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Camilo Castelo Branco
Camilo Castelo Branco

 

Correia Botelho (Camilo Castelo Branco, visconde de).

 

n.       16 de março de 1825.
f.        1 de junho de 1890.

 

Escritor e romancista, mais conhecido pelo nome que nobilitou na literatura.

Nasceu em Lisboa a 16 de março de 1825, faleceu em 1 de junho de 1890, na sua casa de S. Miguel de Seide.

Era filho natural de Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, duma família afidalgada de Vila Real, e de D. Jacinta Rosa de Almeida do Espírito Santo.

Ficou órfão de mãe nos primeiros meses de nascido, sendo entregue a uma pobre mulher de Coimbra para o amamentar. Não contava ainda nove anos, quando morreu seu pai, em 1834, levado pela demência a uma congestão cerebral. Ficando assim deserdado, em completa orfandade, os parentes paternos tomaram conta da pobre criança, que foi entregue aos cuidados duma tia, D. Rita Emília da Veiga Castelo Branco. Parece que se não deu bem com a sua protectora, porque duas vezes tentou fugir-lhe, uma vez para o Porto e outra para Lisboa, sendo de ambas as vezes obrigado a voltar a casa, indo então viver na aldeia de Samardã, para casa dum seu tio, o padre António de Azevedo, que lhe deu as primeiras lições de latim e de cantochão, com o qual rezava os ofícios divinos do breviário, e a quem ajudava à missa de madrugada. Em 1841 veio para Lisboa para espairecer paixões precoces que o assoberbavam, donde os parentes o fizeram sair por falta de recursos, e em 1843 apareceu no Porto a matricular-se em 16 de outubro na Escola Médico-cirúrgica. A vida de estudante pobre nesta cidade burguesa e endinheirada, pelo isolamento a que era forçado, fortificava-lhe o temperamento sarcástico e observador, que viria a fazer de Camilo Castelo Branco um romancista, dando por fundo dos seus quadros esse velho Porto, que hoje vive arqueologicamente na sua obra literária. A frequência em 1844 na Academia Politécnica, da cadeira de química e botânica, deu-lhe a tintura científica, que entre as locuções populares das suas pitorescas descrições realça pela incomparável variedade do seu vocabulário.

Camilo frequentava as festas dos abadessados, e pela intimidade com Faustino Xavier de Novais, tornou-se-lhe preponderante a tendência satírica, publicando em 1845 o folheto em verso O Juízo Universal, o sonho do inferno, poema em 3 cantos. Indo para Coimbra completar os preparatórios do Liceu foi preso na Relação do Porto, onde entrou a 16 de outubro de 1846, a requisição da família, por motivo duma aventura amorosa com D. Patrícia Emília do Carmo, de Vila Real, de cujas relações nascera uma filha. O país estava em lutas tormentosas de cartistas contra setembristas, e na cadeia conheceu muitos presos políticos; durante o pouco tempo de detenção adquiriu essa desdenhosa indiferença que o afastou de todas as facções politicas que se sucederam até à sua morte. Sendo solto, foi para Coimbra, seguindo depois para Vila Real, quando as aulas se fecharam por causa da revolução popular, que ficou conhecida por "Maria da Fonte". Em Vila Real escreveu o seu primeiro drama, Agostinho de Ceuta, que se representou com o maior agrado no teatro daquela vila por curiosos. Em 1848 fixou a sua residência no Porto, e nesse ano publicou a Murraça, poema épico em 3 cantos, celebrando uma cena de pugilato que se dera na sé do Porto entre um padre e o arcediago. Escreveu também um folheto narrando o crime que se dera, então em Lisboa, duma filha matar a sua própria mãe; o folheto tinha por título: Matricídio sem exemplo, uma filha que matou e esquartejou sua própria mãe, etc.; causou um êxito enorme, chegando a fazer-se três edições. A forma insinuante em que estava escrito fazia vibrar o sentimento popular, vindo revelar-lhe que a sua pena era um poder e que, a ela pediria a sua independência. Começou então a colaborar nos jornais políticos e literários, como o Nacional, a Revista do Porto, etc. Em 1850 tomou parte na polémica que se travara entre Alexandre Herculano e alguns padres acerca do milagre do Campo de Ourique narrado pela historia pátria, publicando em Lisboa o seguinte opúsculo: O Clero e o sr. Alexandre Herculano. O grande historiador julgava-o pouco instruído e não lhe agradou a defesa; Camilo Castelo Branco escreveu então o seu primeiro romance o Anátema, que começou a sair na Semana, jornal literário que se publicava nessa época, redigido por João de Lemos, Silva Bruschy, Pinto de Sousa e Aguiar Loureiro. O romance apareceu depois em livro, em 1851, edição feita no Porto, e de que a critica muito se ocupou. Em 1858 fez-se segunda edição, e em 1875 terceira.

Nos anos de 1850 a 1852 cultivou os estudos religiosos chegando a frequentar o seminário episcopal do Porto. Julgava-se que o motivo desta súbita resolução fora a impressão que lhe causara o exemplo do Dr. Câmara Sinval, lente da escola medica daquela cidade, que, já, encanecido, tomara ordens e estreara a sua carreira de orador sagrado pregando em honra de S. Filipe Nery. Passada a crise que o atraiu para os estudos religiosos, voltou com ardor ao trabalho puramente literário, e durante 1853 escreveu os 3 volumes dos Mistérios de Lisboa. Começou então a sua numerosa série de livros, que o consagrou como primeiro romancista do século XIX. Alexandre. Herculano, no prólogo das Lendas e Narrativas, saudou o novo talento iniciador do romance moderno na literatura portuguesa. O novo escritor elevava-se à naturalidade das situações, ao realismo dos tipos caricatos, dando largas a descrições pitorescas e considerandos sarcásticos. Poeta e romancista sentiu as grandes sensações que descrevia nos seus livros. Teve uma mocidade aventurosa e apaixonada. Casou em Ribeira de Pena a 18 de agosto de 1841 com uma menina de S. Cosme de Gondomar, mais velha do que ele, chamada Maria Joaquina. Pouco tempo depois enviuvou. No meio dos seus labores literários, vieram assaltá-lo novos amores, porém desta vez foi uma paixão mais veemente. Em 1857 começara a intriga de galanteio com D. Ana Augusta Plácido, duma família distinta do Porto, de que resultou um processo de adultério, a prisão dos dois amantes, uma separação conjugal judiciaria, e a união dos dois através duma vida tormentosa até à morte.

