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Abade Correia da Serra

Abade Correia da Serra

Serra (José Francisco Correia da).

 

n.     6 de junho de 1750.
f.      11 de setembro de 1823.

 

Presbítero secular, fidalgo da Casa Real, do conselho da rainha D. Maria I, conselheiro da Fazenda, comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, cavaleiro da de Cristo, doutor em direito canónico pela Universidade de Roma, conselheiro de legação e agente diplomático em Londres, ministro plenipotenciário de Portugal junto ao governo dos Estados Unidos, deputado nas cortes ordinárias de 1822, sócio fundador e secretário perpétuo da Academia das Ciências, sócio da Sociedade Real de Londres, da Lineana e da dos antiquários da mesma cidade; membro correspondente do Instituto de França, da Sociedade Filomática de Paris, das Academias de Turim, Florença, Bordéus, Lyon, Marselha, Liège, Sena, Mântua e Cortona; e das Sociedades Reais de Agricultura do Piemonte e da Toscana; e da Economia de Valença, sábio naturalista, etc. Em França e em todo o mundo científico era mais geralmente conhecido pelo simples nome de Abade Correia. 

Nasceu em Serpa a 6 de junho de 1750, faleceu nas Caldas da Rainha a 11 de setembro de 1823. Era filho do doutor em medicina pela Universidade de Coimbra Luís Dias Correia, e de sua mulher D. Francisca Luísa da Serra.

Tendo seu pai que ir para Roma, levou consigo toda a família, e ali José Correia da Serra começou a sua educação, revelando desde os primeiros anos muito engenho e agudeza, e tais foram os progressos que tez nos estudos, que, contando apenas onze anos de idade, imprimiu a sua primeira obra consagrada a S. José. Dedicou-se especialmente à botânica e às antiguidades, mas as línguas foram nessa época o principal objecto das suas atenções, chegando a ser tão insigne no conhecimento das línguas, que lhe eram familiares a francesa, inglesa, alemã, árabe, grega, italiana, latina, espanhola e portuguesa, e empregando. no estudo tão grande assiduidade, que muitas vezes o próprio pai o obrigava a interromper o trabalho receando que tamanha aplicação lhe prejudicasse a saúde. 

Por esse tempo viajava na Itália o duque de Lafões D. João de Bragança, que na Universidade de Coimbra travara relações intimas com o Dr. Luís Dias Correia, e descobrindo as raras qualidades e disposições literárias de que era dotado José Correia da Serra, pediu ao pai licença para o levar consigo na viagem que projectava, viagem que durou um ano, e durante. a qual só contraiu entre eles a mais íntima e verdadeira amizade, que nunca se interrompeu, e muita influência exerceu na próspera e adversa fortuna de José Correia da Serra. Em 1771 regressou a Portugal o Dr. Luís Dias Correia, deixando a família em Roma, onde seu filho, destinado à carreira eclesiástica, tomou as ordens menores e todas as mais até às de presbítero, celebrando a sua primeira missa na majestosa basílica de S. Pedro em 1775, dizem que sob os auspícios daquele ilustre fidalgo. No ano seguinte seu pai o chamou a Lisboa, porque o marquês de Pombal, que lhe dispensava a sua protecção, lhe prometera um emprego rendoso para o filho. À ordem de seu pai saiu logo de Roma José Correia da Serra, desprezando grandes partidos que lhe ofereceram em Itália, preferindo a tudo o serviço da pátria. Não achando navio que viesse para Portugal, embarcou a bordo dum que saía para Cádis, vindo de lá por terra para Portugal acompanhado de sua família. 

Em Cádis soube da morte do rei D. José, e em Mértola, onde chegou a 29 de março de 1777, soube que seu pai havia morrido havia pouco mais dum mês, e que o marquês de Pombal já fora demitido do governo. A sensação causada por estes imprevistos desgostos, lhe abalou profundamente a saúde, mas como já era conhecido no país pela sua reputação de grande erudito, foi muito bem recebido e geralmente estimado em Lisboa. Em 3 de janeiro de 1779 chegou o duque de Lafões, e por oferta deste seu ilustre amigo, aceitou a hospedagem no seu palácio, depois de concluídos alguns negócios com a sua família. Foi ali, e sob a influência benéfica do duque, que José Correia da Serra delineava a organização e os estatutos da Academia Real das Ciências, que o seu patrono conseguiu imediatamente criar, sob a protecção da rainha D. Maria I, por aviso régio de 24 de dezembro de 1779. O duque de Lafões ficou sendo o presidente, e secretário o visconde de Barbacena, mas resignando este fidalgo o cargo, assumiu-o José Correia da Serra, que lhe cabia com toda a justiça, porque se pode considerar o verdadeiro fundador dessa corporação científica. O seu incontestável merecimento, a estima de estranhos e naturais, e a amizade com que o distinguia o duque de Lafões, chamaram sobre Correia da Serra muitos ódios e invejas, e os inimigos aproveitaram a ocasião oportuna que lhes ofereceu o ânimo bondoso do distinto académico. Tinha chegado a Lisboa o célebre naturalista Boussonet, fugido de França, onde fora envolvido na perseguição movida aos girondinos, e Correia da Serra recomendando-o ao duque de Lafões, pôde conservá-lo escondido num quarto do edifício da academia, onde pequeno número de homens de letras era admitido a visitá-lo. Apesar desta precaução o governo soube da estada em Lisboa do emigrado francês, e o ministro visconde de Vila Nova da Cerveira deu a entender a Correia da Serra, que a rainha não estava satisfeita com o modo porque ele procedera com esse estrangeiro. 

