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O Portal da História Dicionário > António José de Sousa Manuel, 7.º conde e 1.º marquês de Vila Flor, e 1.º duque da Terceira
António José de Sousa Manuel
António José de Sousa Manuel

 

Terceira (António José de Sousa Manuel de Meneses Severim de Noronha, 7.º conde e 1.º marquês de Vila Flor, e 1.º duque da).

 

n.       18 de março de 1792.
f.        26 de abril de 1860.

 

Moço fidalgo da rainha D. Maria I, gentil homem da câmara de el-rei D. João VI, copeiro-mor, estribeiro-mor, par do Reino, conselheiro de Estado, ministro de Estado e ministro plenipotenciário, marechal do exército, governador da Torre de S. Vicente de Belém, presidente do Supremo Conselho de Justiça Militar, ajudante de campo de D. Pedro V, etc. 

Nasceu em Lisboa a 18 de março de 1792, onde também faleceu a 26 de abril de 1860. Era filho primogénito do 6.º conde de Vila Flor e da condessa D. Maria José de Mendonça. 

Tinha apenas dois anos de idade quando faleceu seu pai, em 1795, e, sucedendo-lhe no título de conde de Vila Flor e no cargo de copeiro-mor, herdou assim as comendas de Santa Maria de Pereira, de S. Pedro de Calvelo, de S. Tiago de Cassourado, de S. Vicente de Figueira e de S. Geris de Arganil, e várias tenças, sendo uma de 500$000 réis e outra de 200$000 no almoxarifado do pescado de Lisboa. Herdou igualmente o padroado do convento dos Capuchos de N. Sr.ª dos Anjos, do lugar de Sobral de Alverca, da capela de N. Sr.ª do Populo na cerca do convento da Boa Viagem, da ermida de N. Sr.ª da Conceição do Portal na vila da Alhandra e a administração de vários morgados, que compreendiam duas quintas em Alverca, a lezíria da corte da vila do casal de Borges no termo de Azambuja, a Herdade da Aravia em Avis, as casas de S. João da Praça e o morgado de Braço de Prata. Em 1797, contando apenas quatro anos, recebeu o grau de comendador da Ordem de Cristo, e professou como freire dessa ordem, no convento de N. Sr.ª da Luz a 25 de julho de 1804. 

Dois anos antes assentara praça no Regimento de Cavalaria n.º 4, a 10 de fevereiro de 1802, sendo logo reconhecido cadete e a 24 de junho de 1807 promovido a alferes. Apesar de ser ainda muito novo, pois, nessa ocasião, contava apenas onze anos, não quis por forma nenhuma aceitar o domínio francês, aconselhado provavelmente por sua mãe, e levado também dos brios naturais, exaltados ainda pelo pensamento de que era representante de D. Sancho Manuel, conde de Vila Flor, o brilhante defensor de Elvas e o vencedor do Ameixial, cujo nome representava a resistência heróica ao estrangeiro. O moço alferes, que tinha de o usar, não podia de modo algum aceitar ordens do estrangeiro. Pediu por conseguinte logo a sua demissão, que lhe foi expedida por um aviso do marquês de Alorna, de 1808. Apenas os franceses foram expulsos do país, o conde de Vila Flor pediu e obteve, que lhe fosse concedido voltar ao exército com o posto que tinha anteriormente, e foi promovido a tenente em 6 de dezembro de 1809, e a capitão da 5.ª companhia do regimento de cavalaria em que assentara praça, a 23 de janeiro de 1811. Passou depois a servir como ajudante de ordens do general conde de Sousel, e em seguida também ás ordens do marechal Beresford, comandante do exército português, cargo que principiou a exercer a 26 de março de 1813. Foi então promovido a major, e tendo-se distinguido muito nessa campanha, e sobretudo na batalha da Vitoria, teve a honra de ser encarregado de trazer a Lisboa a noticia da vitória, e de ser recomendado vivamente, pelo próprio duque de Wellington, ao príncipe regente na carta que dava a noticia do triunfo. Acolhido com entusiasmo em Lisboa, foi imediatamente promovido a tenente-coronel, e pelos fins da campanha a coronel. 

