Portugal - Dicionário

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Rainha Santa Isabel
Rainha Santa Isabel

 

Isabel (D).

 

n.       1271.
f.       4 de julho de 1336
.

 

A rainha santa, mulher do rei D. Dinis I.

Nasceu em 1271, mas o dia não é assinalado por nenhum escritor. A terra da sua naturalidade também é duvidosa, pois apesar de geralmente os escritores dizerem que foi a cidade de Saragoça, D. José Barbosa, no Catalogo das Rainhas de Portugal, a pág. 269, referindo-se ao testemunho de um religioso mercenário, a quem vira e comunicara em sua viagem o padre D. Manuel Caetano de Sousa, dá por mais certo ser Barcelona, corte nesses tempos dos reis de Aragão, segundo aquele religioso. D. Isabel era filha de Pedro III, rei de Aragão, e de sua mulher, D. Constança, filha de Manfredo, rei de Nápoles e Sicília; neta de D. Jaime I, o Conquistador, que instituiu a ordem dos Mercenários, juntamente com S. Pedro Nolasco e S. Raimundo de Peñafort.

Recebeu no batismo o nome de Isabel, em memória de sua tia, Santa Isabel, filha do rei da Hungria. Ainda na infância dedicou-se com tanto ardor à oração, que já na idade de oito anos começou a rezar todos os dias as horas canónicas, devoção que sempre conservou. Desprezava o luxo do vestuário que tanto encantava as senhoras da corte; desprezava todos os passatempos e recreios, entregando-se completamente a exercícios de piedade e devoção. As suas nobres virtudes e a sua formosura a tornaram muito estimada e respeitada. Pretenderam-na para esposa Filipe, de França; D. Duarte, príncipe de Gales; e Paleólogo, imperador da Grécia, para Andrónico, seu filho e herdeiro. Afinal veio a casar com o rei D. Dinis. Parece que foi em 1281 que se tratou das bases do contrato de casamento com os aragoneses Conrado Lança e Beltrão de Vila Franca, que estiveram em Portugal e figuraram como testemunhas no diploma de doação feita por D. Dinis a D. Isabel, de Óbidos, Abrantes, Porto de Mós, por carta de arras passada em 24 de abril do referido ano de 1281. Foram enviados a Aragão, como embaixadores, os três conselheiros do rei, João Velho, João Martins e Vasco Pires. O casamento celebrou-se em Barcelona, por procuração, em fevereiro de 1288, partindo em seguida D. Isabel para Portugal, chegando a Trancoso onde a esperava D. Dinis com a maior parte da nobreza da corte. Naquela vila se efetuou o casamento a 24 de junho do mesmo ano, havendo solenes e pomposas festas, como nunca se vira ainda no país. Além das vilas, de que consta a doação citada, D. Dinis concedeu a sua esposa uma parte dos rendimentos dessas vilas, e a vila de Trancoso como presente de boas vindas.

A sua nova posição de rainha não deslumbrou a virtuosa senhora, que prosseguiu na mesma austeridade da vida, a que se dedicara. Com extrema humildade aplicava ásperas mortificações, até com cilícios rigorosos que trazia debaixo das vestiduras reais. Empregava as horas do dia em orações, ouvindo missa, comungando frequentemente; tratando também dos cuidados domésticos, satisfazendo deveres do estado, lendo a Escritura Sagrada e outros livros religiosos, e em trabalho manual. Uma das maiores virtudes, que largamente praticava, era a caridade com os pobres, e dizia repetidas vezes que Deus a elevara ao trono, para mais facilmente poder distribuir maiores esmolas. Muitas vezes mandava convocar pobres dos lugares vizinhos, fazia-os entrar secretamente nos seus aposentos do paço, e com humildade lhes lavava os pés, posta de joelhos, enxugando-os com brandura, servia-lhes de comer, e despedia-os depois dando-lhes esmola; visitava os hospitais, ministrando pelas suas próprias mãos remédios aos enfermos, consolando-os com palavras de conforto e de religião. A fama da sua caridade tornou-se tão notória que de todas as partes concorriam pobres,cercando o paço em busca da santa rainha. A missão de D. Isabel, em Portugal, foi toda de paz, amor e caridade. Apenas chegou, interveio nas discórdias entre D.Dinis e seu irmão D. Afonso (V. Dinis I), e conseguiu estabelecer a paz. Depois teve de mostrar uma resignação verdadeiramente evangélica, por o rei D. Dinis não respeitar quanto deveria a fidelidade conjugal. Os filhos bastardos, porém, eram sempre bem acolhidos pela virtuosa rainha no paço, onde viviam exercendo cargos elevados. D. Isabel teve dois filhos: D. Afonso, que sucedeu no trono, e D. Constança, que casou com Fernando IV, de Castela. O infante D. Afonso não via com bons olhos a predileção de seu pai pelos filhos ilegítimos, e com especialidade por D. Afonso Sanches, que era o seu predileto. (V. Afonso Sanches). Ferido pelo ciúme, e além disso, auxiliado por alguns fidalgos que se lhe afeiçoaram e se tornaram seus partidários, chegou a revoltar-se contra seu pai. Os tumultos começaram em 1314, mas o papa interveio, e conseguiu acalma-los. Em 1319, porém, atearam-se mais; por todo o reino os exércitos de D. Afonso e D. Dinis faziam grandes destroços, animando os tumultos que se haviam levantado, tanto a favor do monarca, como do filho rebelde. D. Isabel sofria muitíssimo vendo estas discórdias, e ainda maior foi o seu pesar, por D. Dinis, considerando-a cúmplice de seu filho, a ter desterrado para Alenquer. A guerra civil estava declarada, e D. Isabel não podia descansar com aquela lamentável situação. Correu a Guimarães, onde se encontrava D. Afonso, e pediu-lhe que pusesse termo à sua revolta. Nada alcançou. Seguiu o filho até Coimbra, e vendo infrutíferos os seus esforços, rogou-lhe ao menos que esperasse até que ela alcançasse aplacar as iras de seu pai. A sua intervenção nada pôde conseguir. D. Jaime II, de Aragão, irmão de D. Isabel, veia de propósito a Portugal, procurando evitar a guerra, e também não serviu o seu auxílio. Os dois exércitos beligerantes encontraram-se em Coimbra, estava iminente a batalha, mas as insistências e as lagrimas de D. Isabel conseguiram afinal abrandar os ânimos, principalmente D. Afonso, que era o mais renitente, a discórdia terminou, e celebrou-se a paz. Em 1323 de novo se incendiaram as iras do filho rebelde. D. Afonso marchou com as tropas de Santarém para Lisboa, foi-lhe ao encontro D. Dinis à frente do seu exército, e a batalha parecia inevitável. A virtuosa rainha soube em Lisboa, nos paços da Alcáçova do Castelo, que os dois exércitos haviam formado em linha de combate, e montando numa mula partiu, quase sozinha, em direção ao Campo de Alvalade, hoje Campo Grande, onde já se ouviam ressoar com brava fúria os anafis e outros instrumentos de guerra, sinistros precursores de mortes e de estragos. Atravessando serenamente aquela cena tumultuosa, passou por meio dos cavaleiros de ambos os partidos, que se arredavam respeitosamente para lhe dar passagem, e dirigiu-se ao local onde estava o filho. Então, com a eloquência natural que Deus lhe inspirava, e que a comoção da tragedia iminente humedecia de lagrimas, rogou a D. Afonso, que não fosse mais uma vez rebelde contra seu pai e seu rei, que não incitasse de novo o país, - que no futuro tinha de reinar, expondo-o a todos os horrores da guerra civil, e principalmente que não fosse perjuro, esquecendo tão cedo as promessas solenes feitas diante de Deus, quando se celebrara a paz com seu pai, e de que ela ficara fiadora. As palavras persuasivas de sua mãe produziram grande impressão em D. Afonso, que se sujeitou à obediência renovando as pazes, que não tornou a quebrar, talvez porque dois anos depois, em 1325, faleceu seu pai. Este facto está comemorado com um padrão, que a própria rainha mandou colocar no sítio onde esteve iminente a batalha (V. Campo Pequeno - Afonso IV e Dinis I).

