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Domingos Bomtempo

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Domingos Bomtempo

Bomtempo (João Domingos).

 

n.      28 de dezembro de 1775.
f.       18 de agosto de 1842.

 

Pianista e compositor de música muito afamado, que se tornou conhecido no estrangeiro, sendo calorosamente aplaudido em Paris e em Londres.

Nasceu em Lisboa a 28 de dezembro de 1775, faleceu na mesma cidade a 18 de agosto de 1842. Era filho de Francisco Saverio Buontempo, um dos músicos italianos que vieram a Portugal para o serviço do rei D. José, e que a exemplo de muitos dos seus patrícios aportuguesou o nome, passando a chamar-se Francisco Xavier Bomtempo. Sua mãe chamava-se Mariana da Silva Bomtempo, natural de Lisboa. 

Dedicando-se à música desde a infância sob a direcção paterna, aprendeu a tocar oboé, instrumento em que seu pai era especialista, sendo o primeiro oboé da orquestra real; ao mesmo tempo estudava piano e contraponto com os mestres do Seminário Patriarcal. Ainda não contava catorze anos completos, quando foi admitido na irmandade de Santa Cecília, a 9 de julho de 1789, classificado como cantor da Bemposta. Seu pai faleceu em 1795, deixando numerosa família em más circunstâncias, e João Domingos Bomtempo, que já tinha vinte anos, foi nomeado para o lugar de seu pai na orquestra real, com o encargo de sustentar mãe e irmãs, porque os irmãos todos encontraram colocação. Desejando aperfeiçoar-se na arte a que se dedicara, resolveu ir estudar fora do reino, influído com o exemplo de Marcos de Portugal, que estava então na Itália. Em 1801, estando o país mais sossegado das agitações políticas pelo tratado de paz assinado em Badajoz entre Portugal, Espanha e França, saiu de Lisboa, em direcção a Paris, levando apenas consigo duas peças de ouro e uma carta de recomendação escrita pelo barão de Sobral, Geraldo Venceslau Braamcamp. Nessa época existia em Paris uma numerosa colónia portuguesa em que se encontravam alguns emigrados políticos, entre os quais se contava o poeta Francisco Manuel do Nascimento, Filinto Elísio. Era justamente a época em que o consulado de Bonaparte sucedera ao directório republicano, época de reconstituição social, favorável aos artistas, que se viam festejados nos salões parisienses, onde se reuniam aristocratas e burgueses, esquecendo passados ódios e entregues à cultura do espírito. Com tais qualidades, um artista de natural vocação, estudioso e hábil, dedilhando ao piano com facilidade, não podia deixar de ser bem acolhido no meio social em que se encontrava. Em 1802 chegou a Paris o criador da moderna escola de piano, Macio Clementi, acompanhado do seu discípulo John Field. A impressão causada pelo novo estilo daquele professor foi imensa, e Bomtempo decerto observou e estudou com a maior atenção os processos desse estilo, porque se identificou com ele adquirindo-o duma forma completa e perfeita. A primeira composição que publicou, foi uma sonata dedicada a D. Carlota Joaquina, mulher do príncipe regente D. João, depois D. João VI. Existe na biblioteca da Ajuda, e tem o seguinte titulo: Grande Sonate pour le Piano Forte, composée et dediée à Son Altesse Royale Ia Princesas de Portugal, par J. D. Bomtempo.

Sucessivamente publicou: Primeiro concerto, em mi bemol, para piano e orquestra, Segundo concerto em fá menor, para piano e orquestra, e umas variações sobre o Minuete afandangado. Esta primeira época, em que Bomtempo residiu em Paris, foi o seu período de estudo e iniciação; convivendo com artistas de primeira ordem, devia ter tirado dessa convivência o máximo proveito para o seu adiantamento. Filippe Libon, o mais aplaudido violinista de França, nessa época, foi seu amigo íntimo, e com ele tocou em alguns concertos. No ano de 1809 compôs a sua primeira sinfonia para orquestra, que se executou num concerto dado em Janeiro de 1810. Em outubro deste ano partiu para Londres, onde foi brilhantemente recebido, alcançando amigos e grande protecção tanto entre a colónia portuguesa, como entre as principais famílias inglesas, contando-se neste numero a duquesa de Hamilton, cuja a filha foi sua discípula. Estava então em Londres o artista Muzio Clementi, dirigindo a fábrica de pianos e imprensa de música, por ele fundada, com quem Bomtempo travou relações íntimas, assim como com os sócios de Clementi, os irmãos Collard. A primeira composição impressa em Londres, parece ter sido umas variações sobre o tema de Paesiello: Nel cor piú non mi sento. Imprimiu-se depois o terceiro concerto, e o capricho e variações sobre o hino inglês, com o título seguinte, escrito em inglês: Capricho e Deus salve o Rei, com variações, composto e dedicado, com permissão, a sua Alteza o Duque de Sussex. Publicou mais as suas primeiras Três grandes Sonatas para piano forte, sendo a terceira com acompanhamento de violino obrigado. Quando chegou a Londres a notícia que o Exército anglo-luso havia expulsado definitivamente de Portugal as tropas francesas, o embaixador português, o conde do Funchal, D. Domingos de Sousa Coutinho, quis celebrar este facto dando uma grande festa; Bomtempo compôs então uma cantata, que intitulou Hino Lusitano, cuja poesia foi escrita pelo doutor Nolasco da Cunha. Esta composição causou o maior entusiasmo, que as circunstâncias da ocasião ainda mais aumentaram, sendo ouvida pela mais escolhida sociedade inglesa, corpo diplomático e estrangeiro, que aplaudiram o talentoso músico português. Esta festa realizou-se em 13 de maio de 1811, dia do aniversário natalício de D. João VI. O hino imprimiu-se com o titulo: Hino lusitano consagrado à gloria de Sua Alteza Real o Príncipe Regente de Portugal e da Nação Portuguesa. Em seguida a esta festa, Bomtempo deu um grande concerto público, onde se executou o hino pela segunda vez. Publicou em seguida outras composições, cujos títulos, traduzidos do inglês, são: Primeira grande sinfonia arranjada para dois executantes em um piano, e dedicada ao seu amigo João da Rocha Pinto pelo autor; Quarto grande concerto para piano forte que tenha as teclas adicionais agudíssimas, e adaptado também para os instrumentos de construção ordinária, com acompanhamento de orquestra completa, composto e dedicado a Mr. A. de Paiva, por J. D. Bomtempo. Esta música foi executada pelo autor no seu concerto dado em Hanover Square. Publicou mais, também com os títulos em inglês: Uma Sonata fácil para piano forte com acompanhamento, à vontade, para violino, composta e dedicada aos seus discípulos; Grande fantasia para piano forte, composta e dedicada ao seu particular amigo, o Sr. F. Pinto; Duas Sonatas e uma Ária popular com variações para piano forte, com um violino de acompanhamento à vontade, compostas e dedicadas aos Srs. Oom. Bomtempo, sabendo que o país estava em sossego por ter terminado a Guerra Peninsular, e desejoso de ver sua família, regressou ao reino em 1815, porém veio encontrá-lo num estado de miséria e os espíritos tão agitados pelas questões políticas que não permitia que brilhasse o seu talento.

Ainda assim teve ensejo de se apresentar uma vez no seu meio favorito, que era a alta sociedade. O cônsul espanhol em Lisboa, para solenizar o facto de Fernando VII ter sido reintegrado no trono em consequência da paz geral, deu uma festa diplomática, e convidou o ilustre artista para compor, ensaiar e dirigir uma cantata alegórica, em cuja execução tomaram parte as sobrinhas e parentes do referido cônsul. A cantata teve o titulo de O anúncio da paz, realizando-se a festa em 30 de maio. Tendo visto estabelecer-se em Londres com grande êxito, em 1812, a célebre Sociedade Filarmónica, que existe ainda hoje, tentou reproduzi-la em Lisboa, chegando a fazer algumas tentativas, mas a ideia não foi avante, e Bomtempo voltou a Londres, onde publicou mais três Sonatas de sua compo­sição. Escreveu também um método de piano com o seguinte título: Elemento de música e método de tocar piano forte, com exercícios em todos os géneros, etc., obra oferecida à nação portuguesa. Também em 1815 e 1816 compôs uma valsa e uma marcha Esta viagem a Londres parece ter sido principalmente com o intuito de activar a impressão das últimas composições. Saindo de Londres passou a Paris, e dali regressou a Lisboa, onde chegou pelos fins do ano de 1816, vindo encontrar o país de luto pela morte de D. Maria I, o que muito o contrariou. Terminando o luto tentou dar um concerto público, mas não pôde realizá-lo. Partiu de novo para Paris, na pior época para a cultura das artes. Reinava Luís XVII!, e esse reinado foi uma constante agitação política. Estando depois em Lisboa, escreveu uma missa de Requiem consagra­da á memoria de Camões. Mandou-a para Londres onde se imprimiu, lendo-se o seguinte no frontispício: Messe de Requiem à Quatre voix, Choeurs,et grand Orchestre, Ouvrage consracré à la Mémoire de Camões. Diz-se ser esta a obra prima de Bomtempo. Voltou pela terceira vez a Londres, gozando sempre da maior consideração. 

Chegando o ano de 1820, e o dia 24 de agosto, que marcou a primeira data na história da nossa Guerra Civil, regressou a Lisboa, e apresentou-se na sessão das célebres, populares Cortes que se reuniram, em 9 de março de 1821, oferecendo ao Soberano Congresso uma nova missa composta por ele em homenagem à regenerarão portuguesa. Foi geralmente aplaudido. A missa não se imprimiu, mas cantou-se em S. Domingos na festa do dia 28, a que se seguiu um Te-Deum, também da sua composição. No dia 20 de outubro de 1821 celebrou-se a memória de Gomes Freire de Andrade e dos supliciados de 1817, para a qual escreveu Bomtempo uma nova missa de requiem. Tornara-se o músico favorito do governo constitucional, D. João VI estimava-o muito, e foi ele ainda o escolhido para dirigir a parte musical nas exéquias de D. Maria I, celebradas por ocasião de se trasladarem para Lisboa os seus restos mortais. Estas exéquias foram executadas por distintos amadores de música. Bomtempo conseguiu então realizar a sua ideia de instituir uma Sociedade Filarmónica, como a de Londres, e para isso instalou-se numa casa da rua Nova do Carmo, começando em agosto de 1822 a primeira série dos notáveis concertos periódicos, em que prestou grandes serviços à arte, desenvolvendo o gosto pela boa música, agrupando um conjunto de excelentes amadores, que por ele consagravam adoração, incitando-os a aperfeiçoarem-se. A sociedade tomou rápido incremento. Os seus concertos, porém, foram proibidos, quando se deu a contra-revolução em virtude da Vilafrancada, promovida pelo infante D. Miguel em 27 de maio de 1823. Com a protecção de que Bomtempo gozava, tanto no paço como na alta nobreza, conseguiu tempo depois que a Sociedade Filarmónica continuasse, e o duque de Cadaval cedeu para os concertos a parte do seu grande palácio, denominado Palácio velho, que tinha amplos salões luxuosamente decorados, tendo uma grandiosa entrada. Este palácio estava situado no local onde hoje vemos a estação central dos caminhos-de-ferro. Inaugurou-se esta segunda época, que foi a mais auspiciosa. Inscreveram-se então como sócios muitas pessoas da nossa primeira sociedade, em que figuraram os duques de Cadaval e de Latões, condes de Subserra, marqueses de Palmela, muitos outros titulares, membros do corpo diplomático, banqueiros, comerciantes, homens de letras, etc. A música que principalmente se executava nos concertos, era de Bomtempo, executando-se também as de Haydn, Mozart, Cherubini e de outros mestres clássicos então em voga. A primeira série de seis concertos efectuou-se com toda a regularidade, conforme se anunciara na Gazeta, em todas as terças feiras compreendidas entre 9 de março e 20 de abril de 1824. A segunda série, que começou a 27 de abril, sofreu interrupção por causa da revolta conhecida pela Abrilada, em 30 desse mês. O segundo concerto só se efectuou em 18 de maio, seguindo os outros até princípio de julho. Continuaram as séries, que se interromperam em Março de 1826, por causa do falecimento de D. João VI, e apesar do consentimento, passado um mês, para funcionarem os teatros, e de se anunciaram na Gazeta de 18 de Maio três concertos em 23 e 30 desse mês, sendo o último em 6 de junho, estes concertos foram-se adiando repetidas vezes, chegando a realizar-se um deles a 13 de fevereiro de 1827.

Com a aproximação da Guerra Civil, começou a decadência da Sociedade Filarmónica que por fim terminou, quando D. Miguel entrou a barra de Lisboa e as cortes foram dissolvidas, começando o governo absoluto. Bomtempo, apesar das altas protecções de que dispunha, viu-se obrigado a refugiar-se no consulado da Rússia, porque o cônsul, Carlos de Razewich, era seu amigo íntimo, e assim passou em segurança até que se restabeleceu o regime constitucional. D. Pedro IV nomeou-o professor de D. Maria II e condecorou-o com a comenda da Ordem de Cristo. Depressa recuperou na corte o prestígio que outrora gozara. Quando se comemorou o primeiro aniversário da morte de D. Pedro, em 1835, compôs uma sinfonia fúnebre e um libera-me, para se executarem nas exéquias. Fundando-se o Conservatório por decreto de 5 de maio do referido ano de 1835, ficando anexo provisoriamente à Casa Pia, teve como professores os do Seminário Patriarcal, que fora extinto, e por director Domingos Bomtempo (V. Conservatório). Mais tarde, estando já no edifício que actualmente ocupa, realizou-se em 7 de agosto de 1842, na igreja dos Caetanos, uma solenidade em que os professores e os alunos executaram uma festiva missa escrita por Bomtempo e que ele próprio dirigiu.

Foi esta a sua última manifestação artística, porque dez dias depois faleceu, vítima duma apoplexia. Em Lisboa causou a maior consternação a sua morte, fizeram-se pomposas exéquias, e D. Maria II deu ordem que o féretro fosse conduzido em coche da Casa Real. Em 5 de novembro o Conservatório celebrou também solenes exéquias na igreja dos Caetanos, executando-se a missa de requiem, que Bomtempo consagrara à memória de Camões, e o libera-me, que escrevera para as exéquias de D. Pedro IV. Bomtempo casara em outubro de 1836 com D. Maria das Dores de Almeida. D. Maria II e o rei D. Fernando foram padrinhos de seu filho, o sr. Fernando Maria Bomtempo, que nasceu a 23 de agosto de 1837. 

No Dicionário biográfico de músicos portugueses, de Ernesto Vieira, vem publicada a biografia e o retrato deste notável professor, vol. I, páginas 105 e seguintes.

 

 

Genealogia de João Domingos Bomtempo
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Biografia, listagem de obras, discografia e áudio de João Domingos Bomtempo
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Volume II, págs. 381-383

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