Fontes Pereira de Melo
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António Maria Fontes Pereira de Melo, ant. a 1856

Discurso de Fontes Pereira de Melo

 

Discurso proferido na Câmara dos Deputados nos dias 11 e 12 de março de 1850 sobre o projeto de lei para reprimir os abusos da liberdade de imprensa

 

O discurso de Fontes Pereira de Melo proferido na Câmara dos Deputados durante o debate da lei da liberdade de imprensa, conhecida pela lei das rolhas, apresentado pelo governo de Costa Cabral em janeiro de 1850 é pouco conhecido. Oliveira Martins não o refere no seu Portugal Contemporâneo (2 vols., 1881), D. José de  Mascarenhas, marquês de Fronteira, não fala especificamente nele nas suas Memórias (Memórias do Marquês de Fronteira..., 1930, pt. viii, pág. 290), mesmo que afirme que Fontes, nesta época, "debutou, fazendo oposição ao Ministério [de Costa Cabral] e à situação, com talento, moderação e polidez", referência que, sabendo-se que os seus discursos anteriores foram sobre estradas, mesmo que críticos e atacando as medidas do governo, parece assentar sobretudo a este. Actualmente, José Adelino Maltez nota que "Fontes Pereira de Melo também alinha na oposição mas com a moderação que Rodrigo da Fonseca utiliza na Câmara dos Pares"(Tradição e Revolução..., vol.1, 2004, pág. 327), mas não o menciona, nem tão pouco a obra de Maria de Fátima Bonifácio sobre a época (A Segunda Ascensão e Queda de Costa Cabral 1847 - 1851, 2002). A biógrafa de Fontes Pereira de Melo também não lhe dá especial importância, afirmando que "Fontes produziu um discurso, notado, sobre a proposta de lei de imprensa" (Maria Filomena Mónica, Fontes Pereira de Melo, 4.ª ed., 2009, pág. 11).

Na época em que o discurso foi proferido, a luta política contra a segunda ascensão de Costa Cabral  estava ao rubro. Regressado ao poder em 18 de junho de 1849 a  oposição tinha desde o início do seu governo atacado violentamente o presidente do Conselho, notando todas as manifestações externas de enriquecimento, tendo o ano ficado a ser conhecido pelo "ano do caleche". A oferta deste meio de transporte por um  rico apoiante tinha sido a troco de uma comenda, segundo se dizia, o que implicava de imediato a rainha, que era quem a podia atribuir. O ano de 1850 tinha começado com a apresentação da lei de imprensa, e as insinuações veladas do jornal londrino Morning Post, de 12 de janeiro, de o presidente do Conselho ser amante da rainha. Costa Cabral processou o jornal em Londres e jurou a declaração escrita (o affidavit) em que repudiava especificamente  tal insinuação. O nome latino de um procedimento judicial britânico ficou na memória e deu nome ao ano de 1850 - "o ano do affidavit". A oposição manifestava-se, sobretudo na Câmara dos Pares, de uma forma violenta. D. Francisco de Almeida, conde do Lavradio, acusou-o mesmo de ser um "criminoso de lesa majestade". O apoio à oposição ao governo fez que, em fevereiro, o duque de Saldanha fosse demitido de mordomo-mor da Casa Real e que, de seguida, se demitisse de todos os seus cargos públicos.

Em março de 1850, Fontes Pereira de Melo, com 29 anos de idade, "ainda moço e no princípio da  vida parlamentar e política", deputado eleito pelos treze votos de Cabo Verde nas eleições realizadas em 28 de novembro e 12 de dezembro de 1847, mandato que muito dificilmente foi aceite pela comissão de verificação, antigo e destinto aluno da Academia dos Guarda Marinhas, tendo combatido, jovem adolescente, no fim da Guerra Civil na defesa de Lisboa contra as tropas miguelistas, e da Academia de Fortificação - que acabara de ser transformada na Escola do Exército -, tenente engenheiro desde 1839, ajudante de campo do pai, quando este foi nomeado governador-geral de Cabo Verde (1839-1843), tendo participado na Guerra Civil da Patuleia como oficial do estado-maior do Exército comandado pelo marechal João de Saldanha, 1.º duque de Saldanha, tendo estado presente na batalha de Torres Vedras em 22 de dezembro de 1846, já tinha uma importante experiência de vida.

A importância deste discurso de Fontes Pereira de Melo foi muito bem compreendido pelos autores do Portugal, Dicionário histórico.... Sobre ele Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues escreveram:

"Em 1850 apresentou o ministério a lei conhecida pelo nome de lei das rolhas, que restringia a liberdade de imprensa; contra a qual se sublevou, pode dizer-se, o país inteiro. Foi o grande orador Fontes Pereira de Melo o interprete mais eloquente desses sentimentos, e o brilhante discurso que pronunciou na câmara, acerca desse assunto, afirmou-o definitivamente, não só como um dos primeiros oradores da nossa tribuna politica e parlamentar, mas também como um dos homens destinados pela sociedade e elevação dos seus pensamentos a gerirem os negócios públicos" (Portugal, dicionário histórico..., vol. 5, 1911, págs. 644-651).

De facto o longo discurso, que se prolongou por duas sessões da câmara, aparece, tendo em vista a violência dos debates, como estranhamente calmo e ponderado, polido mesmo, como notou o marquês de Fronteira, nunca atacando pessoalmente Costa Cabral, o responsável pela introdução da lei; notando-se a sua muito boa preparação, ao mostrar conhecer a legislação estrangeira e os casos relevantes de ataque à liberdade de imprensa na história dos regimes liberais, assim como a teoria criada ao longo do tempo, para a defender. Mas é enganador, Fontes Pereira de Melo ataca a lei e os seus proponentes pela ironia. Ridiculariza-os - Silva Cabral, é quem parece ter percebido melhor o registo de superioridade -, despreza-os mesmo, e numa época em que Saldanha afirmava a possibilidade da queda da Monarquia devido ao apoio da rainha ao presidente do governo, a sua preocupação em dar exemplos positivos de regimes republicanos não pode deixar de ser notado.

Interessante, e fundamental, é também a afirmação final em que nota que os governos, e mesmo os regimes - chega mesmo a afirmar "as dinastias" - que tinham aprovado leis restritivas da liberdade de imprensa tinham caído pouco tempo depois da sua aprovação, mostrando aqui a sua posição de estadista. De facto, mais do que criticar a lei, sabendo que não iria ter êxito, dava uma expectativa positiva para o combate. Um combate que não era, não podia ser, pela liberdade de imprensa naquele momento, mesmo que fosse essencial, como muito bem explica, mostrar a sua posição "para quem o elege", mas mostrar que valia a pena fazer oposição porque quase sempre se tinha acabado por conseguir vencer quem as propunha.

O discurso não é de um jovem parlamentar que se quer fazer notar, falando interminavelmente. É de facto o de uma homem de estado. O discurso não é de defesa da liberdade de imprensa, é de defesa do regime representativo de que a liberdade de imprensa é um aspecto fundamental. A opinião pública terá notado o essencial. Depois do discurso de Fontes Pereira de Melo o que estava em causa não era a lei era o próprio regime. Não era uma mera luta política entre grupos políticos parlamentares, era a própria separação dos poderes que estava em causa, como também o regime de júri, suplantado pelos tribunais especiais - o ponto que analisa demoradamente porque inconstitucional. Era, por isso, uma mudança constitucional o que o ministério queria aprovar - uma lei contra a letra e o espírito da Carta. Fontes Pereira de Melo cria assim a ideia de uma grande "coligação" cartista contra quem se autoproclamava defensor da Carta. Não insulta, não assusta, lança pontes. Coloca-se na posição de defesa intransigente da Carta, na posição dominante, e atira o governo para a posição de atacantes da ordem constitucional vigente.

Como Fontes Pereira de Melo previu após a aprovação da lei, em 3 de agosto, e a sua promulgação em 4 de setembro, o cabralismo não durou muito mais tempo. Em 29 de abril de 1851 António Bernardo da Costa Cabral, conde de Tomar, partiu para Vigo, para reocupar o seu lugar de embaixador em Madrid, afastando-se do poder.

O duque de Saldanha tinha escrito uma carta confidencial a Fontes Pereira de Melo, em 4 de setembro de 1850, pouco tempo depois deste discurso fundamental, a explicar-lhe o seu programa político futuro e, por isso, o seu antigo ajudante de campo teve o seu primeiro cargo ministerial em 2 de julho de 1851, como secretário de Estado da Marinha e Domínios Ultramarinos, e logo a seguir, em 21 de agosto, como secretário  de Estado interino da Fazenda. Tinha demorado dois anos a mostrar as suas qualidades. Após a queda do conde de Tomar, demorou dois meses a ser consagrado. 

Este discurso foi o marco essencial para o início da sua carreira governamental.

 

«Conforme os princípios constitucionais há liberdades, há direitos de que se não pode prescindir, porque são da natureza, da essência, desses mesmos princípios; e o Sistema Representativo, sem a faculdade de escrever amplamente, é uma zombaria cobarde do que há de mais sagrado entre os homens – é um sistema que assassina a liberdade em nome da mesma liberdade.»

 

 

[Parte 1 - dia 11 de março]

 

[Parte 2 – dia 12 de março]

 

Senhor presidente, levanto-me para combater com todas as forças de que sou capaz, o projeto apresentado pela ilustre comissão de legislação, aprovando, modificando, ou ampliando a proposta primitiva do governo, porque entendo que ele é altamente prejudicial à liberdade do meu país.  

Eu estou convencido, senhor presidente, de que por este projeto se vai acabar com a mais importante das nossas liberdades públicas, aquela de que depende o andamento de toda a máquina do governo representativo: entendo que por este projeto se ofende a Carta Constitucional da Monarquia, no seu espírito mais liberal: entendo, finalmente, que por este projeto se contrariam as indicações mais razoáveis., que as circunstâncias de momento deveriam ter aconselhado. Eu lamento, senhor presidente, e lamento sinceramente, que quando quase todos os povos da Europa estão ganhando todos os dias, alguma cousa no sentido do progresso material, e intelectual, nós, para quem as instituições livres, ou, ao menos, o nome da liberdade, já é conhecido, há tanto tempo estejamos continuamente retrogradando para o ponto de onde partimos! Quando eu vejo, que a Alemanha que ainda não há muitos anos, existia, pela maior parte, sujeita ao princípio monárquico absoluto, tem hoje, como na Prússia, uma constituição mais livre, do que algumas das antigas constituições de outros Estados; quando vejo que a própria Itália, apesar de combalida por influências estranhas, e dilacerada pelas facções intestinas, tem ganho algum terreno no sentido da liberdade; quando vejo que a França, apesar do movimento reaccionário que há meses se nota no seu governo, e prescindindo das formas republicanas que adoptou, caminha na vanguarda da civilização europeia; lamento, e lamento profundamente, que nem já nos conservemos estacionários, na presença do movimento do século, mas que recuemos largo espaço na mesma estrada em que deveremos avançar! O combate em que vamos entrar, senhor presidente, é sumamente desigual. Esta pequena oposição, que existe na Câmara dos Deputados, oposição que, além de pequena, é supinamente ignorante, como tem inculcado alguns cavalheiros que se assentam do outro lado desta casa, esta oposição, repito, vai dar um combate muito desigual a todos os respeitos, quando tem que discutir com os ilustres membros da Comissão de Legislação. Acredite a câmara que eu digo isto sinceramente, nem costumo fazer ironia amarga, quando trato dos meus colegas; respeito as suas opiniões, e só queria, em retribuição, que os ilustres deputados tivessem mais algum respeito, não pela minha inteligência, de que faço muito pouco cabedal, mas pela dignidade, e pelos direitos de que me reveste a posição que ocupo nesta Câmara.