D. Dinis foi sepultado no convento de Odivelas, que ele fundara; a rainha acompanhou o cortejo fúnebre, e conservou-se algum tempo no mosteiro, retirando-se depois para o convento de Santa Clara, de Coimbra, que fora fundado em 1286 por D. Maior Dias, e que a rainha santa mais tarde reedificou, mandando alargar o convento, construindo uma nova e sumptuosa igreja. Contíguo ao convento fundou um hospital para pobres, que também dotou com grandes rendimentos. D. Isabel desejava professar, mas representando-lhe algumas pessoas piedosas que a sua presença poderia ainda ser muito útil ao Estado, para que fosse prender-se completamente no claustro, contentou-se em fazer vida religiosa, sem obrigação de votos. A santa rainha passava parte do dia e da noite em oração; vivia em contínuo jejum, alimentando-se somente de pão e água. A sua caridade estendia-se além dos mares, dando avultadas esmolas para a redenção dos cativos em África. A devoção que consagrava a S. Tiago a decidiu a ir por duas vezes a Compostela, com o hábito de pobre peregrino e de alforjes, unicamente acompanhada por duas damas. Na volta da segunda viagem soube que D. Afonso IV, seu filho, estava em discórdia com o rei de Castela Afonso XI, seu neto, por ser filho de D. Constança e do falecido rei Fernando IV e que entre eles se declarara a guerra. Tomando imediatamente o bordão de peregrino, que sempre a acompanhava, e com que, a seu pedido, foi sepultada, e dirigiu-se a Estremoz, onde estava seu filho. Mas as fadigas da jornada e os ardores do estio lhe causaram uma violenta febre, a que não pôde resistir, falecendo na sala do castelo daquela vila a 4 de julho de 1336, tendo junto do leito a rainha D. Beatriz, mulher de D. Afonso IV, e de seus netos, os infantes D. Pedro e a infanta D. Leonor.

O enterro realizou-se com toda a pompa usada naquela época, sendo conduzido o féretro para Coimbra nove dias depois, 13 do referido mês, e depositado num túmulo na Igreja do convento de Santa Clara, conforme a falecida determinara em testamento. Este túmulo de pedra primorosamente trabalhado, parece que fora mandado construir pela rainha para a sua própria sepultura. Com o decorrer dos anos, as areias e águas do rio Mondego, na margem do qual estava construído o convento, principiaram a invadi-lo, e de tal forma, que no ano de 1649, aquelas areias tinham soterrado quase o edifício e apressado a sua derruição. D. João IV, reconhecendo o perigo em que estavam as religiosas, determinou construir um novo convento, para onde pudessem passar, e transportar-se o túmulo da santa rainha. As obras inauguraram-se com toda a solenidade em 3 de julho de 1649, mas a escassez de dinheiro e de braços, ocasionada pela guerra da Restauração, obrigou a morosidade das obras e só em 29 de outubro de 1677, na regência do príncipe D. Pedro, se pôde efetuar a trasladação, não obstante o edifício não estar ainda concluído. A trasladação foi feita com toda a pompa. No Guia do Viajante em Coimbra, do dr. Augusto Mendes Simões de Castro, vem assim descrita: “O préstito atravessou sempre por entre alas formadas pelas corporações religiosas da cidade, as quais por concorrerem em grande número não puderam ir incorporadas na procissão, apesar de não ser curta a distância de um a outro convento. À frente levava o marquês de Arronches o pendão, a cujos cordões pegavam seu filho e o conde da Ponte. As comunidades das duas ordens de S. Francisco, setenta e quatro freiras, várias confrarias e irmandades, a corporação da universidade, a câmara, autoridades civis, a clerezia, cabido, etc., compunham o vistoso préstito. O ataúde com o corpo da rainha santa foi levado debaixo do pálio pelos bispos de Lamego, Porto, Pernambuco, Viseu, Targa e Miranda, entre os quais, para os ajudarem, iam os provinciais das ordens da Santíssima Trindade, dos Eremitas de Santo Agostinho e dos Carmelitas Descalços. Levavam as varas do pálio o marquês das Minas, o conde de Figueiró, o conde de Santa Cruz, o visconde de Vila Nova da Cerveira, o conde barão, o conde de Soure, e o conde de Aveiras. Atrás do palio iam o bispo-conde e o bispo de S. Tomé. Depositou-se o corpo da santa num cofre muito rico de prata e cristal, que anteriormente havia mandado fazer o bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco, e depois de fechado com três chaves, se entregaram estas, uma a Roque Monteiro Paim, secretário de Estado, para a dar ao príncipe regente, outra ao bispo de Coimbra, e a terceira à prelada do convento. Por não estar ainda fabricada a esse tempo a igreja do mosteiro, foi o cofre colocado numa capela provisória.” (V. Coimbra, Convento de Santa Clara de).

