Thomas Jefferson

Thomas Jefferson

 

 

DISCURSO DE THOMAS JEFFERSON

 

Discurso inaugural do primeiro mandato de Thomas Jefferson proferido em 4 de Março de 1801  

 

 

Thomas Jefferson, foi eleito  presidente dos Estados Unidos em 1800 pela Câmara dos Representantes, após ter empatado em votos no Colégio Eleitoral. A eleição presidencial era, na época, realizada por modo indirecto, já que o Colégio era nomeado pelas assembleias dos Estados. Foi Alexander Hamilton, membro do Partido Federalista, que conseguiu que Jefferson fosse o escolhido, em vez de Aaron Burr, o outro candidato, que se tornou, enquanto candidato vencido, vice-presidente. Mas até se encontrar um vencedor na Câmara foram precisas 36 votações.

A eleição provocou uma divisão entre membros do Partido Democrático-Republicano, fundado por Jefferson e James Madison, devido ao apoio do Federalista Hamilton a Jefferson. Em 1804 Hamilton acabaria por morrer num duelo com Burr.

Este discurso tenta ser, sobretudo, um discurso de conciliação e por isso tenta definir os pontos essenciais que devem unir a classe política americana num período muito conturbado da sua vida enquanto país independente, atraído que foi para as guerras desencadeadas na Europa e em que acabaria por participar entre 1812 e 1815. 

 

 

«Às vezes, é dito que o homem não pode ser confiado com o seu próprio governo. Pode ser, então, confiado com o governo dos outros? Ou teremos encontrado anjos em forma de reis para o governar? Deixemos a história responder a esta pergunta».

 

 

Amigos e concidadãos:

Chamado a desempenhar as funções do principal cargo executivo do nosso país, aproveito a presença da parcela dos meus concidadãos que aqui está reunida para manifestar o meu sincero agradecimento pela benevolência que tiveram para comigo, para declarar com consciência franca que a tarefa está acima de meus talentos, e que a abordo com pressentimentos ansiosos e terríveis que a grandeza do cargo e a fraqueza das minhas capacidades tão justamente inspiram. Uma nação em ascensão, espraiando-se por um território amplo e fecundo, percorrendo os mares com as ricas produções da sua indústria, empregados no comércio com nações que compreendem a força e esquecem o direito, avançando rapidamente para destinos fora do alcance dos olhos dos mortais – quando contemplo estes objectos transcendentes, e vejo a honra, a felicidade, e a esperança deste nosso querido país comprometidas pelos problemas, e os prognósticos desta época, fico acanhado ao contemplar e humilde perante a magnitude da empresa. De facto, devia desesperar completamente, se a presença de muitos que aqui vejo me não lembrasse que noutras altas autoridades criadas pela nossa Constituição encontrarei recursos de sabedoria, de virtude e de zelo em quem confiar perante todas as dificuldades. Para vós, portanto, meus senhores, que estais encarregues das funções soberanas da legislação, e para aqueles associados a vós, olho com alento para a orientação e o apoio que nos poderá permitir dirigir com segurança o navio em que todos estamos embarcados, no meio de elementos conflituosos de um mundo conturbado.