Em dezembro de 1815 recebeu o grau de cavaleiro da Torre e Espada pelo valor com que se portara durante as campanhas da Guerra Peninsular. Coronel aos vinte e dois anos, distinto pela sua intrepidez, partiu para o Brasil com as tropas que iam sufocar a insurreição de Pernambuco. Terminada esta breve campanha, o conde de Vila Flor foi nomeado governador e capitão general do Pará, lugar que exerceu até ao ano de 1820, em que foi nomeado para cargo igual na Baía, mas que não chegou a exercer, regressando em 1821 ao reino com D. João VI, de quem era gentil-homem da câmara. Já a esse tempo tinha o posto de brigadeiro, e não tardou a ser despachado marechal de campo e ajudante de ordens de D. Miguel, quando este infante recebeu o comando em chefe do exército. Como outros liberais, o conde de Vila Flor estreou-se na vida política, contribuindo para que se restabelecessem em Portugal os direitos inauferíveis do absolutismo, sendo também um dos condecorados com a medalha da Poeira. Em 1823 o conde de Vila Flor foi encarregado de ir a Espanha, em missão diplomática para cumprimentar o duque de Angoulême, que viera com um exército francês restabelecer em Espanha o governo absolutista de Fernando VII. Não só se absteve, em 1821 de tomar parte na Abrilada, mas D. Miguel o mandou preso para Peniche. 

Promulgada a Carta Constitucional em 1826 no Brasil, foi o conde de Vila Flor nomeado par do Reino por carta régia de 30 de abril desse ano. Nomeado logo em seguida governador das armas da província do Alentejo, não tardou a ver-se obrigado a reprimir algumas insurreições militares que se levantaram no Alentejo a favor do absolutismo. A guarnição do Algarve agitava-se também no mesmo sentido. Saldanha, que era então ministro da guerra, correu a pôr-se à frente das forças constitucionais, e finalmente debelou a insurreição algarvia. Tornou logo ao seu posto de ministro, mas, antes de partir, confiou o comando do exército de operações no Alentejo ao conde de Vila Flor, que se mostrou digno dessa confiança, porque destroçou as forças da Magessi, obrigou-as a entrar em Espanha, e passou então o Tejo para se ligar com Azevedo que manobrava na Beira, e com o brigadeiro Claudino que descia também de Trás-os-Montes com uma pequena divisão. Reunidos os três generais na Beira, acharam-se em frente dum exército bastante numeroso, porque, graças à cumplicidade do governo espanhol, as tropas batidas que se refugiaram em Espanha, em vez de serem internadas, eram deixadas com armas na fronteira, de forma que reapareciam noutro ponto depois de terem sido expulsas do reino. O conde de Vila Flor bateu os absolutistas em Coruche e marchou para o norte, onde encontrou de novo os mesmos inimigos que batera, e que lhe tornavam a aparecer na fronteira do Minho, infligindo alguns desaires bastante sérios ás tropas liberais. O conde de Vila Flor, porém, reuniu-se com o marquês de Angeja, e ambos derrotaram sucessivamente o marquês de Chaves na ponte do Prado e na Ponte da Barca, obrigando-o a refugiar-se na Galiza. Mas apesar dessas vitórias que foram recompensadas com o título de marquês de Vila Flor, a causa constitucional estava condenada. Conspirava-se contra ela no seio do governo, e o homem encarregado de a radicar no país, o infante D. Miguel, era exactamente quem premeditava destruí-la. O novo marquês de Vila Flor, continuou, porém, a usar do titulo de conde, porque só seis anos depois em 14 de janeiro de 1833 é que tirou carta dessa mercê. Nomeado governador das armas do Porto, exerceu esse cargo desde agosto de 1827 até fevereiro de 1828, quer dizer, até à chegada de D. Miguel a Portugal. Na verdade, a primeira coisa que ele fez foi demitir os governadores das armas em quem não tinha confiança, Vila Flor, seu antigo ajudante de campo de 1828, perdera-a completamente desde que se mostrara soldado fiel da Liberdade. Substituído pelo general Franco de Castro, Vila Flor ficou esperando os acontecimentos, mas quando viu o caminho que as coisas tomavam, entendeu que o melhor era emigrar. Saiu em Maio de Portugal, e retirou-se para Inglaterra, onde se pôs à disposição do marquês de Palmela, logo que ali constou que as tropas do Porto e de Aveiro se haviam insurgido, e tinham proclamado o restabelecimento da Carta Constitucional. 

