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Ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo
Placa da Ordem de Cristo

 

Nosso Senhor Jesus Cristo (Ordem militar de). 

 

 

 

Correndo o ano de 1311 foi extinta a ordem dos cavaleiros do Templo, por sentença que, a instancias de Filipe, o Formoso, rei de França, deu em privado consistório o papa Clemente V. A ordem militar dos Templários florescera por espaço de dois séculos com excelente fama de valor, e piedade, empregando-se já na defesa dos lugares santos de Jerusalém, já no agasalho dos peregrinos que da Europa iam visitar os mesmos lugares. Os motivos de uma tal resolução pontifícia deram grande variedade de opiniões nos diferentes autores, pelo que, com certeza, se não podem indicar precisamente. 

Sendo geral a extinção da ordem do Templo, não o foram as culpas dos cavaleiros, porque os de Portugal, como os de Castela e do Aragão, justificaram com evidentes provas a pureza dos seus procedimentos, e foram julgados livres dos delitos, que se atribuíram aos de França, onde se dizia que eram comuns a toda a ordem, cujas rendas se incorporaram na coroa do mesmo reino, o que é tido como claro indicio de que Filipe, o Formoso, excitara ao pontífice com falsas informações e indignas violências, a extinguir aquela ordem. Em Portugal, como em Espanha, procedeu-se com um nobre desinteresse e uma generosa cristandade. 

D. Diniz, que então reinava, podendo acrescentar o património real com as propriedades dos Templários, quis antes fundar com elas outra ordem. Constitui este facto, além disso, una hábil resolução do soberano, que diplomaticamente soube conservar as riquezas duma ordem extinta, para as passar a outra. Alguns autores afirmam que a cúria romana queria, com fúteis pretextos, apoderar-se das enormes rendas dos templários em Portugal (como o fizera noutros reinos) mas D. Diniz, política e patrioticamente, lhas subtraiu, criando em 14 de agosto de 1318 a Ordem de Cristo e dando-lhe esses rendimentos. Com a sua autoridade o sumo pontífice João XXII expediu então a sua bula de 14 de março de 1319, confirmando aquela instituição. Além dos bens que ficaram dos templários, doou também o rei à nova milícia a vila e fortaleza de Castro Marim no reino do Algarve, dispondo que nela se estabelecesse o convento da ordem, donde, assim por mar como por terra, podia fazer guerra aos mouros de Marrocos e Granada, que inquietavam os nossos mares, e persistiam na teima de invadir e conquistar de novo toda a Espanha. O primeiro mestre que teve a ordem foi D. Gil Martins, que o era então da cavalaria de Avis, e vinha nomeado pelo papa, querendo que entrasse logo na de Cristo mestre que houvesse militado debaixo da regra de S. Bento e reformação de Cister, para instrução dos novos professores, sujeitando-a outrossim à visitação dos abades de Alcobaça, de que só foi isenta por outra bula de Paulo III, expedida em 1542, no reinado de D. João III. 

Fez o mestre D. Gil as primeiras Constituições da ordem em 1321; cinco anos depois fez outras o segundo mestre D. João Lourenço, e assim foram continuando seus sucessores, aditando e inovando as coisas conforme o tempo requeria, todas as quais confirmava o abade de Alcobaça, como visitador e reformador desta religião, até que cm 1443, sendo governador da ordem o infante D. Henrique, o primeiro e principal ampliador dela, se procedeu à sua reformação por breve que impetrou do papa Eugénio IV. Aos estatutos que então se fizeram para observância da ordem, e modo de vida dos cavaleiros, acrescentou depois o rei D. Manuel outras definições, por onde a mesma lhe ficou devendo a legislação e direcção religiosa com que se governava. Corria o ano de 1356 quando o mestre D. Estêvão Gonçalves Leitão, quarto da ordem dos desta cavalaria, fez a mudança do convento de Castro Marim para Tomar, vendo que aquela vila era de pouca povoação, e que a ordem não tinha cabedal para a povoar e fortalecer como convinha. As razões mais congruentes e verosímeis que a isso o moveram foram sem duvida o ter sido Tomar convento e cabeça da Ordem do Templo, estar esta vila situada no coração do reino, donde podiam os mestres acudir a tudo o que tocava à ordem; assim como pela disposição do sítio e capacidade do edifício, em que se podia acomodar tudo quanto convinha a uma religião de tanta estimação e valia. Deste tempo em diante ficou sendo Tomar cabeça da Ordem militar de Cristo. 

