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D. Maria Francisca Isabel de Sabóia
D. Maria Francisca Isabel de Sabóia

 

Maria Francisca Isabel de Sabóia (D). Rainha de Portugal

 

n.      21 de junho de 1646.
f.       27 de dezembro de 1683.

 

Duquesa de Nemours e de Aumale; rainha de Portugal pelo seu casamento com o rei D. Afonso VI e depois com D. Pedro II. 

Nasceu em Paris a 21 de junho de 1646, faleceu em Palhavã, a 27 de dezembro de 1683. Era filha de Carlos Amadeu de Sabóia, duque de Nemours, e da duquesa D. Isabel de Vendôme, neta por bastardia de Henrique IV de França.

Quando se tratou do casamento de D. Afonso VI, procurou o seu grande ministro conde de Castelo Melhor uma noiva francesa, porque era a aliança de Luís XIV a que ele sobretudo cobiçava para a realização dos seus planos políticos. Primeiro pretendeu casar D. Afonso VI com a Grande Mademoiselle, e Luís XIV favorecia esse projecto, mas foi a noiva que resistiu tenazmente por causa dos seus amores com o duque de Lauzun. Foi então que o duque de Guise lembrou ao marquês de Sande, nosso ministro em Paris, mademoiselle de Nemours e de Aumale, pertencente a uma casa soberana, parente de Luís XIV, gentil e inteligente senhora, que devia ter um valioso dote. Sendo aparentada com os Condés e com todos os principais fidalgos franceses, mademoiselle Nemours trazia para Portugal as simpatias de toda a corte francesa, o que era muito importante por estarmos ainda em, luta com a Espanha. A única dificuldade, que se levantou, foi a que proveio dos escrúpulos da duquesa de Nemours, que prometera a mão de sua filha a Carlos de Lorena, e não queria faltar a essa promessa. Morrendo, porém, a duquesa, cessou esse obstáculo, e o casamento ajustou-se definitivamente em 1655. 

A 24 de fevereiro de 1666 assinaram-se as escrituras pelas quais a nova rainha trazia de dote um milhão e oitocentas mil libras tornezas (324.000$000 réis), devendo usufruir em Portugal a herança de sua sogra, a rainha D. Luísa de Gusmão, que valia 100.000 cruzados, e mencionando-se que, se sobrevivesse ao rei sem ter filhos, poderia sair de Portugal, levando o dote e mais 500.000 libras esterlinas, e tendo filhos, só poderia levar, no mesmo caso, a terça parte do dote e a terça parte das 500.000 libras. Assinadas as escrituras a jovem rainha saiu de Paris com sua mãe, a 29 de maio de 1666, acompanhadas do marquês de Sande e de numerosa comitiva, dirigindo-se a La Rochell, onde casou em 27 de Junho por procuração, representando D. Afonso VI o marquês de Sande. A 4 de julho embarcou a bordo duma esquadra francesa, composta de dez navios, comandada pelo marquês de Ruvigny, e recebendo a esquadra de seu tio duque de Beaufort ordem para lhe abrir caminho, porque era de recear que os espanhóis, que então ainda estavam em guerra com Portugal, pretendessem aprisionar a nova rainha, partiu para o rio Tejo. A rainha chegou ao sitio da Junqueira a 9 de agosto do referido ano de 1666, indo recebê-la a bordo o conde da Castelo Melhor com sua mãe, que fora nomeada camareira-mor, e dirigiu-se para o paço de Alcântara, onde a esperava o rei D. Afonso VI, seu irmão D. Pedro, mais tarde D. Pedro II, e toda a corte. O monarca mostrou-se muito impressionado com a formosura da noiva. 

O casamento foi ratificado na igreja do convento das Flamengas, situado naquele sítio de Alcântara sendo celebrante o bispo de Tara e capelão-mor da Casa Real. No dia 19 do citado mês de Agosto veio para Lisboa a jovem rainha em direcção à Sé Catedral, onde se devia realizar um solene Te Deum. D. Afonso VI, acompanhado de sua gentil esposa e do infante D. Pedro, saiu do palácio de Alcântara com uma luzida comitiva. Davam princípio ao cortejo os dois procuradores do senado, seguidos dos ministros em que este tinha jurisdição, todos ricamente vestidos trazendo os seus lacaios vistosas librés, e os cavalos ricos arreios e jaezes; seguiam-se seis porteiros do rei com as maças aos ombros e logo os reis de armas, arautos e passavantes, com cotas de armas e cadeias de ouro; depois os corregedores do crime e da corte, com as garnachas forradas de tela branca e seguidos dos mais ministros da justiça, todos brilhantemente vestidos; continuavam os coches e liteiras douradas e guarnecidos de adornos riquíssimos, a que correspondiam as librés dos respectivos lacaios. Os fidalgos, com vestuários de gala montavam em belos cavalos ricamente ajaezados, acompanhando o cortejo. Não havia precedência de coches até ao do estribeiro-mor, a que seguiam os coches de respeito, do infante, da rainha e do rei. O coche dos régios desposados era o último, onde se via o rei sentado à direita da rainha, e o infante no assento da frente. O coche real não levava tejadilho, mas era abrigado do sol por uma espécie de umbela de damasco carmesim guarnecido de ouro, que num varão dourado levava um moço da câmara. Atrás do coche, que era ladeado de moços da estribeira, viam-se os capitães, tenentes e soldados da guarda; depois seguiam-se os coches dos fidalgos e damas de honor. As ruas estavam vistosamente adornadas, e de espaço a espaço se encontravam graciosas danças. A distâncias proporcionadas viam-se 16 arcos cobertos de ouro, prata e pedras preciosas, com figuras, emblemas e inscrições. A pouca distância do primeiro arco fez o senado da câmara a costumada cerimónia de entregar as chaves da cidade a el-rei, que as deu à, rainha. Logo adiante estavam o marquês de Marialva, governador das armas de Lisboa e província da Estremadura, o conde da Torre, mestre de campo general, e todos os mais oficias de ordens, de grande uniforme; toda a cavalaria e infantaria formavam alas pelas ruas do trânsito. Os reis entraram na igreja da Sé, ricamente adornada, e terminado o Te-Deum dirigiram-se para o paço da Ribeira. Neste dia e ainda nos seguintes se realizaram muitas festas públicas: jogos de canas, touradas, fogos de artifício, iluminações, etc. 

O conde de Castelo Melhor não tardou em reconhecer uma inimiga declarada na gentil soberana. Efectivamente a rainha, que fascinara seu marido, logo quinze dias depois da sua chegada quis ter entrada no conselho de Estado, e obteve-a; quis que o general Schomberg, seu parente, comandasse em chefe, lugar que ele nunca pudera alcançar pela oposição dos generais portugueses, e Schomberg foi nomeado governador das armas do Alentejo. Estas vitórias não as alcançou a rainha sem dissidências intestinas, e lutando sempre com a resistência do conde de Castelo Melhor. Luta igual sustentava havia muito tempo o dedicado ministro de D. Afonso VI com o infante D. Pedro, irmão do rei, e daí resultou uma aproximação natural entre o infante e sua cunhada para combaterem o inimigo comum. Desta aproximação política resultou rapidamente um amor adúltero, que, segundo se diz, teve começo em Santarém durante umas caçadas. D. Pedro era então um rapaz simpático, enquanto que D. Afonso não passava dum homem indolente e incapaz de inspirar amor. Os dois aliados, ou antes, os dois cúmplices, começaram a empenhar todos os seus esforços para tirar o poder ao conde de Castelo Melhor, que era o ministro omnipotente. Este, hábil e cortesão, nunca deu à rainha o mais leve ensejo para se queixar dele. Contrariava-lhe os planos, mas mostrava-lhe sempre o mais profundo respeito. 