Assim pois, senhor presidente, esta oposição vai dar um combate sumamente desigual, corno já disse; tem de medir as suas forças com os atletas da ilustre comissão que levaram dias e noites a estudar, não só a legislação pátria, mas a estrangeira, e que examinaram tudo quanto há escrito sobre um assunto tão importante. Eu que não perdi dias e noites... (O senhor Lopes Branco: — Quem sabe!1) Sei eu, que sou o único competente para o saber — como ia dizendo — eu que não perdi dias e noites, entro com tudo nesta discussão, mais pela necessidade que tenho como deputado da nação portuguesa, de fundamentar o meu voto, do que pela esperança que me anime de que hei-de elevar a convicção ao espírito dos ilustres deputados, meus adversários. Farei, com tudo, diligência por cumprir o meu dever tão bem, quanto me permitirem as poucas forças intelectuais de que posso dispor, para tratar devidamente uma questão de tanta gravidade.

Senhor presidente, quando em diversos países se tem tratado de pôr um freio à expressão do pensamento, ou seja pela palavra, ou seja pela Imprensa, sempre os homens, que têm sustentado essas medidas, têm apelado para os mesmos princípios, para as mesmas razões, e para as mesmos sofismas, que vêm expressos, tanto no relatório da comissão, como no relatório do governo, o qual se contentou em copiar textualmente alguns trechos mais notáveis de discursos que se proferiram na Tribuna Francesa: encontro ali até as mesmas palavras, que disse Mr. Sauzet2, como relator da comissão, que em 1835 deu conta à Câmara dos Deputados em França do projeto, que o governo apresentara. Mas é coisa notável, que em todos os países se tem assassinado a liberdade em nome da mesma liberdade! Se eu tivesse tratado a questão de ordem, que aqui provoquei debaixo do mesmo ponto de vista, em que falou o ilustre deputado pelo Algarve, e meu amigo, não teria comparado o projeto com as ordenanças de Polignac3; o nobre deputado sabe perfeitamente a diferença que existe entre uma e outra coisa: com que este projecto tem grande analogia, é com a lei sobre a polícia da imprensa, apresentada ao parlamento francês pelo Ministério Villèle4 em fins de 1826, a qual foi qualificada pelo Ministério de 5 de janeiro de 1827, como — “Lei de justiça e de amor” — e devo dizer que simpatizo mais com esta qualificação, do que com a que lhe deu Chateaubriand5 chamando-lhe — “Lei de vandalismo” — Temos, pois, senhor presidente, também uma lei de amor, porém de um amor de natureza nova entre os homens, porque acaba por sufocar o objecto amado à força de carícias (riso). É sempre o mesmo sistema de ferir os princípios constitucionais em nome desses mesmos princípios (apoiados).

Diz a ilustre comissão — que não quer ferir a liberdade, mas evitar que ela morra — muito bem —, é o que sempre têm dito aqueles que pretenderam agrilhoar a Imprensa — mas eu peço, que se leia o que escrevem todos os publicistas, e todos os homens que têm mais, ou menos, tratado esta matéria, e conheceremos a fonte, onde se beberam as principais disposições do projeto.

Assegura a ilustre comissão no seu relatório, que foi escolher para esta lei os princípios mais liberais, que se encontram nas leis de semelhante natureza em países estrangeiros: avalie pois a câmara qual seria a impressão, que eu senti, na presença de uma declaração tão categórica, quando, depois de ter examinado algumas dessas leis, encontrei ali consignadas disposições liberais, que não se acham neste projeto, enquanto vejo aqui muitos artigos, que se encontram nas leis de setembro, que tão fulminadas foram em toda a França pela opinião pública (apoiados). Eu já noutro dia aludi à lei da imprensa do Império do Brasil, e parece-me que não aludi mal, porque se aquela Lei, como está, tem podido atravessar vinte anos, sem prejudicar o princípio da Monarquia Representativa, nem as liberdades públicas, considerando a analogia que existe entre os hábitos e costumes daquele Império, e os desta Nação, considerando que aquela Lei é assinada pelo mesmo augusto dador da Carta Constitucional6, por todas estas considerações, deveria supor-se que se achava ali desenvolvido o pensamento que aquele ilustre Legislador tinha tido na constituição que deu à nação portuguesa: por isso não me parece que seja de pouco peso a comparação que fiz entre o projeto, que se discute, e a lei de liberdade de imprensa do Império do Brasil. Porém aquela lei, senhor presidente, é imensamente mais liberal do que este projeto; não é preciso mais do que comparar as disposições capitais dum, e doutro documento para se conhecer evidentemente, que não há semelhança alguma entre as disposições liberais, que veem consignadas na lei do Império, com as prescrições preventivas, que se acham estabelecidas aqui (apoiados).

É uso antigo queixarem-se os Governos da liberdade de imprensa. Os governos queixam-se porque é sempre desagradável ao homem, que está nas altas regiões do poder, ver que o jornalista lhes pode notar publicamente os seus erros, os seus defeitos, muitas veres a sua incapacidade, e a inconveniência que resulta dos seus actos: não há ninguém que esteja colocado nesta posição que não leia, de mau grado, as censuras que se lhe fazem. Declaro que estou muito longe de aprovar a linguagem licenciosa que se tem empregado em muitos jornais, não só em Portugal, mas em outros países, porém não quero, nem hei-de contribuir de maneira alguma, para que, com o pretexto de matar este abuso licencioso, e condenável, vamos assassinar a preciosa liberdade da comunicação do pensamento (apoiados): não quero que à sombra de reprimir um crime, porque existe efectivamente um crime no assassínio premeditado da reputação particular de um indivíduo, vamos inabilitar a Imprensa de todas as cores políticas, excepto a da cor política do Governo, a dizer as verdades duras, mas necessárias (Apoiados). Eu não reconheço na Monarquia Representativa outro contrapeso da autoridade, do prestígio, e do poder que reúne em sim o Ministério, senão a Imprensa periódica (apoiados). O Ministério pode ter maioria na Câmara dos Deputados, e criá-la na dos Pares7: mas, hipoteticamente falando, se essas maiorias forem facciosas, e tanto esta hipótese é possível, que a mesma Carta Constitucional, a reconhece, quando dá ao poder moderador o direito de dissolver a câmara eletiva, que resta, senhor presidente, nesta grande, máquina governativa, para compensador do poder? Como é que o país há-de lutar, dentro dos limites da legalidade, contra essa imensa força reunida, se não pela liberdade de Imprensa? Parece-me que estou vendo os ilustres membros da comissão pressentindo um argumento vitorioso para responderem às minhas observações – “Mas nós não estabelecemos a censura prévia, (dirão eles) nós não vamos sequestrar as imprensas, nem matar os impressores, podem continuar a escrever, até lá vem um artigo no Projecto em que se permite discutir os atos do Governo”. – Assim seria, senhor presidente, se eu não esperasse provar à câmara, quanto em minhas forças couber, que sobretudo o capítulo segundo, em que se trata dos crimes e delitos está redigido da tal forma, que é absolutamente impossível escrever mais neste País, a não ser no sentido do governo (apoiados). Direi ainda que os próprios jornais que têm combatido este projeto, o não têm feito com tanta força como ele merece; alguns até me parece que têm combatido mais as pessoas que o apresentaram, do quer as próprias disposições que ele encerra (apoiados); mas eu não tenho nada com as pessoas e tenho tudo com o projeto; parece-me entrever pelos artigos que tenho lido em alguns jornais, que eles imaginaram que mesmo com esta lei ainda será possível escrever; e eu julgo isso completamente impraticável (apoiados). Se este projeto passar, senhor presidente, não há senão uma cor política que pode figurar na imprensa periódica, isto é, os jornais pagos pelo governo; os jornais da oposição hão-de ficar reduzidos, como dizia Chateaubriand, quando se discutia a lei de amor, a trazer um artigo sobre a girafa, outro sobre dança de macacos, e algum anúncio de cães perdidos (riso), porém artigos em que se combata a política do governo, de sorte que não haja ali, directa ou indirectamente, alusões, ironias, alegorias a respeito das pessoas dos senhores ministros, dos conselheiros de Estado, dos membros das câmaras legislativas, dos membros dos tribunais, de cada cidadão em particular, isso reputo eu impossível — assim não se pode escrever em política.

Mas, senhor presidente, apresentar um projeto de lei para reprimir os abusos da liberdade de imprensa nas circunstâncias actuais parece-me um procedimento da mais alta inconveniência da parte do governo. Direi, como disse hoje um ilustre deputado que se senta no banco superior; quando neste país há tantos anos se tem dito mal das coisas mais sagradas e mais nobres, que existem nesta terra; quando se tem dito mal de tudo, de Deus, dos Santos, da Religião, do Rei, e da Lei (apoiados na direita); não me parece oportuno nas circunstâncias actuais pretender coibir o mal. — Os ilustres deputados apoiam-me como se eu tivesse feito uma declaração involuntária, que prejudicasse a causa que defendo, mas enganam-se. Pois alguém já negou que isto tenha acontecido? Tem havido muitos periódicos nesta capital, fazendo oposição e outros defendendo o governo; não sei se um deles que dantes era oposição violenta agora é ministerial, mas o caso é que esses e outros todos têm sido cúmplices no mesmo mal (apoiados); até me lembro de que o jornal a que me refiro, durante o Ministério Melo Ferrão8 todos os dias solicitava um potro para os senhores ministros; parece-me que isto não é das coisas mais lisonjeiras.

Mas senhor presidente como eu dizia, quando depois de tantos anos se tem ofendido as coisas nobres e sagradas que há neste País, agora que não há senão uma diferença que consiste em se ter atacado pungentemente pela imprensa o senhor presidente do Conselho, é neste momento que o Governo vem trazer aqui um projecto para acabar com a liberdade de escrever (apoiados) ao mesmo tempo que o ilustre ministro acusado não recorre nos tribunais para se defender!... Eu não quero instaurar aqui a questão já finda mas posso referir o facto. Será este o momento oportuno para se trazer aqui uma lei que refreia a liberdade de imprensa periódica? Não o julgo eu conveniente; e note vossa excelência e a câmara, que, quaisquer que sejam as opiniões que me suponham, porque isso é livre, eu prezo-me de ser um homem governamental; digo pois, e insisto em que pela própria conveniência do nobre ministro, não devia ele quando mesmo tivesse a consciência da necessidade de alguma reforma, traze-la agora ao parlamento; não é este o momento oportuno e, em Política, a oportunidade é sempre uma consideração importante.

Senhor presidente, quando nós ouvimos aqui dizer no discurso do trono que continuavam cada vez mais estreitas as nossas relações de amizade com as potências estrangeiras, apesar de que poucos dias antes se tinha publicado pela imprensa a mensagem do presidente dos Estados Unidos da América do Norte9, em que nós éramos tratados de uma maneira muito desagradável para o pundonor e decoro nacional! Quando nós vimos que os senhores ministros omitiram esta circunstância no discurso da coroa! Quando nós vimos que se não apresentou o ministro competente a responder na câmara a uma interpelação anunciada aqui sobre este objecto pelo ilustre deputado e meu amigo que se senta naquele banco (o primeiro da esquerda)! Quando nós vimos que há poucos dias o senhor ministro da Marinha10 em presença desta câmara, respondendo à interpelação que eu lhe fiz, veio dizer que ele podia ter iludido a lei, mas que não quis – que a atropelou, que a infringiu e que o dizia com franqueza, esperando que a câmara por esta sua franqueza lhe desculpasse o que tinha feito! Quando vimos que sua excelência continuou a ser ministro no dia seguinte! Quando vemos que se tem pedido repetidas vezes ao governo diversos esclarecimentos, e que o governo os não manda a esta câmara! Quando vemos tudo isto é realmente penoso ter de vir aqui aprovar um projeto de lei, que vai acabar com a liberdade de imprensa, senhor presidente, que é o único lugar aonde com franqueza e com liberdade se pode hoje atacar o procedimento dos senhores ministros (o senhor Cunha11: — Aqui não). Aqui pode-se também fazê-lo; mas às vezes encerra-se a discussão, e além disso acontece que falta nesta câmara um partido inteiro (apoiados). É preciso dizer a verdade: falta nesta câmara um partido inteiro que não é estranho, nem o pode ser, às coisas públicas; um partido que não pode estar condenado ao ostracismo; é justo, por conseguinte, que deixemos a este partido o meio legal de poder actuar contra os excessos do poder, já que não pode vir aqui na tribuna protestar contra eles com a palavra (apoiados).