Contando do primeiro mestre D. Gil Martins até D. Lopo Dias de Sousa, sobrinho da rainha D. Leonor, teve a ordem sete, que foram em rigor mestres e cavaleiros estreitamente professos desta religião. A este ultimo sucedeu o infante D. Henrique, duque de Viseu, que foi o primeiro que administrou a ordem com o titulo de governador e administrador dela, não querendo fazer profissão com o voto de pobreza por não perder o ducado e mais senhorios que lograva. Com o mesmo título de governador lhe sucedeu seu sobrinho o infante D. Fernando, irmão do rei D. Afonso V, e a ele seus três filhos D. João, D. Diogo e D. Manuel, o qual conservou o governo da ordem em todo o tempo do seu reinado. Por sua morte a administrou o rei D. João II por bula do papa Adriano VI, até que por outra de Júlio III, expedida em 4 de janeiro de 1551, lhe foi conferida, e a todos os seus sucessores na coroa, ainda que fêmeas, a administração perpetua dos mestrados das ordens militares do reino 

O hábito dos cavaleiros da ordem militar de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma cruz vermelha, quase quadrada, fendida no meio com outra branca dado que a alguns autores pareça que esta insígnia fosse a mesma que a do Templo, notoriamente é diferente, porque a dos Templários era toda vermelha, e a de Cristo consta daquelas duas cores; nem é crível que o papa lhe permitisse a insígnia da cavalaria que o seu antecessor extinguira, ordenando que de todo se perdesse a memória dela. Não só teve a ordem de Cristo um considerável património dentro do reino, senão que se estendia a sua jurisdição a todas as conquistas de Portugal, de que foi devedora ao imortal infante D. Henrique, o qual depois que se recolheu da conquista de Ceuta, em que teve grande parte, concebeu logo em seu ânimo pensamentos de descobrir e ganhar novas terras, sendo as ilhas de Porto Santo e Madeira as primícias de tão laboriosos cuidados. 

Por falecimento de D. João I, seu filho e sucessor D. Duarte, respeitando os dispêndios grandes que o infante seu irmão havia feito no descobrimento, povoação e culto destas ilhas, lhas doou por tempo de sua vida, concedendo à ordem de Cristo a perpetua jurisdição espiritual delas. Nos mais descobrimentos e conquistas, que se principiaram debaixo do estandarte da ordem, e com os cabedais do infante D. Henrique, reconheceu o reino o que devia a esta cavalaria; e assim com muita razão todas as armadas que saíam para as nossas possessões ultramarinas levavam os estandartes das armas reais assentes sobre a cruz da ordem de Cristo, reconhecendo que a ela era devida aquela herança, por onde a capitania da Índia não só em seus próprios mares, mas nos de Portugal, tinha preferência ás capitanias reais, não obstante que o cargo de general da armada real de Portugal era preeminente ao de capitão-mor da Índia. Os reis, como tinham esta milícia por sua, a honraram e enriqueceram mais que a nenhuma das outras, dando-lhe 21 vilas e lugares e 454 comendas, em que entravam 45 que se proviam pela Casa de Bragança. 

Quanto às dignidades da ordem, a primeira e principal, depois do mestre, era o prior-mor, que tinha jurisdição no espiritual e temporal do convento, exercitando o poder espiritual não só com os clérigos residentes na casa mas com os cavaleiros que viviam separados dela. Ao dom prior do convento de Tomar pertencia chamar por cartas a capítulo geral para nova eleição de mestre, a quem tomava o juramento de fidelidade e obediência ao papa. A segunda era o commendador-mor, que presidia na ausência do prior, e por falecimento do mestre, no interim da vacante, lhe pertencia governar a ordem. Seguia-se o claveiro, cujo ofício era ter as chaves do convento quando os cavaleiros viviam em comunidade, e ao qual competia distribuir o mantimento e tomar conta dos gastos que se faziam. A quarta dignidade era o sacristão-mor, a quem pertencia em capitulo ter os selos da ordem. A quinta e última dignidade era o alferes, que levava a bandeira nas procissões e em todos os actos de guerra em que ia o mestre. 

D. Maria I, reformando as três ordens militares por sua carta de lei de 19 de junho de 1789, estabeleceu entre outras disposições as seguintes: Depois do grão-mestre e do comendador-mor as dignidades serão gradualmente os grã-cruzes, os comendadores e os cavaleiros. Nenhum será grã-cruz sem ser comendador promovido a grã-cruz. Pela mesma lei foram as insígnias de grã-cruz e comendador de cada uma das três ordens militares aumentadas com um coração, em memória do monumento ao Santíssimo Coração de Jesus que a mesma soberana pretendia estabelecer. Os cavaleiros teriam a sua venera como mandavam os antigos estatutos da ordem. Os actuais distintivos da ordem são na forma indicada nas gravuras respectivas, sendo a cruz vermelha aberta em branco, e a fita encarnada.

Bibliografia: 

Compendio da regra e definições dos cavaleiros da ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, com alguns breves pontifícios e privilégios reais, etc., por fr. Damião das Neves, Lisboa, 1607; Noticia histórica das ordens militares e civis portuguesas, etc., por Aleixo Tavano e José Augusto da Silva, Lisboa, 1881; A Ordem de Cristo, por J. Vieira da S. Guimarães, Lisboa, 1901. 

 

 

 

História da Ordem Militar de Cristo
Ordens honoríficas portuguesas

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume V, págs.
127-130.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral