Determinação da latitude
Determinação da latitude pela observação da altura do Sol ao meio-dia,
na Cosmografia de Jacques de Vault

 

A Expansão portuguesa no século XV 

Parte 3

 


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O Conhecimento Técnico

 

 

Os Portugueses não podiam desenvolver a economia marítima sem resolver os problemas técnicos que implicavam as longas viagens pelo oceano.

As dificuldades podiam verificar-se não apenas na navegação atlântica, mas mesmo na mediterrânica.

Quanto ao tipo de embarcações, sabemos que os Genoveses utilizavam, de ordinário, galés a remos, mas que não estavam adaptadas à grande ondulação no alto mar. Estes barcos, porém, já tinham sobre os navios mediterrânicos, a vantagem de possuírem leme e não apenas remos laterais para orientarem o rumo. Este melhoramento aparece no Atlântico, provavelmente, em barcos normandos, desde o século XII, e só depois é introduzido no Mediterrâneo.

Simultaneamente, instalam-se francos melhoramentos nos barcos
à vela, que, até ao fim do mesmo século, possuíam geralmente apenas um mastro com uma vela quadrada.

Todavia, já existiam outros com vela mais pequena, inclinada para trás e situada perto da proa.

Foi, provavelmente, no Mediterrâneo que se lhes acrescentou um terceiro mastro à popa, permitindo, deste modo, aumentar a velocidade da embarcação.

Contudo, neste domínio, a invenção resultou do facto de conseguir aproveitar-se o vento para navegar em qualquer direcção, mesmo aproximadamente, contra ele, e sem recurso aos remos.

Esta técnica deveu-se à introdução de uma vela triangular para navegar “à bolina”. As origens da mesma são quase desconhecidas e pouco se sabe igualmente acerca da sua difusão, admitindo-se que se generalizou ao longo do século XV, tendo-se conjugado, depois dessa altura, ao recurso ao uso da “toleta de marteloio”, isto é, com a utilização de uma tabela de quatro colunas para a resolução de triângulos rectângulos planos por métodos trigonométricos, ou por um processo gráfico que permitia não perder a direcção num rumo em ziguezague, ou seja navegar à bolina. A toleta seria, possivelmente, já conhecida pelo Maiorquino Raimundo Lull (1232-1316), – o Arabicus Christianus ou Doctor Inspiratus – que, no final do século XIII, descreve o seu uso em termos pouco claros e directos.

Contudo, apesar de a técnica de navegar à bolina ser bem conhecida dos Portugueses, durante o século XV, não ficou provado que fosse praticada por estes, antes de 1400. Repare-se que era uma técnica de grande importância na costa africana, onde a orientação do vento provocava frequentes perdas de rumo.

A bússula, de origem chinesa, trazida para Portugal pelos muçulmanos, foi difundida no nosso País. Permitia encontrar o rumo Norte (mais tarde corrigido pelo cálculo exacto da declinação magnética), mesmo com um céu nublado e, por conseguinte, sem recorrer-se à orientação pelos astros.

Além do Sol, outros astros tinham utilidade para os navegantes, principalmente de noite. Estes que serviam os homens do mar, em céu limpo, recordamos que seriam: a Estrela Polar dentro da constelação da Ursa Menor – a Buzina, como então se dizia - que indica o Norte, o Cruzeiro do Sul, estrela que aponta a direcção Sul, embora só descoberta entre 1450 e 1455.

“Já descoberto tínhamos diante,

Lá no novo Hemisperio, nova estrela,

Não vista de outra gente, que, ignorante,

Alguns tempos esteve incerta dela.

Vimos a parte menos rutilante

E, por falta de estrelas, menos bela,    

Do Pólo fixo, onde inda se não sabe

Que outra terra comece ou mar acabe”.

 

Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto V, estr. 14

No que diz respeito às cartas de marear, também chamadas de Portulanos como já acima referimos, as primeiras desenhadas que se conhecem, datam da segunda metade do século XIII. Podemos ainda afirmar que, no século XIV, o seu uso pelos marinheiros do Mediterrâneo, tornou-se frequente.

As descrições dos portos e das condições de navegação também melhoraram, como se verifica, por exemplo, nas indicações precisas acerca das horas das marés de certos portos, que aparecem, por exemplo, na carta catalã de 1375.

Em relação a outros instrumentos de navegação, refira-se o chamado astrolábio, aparelho destinado a determinar, com algum rigor, a passagem das horas durante a noite, com a ajuda da observação das estrelas. Estes já conhecidos pelos gregos foram desenvolvidos pelos Árabes e Persas. O recurso ao astrolábio, porém, com vista à determinação da latitude, provavelmente desenvolvida pelos Portugueses, só está provado depois dos inícios de Quatrocentos.

O interesse demonstrado pelo conhecimento científico e técnicas náuticas mais evoluídas pode documentar-se por ter existido em certos sectores da nossa sociedade.

Um dos cientistas portugueses que se notabilizaram na área das Ciências, durante o século XIII, é o bem conhecido Pedro Hispano (Pedro Julião, o Papa João XXI (1276-1277), estudando em Paris ou em Montpellier, medicina e teologia, dedicando especial atenção a palestras de dialéctica, lógica e sobretudo a física e metafísica de Aristóteles, legando-nos obras célebres, como o Tratado Summulae Logicales que foi o manual de referência sobre lógica aristotélica, durante mais de trezentos anos, nas universidades europeias, com 260 edições em toda a Europa, traduzido para grego e hebraico. Outro terá sido o dominicano Frei Gil de Santarém [1184 ou 1190-1265], a quem ficou a dever-se uma tradução do tratado de Natura de Rasis (Crónica do Mouro Rasi). Frade dominicano, arabista, fora físico, taumaturgo, teólogo e pregador português dos séculos XII e XIII, tendo vindo a ser canonizado pelo papa Bento XIV a 9 de Maio de 1748.

Apesar da pouca informação consagrada ao estudo das Ciências naquela centúria, presume-se a sua existência no domínio da Astronomia, de obras de Afonso X (1221-1284), o Sábio ou o Astrólogo. Colaborou no El Libro del Saber de Astronomia, obra baseada no sistema ptolemaico. Esta teve a participação de vários cientistas que o rei congregara e aos quais proporcionava meios de estudo e investigação, tendo mesmo mandado instalar um Observatório Astronómico em Toledo. Compôs as chamadas Tabelas Afonsinas sobre as posições astronómicas dos planetas, baseadas nos cálculos de cientistas árabes. Como tributo à sua influência para o conhecimento da Astronomia, o seu nome foi atribuído à cratera lunar Alfonsus. Outras obras com o seu contributo são o Lapidário, um tratado sobre as propriedades das pedras em relação com a Astronomia e o Libro de los juegos, sobre temas lúdicos (xadrez, dados, e tabelas - uma família de jogos a que pertence o gamão), praticados pela nobreza da época.

Por esta altura, a astrologia era considerada uma verdadeira ciência que se baseava em observações objectivas e num verdadeiro conhecimento da natureza, embora a partir de esquemas mentais que foram sendo progressivamente abandonados,

A partir de meados do séc. XIII, os relatos acerca de viagens de europeus ao Oriente suscitados pela expansão do império Mongol, trazendo ao Ocidente relatos fantásticos, alimentaram a ideia de um Oriente fabuloso, o qual era concebido como um lugar onde se encontravam abundantes tesouros e riquezas, mas albergando monstros e prodígios.

A curiosidade pelo Oriente e o desejo de alcançá-lo foram também sustentados pela lenda do Preste João das Índias.

Oliveira Martins viria a referir, a par da comunicação da Reconquista, outro factor:

era abrir a Portugal as portas douradas do Oriente vago e misterioso, onde havia cristãos com efeito, os cristãos do Peste João, mas onde havia também as especiarias, os tecidos preciosos, o oiro fulvo, e tudo o mais que as caravanas traziam através do deserto, desde o mar Roxo, pelo Egipto, pela Tripolitânia e por Argel, até Marrocos, de que Ceuta era a Nova Iorque e Fez a capital,  como Washington,  uma corte apenas.”

Oliveira Martins, Os Filhos de D. João I, Lisboa, 1983, p. 26

 

 

 

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