Portugal - Dicionário

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O 2.º conde de Atouguia
O 3.º conde de Atouguia

Atouguia (D. Luís de Ataíde, 3.º conde de).

 

n.   1517.
f.    10 de março de 1581.

 

Vice-rei da Índia.

Nasceu em 1517, faleceu em Goa a 10 de março de 1581. Era filho segundo de D. Afonso de Ataíde e de D. Maria de Magalhães, e bisneto do 2.º conde de Atouguia, D. Martinho de Ataíde.

Tendo feito as suas primeiras armas em África, com os mais célebres capitães do seu tempo, passou à Índia, acompanhando ao mar Roxo, D. Estêvão da Gama, filho do grande descobridor daqueles estados, a teve a honra de ser por ele armado cavaleiro na igreja de Santa Catarina de Monte Sinai, juntamente com D. Álvaro de Castro. Foi depois enviado à corte de Carlos V, e com este soberano tomou parte na expedição à Alemanha contra os luteranos, distinguindo-se em varias ocasiões, e muito particularmente no combate de Almis, onde salvou o estandarte imperial, que o alferes-mor D. Luís Quesada ia abandonar, não podendo suportar o peso da couraça que vestia, e vendo-se apertado pelos inimigos no maior ardor da peleja.

Recolhendo a Portugal, onde o havia precedido a fama da sua bravura e intrepidez, conservou-se estranho às lutas políticas, que depois da morte de D. João III se travaram a propósito da regência, e quando D. Sebastião tomou conta do governo, nomeou-o vice-rei da Índia a 2 de março de 1568; partiu então para Goa no dia 7 de abril seguinte, onde chegou a 10 de setembro, tomando logo posse do governo. D. Luís tratou então de estabelecer uma disciplina severa, que foi a base essencial das vitórias que depois alcançou e vendo que em possessões tão dilatadas era indispensável uma boa marinha, fez os maiores sacrifícios para organizar umas poucas de esquadras que protegessem o nosso comércio e livrassem os mares dos corsários neles consentidos pela indolência do governo do seu antecessor D. Antão de Noronha. Em poucos meses conseguiu D. Luís de Ataíde equipar uma esquadra composta duma galé e seis navios doutra lotação comandada por Afonso Pereira de Lacerda, que fez sossegar Baticala, que estava revolucionada; para a defesa da costa do Malabar mandou Martim Afonso de Miranda com uma esquadra de vinte navios; para as proximidades de Goa, Aires Teles de Meneses com alguns navios afim de reprimir os excessos dalguns malabares; D. Jorge de Meneses Baroche, com duas galés e um catur, para dar caça ao terrível corsário Kanachali; D. Diogo de Meneses para fazer guerra aos exércitos do Samorim. Os negócios da Índia mudavam visivelmente. D. Luís Ataíde, comunicando aos seus subordinados as brilhantes qualidades militares que o adornavam, fez ressuscitar naquelas remotas paragens as virtudes guerreiras dos portugueses doutros tempos, e durante o seu governo é difícil encontrar algum desses actos de cobardia, que principiaram de quando em quando a deslustrar a glória das nossas armas numa época de decadência; pelo contrário, as crónicas mencionam, durante o governo do ilustre vice-rei D. Luís de Ataíde, feitos de valor extraordinário praticados por muitos heróis portugueses. 

De pois de haver assegurado a defesa do que possuíamos, tratou de ampliar as nossas conquistas, e em 1569 conquistou as fortes praças de Onor e de Bracelor, cujos portos eram um abrigo seguro para os corsários que in­festavam do continuo aqueles mares. Os poten­tados indianos, reconhecendo que a principal causa das nossas vitórias era a desunião que entre eles se notava, resolveram coligar-se para expul­sarem por uma vez da Índia os portugueses. Se não fosse o vice-rei D. Luís de Ataíde, teríamos decerto sofrido grandes desastres, mas o notável general fez face a todos os perigos, e os in­dianos, que já entre si haviam dividido os territórios, cuja conquista tinham por certa, viram-se obrigados a desistir do seu intento. Ao Hidalcão, que marchava contra Goa, devia ficar pertencen­do esta cidade, Onor e Bracelor; Nizam Melek, que avançava sobre Chaul, devia receber Damão, Baçaim e Chaul; ao Samorim caberia em particular Chale, Cananor, Cochim e Mangalor; Diu ficaria para o sultão de Cambaia, apesar de não entrar nesta liga, por andar empenhado na guerra contra as mongóis, e aos outros soberanos, em cujas terras estavam encravadas as nossas fortalezas, deixavam os príncipes, que formavam coligação, o cuidado de expulsarem deles os portugueses, e de os tomarem para si. D. Luís de Ataíde ficou em Goa, mas não se deixando nunca bloquear completamente pelo Hidalcão, e amiudando as sortidas achou meio, ape­sar de ter diante de si um exército numerosíssimo, de enviar socorros a Chaul. Foi em 29 de junho de 1571 que esta praça sofreu um ataque geral com as tropas vindas de Goa, e Nizam Melek, entendendo que o Hidalcão havia levantado o cerco, desanimou e pediu a paz, que o vice-rei concedeu, assinando-se o tratado a 24 de julho. O Hidalcão, não se achando com forças para resistir, levantou efectivamente o cerco, D. Luís, porém, para o castigar, demorou os preliminares da paz, e tendo concluído os três anos do seu governo, se retirou para o reino, embarcando a 6 de janeiro de 1572, deixando ao seu sucessor o cuidado de a concluir.