Retrocedamos um pouco, e observaremos os factos da vida particular do conde de Vila Flor, que explicam um pouco o papel que ele representou numa cena tristemente celebre da nossa história. Casara o ilustre fidalgo, aos dezoito anos de idade, em 5 de agosto de 1811, com sua prima D. Maria José do Livramento e Melo; filha dos 1.os marqueses de Sabugosa, de quem teve um filho que morreu tendo apenas um ano. A condessa acompanhou seu marido ao Brasil, mas o clima do Pará foi lhe fatal, o falecimento aos vinte e cinco anos em 20 de julho de 1818. Três anos depois, achando-se Vila Flor no Rio de Janeiro para acompanhar para a Europa o rei D. João VI, casou pela segunda vez, em 23 de abril de 1821, com outra sua prima, D. Maria Ana Luísa Filomena de Mendonça, filha dos 1.os marqueses de Loulé, camareira-mor da rainha, dama da Ordem de Santa Isabel e da de Maria Luísa de Espanha. A nova condessa tinha apenas treze anos, veio com seu marido para a Europa, e emigrou também em 1828, com ele, e quando o conde se prontificou a ir pôr a sua espada ao serviço da causa liberal, também ela o quis acompanhar. O conde consentiu, imaginando que os passageiros do Belfast iam fazer simplesmente um passeio triunfal, e tomar posse rapidamente do Porto e do país. Quando chegaram ao Porto, viram a necessidade de combater, e de combater deveras. O conde de Vila Flor, que tinha já uma reputação incontestável de bravura, não hesitou um momento, mas com ele partirá também Saldanha, já então com o titulo de conde, e tendo já conquistado em Montevideu grande reputação militar, era quem estava naturalmente indicado para tomar o comando das tropas; mas o conde de Vila Flor tinha igual posto. Além disso havia entre eles uma certa rivalidade; nenhum quereria servir debaixo das ordens do outro. Recorreu-se então ao subterfúgio de se dar o comando nominal das tropas ao marquês de Palmela, que nada entendia de coisas militares, e que nunca desembainhara a espada. Deu-se a Vila Flor o comando duma das divisões do exército, a Saldanha o comando da outra, e assim se prepararam para resistir ao inimigo. Mas logo que tomaram conta dos comandos, entenderam que a resistência era impossível, e reunidos os generais em conselho de guerra, com a junta do governo do Porto, deliberaram abandonar a cidade, deixando ficar o exército debaixo do comando único de Saldanha, e retirando-se todos os outros para Inglaterra no Belfast. Um dos que fugiram assim foi Vila Flor. Verdadeiramente não se pode acusar o ilustre general: em primeiro lugar, não fez mais que obedecer a uma decisão colectiva; em segundo lugar entendeu que faria um sacrifício inútil à causa que vinha defender, em último lugar, tinha consigo sua mulher, uma juvenil senhora de dezanove anos, que ele não podia assim arriscar ás contingências duma luta a todo o transe. 

Esta aventura do Belfast, contudo, pesou sempre como um remorso na consciência de todos os que dela participaram, e foi talvez por isso incitadora de acções heróicas. O conde de Vila Flor, chegado a Inglaterra só pensou em resgatar com algum acto de bravura a nódoa que pudesse ter estampado na sua reputação militar aquele desaguisado Belfast. Não tardou a oferecer-se lhe esse ensejo, porque na ilha Terceira mantinha-se o regime constitucional e a realeza de D. Maria II proclamada pelo batalhão de caçadores n.º 5 e Palmela, que era quem dirigia os negócios da emigração, tratava quanto possível de favorecer esse movimento, e de opor uma séria resistência ás tentativas que D. Miguel havia de fazer para submeter a ilha. Saldanha, que para lá partira comandando uma porção de emigrados, não pudera desembarcar, porque disso o impedira o cruzeiro inglês, Palmela nomeou Vila Flor governador da ilha, deu-lhe por chefe de estado-maior Bernardo de Sá Nogueira, e mandou-o para os Açores. Bernardo de Sá foi adiante e caiu prisioneiro dos ingleses. Vila Flor, mais feliz, conseguiu atravessar o bloqueio e desembarcar na ilha Terceira com um grupo numeroso de emigrados, que viram mudar completamente a face dos negócios. Em primeiro lugar, diante da autoridade e do prestígio do conde de Vila Flor, cessaram todas as discórdias que havia na ilha, e que impediam o regular funcionamento do governo; em segundo lugar, os oficiais que chegaram com Vila Flor, e ele mesmo, organizaram excelentemente a resistência à importante expedição que D. Miguel dirigira contra a ilha, tomando por secretário militar o erudito Mousinho da Silveira, por chefe do estado maior em lugar de Sá Nogueira, Silva Lopes, que foi depois barão de Monte Pedral, por subchefes destes serviços Manuel José Mendes, depois barão do Caudal, e Almeida Pimentel, depois conde de Campanhã, o conde de Vila Flor cercou-se admiravelmente de magníficos auxiliares. A 11 de agosto de 1829 tentaram os miguelistas, com mandados pelo coronel Lemos, o desembarque protegido pela formidável esquadra, que Rosa Coelho comandava. Foi essa a primeira vitória ganha pelos liberais, e o nome de Vila Flor adquiriu por isso grande prestígio. Tendo sido nomeada uma regência por D. Pedro para dirigir os negócios da causa liberal, regência que devia de assentar a sua sede em Angra, foram nomeados para seus membros o marquês de Palmela, o conde de Vila Flor, e José António Guerreiro. Demorou se contudo o marquês de Palmela em estabelecer a regência, e entretanto o conde de Vila Flor lutava com imensos embaraços pecuniários, tendo a causa quase perdida por absoluta falta de dinheiro; valeu-lhe encontrar na ilha Terceira quem lhe descontasse umas letras que ele sacara sobre o marquês de Palmela em Londres, e graças às quais pôde fazer face às mais importantes despesas. A 16 de dezembro de 1829 chegava à ilha Terceira a condessa de Vila Flor, que não queria nunca desamparar seu marido, e definitivamente se assentou o domínio constitucional na Terceira, conservando-se a ilha durante todo o ano de 1830 firme na sua deliberação, mas sem que a regência tomasse a iniciativa duma qualquer expedição. 

Em abril de 1831 resolveu-se enfim a regência a assenhorear-se das outras ilhas dos Açores, o preparou uma expedição, que partiu para a conquista do Pico, S. Jorge, Graciosa e Faial no dia 7 de abril, debaixo do comando do próprio Vila Flor, sendo encarregado do comando das tropas de desembarque o major José Joaquim Pacheco, depois conhecido pelo nome de coronel Pacheco. Foi o conde de Vila Flor que desejou tomar em pessoa o comando das tropas. Encaminhou-se para a ilha do Pico, que ocupou sem resistência, tomando depois a de S. Jorge após de brevíssimo combate. Preparava-se para a ilha do Faial, quando apareceu uma corveta miguelista e Vila Flor julgou indispensável um reforço à expedição que ele próprio foi buscar à Terceira, aparecendo de súbito na ilha, donde tornou logo em seguida a ir juntar-se ás tropas expedicionárias com umas cento e tanto baionetas.  Faial foi ocupada também pelos liberais, e logo em seguida a Graciosa, Corvo e Flores reconheceram o governo liberal, de modo que ficaram unicamente no poder dos miguelistas as ilhas de S. Miguel e de Santa Maria. Por esse tempo passou pelo Faial, de caminho para a Europa, o Imperador D. Pedro que abdicara a coroa brasileira, e no Faial deixou uma carta para Vila Flor em que lhe dizia, que vinha à Europa combater como simples particular pela causa de sua filha. Esta notícia encheu de júbilo os defensores da Terceira, e incitou-os a tentarem empresa mais importante, como foi a de irem tomar a ilha de S Miguel, o que conseguiram, comandados ainda por Vila Flor, depois de ganha a difícil batalha da Ladeira-a-Velha. Estavam assim os Açores completamente sujeitos à autoridade dos representantes de D. Maria II, e pouco tempo depois apareceu no arquipélago a expedição vinda de Belle-Isle, debaixo do comando de D. Pedro. Tratou logo o imperador de organizar uma expedição para o continente português, e dando o comando da esquadra ao almirante Sartorius, entregou a Vila Flor o comando do exército de terra. Foi depois debaixo das ordens de Vila Flor que desembarcaram no Mindelo em junho de 1832 os famigerados sete mil e quinhentos bravos. Ocuparam o Porto abandonado pelos miguelistas. Não tardou, porém que viesse um desânimo profundo invadir o exército constitucional. Contavam com deserções numerosas no exército miguelista; o combate de Penafiel e a batalha de Ponte de Ferreira, apesar de serem vitoriosas para os liberais, mostraram contudo que, só a troco duma luta muito séria, se poderia alcançar o triunfo constitucional. A estes combates seguiu-se a derrota de Souto Redondo, que teve completamente arruinada a causa liberal, mas os generais miguelistas não souberam aproveitar essa vitória, e as tropas constitucionais continuaram a manter-se no Porto. Ensinados por esse revés, começaram mesmo a limitar-se à defensiva, e disso tiraram excelentes resultados. As derrotas dos miguelistas nos combates de 8, 9, 10, 16 e de 19 de setembro recompensaram o novo plano do chefe constitucional. A 14 e a 21 de outubro repetiram-se os ataques miguelistas, que foram igualmente repelidos. Lavravam, contudo, no Porto graves dissensões que desapareciam diante do inimigo, mas em todo o caso prejudicavam gravemente a acção do comando. D. Pedro quis então ver se essas dissensões desapareciam, tomando ele próprio o comando do exército, e efectivamente o assumiu a 6 de novembro de 1832, elevando dois dias depois, a 8 de novembro, o conde de Vila Flor a duque da Terceira. O intrépido general, com a singeleza que sempre o caracterizou, resignou o comando em chefe, e passou a exerceras funções que lhe confiaram sem uma queixa e sem um murmúrio, servindo com o mesmo zelo, tanto debaixo das ordens de D. Pedro, como do general Solignac, que fora contratado em França para vir comandar em chefe. Pois Solignac ia perdendo com os seus erros crassos a causa cuja defesa lhe fora confiada. Felizmente, veio Saldanha que indicou os meios razoáveis para se sustentar a defesa. Saldanha comandava na direita da linha, Terceira na esquerda. 

Quando os miguelistas atacaram este lado da linha no dia 24 de março de 1833, foram repelidos por Terceira no combate das Antas. Mas o cerco apesar disso não se levantara e era necessário transportar a guerra para outro ponto, senão nada se fazia. Depois de várias hesitações propôs-se uma expedição ao Algarve, sendo escolhido para seu comandante o duque da Terceira. Confiou-se-lhe uma pequena divisão de mil e quinhentos homens, que foi embarcada na esquadra de Napier. A expedição saiu do Porto a 21 de junho de 1833, e a 24 desembarcava o duque no Algarve, numa pequena praia que fica entre Cacela e Monte Gordo. Sem perder tempo, o duque marchou sobre Olhão e tomou logo em seguida S. Bartolomeu de Messines, enquanto Napier se assenhoreava de Tavira, e ia depois aprisionar na batalha do Cabo de S. Vicente a esquadra miguelista que saíra de Lisboa. Planeava então o duque da Terceira, que tinha por chefe de estado maior um oficial habilíssimo, José Jorge Loureiro, marchar sobre Beja, mas a notícia da vitória do Cabo de S. Vicente fez com que ele fosse a toda a pressa a Lagos conferenciar com o almirante, e de comum acordo se resolveu que se marchasse sobre Lisboa. O erro que Terceira não cometeu, cometeu-o Molelos, o general miguelista que tinha por missão principal cobrir Lisboa. O duque da Terceira não quisera, como primeiro tencionara, ir alentar a insurreição militar de Beja, porque entendeu que o principal fim da sua missão era tomar Lisboa. Molelos não percebeu que tinha muito mais que fazer do que ir subjugar a insurreição constitucional de Beja, e partia para esta cidade. O erro era tão crasso que logo se atribuiu esse procedimento a traição, mas a verdade também é que a marcha audaciosa do duque da Terceira era um pouco imprevista, que Molelos supôs naturalmente que Terceira marcharia sobre Lisboa pelo caminho onde pudesse contar com a adesão dos povos, e que não deixaria por conseguinte de procurar Beja insurgida a seu favor para a tomar como base de operações. Como se sabe, fora essa efectivamente a primeira intenção do duque, mas a vitória do Cabo de S. Vicente alterou-lhe completamente o seu plano, e Molelos não soube seguir de perto e espiar com atenção os movimentos do inimigo. Enquanto Molelos corria a Beja, marchava o duque da Terceira a 13 de julho de S. Bartolomeu de Messines para S. Marcos da Serra, a 14 saía dos limites do Algarve e entrava no Alentejo, chegava ara 15 a Gravão onde descansava no dia 16 para esperar a artilharia, a 17 a Messejana. Entrava no dia 18 nos Bairros, atravessava o Sado no dia 19 indo pernoitar a Vale de Ferreira, e enfim no dia 20 tomava de surpresa Alcácer do Sal, e ia no dia 21 acampar diante de Setúbal, que tomava no dia 22 de acordo com Napier, marchando logo em seguida sobre Azeitão e de Azeitão sobre Cacilhas encontrando nesse mesmo dia no Vale da Piedade a cavalaria miguelista, e alguma infantaria do exército de reserva comandado por Teles Jordão, que foi completamente batido, caindo prisioneiras nesse dia quase toda a cavalaria e infantaria que entrara no combate, e no dia seguinte o resto das tropas que ocupavam Almada e se renderam sem disparar um tiro. 

Nessa noite, tomados de súbito pânico, o duque de Cadaval e os ministros de D. Miguel abandonaram Lisboa com toda a guarnição, acolhendo imediatamente a cidade com entusiasmo louco o duque da Terceira e a sua pequena mas heróica divisão que atravessavam o Tejo, surpreendidos também pela notícia inesperada, e eram recebidos como libertadores, em 24 de julho. Dois dias depois chegava Napier com a esquadra que vinha bloquear Lisboa e que já não tinha esse trabalho; no dia 28 chegava o imperador D. Pedro, que deixara o governo do Porto entregue ao general Saldanha, e tratava se imediatamente de se pôr a capital em estado de defesa contra o provável regresso das forças miguelistas. Saldanha, consciente da necessidade de concentrar as operações em Lisboa, atacava as linhas miguelistas, obrigava as tropas que Bourmout deixara na sua frente a levantar o cerco e partia para Lisboa. Não tardou Bourmont a atacar a capital. Terceira já elevado ao posto de marechal do exército, comandava as linhas, Saldanha era o chefe de estado-maior do imperador, quer dizer, o verdadeiro comandante. No dia 5 de Setembro foi o primeiro ataque às linhas, recebendo o duque da Terceira nesse dia uma contusão duma bala, no dia 14 novo ataque, igualmente repelido, e depois do qual Bourmont apresentou a sua demissão de comandante em chefe do exército miguelista, sendo substituído por MacdonelI, que foi também obrigado a 10 de outubro a levantar o cerco e a retirar sobre Santarém, onde foi cercado pelos constitucionais. As forças sitiantes constituíram dois exércitos comandados pelos dois marechais Saldanha e Terceira. Enquanto Saldanha batia os miguelistas em Torres Novas e em Pernes, o duque da Terceira enviava sobre Valada alguns esquadrões que destroçavam as forças miguelistas. Enquanto Saldanha, depois de destroçar em Almoster o exército miguelista do general Lemos, apertava nas posições de Santarém as forças principais de D. Miguel, Terceira era enviado ao Porto a tomar o comando das operações encetadas pelo general Torres contra a divisão miguelista Cardoso, que dominava ainda o Minho e Trás-os-Montes. A 12 de abril de 1831 o duque batia Cardoso em Amarante, no dia 13 ocupava Vila Real, no dia 14 Murça, Vila Flor em 15, e em 16 Moncorvo, onde batia do novo o general Cardoso. Depois desceu para a Beira, entrou em Lamego no dia 22, bateu os miguelistas na Ponte Pedrinha no dia 30, e entrou em Viseu a 2 de maio. D. Miguel cometia então o erro supremo de dar asilo ao infante D. Carlos, sublevado contra Fernando VII, perdendo assim as simpatias do único país europeu que se estava mostrando ainda afecto à sua causa. Daí resultou que o general Rodil, autorizado por D. Pedro, entrou em Portugal, não para intervir contra as forças de D. Miguel, mas para perseguir as tropas que este deixara que D. Carlos organizasse em Portugal. Combinou entretanto as suas operações com o duque da Terceira e Napier. O duque no dia 8 de maio entrava em Coimbra e marchava depois sobro Tomar, Napier no mesmo dia tomava a Figueira, Rodil marchava sobre Abrantes. A 16 de maio de 1834 encontrava o duque o exército miguelista do general Guedes na Asseiceira batia-o completamente. Esta batalha memorável foi a última desta cruenta guerra. Quebrou efectivamente as últimas esperanças de D. Miguel, que abandonou Santarém com o seu exército retirando-se sobre Elvas. Terceira e Saldanha combinaram então as suas operações de modo que o cortassem, marchando o duque da Terceira sobre Beja por Montemor-o-Novo, Saldanha sobre Évora por Estremoz. Completamente envolvido em Évora, o exército de D. Miguel teve de se render, depondo as armas e assinando o general Lemos, que então o comandava, a convenção de Évora-Monte. 

Estava terminada a grande luta da liberdade, e ia começar o angustioso período do novo noviciado constitucional. A 24 de setembro de 1834 morria D. Pedro IV, a rainha D. Maria II assumia directamente o governo do reino, e nomeava desde logo um ministério presidido pelo duque de Palmela, ministro dos negócios estrangeiros, e em que entrava o duque da Terceira como ministro da Guerra. Esse ministério encontrou violenta oposição na Câmara, principalmente por causa da administração financeira de José da Silva Carvalho, que acusavam de entregar todos os empregos a criaturas exclusivamente suas, de forma que o governo obteve por isso o pouco honroso cognome de devorista. Obteve, contudo, o aplauso unânime do país liberal quando resolveu não continuar a pagar a D. Miguel a pensão que lhe fora arbitrada pela convenção de Évora-Monte, logo que ele, assim que chegou a território estrangeiro, protestou contra a renúncia que fizera de quaisquer direitos que supusesse ter ao trono, declarando que, fizera coarctado essa renúncia. Não foram, porém, mais felizes os ministros que lhe sucederam. O duque da Terceira passara a exercer o comando em chefe do exército e concorreu indirectamente para a queda do ministério imediato, por causa duma circular que expediu acerca do papel que competia aos oficiais nas eleições o que fez com que os oficiais descontentes fizessem uma representação à rainha, pedindo a demissão do ministério. Sucedeu-lhe um gabinete presidido por José Jorge Loureiro, que lutou ainda com maiores dificuldades, porque teve a grave questão do comando em chefe do exército conferido ao rei D. Fernando, comando que fora estipulado no contrato de casamento, e que o governo não teve, contudo, força para lhe conferir abertamente, fazendo a nomeação em segredo. Afinal a prorrogação do odioso tratado de comércio de 1810 com a Inglaterra completou o descrédito do governo, que caiu, sendo chamado o duque da Terceira a organizar ministério, que efectivamente formou a 19 de abril de 1836, ficando ele com a presidência e a pasta da guerra, e entrando para as outras pastas Agostinho José Freire, Gonçalves de Miranda, conde de Vila Real e Joaquim António de Aguiar. Esse ministério foi enérgico, mas o partido avançado ganhara já no país bastante preponderância e não era fácil impedir a marcha rápida dos acontecimentos. O ministério dissolveu o clube dos Camilos, dissolveu as cortes extraordinárias reunidas em maio; a dissolução das Cortes foi mal acolhida pelo público, o incêndio do Erário Régio fez com que se dissesse abertamente que o governo recorrera a esse meio para ocultar as suas dissipações. Debalde o ministério tentou recuperar o prestígio, fazendo com que el-rei D. Fernando fosse viajar às provincial do norte, onde foi acolhido efectivamente com a maior simpatia; mas essa viagem passou completamente despercebida no meio da agitação do país. As eleições deram também resultado favorável ao ministério, mas não lhe deram força. A revolução da Granja em Espanha, revolução em que o sargento Garcia deu leis à rainha, também incitou ainda mais os avançados portugueses pelo triunfo que obtinham igualmente em Espanha os avançados espanhóis. O governo, receoso de qualquer agitação, apesar de ter convocado as cortes para, Agosto adiou-as para setembro. A 9 deste mês chegavam a Lisboa os deputados do Porto e eram acolhidos com uma ovação. No Porto e em Viseu a oposição triunfara A Guarda Nacional pegara em armas logo em seguida, a tropa de linha era enviada para a dissolver, mas unia-se à nacional, e assim se fez a revolução de Setembro, a que a rainha anuía demitindo o ministério do duque da Terceira, e chamando ao poder os chefes do partido avançado Passos Manuel, Vieira de Castro e Sá da Bandeira. 

