Portugal - Dicionário

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O Portal da História Dicionário > José Francisco Valorado

Valorado (José Francisco).

 

n.      31 de maio de 1768.
f.       28 de março de 1850.

 

Médico e botânico distinto. Nasceu em Lagos a 31 de maio de 1768, faleceu em Lisboa a 28 de março de 1850. Seus pais eram de condição humilde, mas muito considerados pela sua seriedade 

Era seu padrinho, um tio materno, beneficiado na matriz da colegiada de Lagos, respeitável eclesiástico que desejava ver o seu sobrinho e afilhado dedicar-se ao serviço da Igreja; o pai, porém, que era militar, queria que o filho seguisse a carreira das armas, como ele. Qualquer destas profissões repugnava ao pobre rapaz, cujas tendências e aspirações, eram para o estudo das ciências naturais e da medicina. Vendo-se continuamente apoquentado pelo pai e pelo tio para que se decidisse acerca da carreira que seguiria, Valorado resolveu fugir de casa paterna, e pôs-se a caminho para Coimbra, onde sem amigos e sem protetores, esperava poder seguir os estudos universitários. A desvelada mãe conhecia os sentimentos do filho, e havia já suspeitado de longo tempo a sua resolução, e apenas deu pela sua falta, correu lacrimosa na esperança de o encontrar, e na verdade alcançou-o a algumas léguas da cidade, onde ele, vencido pela fadiga, descansara debaixo duma copada arvore, e adormecera. À custa de muitas rogativas e de muitas lagrimas, conseguiu a pobre mãe traze-lo para casa. O pai, muito aflito pela desaparição do filho, e sabendo os motivos daquele excesso, desistiu logo das suas ideias, assim como o tio, o venerando sacerdote. 

Cuidou-se então com a maior solicitude da sua instrução literária, e em poucos anos adquiriu vastos conhecimentos das línguas latina e grega, bem como das disciplinas de filosofia racional e moral, e de retórica. Concluídos os preparatórios, em que deu provas de superior inteligência, dispôs-se a sua ida para Coimbra, mas havendo falta de recursos, o venerando padre e seu protetor, ainda que com muito sacrifício, pois não tinha fortuna, queria correr com as despesas. Valorado, porém, não quis consentir no sacrifício do tio e padrinho, e solicitou de Lisboa, e alcançou, mediante o empenho de um seu amigo, o dr. José Rodrigues Ribeiro César, ser um dos subsidiados da Casa Pia, que naquele tempo era a providência e o amparo dos grandes engenhos desajudados da fortuna. Partiu então para Coimbra, entrando na universidade no ano letivo de 1791 1792. Em pouco tempo se evidenciou naquela douta academia, pelo seu subido talento e constante aplicação. O célebre botânico Avelar Brotero, que nesse tempo regia a cadeira de botânica e agricultura da universidade, descobriu desde logo naquele seu discípulo uma pronunciada paixão pelo estudo da ciência dos vegetais, paixão que ele animava por todos os meios ao seu alcance. Nas herborizações em volta de Coimbra começou logo Valorado a coligir plantas para o seu herbário, consultando muitas vezes o sábio mestre sobre a exata determinação dalgumas espécies. Em 21 de junho de 1798, Valorado recebeu o grau de bacharel em medicina, e em 30 de julho do ano seguinte fez a sua formatura. 

Concluídos os estudos veio para Lisboa, onde permaneceu algum tempo em casa de um seu amigo, o citado dr. Ribeiro César, até que em maio de 1800 se estabeleceu em Cascais na qualidade de médico de partido. Ali começou a enamorar-se de uma distinta senhora, D. Faustina Maria Neves de Macedo, com quem mais tarde veio a casar-se. Alguns dissabores que sofreu, sendo médico do hospital militar, com o regimento n.º 19, então estacionado em Cascais, o resolveram a abandonar o partido desta vila, e a aceitar o de Sintra, para onde se transferiu em 1805. Desejoso de continuar os seus estudos botânicos, nenhuma estação lhe poderia proporcionar em tão pequeno recinto uma flora tão variada, tão rica e numerosa. Quis então isolar-se o mais possível, e foi residir no sítio do Arrabalde numa casa retirada e sombria, junto da qual se erguia uma árvore, e corria uma cristalina fonte. Foi nesta época que se entregou com perseverança ao estudo dos clássicos latinos e á literatura francesa e italiana, sem nunca deixar, contudo, de se dedicar á sua querida botânica, que estudava nos campos e vales de Sintra. As plantas raras que encontrava nas suas repetidas herborizações, eram logo enviadas ao seu mestre para Coimbra. Não se julgue, porém, que estes estudos prediletos lhe distraiam a tal ponto a atenção, que esquecesse, nem de leve, as obrigações do seu cargo. Em 20 de janeiro de 1819 casou com a sua antiga noiva, já mencionada, e abandonando então a clinica, veio para Lisboa, prosseguindo exclusivamente os estudos botânicos. O seu herbário continuou a enriquecer-se, contendo por fim um grande número de plantas, a maior parte das quais, além da denominação específica escrita pela própria mão do coletor, tinham recebido a sanção do dr. Avelar Brotero. 

Animado por sentimentos liberais, apesar de nunca se entregar à política, socorreu muitos emigrados durante as lutas da liberdade, de 1828 a 1833, auxiliou com risco da própria vida, alguns perseguidos pelo partido absolutista, pondo-os a bordo do paquete inglês, onde lhes mandava pagar a passagem, o concorreu com avultados donativos para sustentar no Porto alguns dos bravos que se alistaram debaixo das bandeiras constitucionais. Quando o regime constitucional ficou vitorioso, Valorado socorreu também os vencidos. O seu caracter bondoso e humanitário, não olhava a partidos políticos, só pensava em valer aos que sofriam. Nos últimos anos de vida, havendo contraído relações com o naturalista alemão dr. Frederico Welwitch, e tendo esse botânico distinto participado a alguns dos seus sábios compatriotas que ainda existia aqui aquele discípulo do dr. Avelar Brotero por ele várias vezes citado na Fitografia Lusitana, um daqueles sábios lhe dedicou uma planta, que foi apelidada valorádia, e que é o plumba go glandulosa de Roberto Brown. De dois herbários que possuía, ofereceu um, ainda em sua vida, ao distinto e laborioso professor da Escola Medico Cirúrgica dr. Bernardino António Gomes, de quem fez sempre o maior apreço; e o outro, quis, que por sua morte fosse oferecido a um dos seus melhores amigos, a quem por espaço de 40 anos consagrava a mais profunda estima, Manuel Bernardo Lopes Fernandes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VII, págs. 305-306.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2016 Manuel Amaral