O seu amigo e auxiliar, o secretário de Estado António de Sousa de Macedo, não teve tanto sangue frio, e parece que respondeu uma vez menos convenientemente à rainha, não nas palavras, mas no tom em que as proferiu, mas a soberana logo se queixou com escândalo, a resposta porém de António de Sousa de Macedo fora tão ligeira, as palavras, que a própria rainha dizia que ele lhe dirigira, eram tão lisonjeiras que o rei aceitando a opinião do conselho de Estado, que se reunira, não quis demitir o secretário de Estado. A rainha zangou-se, formaram se partidos; o infante mostrou-se ameaçador, e D. Afonso, que ao princípio mostrara querer conservar a todo o custo no poder o conde de Castelo. Melhor e os seus amigos, como quem previa que eram eles as suas únicas garantias para se conservar no trono, afinal, medroso da atitude do infante, perseguido todos os dias pela rainha, começou a fraquejar. Assim que o conde percebeu isso, quis despedir-se primeiro que o despedissem, e pedindo um salvo-conduto à rainha, pediu ao rei a sua demissão. Estava conseguido o que desejavam ardentemente D. Pedro e sua cunhada; viam-se assim livres dos seus mais encarniçados inimigos, porque António de Sousa de Macedo havia sido exilado, por imposição da rainha. Com a perda destes dois dedicados amigos, D. Afonso VI achou-se completamente desamparado. O instinto de conservação, que dá às vezes perspicácia aos maiores imbecis, fez com que o monarca, depois de ter por algum tempo como ministro Henrique Henriques de Miranda, chamasse para junto de si António de Sousa de Macedo. A rainha protestou contra esse procedimento, e o infante D. Pedro, à frente dum bando de fidalgos armados, entrou no paço a 5 de outubro de 1667, e obrigou o rei a demitir e exilar de novo o seu secretário de Estado. O infante preparara tudo para lhe tirar a coroa e convocar as cortes para esse fim. O pobre monarca quis ir para o Alentejo, não o deixaram, e finalmente a 21 de novembro de 1667 a rainha saiu do Paço, indo para o convento da Esperança, donde dirigiu à câmara. de Lisboa e ao rei duas cartas verdadeiramente impudentes, declarando que o rei não consumara com ela o matrimónio, por não poder consumá-lo, e em que pedia para se retirar para França com o seu dote. D. Afonso, apenas recebeu a carta da rainha, dirigiu-se ao convento da Esperança, e achando as portas fechadas mandou arrombá-las, a que se opôs o infante D. Pedro e alguns grandes do reino, tendo o infeliz monarca que desistir da sua empresa e voltar para o paço. Na manhã seguinte a rainha mandou pedir ao infante que lhe fosse falar à grade da igreja da Esperança, e encarregou-o de tratar da sua ida para França, sendo-lhe restituído o dote, prometendo-lhe o infante que faria o que fosse possível. Voltando ao paço participou tudo ao rei, que muito se enfureceu. A rainha empregou então as maiores diligências com os juízes e os conselheiros de Estado, afirmando que o seu intento era declarar a todos que o seu casamento estava nulo por impossibilidade de seu marido. Este procedimento da rainha acabou de desvairar o débil espírito de D. Afonso VI, já seriamente abalado por todos estes acontecimentos, e que se via prisioneiro no próprio palácio real. Teve um acesso de fúria que os seus carcereiros aproveitaram para o apresentarem como louco reconhecido. Manifestações da nobreza e do povo, habilmente preparadas, fizeram com que D. Afonso VI assinasse uma renúncia aos seus direitos, ficando D. Pedro com a regência do reino. 

Esperava o infante que as cortes convocadas em 1 de janeiro de 1668 lhe oferecessem a coroa, mas somente o nomearam regente. As cortes reunidas a 27 deste mês o juraram príncipe herdeiro. Em 13 de fevereiro seguinte D. Pedro fez um tratado de paz com a Espanha, com o maior contentamento da nação em geral, que estava extenuada com uma guerra de vinte sete anos. Este tratado foi aprovado e reconhecido pelas cortes. Entretanto D. Afonso, aconselhado por alguém, fez uma declaração confessando que efectivamente não consumara o matrimónio com sua mulher. Como a rainha dissera que tomara a sua resolução apenas por descargo de consciência, porque o seu único desejo era voltar para França, a confissão de seu marido devia bastar-lhe, mas não era isso o que se desejava. Era preciso um processo para a anulação do matrimónio, e houve o processo altamente escandaloso, iníquo e vergonhoso, em que a própria rainha foi testemunha, apresentando com o maior impudor segredos mais íntimos do tálamo conjugal, e tal foi a impudência com que toda esta questão se encaminhou que, tendo a sentença que anulava o matrimónio, sido pronunciada a 24 de março de 1668, logo no dia 27 se celebrava o casamento entre a rainha e seu cunhado, na igreja da Esperança estando ainda em Lisboa o primeiro marido, porque D. Afonso VI só partiu para o castelo de Angra, na ilha Terceira, em 1619, onde ficou prisioneiro. 

O escandaloso processo da anulação do matrimónio foi publicado com o titulo seguinte: Causa sobre nulidade de matrimonio entre partes, de uma como autora a Sereníssima Rainha D. Maria Isabel de Saboia Nossa Senhora, e da outra o procurador da Justiça Eclesiástica em falta de procurador de Sua Majestade El-Rei D. Afonso VI Nosso Senhor; fez-se uma edição deste livro, em Lisboa, 1843, e outra em 1859. O segundo casamento de D. Maria Francisca de Sabóia com seu cunhado, o infante D. Pedro, não foi feliz. Teve apenas uma filha que foi a princesa D. Isabel, que faleceu solteira aos vinte e um anos de idade, depois de ter varias vezes ajustado o seu casamento com diversos príncipes (V. Portugal, vol. III, pág. 1007).

A rainha D. Maria Francisca de Sabóia fundou em 1667 o convento do Santo Crucifixo, mais conhecido pelas Francesinhas (V. este vol. pag. 286), e enriqueceu muitas igrejas. No princípio do ano de 1683 adoeceu gravemente com uma hidropisia, e foi para o palácio do conde de Sarzedas, em Palhavã, a mudança de ares; melhorou um pouco, mas depois piorou vindo a falecer três meses depois de D. Afonso VI. Foi sepultada no convento das Francesinhas, que fundara. D. Pedro II sentiu muito a sua morte.

 

 

 

Genealogia da rainha D. Maria Francisca de Sabóia
Geneall.pt

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs.
837-840.

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