A revolução de setembro encontrou no duque da Terceira um adversário intransigente. Ele que nunca usou da sua espada e do seu prestigio para fazer pronunciamentos e ameaçar a ordem de causas existentes pronunciou-se contra o governo da revolução, e entrou com o seu colega marquês de Saldanha na revolta, que por esse facto ficou sendo conhecida pelo nome de revolta dos marechais. A 27 de julho de 1837 pronunciou-se pelo marechal Saldanha com uma pequena força de lanceiros, a 18 de agosto pronunciava-se o duque da Terceira com um destacamento de infantaria n.º 7, e um e outro marchavam para Torres Vedras a unirem-se com Mousinho de Albuquerque. Ali formaram os três uma regência provisória, e marcharam sobre Lisboa, mas o seu pronunciamento não foi acolhido, como eles esperavam, pelo país. Não tiveram aderentes, e a sua aproximação não levantou a mínima agitação em Lisboa. Retiraram então, sustentaram em Chão da Feira com o barão do Bonfim, comandante das tropas setembristas, um combate indeciso, e seguiram para o norte a unir-se ao barão de Leiria e à divisão que vinha de Espanha, mas desta divisão só uma brigada proclamou a Carta Constitucional, a outra, comandada pelo visconde das Antas, aderiu ao governo, e o barão de Leiria, tendo cometido a imprudência de não esperar os marechais, foi batido por Antas em Ruivães. Dali resultou assinarem os marechais o convénio, que pôs termo à guerra civil. Pouco depois, quando vieram as complicações da navegação do Douro, e que se receou uma guerra com a Espanha, o duque da Terceira ofereceu logo a sua espada ao governo, e foi encarregado do comando do exército de observações do norte. Depois foi nomeado comandante da 1.ª divisão militar, mas já pelo ministério que ia restaurara Carta Constitucional. O ministério setembrista, que ainda se organizou quando Costa Cabral foi ao Porto fazer a insurreição cartista, e que se ficou chamando o ministério do Entrudo, quis demitir o duque da Terceira do lugar de comandante em chefe da divisão, mas a guarnição de Lisboa pronunciou-se contra esse facto, e o duque, em vez de ser demitido, foi chamado a 9 de fevereiro de 1842 a organizar ministério em que entrou Costa Cabral assim que chegou a Lisboa. Durante quatro asnos conservou o duque da Terceira a presidência nominal desse ministério de que era alma Costa Cabral, e foi ele que teve de sufocar a revolta de Almeida, saindo enfim do ministério a 20 de maio de 1846, quando rebentou no Minho a revolta conhecida pela Maria da Fonte. O novo ministério apenas durou quatro meses e meio. A rainha deu o golpe de Estado a 6 de outubro, e chamou ao poder o marechal Saldanha. Julgou a rainha que era bastante enviar ao norte o duque da Terceira como seu lugar-tenente para sufocar a revolução que se receava. Terceira foi, mas a revolução rebentou do mesmo modo, e o enérgico José Passos não hesitou em prendê-lo no castelo de S. João da Foz. Terminada a luta, o duque da Terceira não voltou ao poder, mas em 1850 foi nomeado comandante da 1.ª divisão, lugar que exerceu até 1855, apenas com a interrupção dum ano, enquanto esteve ministro da guerra no gabinete que saiu do movimento de 1851. Em 1855 foi nomeado 1.º ajudante de campo do rei D. Pedro V, e em 1858 comissário encarregado de ir, como representante do rei, receber à Alemanha a rainha D. Estefânia e traze-la para Portugal. Em 1859, tendo caído o ministério do partido histórico, foi chamado a organizar gabinete, recebendo a presidência do ministério em que se encontravam Casal Ribeiro e António de Serpa O duque da Terceira teve como recompensa nacional uma dotação de cem contos de reis pagos em bens nacionais. 

Faleceu quando estava exercendo o seu lugar de presidente do conselho, e ministro da Guerra, contando sessenta e oito anos de idade. Prestaram-se-lhe as maiores honras. Foi sepultado no panteão real de S. Vicente; a duquesa, sua viúva, que sempre o acompanhara em todos os transes da sua vida, que viera ter com ele a Lisboa assim que soube da sua entrada na capital, que por essa ocasião naufragou em Peniche, e esteve quase caindo prisioneira dos miguelistas, recebeu uma pensão anual de 4.500$000 reis. O duque da Terceira era grã-cruz das ordens da Torre e Espada, de S. Bento de Avis, e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa; e comendador da de Cristo; condecorado com a medalha portuguesa de Vitória, Orthez e Toulouse; com a de seis campanhas da Guerra Peninsular, e com a de Vitória pela Espanha. Fora também agraciado com as seguintes ordens estrangeiras: grã-cruz. de S. Fernando e de Carlos III, de Espanha; de Ernesto Pio, de Saxe-Coburgo-Gota; de Leopoldo da Bélgica, da Legião de Honra de França; do Leão e da Coroa de Carvalho, dos Países Baixos; de S. Leopoldo da Áustria; da Águia Vermelha da Prússia; de S. Januário das Duas Sicílias, de S. Maurício e S. Lázaro da Sardenha, o de Alberto o Valoroso da Saxónia. 

O seu brasão de armas consta dum escudo esquartelado: no 1.º quartel as armas dos Sousas do Prado: escudo esquartelado: nos 1.º e 4.º quartéis as armas reais de Portugal com um filete de negro sobreposto em banda; 2.º e 3.º, de prata, um leão rompendo um campo de púrpura, armado e lampassado de vermelho no 2.º quartel as armas dos Manueís: em campo de púrpura uma asa de águia, de ouro, levantada com uma mão de homem, da sua cor, empunhando uma espada de prata, com guarnições de ouro; e assim os contrários tendo no centro do escudo o anel dos Meneses; timbre, o dos Sousas, que é o leão das armas. Anos depois levantou-se no antigo largo do Cais do Sodré, hoje praça do Duque da Terceira, um monumento em memória do ilustre e intrépido general. A inauguração realizou-se solenemente a 24 de Julho de 1877. V. o artigo Lisboa, no Portugal, vol. IV, pág. 382 e 383.

 

 

 

 

Duque da Terceira (1792-1860)
Assembleia da República

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VII, págs. 99-104.

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