3.º duque de Guimarães e irmão de D. João III. (regressar ao texto)

3. Serviu, neste acto, de Alferes-Mor. D. João de Menezes. (Adição do autor). (regressar ao texto)

4. Esta procuração disse em voz alta Pêro de Alcáçova Carneiro em cima do estrado, na ponta dele, da banda direita, e ele trazia a dita procuração selada com o selo da Rainha. (Adição do autor). (regressar ao texto)

5. Esta procuração leu em voz alta Pêro de Alcáçova Carneiro em cima do estrado, na ponta dele, à ilharga direita, e ele trazia a dita procuração, a qual era selada com o selo da Rainha. (Adição do autor). (regressar ao texto)

6. Este juramento lia Pêro de Alcáçova Carneiro, e o dizia em voz alta o Cardeal, e o dito Pêro de Alcáçova estava em joelhos à ilharga do Cardeal. (Adição do autor). (regressar ao texto)

7. Isto perguntava Pêro de Alcáçova aos que vinham jurar, o qual Pêro de Alcáçova estava em joelhos, à ilharga da cadeira onde estava o missal e a cruz. (Adição do autor). (regressar ao texto)

8. O Palácio dos Estaus, era o palácio onde originalmente se alojavam os embaixadores Estrangeiros. Ficava no topo Norte do Rossio, na zona onde actualmente está edificado o Teatro D. Maria II. Mais tarde tornou-se o Palácio da Inquisição, e em princípios do século XIX era a sede do governo.
(regressar ao texto)

 

Fonte:

Ernesto de Campos de Andrada (rev. e anot.), Relações de Pêro de Alcáçova Carneiro, conde da Idanha, do tempo que ele e seu pai, António Carneiro, serviram de secretários (1515 a 1568), Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1937, págs.428 - 440.


A ver também:
  • Pêro de Alcáçova Carneiro
    Entrada no «Portugal - Dicionário histórico».
  • D. Sebastião
    Biografia acompanhada da ficha genealógica.
  • O Reinado de D. Sebastião
    Cronologia da História de Portugal, no período de 1557 a 1580.

 
  • Outras histórias
    A lista completa de documentos pessoais ordenada alfabeticamente.

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