Eu, senhor presidente, não pertenço genuinamente a esse partido – não trato de o cortejar como não cortejo partido algum — creio mesmo que já li uma vez nalgum jornal, que eu sou excêntrico. Esta classificação não me incomoda, e até me honro sobre maneira com ela, pelo modo porque eu a considero. Eu aprovo completamente um certo número de doutrinas que vejo professadas pelo Partido Setembrista; aprovo também completamente um certo número de doutrinas que vejo professadas pelo Partido Cartista; mas não posso jurar nas palavras de ninguém e votar silenciosamente sobre objectos de tão grave importância, limitando-me, unicamente a dizer que, estando ligado a um ou outro partido hei de por força ir com ele em tudo que lhe convenha: tenho opiniões que são minhas, e espero que os ilustres deputados tenham por elas a consideração, ao menos, que deve merecer uma certa abnegação que há neste procedimento a respeito dos meus interesses particulares. E sei perfeitamente que neste País não se faz carreira assim; e eu, senhor presidente, que ainda sou moço, e estou no princípio da minha vida parlamentar e política, não devia suicidar-me; esta minha situação não é útil senão para a minha consciência; não procedo assim por virtude: mas há caracteres, há condições de organização que não está na mão de ninguém alterar, e é isto o que se dá em mim e que me obriga a professar estes princípios que desagradam a todos os partidos, mas que estou convencido intimamente de que, ao menos, hão-de agradar aos homens independentes, aos homens de bem, aos homens honestos desses mesmos partidos; porque eles hão-de reconhecer que se me não ligo completamente com qualquer fracção política, tenho contudo opiniões minhas, e apresento-as com franqueza no parlamento.

Eu, senhor presidente, se quisesse usar de uma espécie de argumentação que está muito em voga nesta casa, e em todos os parlamentos, se eu quisesse usar da argumentação que tem por fim comparar, cotejar as opiniões antigas dos homens que estão em certa situação política, com as que emitem na actualidade; se eu quisesse cotejar as opiniões, por exemplo, dos nobres Ministros que se assentam hoje naquelas cadeiras, hoje não, porque até noto que falta ali o ministro da repartição competente (Uma voz: — Está doente)12; mas eu estou persuadido que os senhores ministros que ali se acham, tomam toda a responsabilidade ministerial, e por isso não fiz questão de ordem pela ausência do senhor ministro do Reino. Se eu quisesse, repito, cotejar as opiniões antigas e as modernas dos nobres ministros, e nobres deputados, poderia tirar um grande número de argumentos para fortalecer a minha opinião; mas não gosto dessa maneira de argumentar, e mesmo posso dispensá-la, sem inconveniente, porque não tenho míngua de razões para combater o projeto. Ainda não há muito tempo, creio que foi na sessão passada, que eu ouvi ao senhor ministro da Justiça13 (aqui tenho a nota competente) dizer que um deputado ou par do reino pode ter uma opinião como deputado ou como par, e contudo ter outra opinião muito diversa como ministro da coroa, porque as situações são inteiramente diferentes! Já se vê que depois desta declaração franca e leal da parte do senhor ministro, era inútil qualquer reflexão que eu quisesse fazer comparando as doutrinas antigas de suas excelências com as que modernamente professam. Mas, a dizer a verdade, não vejo isto só por cá — em França já tem acontecido o mesmo, e até a respeito da liberdade de imprensa há um exemplo muito notável, que vale a pena de ser citado. O visconde de Bonald14 faltando na tribuna francesa a 28 de janeiro de 1817, dizia “que a liberdade ilustrada de pensar, e de escrever, se tornava um axioma de direito público da Europa, um artigo fundamental de todas as constituições, um princípio, enfim, da ordem social”; passados dez anos era o mesmo visconde de Bonald presidente daquela célebre comissão de surveillance, que se criou em Paris depois das Ordenanças de 24 de junho de 1827! Isto acontece lá, e acontece cá, é uma coisa filha da natureza do homem, e não vale a pena de buscar argumentos nestas contradições, quando os podemos ter no fundo mesmo da questão.

Eu peço à câmara que me releve da necessidade em que estou de consultar de quando em quando as minhas notas, porque é tão singular este modo de discutir, é tão extenso o projeto, tornou-se o debate, permita-se-me que diga, tão impossível, do modo porque a câmara julgou em sua alta sabedoria, que devia ser, que não sei mesmo se tenho pulmões que cheguem para poder tratar do projeto, isto é, dos seus pontos mais importantes, porque não me encarreguei de muitos objectos secundários, que escapam inapercebidos por entre considerações de maior momento, e que reclamam, alguns deles, conhecimentos de uma especialidade, que não é a minha.

Eu, senhor presidente, vejo que o capítulo 2.º que tem por título — Dos crimes ou Delitos — é um dos capítulos mais importantes, e a respeito do qual eu entendo que, se for completamente executado, não se pode mais escrever senão no sentido do governo. É possível que esta lei se não cumpra — estou mesmo convencido duque é isso o que há-de acontecer; mas para tal não darei eu nunca o meu assentimento; não concorrerei nunca com o meu voto para que se promulgue uma lei com o conhecimento antecipado de que ela não se há-de executar. Eu, senhor presidente, vejo que o capítulo começa assim (leu):

“Comete crime ou delito pela Imprensa, ou por qualquer outro modo de publicação, manifestação, ou comunicação do pensamento.”

Permita-me a câmara que pare aqui, e que analise este modo de redigir pela Imprensa, ou por qualquer outro modo de publicação, manifestação, ou comunicação do pensamento. Há diversos modos de comunicação do pensamento, há inclusivamente a pantomima, o gesto, o riso... daqui por diante não se pode a gente rir em certos casos! Isto é facto. Eu estou bem persuadido de que não foi este o fim da ilustre comissão; não pensem os nobres deputados que eu quero lançar uma ironia amarga sobre o modo, porque está redigido este artigo — faço a suas excelências a justiça de acreditar que não tiveram em vista privar-nos do direito de rir ou de chorar; mas o que é certo é que a disposição do projeto, como está, importa, nada menos, a classificação, como crime, daquilo que pode ser a acção mais inocente do mundo.

Em seguida ao artigo 3.º vem uma longa série de parágrafos, em grande número dos quais se estabelecem provisões, que já vem consignadas na legislação em vigor sobre imprensa, onde muitos dos delitos, que neste projeto se mencionam, vem devidamente classificados, com as penas correspondentes, como acontece na carta de lei de 22 de dezembro de 1834, na de 10 de novembro de 1837, e na de 19 de outubro de 1840.

Porém no que eu não posso concordar é no sistema de redacção que se deu a estes parágrafos, de sorte que uma frase, por ventura inofensiva, pode ser capitulada, com suma facilidade, como alusão, ironia, ou alegoria, tendente a inspirar ódio ou desprezo.

Não farei eu, senhor presidente, largas reflexões para combater a redacção a que aludo, nos parágrafos, que dizem respeito á pessoa do rei; é um assunto difícil de tratar, de sorte que não sejam envenenadas as intenções de quem fala. Eu não preciso fazer de novo protestações de acatamento pela pessoa do chefe do Estado; tenho na minha vida testemunhos irrefragáveis do respeito e consideração que tributo à pessoa do rei (apoiados); mas porque tenho este respeito e esta consideração, nem por isso quero condenar desde logo qualquer expressão, talvez inocente, que se encontre escrita num artigo de jornal político, e que se pode tornar criminosa, sem o ser, na presença da redação deste projeto (apoiados).

Não me quero demorar mais nesta questão que é relativa à inviolável pessoa do chefe do Estado, e passo a ocupar-me do parágrafo 16, que parece ter sido o objeto principal deste código, que discutimos.

Note-se que depois de todos os outros parágrafos onde se contêm disposições sobre objectos aliás importantíssimos, só neste, que diz respeito aos senhores ministros e conselheiros de Estado, é que a comissão julgou conveniente empregar toda a metralha que tinha de reserva.

Diz aquele parágrafo – O que incorrer no abuso previsto no § 9 deste artigo a respeito de ministro de Estado ou conselheiro de Estado, ou lhe irrogar injúria ou ofensa, na dita qualidade por modo directo ou indirecto, por meio de ironia, alegoria, ou alusão qualquer. — Para as mais não se precisava deste aparato, porém apenas se chegou às pessoas dos senhores ministros, ou conselheiros de Estado, foi preciso tudo isto, e para quê? Para proibir inteiramente qualquer jornal de poder escrever no sentido da Oposição. (O senhor Correia Caldeira: — Está enganado15) O orador: — Estarei, mas estou a ler, e pensei que entendia o que leio; porém, se nisto me engano, não me tirem as ilusões, e, ao menos, deixem-me prosseguir neste engano doce e ledo.

Senhor presidente, isto vem corroborar a asserção que eu avancei no princípio do meu discurso, quando disse que parecia que este projeto era feito unicamente para vedar que se dissesse alguma coisa que fosse inconveniente às pessoas dos senhores ministros, e conselheiros de Estado (apoiados).

Mas no parágrafo 23.º a questão é mais grave e mais séria. Este parágrafo, senhor presidente, ataca profundamente o princípio da publicidade, que é mantida pelo código fundamental da monarquia, e que é da essência e natureza do sistema representativo. (apoiados).

Este parágrafo, senhor presidente, vai encerrar dentro das paredes desta sala os discursos dos deputados da oposição (apoiados); porque a respeito dos da maioria, eles, pela natureza da sua posição, não empregam nos seus discursos nenhuma das frases, que podem ser qualificadas de crime ou delito pelos trinta e dois parágrafos do artigo 3.º deste projeto (apoiados). Pois, senhor presidente, as leis de setembro não chegaram tão longe! Não foram contender com os membros dos corpos legislativos! A lei de amor, que estabeleceu o direito do selo, e o depósito, não se referiu aos membros do parlamento; a lei da imprensa brasileira fez mais ainda, porque isenta completamente a publicação de discursos proferidos nas câmaras de todas as restrições impostas à imprensa periódica. Por aqui se verá se a ilustre comissão foi, como diz, buscar a doutrina que estabeleceu às fontes mais liberais.

A lei repressiva dos abusos de liberdade de imprensa do império do Brasil diz o seguinte — Artigo 12 — Não são responsáveis os que imprimirem, ou de qualquer modo fizerem circular as opiniões e os discursos enunciados pelos Senadores, ou Deputados, no exercício de suas funções, contanto que não sejam alterados essencialmente na substância, ou forma.

Veja-se bem como aquela lei, apesar das restrições que estabelece para a livre expressão do pensamento, ou seja pela palavra, ou pelo escrito, excluiu os discursos do parlamento, das disposições gerais que consigna. Pois é possível que a ilustre comissão vá coarctar aos nossos constituintes o direito de conhecer as nossas opiniões, e a nós o direito que temos de lhes fazer saber a eles o modo porque pensamos a respeito das coisas públicas! Não sei com que direito a ilustre Comissão entendeu, que podia chegar tão longe (apoiados)!