O povo adorava a virtuosa senhora, e chamavam-lhe a rainha santa, prestando-lhe o mais fervoroso culto. Formavam-se lendas dos seus milagres, realizados ainda em sua vida. Contavam-se que fora um dia surpreendida pelo rei seu marido, levando o regaço cheio de ouro para a distribuição das esmolas aos pobrezinhos, e que D. Dinis indignado pela prodigalidade com que ela protegia os desgraçados a interrogara, e ' ela lhe mostrara o regaço cheio de rosas, em que o ouro se havia transformado. Contava-se também, que mandando a rainha construir uma igreja em Leiria, pagara uma tarde aos operários, dando uma rosa a cada um, as quais se converteram em ouro. A instância do rei D. Manuel, D. Isabel foi beatificada pelo papa Leão X, só para Coimbra e seu bispado, pelo breve de 15 de abril de 1516. Paulo IV, em 1556, concedeu que se pintasse a sua imagem, e que fosse festivo dia aniversário da sua morte, 4 de julho, em todo o reino de Portugal. Em 1612, reinando Filipe II, foi aberto o túmulo na presença do bispo de Coimbra, D. Afonso de Castelo Branco; o de Leiria, Martim Afonso Moreira; o padre mestre Francisco Soares, lente de prima da universidade, e outras pessoas importantes. Este facto determinou a sua canonização, e instaurou-se o respetivo processo em Roma, que se terminou no reinado seguinte, a 25 de maio de 1625, sendo papa Urbano VIII. Em todo o reino se realizaram pomposas e alegres festas. Além do hospital de Coimbra, Santa Isabel fundou também os de Santarém e Leiria. Na igreja do convento da Trindade, de Lisboa, para que concorreu com larguíssimas esmolas, erigiu uma capela a Nossa Senhora da Conceição, e em Alenquer instituiu, com seu marido, a festa do Espírito Santo. Fundou o mosteiro de freiras de S. Bernardo, de Almoster, e construiu ainda outras igrejas. Em Lisboa, no meado do século 18, erigiu-se uma igreja em sua honra, para cujo engrandecimento muito contribuiu o primeiro patriarca, D. Tomás de Almeida, e é hoje a freguesia bem conhecida da capital. A Universidade de Coimbra determinou, em 10 de julho de 1716, que houvesse préstito na véspera e dia da sua festa, com propinas dobradas.

Bibliografia: Rainhas de Portugal, de Fonseca Benevides; Catalogo Cronológico; Histórico, Genealógico e Critico das Rainhas de Portugal e seus filhos, por D. José Barbosa; Memorial das Rainhas de Portugal, de Piganiére; A evolução do culto de D. Isabel de Aragão esposa do rei lavrador D. Dinis de Portugal, a Rainha Santa, pelo dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, Coimbra, 1894, 2 volumes, sendo o segundo de notas.

Na igreja de Santa Clara, de Coimbra, existe uma imagem da rainha Santa Isabel, em mármore, escultura do bem conhecido escultor o sr. Teixeira Lopes. É trabalho de muito merecimento artístico, tanto de escultura como de pintura. Em julho de 1896 esteve em exposição na igreja de S. Domingos, de Lisboa, onde foi solenemente benzida e consagrada, pelo sr. cardeal patriarca, acompanhado de todo o cabido patriarcal. A igreja estava brilhantemente adornada, sendo enorme a concorrência. Pregou o falecido orador sagrado, de grande fama. Alves Mendes. Em seguida foi a imagem transportada para Coimbra.

 

 

Sta. Isabel de Aragão, rainha consorte de Portugal
Geni.com

 

 

 

 

 


 
Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume III, págs.
1001-1004

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