Portugal - Dicionário

A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y Z
O Portal da História Dicionário > D. frei Bartolomeu dos Mártires
Frei Bartolomeu dos Mártires
Frei Bartolomeu dos Mártires

 

Mártires (D. frei Bartolomeu dos).

 

n.      maio de 1514.
f.       16 de julho de 1590.

 

Religioso dominicano da ordem dos pregadores, arcebispo de Braga primaz das Espanhas, etc.

Nasceu em Lisboa nos princípios do mês de maio de 1514, faleceu no convento de Santa Cruz, de Viana do Minho, hoje Viana do Castelo, a 16 de julho de 1590.

Era filho de Domingos Fernandes e de Maria Correia, ambos naturais de Verdelha, termo de Lisboa, e pessoas abastadas. Foi baptizado na igreja paroquial dos Mártires, tomando o nome de Bartolomeu, e por serem devotos de Nossa Senhora dos Mártires, seus pais lhe acrescentaram este apelido. Logo ao partir do berço se começou a formar a lenda de que o menino tinha nas costas da mão direita uma cruz naturalmente impressa, floreteada nos quatro remates, sinal que lhe durou enquanto viveu, e que foi tomado desde o princípio, como prognóstico de maravilhosos destinos. Seus pais não o destinavam à vida eclesiástica, e começaram a educá-lo, reservando para mais tarde a carreira que deveria seguir, conforme com a sua própria vocação. Ainda não tinha catorze anos, quando principiou a estudar as disciplinas elementares, mas de tanto préstimo eram as suas faculdades que em breve se tornou um bom latino e um distinto gramático. O jovem estudante ouvia pregar na igreja dos Mártires os frades dominicanos, que muito frequentavam aquele templo, e tanto se lhes afeiçoou, que mostrou desejos de entrar naquela clausura. Comunicando a sua resolução ao prior do convento de S. Domingos, frei Jorge Vogado, foi-lhe lançado o hábito no dia 11 de novembro de 1528, professando na ordem com o nome de frei Bartolomeu dos Mártires, a 15 de novembro de 1529. Começou logo a frequentar os cursos de artes e de Teologia, no referido convento, e tanto se distinguiu que tendo defendido conclusões de lógica no capítulo da ordem, que se reuniu em Guimarães no ano de 1532, e conclusões de Teologia, que anos depois, em 1540, defendeu em Lisboa, foi logo nomeado lente de artes no colégio da capital, e depois de artes e de teologia no convento da Batalha, recebendo em 1542 o grau de presentado. 

Em 1551 foi com o provincial frei Francisco de Bovadilla ao capítulo geral celebrado em Salamanca, e aí lhe conferiu o geral o grau de mestre da ordem e definidor do capítulo de Lisboa. A fama do talento e das virtudes de frei Bartolomeu dos Mártires ultrapassou os muros do convento, e o infante D. Luís, irmão de D. João III, o convidou para mestre de seu filho D. António, que foi depois prior do Crato, e residia em Évora. Todas estas dignidades e deferências eram um desgosto para o virtuoso dominicano, pois iam ferir-lhe a sua extrema modéstia. Frei Bartolomeu dos Mártires conservou-se em Évora leccionando o infante D. António, até que os religiosos do convento de S. Domingos de Benfica o elegeram seu prior. Julgava-se que o infante D. Luís não aprovasse esta eleição, por seu filho viver em Évora, mas, pelo contrário, aprovou-a mostrando-se muito satisfeito, e mandou para Benfica o infante D. António, a continuar os estudos sob a direcção do venerando religioso. Em 1558 vagou a igreja de Braga pelo falecimento do arcebispo D. frei Baltazar Limpo, e a rainha regente D. Catarina quis eleger para aquela elevada dignidade o seu confessor e provincial de S. Domingos, frei Luís de Granada, que rejeitou pertinazmente, e pedindo-lhe a rainha que lhe designasse então um sucessor, indigitou frei Bartolomeu dos Mártires. O modesto frade recusou energicamente esta distinção, e foi preciso que frei Luís de Granada invocasse o preceito da obediência para vencer a sua resistência obstinada. Frei Bartolomeu dos Mártires encerrou-se no convento de Azeitão, enquanto se não recebeu a bula de confirmação de Paulo III, que foi passada a 27 de janeiro de 1559, e chegou a Lisboa no mês de Agosto do mesmo ano. A 3 de setembro seguinte foi sagrado o novo arcebispo no convento de S. Domingos, em Lisboa, onde também recebeu o pálio, no dia 8, da mão do arcebispo de Lisboa D. Fernando Vasconcelos de Meneses. Seguiu depois para Braga, onde chegou a 4 de outubro. 