Durante o debate de opinião por que passámos, o entusiasmo dos debates e dos meios tem mostrado, por vezes, uma forma que poderá impressionar pessoas pouco habituadas a pensar livremente ou a falar e a escrever o que pensam, mas tendo isto sido decidido pela voz da Nação, e anunciado de acordo com as regras da Constituição, todos irão, naturalmente, organizar-se de acordo com a vontade da lei e unir-se, num esforço comum, para o bem comum. Todos, também, terão em mente este princípio sagrado, que, embora a vontade da maioria é a que prevalece em todos os casos, para que esta vontade seja legítima deve ser razoável; que a minoria possui direitos iguais, que a igualdade perante a lei1 deve proteger, e que a violar seria opressão. Vamos, então, concidadãos, unir-nos num só coração e numa só mente. Vamos restaurar na sociedade aquela harmonia e afecto, sem a qual a liberdade e até mesmo a própria vida se tornam coisas tristes. E reflictamos sobre, que tendo banido da nossa terra a intolerância religiosa devido à qual a humanidade tanto sangrou e sofreu, que pouco teremos ganho ainda se aceitarmos a intolerância política como despótica, e tão terrível e capaz de perseguições tão amargas e sangrentas. Durante os espasmos e convulsões do Mundo Antigo, durante os espasmos e a agonia do homem enfurecido, procurando através do sangue e da carnificina a liberdade há muito perdida, não foi maravilhoso ver a agitação das ondas a chegar a esta terra distante e pacífica; que estas foram sentidas e temidas mais por uns e menos por outros, dividindo as opiniões quanto às medidas de segurança. Mas as diferenças de opinião não são diferenças de princípio. Temos chamado de maneiras diferentes coisas do mesmo género. Somos todos republicanos, somos todos federalistas. Se há alguém entre nós que gostaria de dissolver a União ou alterar a sua forma republicana, deixá-los ficar sossegados, como monumentos à segurança com que o erro de opinião pode ser tolerado, já que a razão é livre de o combater. Eu sei, de facto, que alguns homens de boa fé temem que um governo republicano não possa ser forte, que este Governo não é suficientemente forte, mas o patriota sincero, nesta experiência claramente bem sucedida, poderá abandonar um governo que até agora nos manteve livres e firmes, com base no medo, teórico e visionário, de que a este Governo, a melhor esperança do mundo, pode, possivelmente, faltar-lhe a energia para se manter? Espero que não. Ao contrário, acredito que este é o mais forte Governo sobre a terra. Acredito que é o único onde cada homem, a convite da lei, voaria em defesa da lei, e faria face aos ataques à ordem pública como uma preocupação sua. Às vezes, é dito que o homem não pode ser confiado com o seu próprio governo. Pode ser, então, confiado com o governo dos outros? Ou teremos encontrado anjos em forma de reis para o governar? Deixemos a história responder a esta pergunta.

Vamos, então, com coragem e confiança perseguir os nossos próprios princípios Federais e Republicanos, o nosso apego à União e ao governo representativo. Felizmente separados pela natureza, e um vasto oceano, da destruição exterminadora de um quarto do globo2; demasiado orgulhosos para aceitar qualquer humilhação por parte doutros, ocupando um país escolhido, com espaço suficiente para os nossos descendentes até à milionésima geração; tendo em consideração o nosso direito ao uso das nossas próprias faculdades, para o desenvolvimento da nossa própria indústria, para honrar a confiança dos nossos concidadãos, resultante não de nascença, mas das nossas acções e do sentido que elas têm; iluminados por uma religião benigna, professada de facto, e praticada de várias formas, todas elas incutindo a honestidade, a verdade, a temperança, a gratidão e o amor do homem; reconhecendo e adorando uma Providência dominante, que por todas as suas dádivas prova que se deleita na felicidade do homem aqui e na sua maior felicidade posteriormente - com todas essas bênçãos, o que mais é necessário para nos fazer um povo feliz e próspero? Mais uma coisa, concidadãos – um governo sábio e frugal, que deve impedir os homens de se atacar mutuamente, deve deixá-los livres de regular as suas próprias actividades de trabalho e desenvolvimento, não devendo tirar da boca do trabalho o pão que se ganhou. Esta é a regra de um bom governo, e isto é necessário para fechar o círculo da nossa felicidade.


Quase a entrar, concidadãos, no exercício das funções que compreendem tudo o que nos é caro e valioso, é bom que saibam o que eu considero serem os princípios essenciais do nosso Governo, e, consequentemente, aqueles que devem moldar a Administração. Mantê-los-ei nas estreitas margens que terão de aceitar, definindo o princípio geral, mas não todas as suas limitações. Justiça igual e exacta para todos os homens, de qualquer estado ou persuasão, religiosa ou política; paz, comércio e amizade honesta com todas as nações, não nos enredando em alianças com nenhuma; apoio aos governos estaduais em todos os seus direitos, consideradas as administrações mais competentes para as nossas preocupações domésticas e os baluartes mais seguros contra as tendências anti-republicanas, a preservação do Governo Geral em todo o seu vigor constitucional, considerado a principal âncora da nossa paz interna e segurança externa; preocupação clara com o direito de eleição pelo povo – uma correcção suave e clara dos abusos que são realizados pela espada de uma revolução onde os remédios pacíficos não são possíveis; aceitação absoluta das decisões da maioria, o princípio vital das repúblicas, a partir da qual não há recurso, senão pela força, o princípio vital e imediato do despotismo; uma milícia bem disciplinada, a nossa melhor esperança na paz e nos primeiros momentos da guerra, até que tropas regulares possam aliviá-las; a supremacia da autoridade civil sobre a militar; economia na despesa pública; que o trabalho pode ser levemente sobrecarregada; o pagamento honesto das nossas dívidas e preservação reverente da fé pública; incentivo da agricultura e do comércio como sua subserviente; difusão da informação e da acusação de todos os abusos no tribunal da razão pública; liberdade de religião, liberdade de imprensa e liberdade da pessoa humana sob a protecção do habeas corpus, e julgamento por júris seleccionados imparcialmente. Estes princípios formam a constelação brilhante que nos foram apresentados e guiaram os nossos passos durante uma época de revolução e reforma. A sabedoria dos nossos sábios e o sangue dos nossos heróis foram dedicados à sua realização. Devem ser o credo da nossa fé política, o texto da instrução cívica, a pedra de toque para julgar os serviços dos que confiamos, e se nos desviarmos deles em momentos de erro ou de alarme apressemo-nos a refazer os nossos passos e regressar à única estrada que conduz à paz, à liberdade e à segurança.

Preparo-me, portanto, concidadãos, para o posto que me atribuíram. Com experiência suficiente em postos subalternos para perceber as dificuldades do maior deles todos, apercebo-me que os homens imperfeitos raramente sairão desta função com a reputação e a aceitação que o fizeram chegar a ele. Sem pretensão à grande confiança que depositas-te na nossa primeira e mais importante personagem revolucionária, cujos serviços proeminentes lhe dão direito ao primeiro lugar no amor do seu país e lhe destinaram a mais bela página no volume da história verdadeira3, só peço tanta confiança como a que pode dar a firmeza e o trabalho na correcta administração dos vossos negócios. Errarei muitas vezes por defeito de julgamento. Quando estiver certo, muitas vezes serei acusado de estar errado por aqueles cuja posição não lhes dá uma visão geral. Peço a vossa compreensão para meus próprios erros, que nunca serão intencionais, e o vosso apoio contra os erros dos outros, que poderão condenar o que não fariam se vissem todas as suas partes. A aprovação que implica o vosso sufrágio é um grande consolo para mim pelo passado, e a minha preocupação no futuro será manter a boa opinião dos que me honraram com antecedência, para conciliar a doutros, fazendo-lhes todo o bem ao meu alcance e para ser um instrumento para a felicidade e a liberdade de todos.


Baseando-se, então, no patrocínio da vossa boa vontade, avanço obedientemente para o trabalho, pronto para me retirar, logo que acharem que têm uma melhor solução que estiver no vosso poder encontrar. E queira aquele Poder Infinito que rege os destinos do universo dirigir os nossos conselhos para o que é melhor, e dar-lhes uma conclusão favorável para a vossa paz e prosperidade.


1 Equal rights, which equal law..” – termo que pode ser relacionado com a frase, de 1932, inscrita no frontão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos: “Equal justice under law”, ela própria um resumo da escrita originalmente pelo presidente do Supremo Tribunal, Melville Fuller, em 1891: “no State can deprive particular persons or classes of persons of equal and impartial justice under the law.”

2 Refere-se às guerras da Revolução Francesa, que só terminariam em 1802, com a assinatura da Paz de Amiens.

3 Referes-se a George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos.

 

Fonte:

Thomas Jefferson's First Inaugural Address
Wikisource

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