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José Maurício Nunes Garcia
José Maurício Nunes Garcia

 

Garcia (padre José Maurício Nunes).

 

n.     22 de janeiro de 1767.
f.      18 de abril de 1831.

 

Presbítero secular, cavaleiro da ordem de Cristo, compositor e instrumentista brasileiro. 

Nasc. no Rio de Janeiro a 22 de Setembro de 1767, onde também fal. a 18 de Abril de 1831. Era filho de Apolinário Nunes Garcia e de Vitória Maria da Cruz. 

Desde os primeiros anos mostrou a mais decidida vocação para a música; dotado duma boa voz infantil, cantava acompanhando-se ao cravo ou à viola, sem que o tivessem ensinado e instigado somente pela natural vocação. Aos 6 anos ficando órfão de pai, sua mãe e uma tia materna dirigiam-lhe com desvelo a primeira educação, e vendo o gosto que ele tinha pela música, mandaram-no para a aula de Salvador José, mestre muito afamado. Estudou também Latim, Teologia, Retórica e Filosofia, distinguindo-se pela aplicação, e tornando-se notavelmente instruído. Com estes estudos se habilitou a receber ordens sacras, celebrando a primeira missa em 1792, e obtendo licença para pregar em 1798. Ao tempo de ser ordenado padre já era organista e compositor apreciado. Compôs um TeDeum, que se cantou no Rio de Janeiro em 1791, para festejar o feliz regresso à Europa do vice-rei Luís de Vasconcelos. Em 1798 foi nomeado mestre da capela da catedral, lugar que vagara pelo falecimento do padre João Lopes Ferreira. Dirigindo a aula de música inerente ao cargo de mestre da capela, e dando lições particulares, criou numerosos discípulos, muitos dos quais se tornaram bons músicos de profissão, não só cantores e instrumentistas, como também compositores. 

Quando em 1808 o príncipe regente D. João chegou ao Rio de Janeiro, mandou logo proceder à organização da capela real, por decreto de 25 de Junho, juntando-a com a Sé e incorporando nela os músicos de Lisboa que o tinham acompanhado ou que fossem chegando. O padre Maurício conservou-se no seu lugar de mestre, aumentando com a prerrogativa talvez puramente honorífica de inspector, sendo a confirmação régia datada em 4 de Novembro. O príncipe regente tanto se agradou do seu mérito, que em 1810, depois duma festividade que o padre dirigiu, mandou-o chamar, e em plena corte pediu ao ministro visconde de Vila Nova da Rainha, que lhe cedesse a insígnia da ordem de Cristo, que tinha na farda, e colocou-a ao peito do mestre da capela. Em seguida concedeu-lhe uma ração de criado particular, a qual se converteu em mensalidade de 32$000 réis, acrescentada ao ordenado que tinha de 600$000 réis anuais. Esta benevolência do príncipe D. João, era duplamente útil ao padre Maurício, porque a sua qualidade de mulato atraia-lhe graves vexames causados pelos preconceitos de raça, que as vestes sacerdotais atenuavam, mas não evitavam completamente. Esses vexames tiveram de se conter perante a protecção real, mas transformaram-se ainda assim em mal disfarçado desdém. 

Marcos de Portugal, o maestro português, chegado à corte do Brasil em 1811, também se sentiu ferido no seu orgulho, por ter de partilhar a supremacia artística com um mulato brasileiro. O príncipe regente procurava contentar ambos, concedendo-lhe favores. O padre Maurício Nunes Garcia, assim como era muito instruído nas letras, esforçava-se também em adquirir o maior grau de instrução na música, estudando as obras dos grandes mestres. Balbi, no Essai statistique, dizendo que ele era digno rival de Marcos de Portugal, acrescenta: «Possui a colecção de música mais completa do Brasil; porque manda vir regularmente as melhores composições que vão aparecendo na Alemanha, na Itália, na França e na Inglaterra.» Entretanto, no desempenho das obrigações de mestre de capela, dirigia a escola de música de Santa Cruz, anteriormente fundada pelos jesuítas, donde depois se formou o moderno conservatório brasileiro. Compunha também diversas obras sacras para se executarem na catedral. A nau D. João VI chegou ao Rio de Janeiro em 1817, levando-a seu bordo a arquiduquesa de Áustria, D. Maria Leopoldina, que foi a primeira mulher do príncipe D. Pedro, depois D. Pedro IV; de Lisboa também fora na referida nau uma excelente banda militar, tendo era mestre Eduardo Neuparth. Era a primeira vez que no Brasil se ouvia uma banda de música tão bem organizada, e o seu efeito causou grande sensação. O padre Maurício Nunes Garcia compôs, para ser executada pela banda, uma colecção de 12 peças com o titulo de Divertimentos, as quais foram consideradas entre as suas melhores produções, e um biografo disse serem de inspiração arrebatadora. Compôs também a música duma ópera italiana Le Due Gemelle, para ser cantada no teatro S. João, e cuja partitura se perdeu no incêndio, que reduziu a cinzas aquele teatro em 1824. 

D. João VI, retirando-se em 1821 para a Europa, quis trazer consigo o compositor brasileiro, ele escusou-se, e não saiu do Brasil. Desde a partida do monarca, a esplendorosa capela real voltou a ser simples capela da catedral, perdendo os cantores italianos e a maior parte dos melhores instrumentistas, com que as festas religiosas perderam também o seu brilhantismo. Veio em seguida a guerra da independência, e o padre Maurício Nunes Garcia, desgostoso, retirou-se à vida particular, até que faleceu. 

As obras deste compositor citadas como as principais, são: uma sinfonia fúnebre, executada nas suas exéquias; uma missa de requiem; uma missa solene; Te-Deum e matinas que compusera para a festa de Santa Cecília; outra missa, escrita para a festa da degolação de S. João Baptista; os 12 Divertimentos já mencionados, e uma abertura, Tempestade, escrita para um elogio dramático que se representou no teatro de S. João. O número das suas composições é calculado em mais de duzentas. Escreveu também muitas modinhas, imprimindo-se algumas no Rio de Janeiro. Balbi elogia-o como pianista, chamando-lhe o Bomtempo brasileiro. Para a sua biografia pode consultar-se o Dicionário biográfico dos músicos portugueses, de Ernesto Vieira, já diversas vezes citado neste nosso trabalho, e donde extraímos estes apontamentos; a Revista trimensal do Instituto Histórico e Geográfico, do Rio de Janeiro, tomo XIX, pág. 354 e seguintes, artigo do barão de Santo Ângelo; no tomo XXII da mesma revista, pág. 504, publicou o mesmo escritor uma relação das composições religiosas do padre Maurício Nunes Garcia, extraída de apontamentos que ele próprio tinha feito para organizar o inventário da música existente na capela real; O Ano Histórico Brasileiro, por Joaquim Manuel de Macedo, vol. a pág. 479 a 485; O Rio de Janeiro, do Dr.. Moreira de Azevedo, tomo I, pág. 323 e 334; a biografia por este escritor, na Revista trimensal; tomo XXXIV, pág. 293; Efemérides nacionais, por Teixeira de Melo, tomo I, pág. 236 e 237. 

José Maurício Nunes Garcia teve um filho natural do mesmo nome, que foi doutor em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, cavaleiro da ordem de Cristo, oficial da Ordem da Rosa, do Brasil, cirurgião pela Academia Médico-cirúrgica do Rio de Janeiro, lente jubilado da Escola de Medicina, professor honorário da Academia de Belas Artes, sócio correspondente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, etc. Nasceu no Rio de Janeiro a 10 de Dezembro de 1803. Publicou alguns trabalhos sobre medicina, no Rio de Janeiro. Faleceu em 1881.

 

 

 

 

José Maurício Nunes Garcia
Espaço na Internet sobre o músico

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume III, pág
s. 692-693.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
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