Vossa excelência, e muitos senhores deputados, que conhecem o parlamento há longo tempo, e que não conhecem só este, mas até os parlamentos estrangeiros, sabem que é quase impossível fazer um discurso da oposição, (porque se não trata aqui da maioria, a menos que a comissão não entenda que não deve haver oposição na câmara); mas não é possível fazer um discurso da oposição, repito, sem que se solte alguma palavra, ou se empregue alguma expressão contra o governo... (Uma voz: — Ninguém lhe proíbe que fale) O orador: — Ninguém me proíbe que fale, mas eu não venho aqui falar só para a câmara, e para as tribunas, que muitas vezes estão completamente desertas; eu falo para o país, para os meus constituintes, e preciso que eles saibam se eu desempenho, ou não, o mandato que me confiaram (apoiados). Esta é que é a verdadeira liberdade; se se nega, se se tolhe aos deputados o poderem apresentar as suas opiniões diante do país, então acabou a liberdade da tribuna; embora nós possamos dizer aqui o que quisermos; os discursos da oposição ficarão abafados dentro das paredes da câmara, que serão, para este efeito, como dizem as velhas crónicas, que eram antigamente algumas das salas do Louvre, que matavam no estofo com que eram forradas, o eco das palavras que ali se pronunciavam (apoiados).

Este parágrafo 23 ofende de uma maneira tão capital e profunda o sagrado princípio da publicidade, que eu espero que esta câmara o há-de rejeitar sem hesitação.

Mas passemos a examinar os pontos que se seguem até ao parágrafo 27; parágrafos notáveis, porque vão elevar a espionagem à altura do princípio; parece um Projecto escrito para a polícia. Os espiões hão-de perseguir nas praças públicas, nas escolas, nos templos, e nos cafés!... Não é lícito, como já disse, proferir uma palavra, em qualquer lugar público, que possa de alguma maneira, directa ou indirecta, contender com as pessoas dos senhores ministros, ou conselheiros de Estado, porque essas pessoas, daqui por diante, são invioláveis! Não ficam de fora da inviolabilidade, passando este projeto, senão os cães e os gatos, contra os quais se pode continuar a falar — a respeito dos homens a teoria do silêncio (apoiados). Vamos a isso; a ilustre comissão não é lógica no seu projeto; se foi este o seu pensamento, devia ir mais por diante; não basta mesmo a censura prévia, é preciso que se não escreva; com a censura prévia podia acontecer que alguns dos censores fossem homens ilustrados, e amigos da liberdade, e que deixassem passar alguma frase que fosse tocar nas vestes dos senhores ministros; é necessário ir mais adiante; e preciso proibir os jornais estrangeiros; é preciso vedar-lhes a entrada nas alfândegas, porque o projeto ainda os deixa entrar; o que não permite é que se traduzam para os nossos jornais os seus artigos, porque à vista das disposições, que aqui se estabelecem, torna-se completamente impossível a sua tradução, quando contenham alguma, ou algumas das alusões, ironias, ou alegorias compreendidas nos trinta e três parágrafos do artigo 3.º

Com efeito o parágrafo 6.º do artigo 5.º do projeto diz o seguinte

“Comete contravenção, etc. — o que publicar, sem refutação formal, artigos insertos em periódicos estrangeiros, ou em qualquer outra obra, ou composição literária estrangeira, se tais artigos forem abusivos, e denunciáveis em Portugal.”

Ora, senhor presidente, ou o artigo e favorável ao governo, ou é o contrário; se é favorável ao governo, está claro que o jornalista da oposição não o transcreve, porque lhe é completamente inútil; se é contrário ao governo o mesmo jornalista da oposição não o pode transcrever, porque lhe proíbe a lei fazê-lo sem refutação, e a refutação não está nos seus princípios. O que se segue daqui? É que por uma disposição de propósito consignada, que parece estabelecer um princípio de liberdade para o jornalista, se inutiliza essa mesma disposição, porque não é possível fazer uso dela. À vista de tudo que fica dito, já se vê que daqui por diante não poderão os jornais publicar senão alguns artigos sobre os macacos, ou a girafa de que nos falou Chateaubriand (apoiados).

Eu acho que a comissão teria feito muito melhor, quero dizer, teria feito um trabalho mais simples, e mais pronto, se acaso indicasse a série dos objectos sobre que se podia falar e escrever, em vez de nos designar aqueles sobre que a discussão é vedada, porque no caso presente a excepção é que faz a regra.

Eu ainda não toquei verdadeiramente nos parágrafos em que se trata de reprimir os abusos cometidos pela palavra; e é este um objecto, a respeito do qual eu tenho a íntima convicção de que não se pode executar o que aqui se estatui, porque é tão eminentemente vexatório, que se não pôde cumprir: nesta parte como em muitas outras, o Projecto é muito pior do que eram as leis de setembro em França. E, pois que falo em leis de setembro, devo dizer a vossa excelência, que os projetos donde elas nasceram, foram apresentados no parlamento francês depois dum grande, e fatal acontecimento, que, se os não justificava completamente, servia-lhes, até certo ponto, de plausível pretexto.

Foi depois da tentativa do 28 de julho contra a vida do monarca, que o governo se apresentou na câmara com as leis repressivas da imprensa na mão. Dizia-se que a imprensa periódica, pelas contínuas insinuações, que tinha publicado contra as instituições e contra a dinastia, era causa da tentativa de regicídio, que felizmente se malograra, sem contudo deixar de fazer tantas ilustres vítimas; é claro que o governo tinha então um bom pretexto para apresentar o seu projeto.

Mas, por ventura, tem havido entre nós alguma coisa nesse género, que felizmente para Portugal não passa pela cabeça de ninguém? Mas, não preciso ir tão alto, qual a grave tentativa extraordinária contra os próprios cidadãos? Qual o grande atentado cometido contra a paz pública? Quais as revoluções a que a imprensa está dando lugar?... Que é dessa paz podre que o governo nos anunciou no discurso do trono?... O país está completamente tranquilo; o Governo conta com o apoio das duas Casas do parlamento; o governo triunfou completamente na urna de todos os seus adversários políticos; pois este governo precisa de mais alguma cousa para se sustentar? Aonde está o pretexto aparentemente plausível para defender este projeto? É para que se não ataquem os senhores ministros? Senhor presidente, é preciso compreender de mais alto o sistema representativo. Por ventura os senhores ministros querem ser invioláveis?.... Essa inviolabilidade no sistema constitucional não compete senão ao chefe do Estado, a mais ninguém (apoiados). Pois os senhores ministros, e a câmara não sabem que todos os publicistas que têm escrito a respeito da liberdade de imprensa, dizem que não é possível existir essa liberdade sem que se introduza alguma licença?

Pretender o contrário, senhor presidente, é caminhar após duma utopia [sic], é querer evitar uma coisa que nem o governo, nem a comissão é capaz de evitar, porque é da essência, da natureza da própria coisa. Eu podia citar a opinião de Mr. Toqueville que se lê na sua obra de Democracia na América a respeito da imprensa dos Estados Unidos16, e pouco me importa que se trate ali de um país republicano, porque isso não vem nada para o caso, enquanto à opinião que o escritor emitiu, porque como publicista não falou só da imprensa dos Estados Unidos, fez considerações a respeito da imprensa da Europa, e da imprensa da própria França. (Uma voz: - É melhor citar as opiniões de Tocqueville ministro, do que Tocqueville escritor). O orador: – Aqui tem vossa excelência a razão por que eu não gosto de fazer comparações, porque logo se tiram consequências que se julgam a favor daqueles a quem combato; mas isso que se acabou de notar, não enfraquece em nada o meu argumento; porque se houve alguma variante nas opiniões do publicista que citei, foi porque ele, no momento de perigo, recuou alguma coisa nas suas primitivas ideias, com medo de que a situação fosse muito além do que ele desejava.

Eu vou agora estabelecer os meus princípios em relação ao modo porque está hoje regulada entre nós a liberdade de imprensa. Eu digo, e digo-o só por hipótese, que se amanhã eu fosse chamado aos conselhos da soberana, eu não alterava numa só vírgula a legislação actualmente existente a respeito da imprensa; e não a alterava por interesse próprio, pelo interesse da entidade governo, pelo interesse da ordem, da paz, e do país. Eu estou persuadido de uma coisa, e é que a imprensa periódica ganha tanto mais força, quanta mais força lhe querem tirar; acontece com esta instituição o mesmo que acontece coar todas as potências na ordem física, as quais ganham tanto mais força, quanto mais se sistematizam, e se dirigem. Concordo perfeitamente com o sistema seguido, a respeito da imprensa nos Estados Unidos da América, ali cada indivíduo pode fazer um jornal de um dia para o outro; ali não há habilitações, não há depósitos, não há entraves, não há nada, senão a responsabilidade do indivíduo que escreve – essa responsabilidade também eu quero para cá – que, se, castigue aquele que abusou, mas não quero que, num país como o nosso, onde existe o governo representativo, haja uma lei que em lugar de ser de repressão de abusos de liberdade de imprensa, seja uma lei de silêncio, uma lei da classe daquelas que são contrárias à índole, e aos princípios constitucionais. Nos Estados Unidos os combates da imprensa não produzem impressão alguma na forma do governo, nem nas instituições, nem nas acções do mesmo governo, quando ele tem a opinião pública por si; mas quando os jornais chegam a representar essas opiniões contra o governo, ele tem necessariamente de ceder, porque naquele país ninguém resiste ao colosso da opinião. E seja-me permitido aproveitar esta oportunidade para dizer que não professo a doutrina de que as maiorias representam sempre a opinião pública; os senhores deputados sabem tão bem como eu, que as maiorias parlamentares podem algumas vezes ser facciosas e, quando o são, não pode dizer-se que representam a opinião pública. (Uma voz: — Mas quem há-de julgar que são facciosas?) Quem há-de julgar? Quem há-de avaliar se as maiorias são ou não facciosas? Constitucionalmente é o poder moderador, que, quando conhece que uma maioria é facciosa, dissolve a câmara, na conformidade do direito que para isso tem. Digo, pois, que é um grave erro estabelecer como certo que as maiorias parlamentares apresentam sempre a opinião pública.

Dizia eu, senhor presidente, que nos Estados Unidos a imprensa periódica não é dirigida sistematicamente, e por isso não é de recear para o governo senão quando ela é o eco de uma forte opinião do país. A imprensa tem o seu principal correctivo na própria imprensa. Que medo pode o governo ter dela? Pois o governo não joga na alta e na baixa da consciência dos escritores públicos? Não pode ter os jornais que quiser para sustentar a sua política? Que meio tem o governo dos seus inimigos políticos pela imprensa? Pois não pode combater as doutrinas que nos apresentarem? Pois se essas doutrinas são tão absurdas, como podem calar no espirito do público? — Como se receia.

Eu não tenho feito senão reflexões sobre a teoria que estabeleci, a qual está de acordo com o que se pratica na América do Norte. Sei perfeitamente que nem toda a Imprensa é cúmplice nos atentados de que lhe fazem carga: eu também leio jornais, e neles tenho visto muitos artigos importantes, onde se dão sérios e graves conselhos ao governo, dignos de serem atendidos; por isso peço que não confundamos a boa com a má imprensa, e que não vamos matar à sombra do criminoso, aquele que é inocente, e que pode ser útil à sociedade (apoiados). Estabeleça o projeto nos parágrafos 21.°, 25.°, 26, e 27.° do artigo 3.º as mais fortes restrições contra os abusos da palavra cometidos nos tribunais, nas escolas, nos púlpitos, e nos lugares publico? Já se vê, por tanto, que não só nos tribunais, mas na igreja, mas em toda a parte, hão de haver necessariamente pessoa, ou pessoas, para tomarem nota do que se diz: acrescendo que basta haver uma alusão contra certas e determinadas pessoas para um indivíduo ir para a cadeia, de maneira que há de acontecer algumas vezes, que um simples movimento, ou uma acção menos calculada, pode provocar uma alusão, ou ironia, a qual, sendo ouvida por alguém que nos vá denunciar, pode fazer com que tanto o provocador, como o provocado vão ambos para a cadeia. Daqui se vê que é mister que, daqui por diante, se evito por cautela, o mais insignificante trejeito, que pode ser qualificado de provocação (riso). Eu não sei se por esta lei se pretenderá colocar em cada escola um delegado do ministério público; o governo terá de fazer uma despesa espantosa com tais nomeações, mas será preciso que as faça, a fim de que tenha quem o informe se ouviu alguma palavra que pudesse ofender directa ou indirectamente algum dos senhores ministros, ou dos indivíduos, invioláveis pelos trinta e dois parágrafos do artigo 3.° Mas, senhor presidente, quando nas aulas de direito público se ventilarem questões sobre diferentes formas de governo, e se discutir qual e a melhor, como só há de regular este negócio na presença da lei?

Ainda mais: quando nas aulas de ciências naturais se discutirem, e se professarem certas doutrinas, as quais se podem supor mais ou meros remotamente contrárias a alguns pontos do Velho e Novo Testamento, terá de suspender-se a marcha natural da instrução pública neste ramo dos conhecimentos humanos, para não contrariar as disposições do projeto. Também na igreja deverá, haver os competentes espiões, para examinarem o que o pregador disse; ou será preciso mandar para cada sermão um delegado (riso)? O parágrafo 27.° do artigo 3.º diz assim – O que proferir nas praças, ou em lugares públicos discursos, ou palavras que constituam algum dos abusos previstos nos parágrafos 1.° a 18.° e 28.º, 31.°, e 32.° deste artigo; ou contenham provocação a qualquer dos ditos abusos – Note-se que isto chega até às palavras que se proferirem numa conversação particular palas quais não é só responsável aquele que as profere, mas também aquele que as provoca (apoiados). Ora a lei de liberdade da imprensa brasileira também trata dos abusos da palavra: mas quer vossa excelência saber como ela trata esta espécie no artigo 5.º? Diz: "Os discursos que forem pronunciados em alta voz em públicas reuniões, com manifesta intenção de provocar, ou injuriar" – E fulmina estes discursos com metade da pena que teriam se acaso eles fossem publicados pela imprensa­ – E ainda nos assevera a comissão que foi buscar os princípios mais liberais que se encontram nas diferentes leis de imprensa dos países estrangeiros!... Continua o projeto no parágrafo 30.° dizendo – O que desfigurar, ou referir infielmente, com dolo e má fé os discursos, ou extractos de discursos de qualquer membro das câmaras legislativas, ou das mesmas câmaras, ou de qualquer delas.

Senhor presidente, atendendo ao estado de taquigrafia entre nós, ao preço que têm os jornais políticos, e o número de assinaturas de que a imprensa se sustenta, reputo impossível esta disposição porque era preciso,para que os jornais pudessem dar com fidelidade os extractos das sessões das câmaras legislativas, que tivessem um taquígrafo que lhes entregasse a nota do que se passara nas mesmas câmaras; nem os interesses do jornalista comportam esta despesa, nem tão pouco há mais taquígrafos além dos que se acham empregados nas duas casas do parlamento. Mas eu vejo aqui, ainda uma outra coisa – Vejo uma disposição indirecta ou para que os jornais da oposição vão copiar os extractos ao Diário do Governo, o que vai prejudicar os interesses do jornalista, que tem uma indústria como qualquer outra; ou hão-de ser os jornais do governo os que hão de ter venda quase exclusiva, porque todos têm mais ou menos interesse em saber o que dizem os seus representantes. Faz-me lembrar isto, senhor presidente, uma disposição do tempo do terror da Convenção Nacional, em que foi proibido que no correio se expedissem jornais que levassem os extractos das sessões com dolo e má-fé; não se foi buscar bom modelo para imitar. O capítulo 3.º trata das contravenções; e ali, no parágrafo 1.º do artigo 5.° se envolve explicitamente o n.º 94.° desta lei, que estabelece a censura prévia para as litografias, medalhas, desenhos, gravuras, estampas, etc.

Estou chegado a um ponto muito importante, Sr. Presidente, um ponto em que a lei vem a estabelecer a respeito destas publicações, a respeito deste modo de comunicar o pensamento, uma doutrina fulminada e rejeitada por todos os homens liberais de todos os países. Eu sei perfeitamente que a ilustre comissão se apoia no artigo expresso da carta, em que não se fala em gravuras; mas também lá senão diz que as gravuras estejam sujeitas a censura. Agora pergunto eu aos nobres deputados qual era a interpretação mais liberal que se devia dar a este artigo? Seria que o legislador tinha querido sujeitar à censura um certo modo de exprimir o pensamento, e permitir um outro modo, que pode ter consequências muito mais funestas? Pergunto eu, senhor presidente, o que é mais grave para a segurança do Governo, para a manutenção da ordem o do sistema representativo, são os abusos cometidos pelos artigos escritos nos jornais que se espalham por todo o reino, quando são em sentido de oposição ao governo, combatendo as suas medidas, anafando os seus actos, levando o escalpelo da análise aos seus projetos, aos seus discursos, às suas opiniões, ou será uma estampa, uma caricatura, em que se represente qualquer de nós, mesmo um dos senhores ministros? Qual será mais grave? Note-se bem, eu aqui apelo para a sinceridade dos nobres deputados; sejamos francos; o fim da lei, o fim de todas as leis repressivas dos abusos da liberdade de imprensa é dar uma garantia à sociedade e ao indivíduo, porque todo o direito acaba quando o indivíduo e a sociedade deixam de ter garantias; mas os ilustres deputados creio que não pensam que eu queira isentar as litografias da responsabilidade, que lhes compete perante os tribunais; quero que haja responsabilidade; reconheço que é uma comunicação de pensamento, como qualquer outra; o que não quero é a disposição do projeto, que é agravante, que é revoltante, que é naturalmente preventiva, como disse há pouco, e eu não quero leis preventivas, para reprimir o abuso da liberdade de imprensa. É urna grande questão que já se debateu largamente no parlamento francês, esta questão das leis repressivas e preventivas; mas creio que todos os nobres deputados estarão de acordo em que as leis preventivas não estão nem no espírito, nem na letra da constituição do Estado; a censura fulminada pelos homens mais distintos deste século, por aqueles mesmos, que talvez alguém os considera reaccionários, a censura fulminada por estes homens, vem aparecer hoje descarnada aqui no projeto no artigo 94!

Mas que interesse há, dirá a ilustre comissão, em que se venda uma caricatura dos senhores ministros, por exemplo? Ora isto e uma questão naturalmente desagradável (O senhor Cunha: — É de gosto.) Questão de caricaturas sejam de quem forem, ou de um deputado, ou de um ministro; mas como esta lei parte dos bancos ministeriais refiro-me por conseguinte aos senhores ministros. Que vantagem há em que se apresente em caricatura um dos senhores ministros? Nenhuma absolutamente; julgo mesmo inconveniente, julgo um mau gosto. Eu direi a vossa excelência e à câmara que eu não vejo a maior parte das caricaturas, que se publicam, cada um pode ter um gosto diferente, sem nisso ofender susceptibilidades, e eu não tenho o gosto das caricaturas; mas porque não o tenho, porque entendo que daí não vem bem nenhum, porque quero que os senhores ministros sejam responsáveis e combatidos pelos seus actos pela imprensa periódica com a palavra e raciocínio, porque não sei empregar a arma das caricaturas, por tudo isto, senhor presidente, posso entender que temos o direito de estabelecer censura prévia a respeito de litografias, gravuras, medalhas etc.?

Digo mais, senhor presidente, eu reputava eminentemente absurdo, que a constituição garantisse a publicação do pensamento livre de toda a censura para a escrita, e para a palavra, e que estabelecesse a censura para as litografias e gravuras que têm uma importância de muito menor alcance, do que a palavra e a escrita. A mesma lei de imprensa do Brasil, de que falei ainda agora, também comina pena pelo abuso das gravuras; porém metade somente do que lhe pertenceria, se fosse a respeito de comunicação de pensamento por meio de Imprensa.

Senhor presidente, deu a hora, eu estou realmente cansado, e a câmara também o deve estar; não tenho dito tudo o que desejo; por consequência peço a vossa excelência que me reserve a palavra para amanhã.

O senhor presidente — Fica-lhe a palavra reservada. A ordem do dia para a sessão seguinte é a continuação da mesma. Está levantada a sessão.  

— Eram quatro horas da tarde.

 

Parte 2 – dia 12 de Março

 

O senhor presidente17: — Continua com a palavra o senhor Fontes Pereira de Melo.

O senhor Fontes Pereira de Melo: — Senhor presidente, eu não vejo nos seus lugares os senhores ministros da Coroa, o projeto que se discute é de origem do governo, essencialmente político, e é sem dúvida o tema de uma questão ministerial; não sei se vossa excelência e a câmara entendem que deve continuar a discussão sobre um objecto de tanta gravidade e importância, sem que estejam presentes os senhores ministros: eu, pela minha parte, não tenho dúvida alguma em continuar o meu discurso, mas parece-me que é contra todas as práticas Parlamentares tratar-se uma questão desta natureza, não estando presente o Ministério: é nessa conformidade que eu pergunto a vossa excelência se apesar de todos os hábitos do parlamento, e das regras que se observam em toda a parte, devo continuar o meu discurso?

O senhor Presidente: — Creio que não há dúvida nenhuma do senhor deputado poder continuar o seu discurso, visto que a comissão toma a defesa deste projeto, não se interrompe a discussão, não há precedente algum, mas se os membros da comissão declaram que tomam a defesa deste projecto, então pode continuar o seu discurso.

O senhor Lopes Branco18: — É somente para declarar que se sua excelência o senhor ministro do Reino não está presente, é porque se acha incomodado, e se os outros ministros não estão presentes, é porque certamente se acham em objectos de serviço público, mas direi ao ilustre deputado que a comissão está no seu lugar e se encarrega de satisfazer às dúvidas que o senhor deputado ou os senhores deputados possam ter a respeito da matéria sujeita (apoiados).

O senhor Carlos Bento19: — Peço a palavra.

O senhor Presidente: — Sobre este objecto não pode haver dissensão, e depois do senhor Fontes de Melo acabar o seu discurso então lhe darei a palavra, pode o senhor deputado continuar o seu discurso.

O orador: — (Continuando). Senhor Presidente, ouvi atentamente o que acabou de dizer o ilustre relator da comissão, parece-me que era do meu dever fazer estas reflexões, e devo ponderar que, apesar das considerações que o ilustre deputado, meu amigo, relator da comissão acabou de fazer, tenho visto sempre, não obstante haver uma comissão que responda pelos projectos que se discutem, exigir-se em assuntos importantes a presença do Ministério. (O Sr. Silva Cabral20: — Mas nunca se interrompe um discurso).

O orador: — Não se pense que eu tenho dúvida alguma em continuar — eu vou entrar na matéria.