D. Luís de Ataíde não atendera só à guerra; a justiça, a administração pública, a questão da moeda, em tudo pensou, tudo conduziu ao verdadeiro caminho, deixando a Índia em prosperidade, segura e respeitada. Chegou ao Tejo a 3 de julho do referido ano de 1572, fazendo a sua entrada solene em Lisboa, sendo conduzido debaixo do palio desde a Sé até à igreja de S. Domingos, dando-lhe o rei a direita. Nesta igreja cantou-se um Te Deum, em acção de graças pelas suas vitórias. D. Sebastião consultava-o frequentemente sobre os negócios do Estado, a que ele, tendo-se conservado sempre estranho e sobranceiro às intrigas da, corte, dava desassombradamente o seu voto. Acerca da jornada de África, manifestou-se contra ela, e sendo afinal convidado pelo rei para comandar o exército, escusou-se delicadamente. Foi então, de novo, nomeado vice-rei da Índia, para onde partiu a 16 de outubro de 1577, levando às suas ordens somente três naus. Chegou a Goa a 31 de Agosto de 1578, depois de ter invernado em Moçambique. Tomando posse do governo, que prontamente lhe foi entregue por D. Diogo de Meneses tratou de sossegar a Índia, que balouçava um pouco, conservando ainda o prestígio das armas. O Hidalcão, tendo recomeçado a guerra, restabeleceu a paz que havia quebrado. O conde de Atouguia tudo consolidou, e providos todos os pontos onde se fazia mister força, continuava o seu governo, quando em maio de 1579 chegaram a Goa notícias da perda da batalha de Alcácer Quibir, da morte do rei D. Sebastião, e da aclamação do cardeal D. Henrique. O vice-rei sentiu bastante aquele desastre. Deste segundo vice-reinado datam as suas sensatas providências para superar os prejuízos provenientes da alçada eclesiástica, que excitava a emigração dos gentios, enfraquecendo a população, e os excessos e as iniquidades dalguns frades e da Inquisição. Foi também neste tempo, já no ano de 1580, que a ilha de Ceilão ficou pertencendo a Portugal; sendo doada pelo seu rei, D. João Prea Punhar.

Enquanto na Índia se davam estes acontecimentos, morria o cardeal D. Henrique, e Filipe II de Espanha invadia o território português com os seus exércitos. Consta que o conde de Atouguia, sabendo tão desgraçadas notícias, pensara em reunir a flor das forcas de que podia dispor, desembarcar em França ou na Inglaterra, seguindo depois a Portugal para auxiliar D. António, prior do Crato, nas suas pretensões ao trono. Se efectivamente D. Luís formou esse plano, não pôde levá-lo a efeito, porque a morte veio surpreende-lo. Filipe apressara-se a atrair ao seu partido o notável vice-rei, elevando-o a marquês de Santarém, titulo que ele não teve ocasião de aceitar, nem de recusar, por já ter falecido. Diz-se que, ao sentir-se morrer, exclamara: "Ora que morra eu e seja tudo contra Portugal!" O seu cadáver foi depositado na capela-mor da igreja dos Reis Magos, de Goa. Segundo o que ordenou no testamento, foram depois os seus ossos trasladados para o convento do Bom Jesus, em Peniche, de que era donatário, ficando num soberbo túmulo na capela-mor do lado do Evangelho. Depois de 1834, tendo o convento caído em ruínas as venerandas relíquias foram trasladadas para a igreja de N. Sr.ª da Ajuda. Foi seu sucessor no governo da Índia, D. António de Noronha.

Acerca deste notável vice-rei, podem consultar-se as seguintes obras: Descrição geral e histórica das moedas de Portugal, por Teixeira de Aragão; Memórias para a história de D. Sebastião, de Diogo Barbosa Machado; História de Portugal, de Pinheiro, Chagas; História da Índia no tempo em que a governou D. Luís de Ataíde, por António Pinto Pereira. Não deixando o conde de Atouguia descendência masculina, veio a passar a casa e título pela linha feminina a D. João Gonçalves de Ataíde, que foi o 4.º conde de Atouguia. V. este título e nome.

 

 

 

Genealogia do 3.º conde de Atouguia
Geneall.pt

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume I, págs. 852-854

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
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