Ou bastassem essas simples advertências ou na realidade, como alguns querem, mandasse o intendente Pina Manique passar ordem de prisão contra Correia da Serra e contra o seu protegido, é certo que ele, passando ao Algarve e de aí a Gibraltar embarcou juntamente com Broussonet para Inglaterra sem passaporte nem licença, e não conseguindo dissuadi-lo as satisfações que o visconde de Vila Nova da Cerveira lhe deu ainda cá nem as que lhe enviaram para Londres. Nesta cidade recebeu o ilustre académico o mais benévolo acolhimento de todos os homens de ciência, e em especial do presidente da Sociedade Real de Londres, o célebre Joseph Bankt, e ali do novo se entregou aos estudos botânicos, publicando nas Transações filosóficas alguns trabalhos de grande valor, que foram devidamente apreciados por todos os cultores dessa ciência e a propósito de um dos quais o professor Dr. Candole escreveu na sua Theorie elementaire de Ia botanique: "O termo (simetria) foi empregado pela primeira vez por Lineu e o seu emprego indica que o célebre naturalista sueco tinha ideias muito justas sobre e método natural; porém Correia da Serra foi o primeiro que nas Memórias da Sociedade Líneana desenvolveu realmente sobre esta matéria considerações novas, fecundas, e de que eu tenho feito uso nesta discussão." 

Pela mudança política que houve em Portugal no ano de 1801, subindo o duque de Lafões ao lugar de ministro assistente ao despacho, foi em 18 de abril desse ano Correia da Serra nomeado conselheiro da legação portuguesa em Londres e encarregado de negócios naquela corte, onde era embaixador D. Lourenço de Lima, mas tais foram os dissabores que este diplomata soube suscitar-lhe procurando fazer acreditar, ao nosso governo que o abade Correia da Serra era pouco limpo de mãos, que este teve de deixar Londres e passar a Paris onde permaneceu até 1813, sendo muito bem aceite de todos os homens eminentes nas letras e nas ciências, e ali se empregou nos seus estudos favoritos de botânica, consagrando os ócios a vários trabalhos de literatura e à colaboração da Biographie Universelle publicada por Michaud. A respeito da consideração em que era tido em França o ilustre sábio português, diz Teixeira de Vasconcelos na biografia que escreveu: "E tão nacional seu o foram querendo os franceses e ostentando aos estrangeiros que o era ou que merecia sê-lo pela excelência de talento, pela variedade copiosa de instrução, pelo amor do trabalho e pela conhecida vantagem das suas indagações, que o nome do abade Correia, ao estilo de França, ficou sendo o do nosso compatriota em todas as partes do mundo onde depois esteve, e ainda hoje serve para o designar entre nós e nos reinos estrangeiros." 

Em 1813 foi para os Estados Unidos, e obrigado pela falta de meios, que já o incomodara em França e devido à falta de comunicações e ao descuido dos administradores dos seus bens, abriu aula de botânica em Filadélfia, e assim obteve os meios precisos para a subsistência até que em 31 de janeiro de 1816 a corte do Rio de Janeiro o nomeou ministro plenipotenciário junto do governo da união. No exercício deste lugar difícil e bastante melindroso, prestou serviços importantes e valiosos, sendo remunerado com a comenda da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa em 28 de maio do 1819; nesse mesmo ano foi nomeado conselheiro de Fazenda. Havia já sido agraciado em 6 de Agosto de 1807 com o hábito da ordem de Cristo. Desejoso de voltar à pátria, embarcou para Londres em 1820, e em Agosto do ano seguinte chegou a Lisboa, sendo reintegrado no seu antigo lugar de secretário da Academia das Ciências. A cidade de Beja o elegeu em 1822, deputado às cortes, mas nem o seu génio nem a sua saúde já muito quebrada lhe permitiram tomar parte importante nos trabalhos parlamentares, e indo às Caldas da Rainha buscar alívio aos seus sofrimentos, ali faleceu com setenta e três anos incompletos. 

O Dicionário Bibliográfico, de Francisco Inocêncio da Silva, vol. IV, a pág. 338 e 339, traz mencionadas as obras de José Correia da Serra. Na sala das sessões da Academia das Ciências existe um quadro a óleo do grande naturalista. O Elogio histórico de José Correia da Serra foi recitado por Manuel José Maria da Costa e Sá na sessão pública da Academia no 1.º de Dezembro de 1829, vindo a publicar-se em 1848 no tomo II, parte 2.ª da segunda série das respectivas Memórias. Em 1903, por iniciativa do Sr. João Camacho Pimenta, de Serpa, organizou-se nesta vila uma biblioteca pública com o nome de Biblioteca Correia da Serra, em homenagem ao nome glorioso do ilustre sábio português.

 

 

 

 

Correia da Serra (1751-1823)
Instituto Camões - Ciência em Portugal

José Francisco Correia da Serra (1751-1823)
De Rerum Natura [Sobre a Natureza das Coisas]

 

 

 

 

 


Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VI, págs. 837-838.

105Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
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