Senhor Presidente, fazendo algumas considerações que me ocorrem ainda a respeito deste projeto de lei, repressivo dos abusos da liberdade de imprensa e da palavra, que é o que se discute agora, não serei muito longo, por conveniência própria, e por conveniência do debate, apesar de que o campo é vastíssimo, e os fundamentos para combater o projeto são tantos, que os oradores, não se hão-de acotovelar para anteciparem os seus argumentos. Eu tomei a palavra no princípio do debate, e limito‑me, a fazer a guerra de postos avançados; se mais tarde entender que me devo apresentar em força, o farei convenien­temente, e do melhor modo que mo permitirem os fracos recursos da minha inteligência: continuo, portanto, no debate, Sr. Presidente, emitindo a minha opinião a respeito dos artigos do Projecto que se discute, convencido de que, fazendo isto, cumpro religiosamente o meu dever. E, pois que toquei esta espécie permita‑me me vossa excelência e a câmara que eu lhes diga que não concordo com a proposição que ouvi estabelecer, de que a discussão era um direito e não um dever. Senhor presidente, a discussão pode ser um direito, e não um dever, para cada um de nós isolada­mente, mas para a Câmara dos Deputados a discussão é um dever, é urna obrigação que se depreende de mais de um dos artigos da Carta Constitucional, é um preceito para o cumprimento do qual cada um de nós deve contribuir com o contingente que lhe compete; se os dois ramos do poder legislativo não tivessem obrigação restrita de discutir as leis, então, decerto, podiam não passar além de uma mera chancelaria dos projetos do governo (apoiados). Vou, portanto continuar a minha difícil tarefa e chamo-lhe principalmente difícil pelo modo que a ilustre comissão e a câmara estenderam na sua alta sabedoria, que convinha adoptar para uma discussão, que abrange a imensidade de objectos, que se compreendem nesta lei. Eu tenho tratado de alguns pontos, que julgo mais importantes; continuarei pois a ocupar-me de outros, que devem merecer a atenção especial da câmara, e que pela minha parte, considero entre os principais do projeto, o qual, é preciso dizê-lo com franqueza, na minha opinião, é uma espécie de livro 5.º da ordenação a respeito da imprensa periódica; o livro 5.º estabelecia a pena de morte para um grande número de crimes — aqui estabelece-se a pena de prisão para um sem número de circunstâncias que, a meu ver, podem ser muitas vezes inocentes; e quase impossível falar sem que se profira alguma frase, ou palavra que esteja compreendida nos trinta e dois parágrafos que fazem parte do artigo 3.°.

Senhor presidente, há um ponto muito grave e muito importante, que é o da censura prévia, que a ilustre Comissão estabelece para as litografias, gravuras, medalhas e estampas; mas cumpre-me dizer, antes de entrar nesta questão, que não me tenho cansado em comparar as disposições da proposta do governo, com as do projeto da comissão, por dois motivos: primeiro, porque o governo declarou, que se conformava com este último projeto, e perfilhou portanto a sua doutrina; e em secundo lugar, porque não me parece conveniente, isto é, não me pareceu que tirava um grande resultado em mostrar a contradição em que o governo se tinha colocado admitindo algumas emendas por parte da ilustre comissão, que alteravam completamente a proposta primitiva. É de notar, senhor presidente, que alguns dos nobres deputados, signatários deste parecer, que atualmente se discute, combateram outro ministério, que se sentou naquelas cadeiras, já nesta legislatura, por não ter pensamento fixo sobre pontos importantes. Os ilustres deputados, que apoiam agora este projeto, mostram também que o governo atual não tem pensamento fixo sobre este ponto gravíssimo da liberdade de imprensa (O senhor Silva Cabral: – Mas tivemo-lo nós); O orador: – Isso é a, censura do governo; sei perfeitamente que a comissão teve um pensamento, que exerce no seu projeto, mas não é a mobilidade das ideias da comissão que eu estou mostrando; insisto porém em que o governo atual merece as mesmas censuras, que os ilustres deputados fizeram aos ministérios transatos, que apresentaram aqui projetos de Fazenda, os quais foram completamente alterados pela comissão respetiva; e os mesmos nobres deputados, que dirigem encómios ao governo, pela sua anuência às emendas que lhe apresentaram, são aqueles que censuram outro governo par igual motivo. – Vou continuar com a censura prévia, a que se refere o parágrafo 1.º do artigo 5.°

Eu vejo distintamente, senhor presidente, como já disse na sessão passada, que a ilustre comissão se aproveitou da omissão, que existe na Carta Constitucional, a respeito deste objeto determinadamente para estabelecer a censura prévia que não podia aliás determinar a respeito da imprensa, e da palavra: é a jurisprudência dos casos omissos. A Carta julga na minha opinião, e julga de uma maneira muito ilustrada, que tendo determinado muito expressamente, que não fosse sujeita à censura prévia a comunicação do pensamento por meio de escritos, e por meio de palavras, não precisava designar também as litografias, medalhas, gravuras e estampas, cuja influência é muito menos perigosa, mesmo para o próprio governo, e para a sustentação da ordem publica, no caso de abuso, do que as palavras e os impressos: qualquer outra interpretação, a meu ver, seria absurda, ou forçada, porque a Carta não podia conceder liberdade para mais, e impor uma restrição excecional para o menos. Eu não quero, nem devo supor mal das intenções da ilustre comissão; sei que isso me é vedado pelo regimento, e não é esse o meu modo de discutir; não preciso mesmo disso para argumentar mas devo dizer lealmente á câmara que, ao ler este projeto, desperta-se a ideia de que a censura prévia foi o pensamento que presidiu á suas confeção, porque onde ela se não acha estabelecida, encontram-se provisões de um caracter puramente preventivo; esta é a feição mais distinta do projeto que discutimos.

O parágrafo 6.º do artigo 5.º estabelece a restrição que já indiquei na sessão passada; e peço perdão à câmara, se por ventura a importuno coto a repetição de alguns pontos em que já ontem falei, mas não posso deixar de o fazer novamente, porque num discurso interrompido não é possível deixar de tocar em alguns objetos a que já se tenha aludido, para poder ligar as ideias. Diz, o parágrafo 6.º – O que publicar, sem refutação formal, artigos insertos em Periódicos estrangeiros, ou em qualquer outra obra ou composição literária estrangeira, se tais artigos forem abusivos e denunciáveis em Portugal. – Eu já ontem disse que este projeto não proibia a importação de jornais estrangeiros; não se foi tão longe, mas, de acordo com o princípio de prevenção consignado em outros pontos, entendo que, para sustentar o devido rigor lógico, se devia fazer mais alguma coisa; devia proibir-se que viessem cá os Jornais estrangeiros, devia fazer-se calar de todo a Imprensa; devia-se impor silêncio à tribuna, e chegar por este caminho ao doce regime de Constantinopla.

Senhor presidente, conforme os princípios constitucionais há liberdades, há direitos de que se não pode prescindir, porque são da natureza, da essência, desses mesmos princípios; e o sistema representativo, sem a faculdade de escrever amplamente, é uma zombaria cobarde do que há de mais sagrado entre os homens – é um sistema que assassina a liberdade em nome da mesma liberdade (apoiados),

Um dos artigos mais importantes do projeto é o artigo 18.°, que trata da formação do Tribunal Superior da Imprensa. É este um dos artigos em que estou teu persuadido que o projeto fere e ofende o espírito e a letra da Carta Constitucional (apoiados). Eu vejo, senhor presidente, que a Carta exclui completamente o julgamento de crimes em comissões excecionais, sei que os ilustres deputados hão-de dizer que o que se cria pelo artigo 18.º não é um tribunal excecional, mas o que eu sei, e que me não podem negar, é que o indicado tribunal não é reconhecido pela Carta, e vai usurpar as atribuições dos jurados em certos casos, especificados na lei, e que pela própria Carta pertencem aos mesmos jurados.

Este artigo 18.º tem íntima relação com alguns dos diversos artigos do projeto; com o artigo 60.º, por exemplo, que diz o seguinte – “Se as respostas do Júri forem evidentemente iníquas, o Juiz as declarará nulas.

§ 1.° Se o crime ou delito for de abuso de palavra, o processo será de novo submetido ao Júri do turno, que se seguir, praticando-se o mesmo que da primeira vez.

§ 2.º Se o crime ou delito não for de abuso da palavra, o processo se remeterá ao Tribunal Superior, onde será decidido de facto e de direito, observando-se a mesma ordem no processo que nos recursos."

Eu vejo portanto, senhor presidente, que é sempre passível, que o juiz declare evidentemente iníqua a sentença do júri, porque para isso não e preciso mais do que convencer-se o juiz de que o júri não apreciou o facto, como ele entende que devia apreciar; depois do que se segue imediatamente a apelação para o tribunal superior. Se o crime ou delito for de abuso de palavra, o processo será de novo submetido ao júri do turno, que se seguia, praticando-se o mesmo que da primeira vez: se o crime ou delito não for de abuso de palavra, mas de imprensa, o processo se remeterá ao tribunal superior, onde será decidido de facto e de direito, observando-se a mesma ordem do processo que nos recursos. Mas que tribunal é este que vai decidir de facto e de direito sobre a palavra escrita? É um tribunal nomeado pelas maiorias das duas câmaras legislativas! Desde que um juiz pode declarar iniqua a sentença dos jurados, e que o delegado do ministério público pode apelar para o tribunal da imprensa, que é da feição do governo, é evidente que este tribunal há-de decidir geralmente contra o jornal acusado, e não digo sempre, porque quero conceder alguma coisa à integridade dos homens nomeados, ainda que todos, sabem que, em objetos políticos, tem-se visto e acontece muitas vezes, mesmo a respeito de homens muito dignos de consideração, cessar essa qualidade de rigidez, transigindo um pouco mesmo contra a sua consciência, só para fortificarem a opinião política que sustentam. É portanto sumamente perigoso carregar a um tribunal, onde exerce uma influência direta o governo, a mais preciosa garantia da liberdade, a liberdade de imprensa (apoiados).

Mas se eu me não engano, vejo na Carta Constitucional alguns artigos que me parecem opostos completamente aos princípios estabelecidos no projeto. Eu vejo no titulo 6.º da lei fundamental do Estado, quando trata dos juízes e tribunais de justiça, o artigo 113.° que diz — O Poder Judicial é independente, e será composto de Juízes e Jurados, os quais terão lugar assim no cível, como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem. É provavelmente apoiada nesta redação que a comissão entende que pode excluir os jurados, porque a Carta diz que eles hão-de intervir conforme os códigos determinarem. Mas é que os códigos não podem estabelecer um direito contra o mesmo direito, e nós devemos entender as leis pelo conjunto das suas disposições, — A Carta diz o seguinte no artigo 119.° – “Os Jurados prenunciam sobre o facto, e os Juízes aplicam a Lei”. Se esta é a disposição consignada expressamente na constituição, como é que se pode dar a um tribunal especial de eleição, pelas maiorias das duas câmaras legislativas, um poder que a Carta Constitucional só confere aos jurados? Foi por estas razões que eu declarei que o artigo 18.º do projeto, que discutimos, se opõe completamente aos princípios, à letra e ao espírito da Carta Constitucional nos artigos 118.º e 119.º (apoiados).

Eu bem sei que quando acabar de falar, e algum ilustre deputado dos que defendem a doutrina contrária, ou da parte da comissão, ou da parte da maioria, tiver de me responder, há-de tratar de banalidades tudo quanto tenho dito, talvez até de blasfémias, de absurdos, de misérias, e não sei que mais... não duvido nada disso (O senhor Silva Cabral: — Paga-se-lhe na mesma moeda; já chamou aos trabalhos da comissão — absurdos) O orador: — Eu não chamei absurdos os trabalhos da comissão; podia chamar-lhe, mas não o fiz (O Sr. Silva Cabral: — Pode chamar-lhe; isso não é injúria?) O orador:— Eu não costumo dirigir injúrias a ninguém; o que disse é que há princípios estabelecidos no projeto inteiramente opostos aos preceitos da Carta Constitucional da Monarquia; que esta lei é preventiva, inoportuna, e que ofende, por diversos modos, o sagrado direito da comunicação do pensamento. Estou convencido disto, e enquanto me não provarem que estou em erro, insisto na minha opinião; é provável que senão julguem fundamentadas as minhas reflexões, o que não só me não admira, mas até acho muito natural; na minha posição, nesta câmara, é de crer que eu não tenha nunca razão diante da maioria.

Mas qual é o motivo porque nos crimes de imprensa, assim como acontece a respeito dos outros crimes, senão apela dos jurados para a justiça do país, nem ao menos em recurso de revista para o supremo tribunal respetivo? Qual é a razão desta excepção odiosa para todos os tribunais estabelecidos pela Carta? Será porque os tribunais não são capazes de julgar os delitos da imprensa? Será porque não aceitem a influência do governo, e o governo não queira prescindir dela? (apoiados). Pois os tribunais que são competentes para julgar da vida e honra dos cidadãos, não serão competentes para julgar dos delitos da liberdade de imprensa? Pois nós colocaremos o delito da Imprensa acima da importância dos delitos cometidos contra a vida, fazenda e honra dos cidadãos? Para que é então este tribunal se não para dar uma garantia ao governo de que a oposição não possa falar? (apoiados). Não vejo outro motivo.

Este tribunal não é novo; a comissão que andou procurando as ideias mais liberais, como diz no seu relatório, havia de encontrar disposições semelhantes na legislação francesa; assim corno eu achei, a ilustre comissão que é mais lida do que eu havia de saber que a 17 de agosto de 1792 se estabeleceu um tribunal excepcional em França ; que tinha direito a julgar os crimes cometidos pela imprensa, e em 10 de março de 1793 se organizou outro tribunal, com jurados, para punir os inimigos do povo, assim como hoje se querem punir os inimigos do Ministério – é sempre a mesma intolerância exercida por quem tem a força na mão.

Senhor presidente, a liberdade de imprensa tem afligido sempre os governos, mas é quando eles querem sair da ordem, quando não cumprem religiosamente as leis (apoiados). Com este projeto alcança-se um grande desideratum, porque se acaba, provavelmente, com a imprensa periódica. Eu desejava ver os ilustres deputados, que pensam de maneira contrária à minha, redigir um artigo em sentido enérgico e forte por parte da oposição, e veríamos se acaso era possível estar completamente fora de todos os casos especificados no artigo 3.° do projeto.

Mas, Sr. Presidente há-de ser preciso ao jornalista infligir uma tortura à inteligência a cada momento, e estudar estes trinta e dois parágrafos para se saber se alguma das expressões que lhe escapara ao correr da pena está compreendida nas classificações daquele imenso artigo; há-de ser preciso que para as nossas conversações particulares decoremos os mesmos trinta e dois parágrafos para sabermos se algum espião de polícia que nos ouça, pode, com bom fundamento, ir denunciar-nos às Autoridades, e fazer-nos encarcerar no Limoeiro em virtude de qualquer frase, que esteja compreendida em alguma das classificações de alusão, ironia, ou alegoria, etc. de que tratam os ditos parágrafos.

Senhor presidente, há um meio mais simples para conjurar os inconvenientes da imprensa, é o meio da moralidade do governo, do cumprimento exacto das leis e da constituição do Estado, pelos homens que estão à testa dos negócios, do reconhecimento dos direitos de todos os cidadãos, da manutenção de todas as garantias constitucionais; o governo que fizer isto, não tem que temer da imprensa; da imprensa não se temem senão os homens que não têm uma consciência pura, os hipócritas, as mediocridades, os tiranetes, os administradores incapazes, a polícia que fica sem ter que fazer, os que faltam aos seus deveres, aqueles numa palavra, senhor presidente, que tem mais a recear dos ataques da imprensa, do que a aplaudirem-se dos seus elogios.

Mas apresenta-se uma lei restritiva da liberdade de imprensa, quando não existe a lei de responsabilidade dos senhores ministros!... Qual é a razão porque o governo que é tão solicito em reprimir a licença da imprensa, porque teme que ela destrua ou comprometa a ordem pública, não vem aqui apresentar a lei da responsabilidade ministerial (apoiados)! Não seria isso mais digno dos encómios dos membros da ilustre comissão, das bênçãos do país, e do reconhecimento desta câmara? Senhor presidente, a Carta determina que os ministros sejam responsáveis, assim como determina que cada cidadão possa comunicar o seu pensamento, e publicá-lo pela Imprensa — Para regular a imprensa já existem três leis, que são a de 22 de dezembro de 1834, a de 10 de novembro de 1837, e a de 19 de outubro de 1840, enquanto que para regular a responsabilidade dos ministros não há uma só. — Se a linguagem licenciosa da imprensa pode prejudicar a sociedade, e incomodar o poder, os abusos do governo não são menos prejudiciais à mesma sociedade: num país, enfim, onde se não pode fazer efetiva a responsabilidade ministerial, por falta de lei competente, é preciso que haja uma grande liberdade de imprensa para, de alguma maneira, compensar aquela falta.

O tribunal superior até julga sobre a pronúncia, o que pela lei de 22 de dezembro de 34 pertencia aos jurados. Todos sabem que havia jurados de pronúncia, e jurados de sentença; não só se tirou essa garantia, e essa tirou-se há mais tempo, não foi agora; mas deu-se ao tribunal superior o direito de julgar na pronúncia, em virtude do recurso interposto pelo ministério público!

Mas não se contentando com isto, o projeto no artigo 54 até limita os direitos da defesa do réu, que são respeitados em toda aparte, que não devem restringir-se de maneira alguma, como garantia de inocência, que pode ser acusada, e determinam-se, no mesmo projeto, os limites dentro dos quais se pode efetuar a legítima defesa.

Estas coisas todas poderiam ser justificáveis, até certo ponto, se se entender que o juiz é um homem absolutamente imparcial, um homem respeitável, despido de considerações políticas, som afeições nem ódios, e por conseguinte está no caso de poder julgar se o advogado do réu excede os limites que a decência e as conveniências exigem; eu compreendo isto perfeitamente; mas como o juiz há-de ser homem, e não pode, portanto, ser despido dessas afeições e ódios, estou convencido de que esta discussão vai coarctar o livre exercício do direito da defesa que deve ter lugar amplamente nos tribunais.

Os senhores deputados que julgam que é possível escrever ainda contra o governo, com o projeto de lei na mão, hão-de concordar comigo em que o artigo 60, que já citei, dá um arbítrio tal ao juiz, e ao Tribunal Superior da Imprensa, que é absolutamente impossível que um só acusado escape da condenação.

Eu, senhor presidente, não quero, nem preciso, nem me convém discutir um por um cada artigo deste projeto; vou portanto entrar desde já em um assunto dos mais importantes, que é a tratar dos depósitos, das habilitações dos responsáveis: esta, senhor presidente, é uma das partes do projeto que na minha opinião o faz classificar mais como uma lei preventiva, do que de restrição.

Eu vejo aqui neste artigo 81 o depósito elevado de 1.200$000 réis, que atualmente é pela lei vigente, a 3:000$000 de réis, e não vejo razão nenhuma para exigir esta caução da parte do jornal a não ser a dificuldade que se quer opor a fim de que se não escreva. Se a máxima pena que aqui se estabelece no projeto, fosse tal que a caução até hoje produzida legalmente não chegasse para o pagamento, então eu estava de acordo perfeitamente em que se elevasse a dita caução, até ao ponto em que igualasse a importância da máxima pena; mas como isto não acontece, não posso ver nesta disposição senão uma prevenção, que me revolta, porque vai atacar um direito indisputável.

Senhor presidente, os legisladores sobre imprensa têm entendido que o modo mais conveniente de castigar os delitos da mesma imprensa é fazer pagar aos delinquentes uma multa, que vem especificada nas leis dentro de certos limites, além da pena de prisão, que se impõe às vezes, para suprir o pagamento da referida multa; é isto o que constitui o verdadeiro castigo que as leis cominam àqueles que atacam ou a sociedade na sua organização, ou os particulares nos seus direitos; mas estabelecido o máximo da pena que aqui se consigna, para que serve o aumento de caução? Será para condenar o jornal por muitos delitos de imprensa, ao mesmo tempo, e juntar todas essas parcelas a fim de que igualem as penas à caução que se exige?

Senhor presidente, a teoria que eu conheço mais liberal e conveniente a respeito da imprensa, é a de Mr. de Toqueville — de que todos possam escrever, e que todos respondam pelo que escrevem — este é o principio verdadeiramente liberal, e ilustrado. Eu quero a responsabilidade dos jornais, e quero a responsabilidade para o castigo; mas não convenho, de maneira alguma, que se imponham tais condições à imprensa, que tornem impossível essa mesma imprensa.

Senhor presidente, eu vejo aqui que, por esta disposição relativa aos depósitos, que se exigem aos jornais, vão os escritores ser colocados na dependência talvez da agiotagem; não são os talentos distintos, que se hão-de apresentar independentes na imprensa periódica a escrever contra o governo; os talentos nesta terra, geralmente falando, não são acompanhados de fortuna; os homens que podem, e querem escrever, não lêem de sua própria casa, em regra, os 3:000$000 de réis que se exigem, além das despesas que precisa o jornal; por conseguinte carecem necessariamente de recorrer a alguém que lhes empreste ou adiante esses capitais; mas desde que o escritor se achou na dependência de um terceiro, que lhe há-de adiantar os fundos para servirem de caução, a inteligência, o talento desse escritor, fica absolutamente livre? Certamente que não; esse jornalista fica ipso facto sujeito á influencia directa do homem rico que o ajudou, e que o pode fazer cair no momento em que quiser; os homens de dinheiro são os únicos, que podem sustentar os Jornais, e que hão-de, por conseguinte, discutir o governo!

Esta mesma opinião que eu não faço mais do que reproduzir, foi sustentada ainda não há muito tempo na tribuna francesa por Mr. de Grévy21, distinto orador daquela assembleia, quando se discutia a lei de liberdade de imprensa; e, note-se bem, que essa lei de liberdade de imprensa que foi publicada pelo ministério reaccionário a respeito das instituições atuais de França, essa lei de liberdade de imprensa, repito, foi arrancada á Assembleia Nacional com o título de lei provisória — não é código, como o nosso — é uma lei provisória, e foi com tão modesta denominação, e com esta feição transitória que pôde ser aprovada.

Senhor presidente, a carta de lei de 10 de novembro de 1837 estabeleceu 1:300$000 réis de caução, mas para as fianças estabeleceu 2:400$000 réis; a carta de lei de 19 de outubro de 1840 determinou a mesma caução para o depósito, e a mesma quantia para a fiança. Parece que aquelas leis tiveram em vista o mesmo que eu disse há pouco, isto é, que não fosse a caução superior ao máximo da pena com as custas, que houvesse a pagar, o que fosse condenado. Um ilustre deputado diz que não, mas eu entendo que sim. Eu vejo nestas duas leis que o máximo da pena é 1:000$000 de réis (assim como é neste projeto) vejo que nas duas leis a canção é de 1:200$000 de réis, por conseguinte entendo que houve um pensamento ligado entre o estabelecimento da caução e o máximo da pena nessas leis. Aqui no projeto tudo se passa diferentemente, a pena continua a ser a mesma, porem a caução eleva-se consideravelmente; concluo, por conseguinte, que esta disposição é preventiva; e; para evitar que se escreva, e não para condenar quem abusa.