A vida toda do arcebispo prova bem que não era afectada a modéstia que manifestara, e que o humilde frade trocou a custo a solidão da sua cela pelos esplendores da residência prelatícia. Tomando posse de tão elevada dignidade, começou logo a exercê-la com um zelo e uma piedade verdadeiramente evangélicos, banindo do paço arquiepiscopal todos os esplendores mundanos, vivendo quase como os primitivos bispos, trazendo em dia os despachos, e atendendo muito às causas de justiça, e finalmente visitando amiudadas vezes a diocese. A sua caridade era notável, mas o seu zelo evidentemente pouco esclarecido, diz um dos seus biógrafos. Quando os prelados mais ilustrados do reino se opunham ao estabelecimento dos jesuítas em Portugal, D. frei Bartolomeu dos Mártires fundou em Braga um colégio de jesuítas; quando todos os sentiam já que era demasiado o número dos conventos, a ponto de se levantarem contra essa exagerada devoção protestos em cortes, D. frei Bartolomeu dos Mártires fundou em Viana do Castelo o convento de Santa Cruz, da ordem de S. Domingos. Contava ano e meio em seu governo, quando a corte romana, sendo Pio IV, pontífice, acordando em convocar-se concilio, despachou suas letras apostólicas a 29 de setembro de 1560, as quais, no ano seguinte, foram intimadas aos prelados deste reino. 

Para a convocação do 3.º concilio tridentino, o arcebispo resolveu-se a partir, e assim o fez, mas viajando incógnito, para evitar as honras a que tinha direito. Chegou a Trento a 18 de maio de 1561, disfarçado em obscuro sacerdote; porém não tardou em que se divulgasse a sua chegada, e os arcebispos de Modena e de Verona o foram buscar à estalagem em que se hospedara. Por mais que pretendesse fugir às honras devidas, Deus não lho consentia. Os mais eminentes homens o visitavam e reverenciavam; chegara lá a fama do seu nome, e todos se interessavam em ver um prelado de tanta autoridade e respeito sob uma capa de humildade tão sincera. Aberto o concilio foi ele encarregado da revisão dos livros que se deviam proibir; fê-lo, e é seu o Índice. Nas sessões que se celebraram tornou-se deveras notável, não pela sua grande ilustração, nem pela autoridade com que entrasse nas graves questões que o concilio tinha de resolver, mas pela persistência com que tratava da reforma dos costumes eclesiásticos. O padre virtuoso chegou a adquirir autoridade em Trento, no meio de uma assembleia dos mais abalizados, mas o clero corrupto de Itália sentiu que falava a verdade pela boca do prelado português, quando exclamava: «Os ilustríssimos e reverendíssimos cardeais precisam duma ilustríssima e reverendíssima reforma», e quando dizia: «Vossas senhorias são as fontes donde todos os prelados bebem; necessário é portanto que a água seja limpa e pura.» Estas palavras ficaram memoráveis, como um rasgo de nobre franqueza. Na volumosa obra da história eclesiástica, Abregé de l’histoire ecclésiastique, tomo VIII e IX, fala-se largamente de D. frei Bartolomeu dos Mártires, exaltando as suas virtudes, e encarecendo os louvores que lhe são devidos pela singular franqueza e nobre isenção com que falou perante os padres do concilio, e não pela distinção com que se houve em todos os trabalhos da mesma assembleia. 