Desde 1858 até à prisão, em 1860, Camilo Castelo Branco apenas escreveu Quatro horas inocentes, e os dramas Abençoadas lágrimas e Purgatório e Paraíso. Quando lhe instauraram o processo criminal, assaltou-o uma exacerbação nervosa, e vendo-se perseguido pela justiça, saiu do Porto em maio do referido ano de 1860 pelo arrabalde de Bonfim, pensando na tranquila aldeia de Samardã, onde vivera em criança; dirigiu-se a Guimarães, passou à quinta de Briteiros, depois à do Ermo, em Fafe, do seu amigo Vieira de Castro, seguiu a Vila Real, passou a serra do Marão a 2 de julho de 1860, esteve em Amarante e ainda em outras partes, voltando finalmente ao Porto em Setembro, para se entregar à prisão, onde entrou em 1 de outubro seguinte. Na cadeia buscava distracção e os recursos de subsistência nos trabalhos literários, traduzindo romances, escrevendo folhetins e os pequenos contos Doze casamentos felizes, com os romances originais Anos de prosa, Romance dum homem rico e Amor de perdição. No cárcere recebeu a visita do rei D. Pedro V, em 1861, e nesse ano foi julgado a 17 de outubro em audiência de júri, ficando absolvido. Camilo Castelo Branco achou-se novamente ligado à mulher que o seu talento literário deslumbrara, e vendo-se com família a sustentar, entrego use a um activo trabalho, escrevendo sucessivos livros, que os editores compravam, vendendo-se prontamente as edições. Foi então que escreveu as Memorias do cárcere, em que narra a sua vida na cadeia e a honra que recebera da visita de D. Pedro V. Pensou depois em ser empregado publico, e em 1862 veio a Lisboa, mas os ares da capital eram prejudiciais à sua saúde, e poucos anos se demorou, retirando-se para a quinta de S. Miguel de Seide, que pertencia a D. Ana Plácido. A natureza campestre não o pacificou; o isolamento despertava-lhe uma sensibilidade mórbida, que se converteu em nevralgias, que o não deixavam demorar-se num sitio, ora em Braga, no Bom Jesus do Monte, ora na Povoa de Varzim, no Porto, na Foz, tendo apenas um único alivio, o trabalho mental.

Circunstâncias imprevistas agravaram subitamente o seu constante mau estado de saúde; numa viagem de S. Miguel de Seide para o Porto sofreu um medonho descarrilamento de comboio, de que escapou milagrosamente, e foi desse desastre que resultou a doença que veio a terminar peia cegueira. Desgostos de família aumentaram-lhe ainda os sofrimentos; a morte duma netinha de três anos, que muito estimava, a loucura irremediável de seu filho Jorge, e os desvarios perdulários de seu filho mais velho, o levaram ao desespero que lhe sugeriu a ideia do suicídio. Os amigos tratavam-no com o maior desvelo, procuravam lisonjear lhe as suas antigas aspirações, prepararam-lhe uma glorificação literária; foi-lhe dado o título de visconde de Correia Botelho em 1885, votando o parlamento a dispensa dos direitos de mercê. Nada, porém, o sossegava; concederam-lhe também em 23 de maio de 1889 a pensão anual de 1.000$000 réis pelo reconhecimento de escritor, sendo-lhe nesse mesmo ano concedida a sobrevivência da pensão ao seu filho Jorge. A preocupação do suicídio não o abandonava, contudo, e na ocasião em que soube, pela opinião surpreendida dum médico, que a sua cegueira era incurável, desfechou um revolver na cabeça, e assim terminou a existência acidentada do escritor português que nos seus numerosos romances mais emoções descreveu. Camilo Castelo Branco casou em 9 de março de 1888 com D. Ana Augusta Plácido, que tinha enviuvado do seu primeiro marido. A morte de Camilo Castelo Branco causou a maior, consternação, e toda a imprensa foi unânime na publicação de saudosos artigos, lastimando a sua falta na literatura portuguesa.

O sr. Alberto Pimentel, que foi um dos seus íntimos amigos, escreveu um livro, O Romance do Romancista, publicado em 1890, em que descreve minuciosamente a sua vida, e transcreve os artigos insertos nos jornais por ocasião do falecimento. Camilo Castelo Branco, noticia da sua vida e obras, por J. C. Vieira de Castro, Porto, 1862. Na Enciclopédia portuguesa ilustrada, do Porto, que já por vezes temos citado, também se encontra um longo artigo biográfico acompanhado do seu retrato, devido à, pena do dr. Teófilo Braga, do qual extraímos na maior parte estes apontamentos, transcrevendo alguns períodos. Também se pode ver acerca do notável romancista A Revista contemporânea de Portugal e Brasil, 1864, vol. 4.º pág. 485; O Ocidente, vol. 8.º, 10.º e 13.º, Dicionário bibliográfico, vol. 2.° e 9.º, etc.

 

 

 

 

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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume II, págs.
1149-1151

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