Senhor presidente, a legislação preventiva em matéria de Imprensa tem saído cara a quase todos os governos que a tem promulgado; tem mesmo acarretado desastres nos outros países, que Deus afaste dentre nós. Eu que sou, assim como toda a câmara, sincero amigo das instituições, e desejoso de manter a ordem pública, estimaria muito mais que o governo se não tivesse lembrado de trazer aqui esta lei (apoiados). A maior parte das vezes os acontecimentos sucedem-se, outras vozes atropelam-se, e a final vem sempre desastres. Eu vejo que em 1827 a lei de amor a que já me referi ontem, foi a 17 de abril retirada, pelo governo, da Câmara dos Pares, receando que não passasse naquela casa; logo depois, em 27 de abril o mesmo governo licenciou a Guarda Nacional de Paris; a 24 de junho promulgou as famosas ordenanças; a 5 de novembro dissolveu a câmara e nomeou setenta e seis pares novos. Em 1828 já o Ministério Martignac não podia suster o leme do Estado; a 8 de agosto foi nomeado o Ministério Polignac para suster a torrente com as suas tendências retrogradas, e medidas de rigor, e este ministério, finalmente, em 1830, depois de uma dissolução, e uma nova perda de eleições, promulgou as fatais ordenanças de julho, que o fizeram precipitar, levando consigo a dinastia dos Bourbons, que ocupava o trono de França. Esta série de acontecimentos que se precipitaram naquela época, comparados com o que sucedeu depois das leis de 1835, dão-me a entender que e sempre perigoso para os governos mexerem num objeto tão importante e grave corno e a liberdade de imprensa. Dão-me mais a entender que uma vez que se enceta um caminho, e necessário continuar, e prosseguir nele. Eu não me esqueço, senhor presidente, de que a comissão talvez me cite o exemplo de Espanha; eu sei que a lei espanhola é restrita bastante, e tem-se cumprido, mas isso não me leva a querer importar para cá essa lei que lá existe, uma vez que eu a reputo vexatória. Eu desejava que Portugal tivesse muitas das coisas boas que tem a Espanha, como estradas, canais, instrução pública, e muitas outras instituições, e melhoramentos úteis, que encontro ali; mas não desejo nem a lei de liberdade de imprensa, nem os fuzilamentos interinos, que não estão em harmonia com a índole do nosso país, nem com as nossas liberdades, nem mesmo com o progresso atual do século (apoiados).

Em todo o caso entendo que devemos olhar para os exemplos das outras nações, mas antes de nos apropriarmos o que por lá existe, convém que nos convençamos de que as doutrinas estabelecidas nas nações, cujos exemplos queremos tornar, são convenientes e úteis para serem postas em prática no nosso país (apoiados).

Corno não quero cansar a câmara com o meu pequeno arrazoado, a que não chamarei discurso, e como não quero exercer uma certa tirania, que é a tirania da palavra, privando por mais tempo os ilustres deputados de tomarem parte no debate, vou concluir, fazendo por último uma simples reflexão.

Os senhores ministros vão embarcados neste baixel, de que são pilotos; se querem precipitar-se sobre os escolhos e parcéis de que estão rodeados, podem faze-lo muito embora, mas não comprometam nem a equipagem, nem os interesses de que são depositários (apoiados); eu, pelo menos, que não quero ser cúmplice neste grande atentado, declaro que voto com todas as minhas forças contra o projeto, e tenho pena de não poder dar senão um voto para o rejeitar, como rejeito, em todas as suas partes, mais importantes. (apoiados) (Vozes: — Muito bem).


Notas

 

1. António Roberto de Oliveira Lopes Branco (1808-1889) ministro da Fazenda de 29 de janeiro a 18 de junho de 1849. Formado em leis pela Universidade de Coimbra, juiz da relação do Porto, tinha sido governador civil de Coimbra em 1842-1843.

2. O deputado francês Paul Sauzet (1809-1876) relator de uma lei restritiva da liberdade de imprensa que apoiou defendeu também o ministro da Justiça Jean-Charles Persil no debate que se seguiu em setembro de 1835. A lei fazia parte de um conjunto de endurecimento do regime saído da Revolução de 1830 que ficaram conhecidas por Leis de Setembro.

3. Jules de Polignac, conde e duque de Polignac, príncipe do império alemão (1780-1847), primeiro-ministro ultra-realista de Carlos X, defensor do regresso total ao antigo regime, promulgou as ordenanças de Saint-Cloud, em 25 de julho de 1830, durante a crise política que levou à queda de Carlos X em outubro seguinte, a primeira das quais suspendia a liberdade de imprensa.

4. Lei de restrição da liberdade de imprensa apresentada por Jean-Baptiste de Villèle (1773-1854), primeiro-ministro de Luís XVIII e Carlos X, que acabou por ser rejeitada pela Câmara dos Pares francesa. A proposta de lei vinha no seguimento de legislação que tinha como objetivo atacar algumas medidas revolucionárias, como a lei da herança. Estas medidas e propostas ficaram conhecidas pelo nome de Leis de Setembro

5. François-René de Chateaubriand (1768-1848), escritor muito conhecido, autor do Génio do Cristianismo, opositor realista de Napoleão Bonaparte e apoiante da Restauração, membro da Câmara dos Pares, apoiante na época do Partido Liberal, atacou o Ministério Villèle mostrando-se um acérrimo defensor da liberdade de imprensa.

6. D. Pedro IV rei de Portugal e primeiro imperador do Brasil.

7. As maiorias podiam ser criadas por meio de “fornadas” de pares. Nomeação de pares pelo rei a pedido do governo vigente, normalmente por meio de outorga de títulos, para permitir maiorias na câmara alta, já que a câmara dos pares podia impedir as medidas decididas na câmara dos deputados. O governo de Costa Cabral tinha conseguido em 15 de dezembro de 1849 a nomeação de nove pares, o que lhe proporcionara uma maioria de três votos – 53 em 103 pares.

8. Fontes Pereira de Melo deve estar a referir-se ao período do governo do marechal Saldanha, empossado em 6 de outubro de 1846, em que entraram, em 22 de agosto de 1847, António de Azevedo Melo Carvalho, para a pasta do Reino, e Francisco Fernandes da Silva Ferrão para a Justiça, e ao ataque ao Ministério do jornal Estandarte, de José Bernardo da Silva Cabral, irmão primogénito do presidente do Conselho, em 1850, que tinha começado a sua publicação em 2 de agosto daquele ano de 1847. Em 1850, o jornal tinha começado a atacar o governo de Costa Cabral dando origem ao que a oposição chamava a lutas de Caim e Abel, e por isso o orador ironizou sobre se o Estandarte era, naquela altura, pró-governamental ou não.

9. Zachary Taylor (1784-1850), 12.º presidente dos Estados Unidos da América. Militar, herói da Guerra de 1812, de guerras com tribos índias e da Guerra do México de 1848, eleito em novembro de 1848, acabaria por morrer em 6 de julho de 1850 de uma gastroenterite. O problema levantado pelo presidente tinha a ver com pagamento de indemnizações a comerciantes dos Estados Unidos da América, possivelmente devido ao bloqueio naval do Porto durante a Guerra Civil da Patuleia, considerado ilegal pelo cônsul dos EUA. Na mensagem, recitada em 4 de dezembro de 1849, perante o Congresso reunido afirmara que: “a omissão de Portugal fazer justiça aos reclamantes americanos assumiu já um caráter tão grave e sério, que brevemente a tornarei assunto de uma mensagem especial ao Congresso”.

10. Flórido Rodrigues Pereira Forjaz, visconde de Castelões (1790-1862), pela fornada de pares de 15 de dezembro de 1849. Deputado de 1834 a 1846 tinha sido ministro da Fazenda no governo de José Travassos Valdez, conde de Bonfim, formado em finais de 1840, sendo desde 1841 comissário-chefe do Exército.

11. António da Cunha Souto Maior Gomes Ribeiro (1812-1894), membro da comissão de legislação. Foi embaixador de Portugal na Suécia, de 1856 a 1894

12. Era António Bernardo da Costa Cabral que acumulava a presidência do Conselho com a pasta do Reino.

13. Félix Pereira de Magalhães (1794-1878), ministro da Justiça e Negócios Eclesiásticos. Tinha sido secretário da Companhia do Alto Douro e secretário-geral da prefeitura dos Açores, antes de iniciar a carreira política, como senador (1838-1842), deputado (1842-1845) e par do Reino (1845-1870). Durante o Cabralismo foi membro da Comissão Administrativa da Misericórdia de Lisboa e do Hospital de São José (1841-1846), da Companhia dos Canais da Azambuja (1844-1859), da direcção da Caixa Económica de Lisboa (1845-1846) e da direcção do Banco de Portugal (1846-1849), tendo sido o seu primeiro presidente.

14. Visconde Louis de Bonald (1754-1840). Monárquico tradicionalista, antigo oficial da companhia dos mosqueteiros do rei , exilou-se, tendo escrito a Teoria do poder político e religioso. Regressado a França em 1797, foi nomeado em 1810 membro do Conselho da Universidade Imperial. Deputado de 1815 a 1822, foi membro do Conselho de Instrução Pública, da Academia Francesa e par de França. Carlos X nomeou-o para uma comissão temporária de censura.

15. António Correia Caldeira (1815-1876). Doutor em Direito pela Universidade de Coimbra em 1842, secretário-geral do Governo Civil de Lisboa, de 1844 a 1851, governador civil em 1845 e 1846, deputado de 1847 a 1871, secretário do Conselho de Estado em 1856, conselheiro do Tribunal de Contas em 1859, e par do Reino em 1876.

16. Alexis Clérel, visconde de Tocqueville (1805-1859), deputado de 1829 a 1851, foi ministro dos Negócios Estrangeiros em 1849. Tuberculoso abandonou a política em 1850. Escreveu o famoso livro De la démocratie en Amérique, publicado entre 1835, o 1.º tomo, e 1840, o 2.º tomo, e a L'Ancien régime et la révolution em 1856.

17. João Rebelo da Costa Cabral (1805-1881). Irmão mais novo de Silva e Costa Cabral. Bacharel em Leis pela Universidade de Coimbra, conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, fundou a Caixa Económica de Lisboa.

18. António Roberto de Oliveira Lopes Branco (1808-1889). Bacharel formado em leis pela Universidade de Coimbra, juiz da relação do Porto, governador civil de Coimbra (1842-1843), deputado de 1842 a 1869, ministro dos negócios da Fazenda (29 de janeiro a 18 de junho de 1849).

19. Carlos Bento da Silva (1812-1891), bacharel em Leis pela Universidade de Coimbra, amanuense da Secretaria de Estado da Fazenda em 1833, foi redactor de O  Portuguez e do Diário do Governo de 1840 a 1844. Deputado a partir de 1842 passou entretanto para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros. Secretário das Obras Públicas em 1855 e 1865, da Marinha em 1859, da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros em 1868, acumulará as pastas da Instrução Pública, da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros em 1870, e as da Fazenda e dos Negócios Estrangeiros em 1871. Conselheiro de Estado será elevado a Par do Reino em 1874. Em 1877 será ministro pela última vez, ocupando a pasta da Fazenda.

20. José Bernardo da Silva Cabral (1801-1869), irmão primogénito de Costa Cabral, bacharel em Cânones pela Universidade de Coimbra, governador civil de Lisboa em 1844, secretário de Estado da Justiça em 1845, sucedendo ao irmão, deputado, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano em finais de 1850.

21. Jules de Grévy (1807-1891). Advogado em Paris, participou em diversos processos políticos durante a Monarquia de Julho. Republicano, participou ativamente na Revolução de 1848, sendo eleito para a Assembleia Constituinte, onde se opôs à eleição do presidente da República por sufrágio universal – uma proposta anti-bonapartista. Eleito deputado em 1849 foi eleito vice-presidente da Assembleia Legislativa. Foi preso em 2 de dezembro de 1851, quando do golpe de Estado de Luís-Napoleão Bonaparte. Será presidente da República francesa de 1879 a 1887. A Revolução de 1848 em França tinha retirado quaisquer entraves à liberdade de imprensa, mas um decreto de 11 de agosto de 1848 acabou por definir os delitos suscetíveis de aplicação de penas monetárias ou de prisão. Mais tarde, a lei de 27 de julho de 1849, aumentou as restrições. É à discussão acalorada realizada durante a discussão desta lei a que Fontes Pereira de Melo se refere.

Fonte:

Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa, vol. 3.º, março, 1850, n.os 50 e 51, págs. 125 a 139. 

A ler:

Maria Filomena Mónica, Fontes Pereira de Melo, 4.ª ed., Lisboa, Aletheia, 2009 (1.ª ed., 1998)

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