A 8 de dezembro de 1563 retirou-se o arcebispo para Portugal, deixando de si tão avantajada fama, que a voz pública lho testemunhava, aplicando-lhe com o termo lacónico, Multa paucis, dando como estas palavras a significar a admirável clareza com que ele, em breve discurso, resumia os mais profundos conceitos e as sentenças mais luminosas. Na sua viagem visitou as cidades de Veneza e Pádua, e foi a Roma, onde o Papa o recebeu com toda a atenção devida à sua notória virtude. Visitou também alguns dos principais santuários de França e de Espanha, principalmente na Catalunha e no Aragão, chegando afinal a Braga nos últimos dias de fevereiro de 1564. Então tratou ainda com mais vivo interesse do cumprimento dos seus deveres pastorais. Deu começo à fundação de um seminário episcopal, seguindo nesse ponto as determinações do concilio, e voltou a visitar a sua diocese, percorrendo até a inóspita serra do Barroso, onde nunca antes dele fora outro arcebispo, e onde talvez depois poucos tornaram a ir, porque as agruras da serra, então quase intransitável, tornavam a viagem verdadeiramente perigosa, mas D. frei Bartolomeu dos Mártires não quis, que ficassem privados da luz da sua presença e da sua visita essas pobres, remotas e dispersas cristandades. 

Assim como fora em Trento severo defensor da urgência das reformas dos costumes eclesiásticos, assim foi na sua visita rigoroso executor dos seus próprios preceitos, o que não deixou de lhe criar inimigos e de lhe causar dissabores. Em 1566 reuniu o arcebispo em sínodo provincial, em Braga, os bispos seus sufraganeos, que eram o de Coimbra, D. frei João Soares, o do Porto, D. Rodrigo Pinheiro, e o de Miranda, D. António Pinheiro, porque estava então vaga a mitra de Viseu. Anos depois foi assistir a um capítulo provincial da sua ordem de S. Domingos, celebrado no Porto, e entretanto continuava a mostrar-se excelente prelado, a animoso pastor, como no caso da peste de Braga, em que, por mais instancias que lhe fizessem, não quis nunca sair da cidade contaminada, dizendo que era ali o seu posto de honra. Não era, contudo, tão paciente, como diz frei Luís de Sousa, porque nas questões de jurisdição eclesiástica e de regalias prelaticias era intratável. Indignou-se muito porque em Roma não aceitavam cegamente as decisões do seu sínodo provincial, e se cometeu a um prelado o exame dessas decisões; andou em constantes demandas com o seu cabido, e por causa de conflitos entre a justiça secular e a eclesiástica foi a Coimbra ter com o rei D. Sebastião e protestou energicamente, como já protestara quando o rei quisera mandar uma laçada a Braga. No ano de 1581, o rei castelhano Filipe II, assenhoreando-se de Portugal, convocou cortes em Tomar, a que assistiram os arcebispos de Braga, Lisboa e de Évora. 

Sentindo-se já cansado pediu a renúncia do arcebispado que o rei Filipe lhe concedeu, e conquanto o papa Gregório XIII a quisesse impugnar foi ela intimada em 20 de fevereiro de 1582. Partiu logo para o convento que fundara em Viana do Castelo, e onde ainda viveu oito anos e alguns meses, com a austeridade mais perfeita, até que faleceu. Foi sepultado na capela mor do convento, no presbitério da parte da Epístola, sendo trasladado dezanove anos depois para um túmulo de jaspe magnífico, levantado no mesmo presbitério, da parte do Evangelho. As pompas solenes, que acompanharam a trasladação, vêm descritas na biografia escrita por Frei Luís de Sousa. 

D. frei Bartolomeu dos Mártires escreveu muitas obras em latim cujos títulos se podem ver na Biblioteca Lusitana, de Barbosa Machado, vol. I, pág. 464, assim como as que deixou manuscritas. Em português escreveu as seguintes: Catecismo da Doutrina Cristã, com algumas praticas espirituais em as festas principais e alguns domingos do ano, para os leitores e curas do seu bispado lerem á estação nas paróquias em que não houver pregação, Braga, 1564; Coimbra, 1574; Lisboa,  1594; Évora, 1603; Lisboa, 1617, 1628, 1656, 1674, 1684, 1765, 1785; também houve edições em Salamanca, 1602; Madrid, 1564, e em latim, Roma, 1735. Escreveu mais em português: Tratado de praticas devotas; Praticas espirituais; Epítome das vidas dos pontífices; Compendio geral das historias de Espanha; Relação dos reis de Portugal, etc.

 

 

 

 

Beato Bartolomeu dos Mártires
Secretariado nacional da pastoral da cultura

Frei Bartolomeu dos Mártires
Infopédia

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, pág. 8
87-889.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral