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Das Memórias de Manuel Inácio Martins Pamplona
As Memórias de Manuel Inácio Martins Pamplona sobre a sua participação na Terceira Invasão Francesa, enquanto oficial adido ao Estado-Maior do marechal Massena ilustram bem o colaboracionismo vigente nos oficiais da Legião Portuguesa. Mostram também as ideias dos que participaram ao lado dos invasores franceses na mais violenta e destrutiva das invasões realizadas durante a Guerra Franco-portuguesa de 1807 a 1814, assim como as suas rivalidades.
1.ª Parte Sumário
de 3 de Maio até 15 de Julho de 1810 em Salamanca. Ordem
em data de 3 de Maio de 1810, do Ministro1,
recebida no mesmo dia à noite, em Paris,
para partir sur le champ
para o Exército de Portugal. Partida a 8 às 6 horas da tarde.
Chegada a 11 a Bordéus. Demora de 2 dias ali, para concertar uma mola
da carruagem quebrada, e fazer descansar a senhora e
a família2,
quebrantadas pelas noitadas. Alojado no Hotel
des Princes, chez madame Latapie: boa estalagem, bom cozinheiro,
mas caro. Vi
os compatriotas, parte da deputação portuguesa3,
que ali tinha ficado por
falta de
meios de ir a Paris: visitei os que conhecia,
e aos outros deixei bilhete; os primeiros são o bispo de
Coimbra, prior-mor de Avis, marquês de Penalva e
um filho, e o desembargador do senado, fulano Tomás4;
os segundos, o bispo inquisidor, e visconde de Barbacena, e estes dois
últimos restituíram-me os bilhetes de visita. O marquês pareceu-me
descabido do juízo, e da sua graça natural, e o bispo de Coimbra
pareceu-me de cabeça enfraquecida; o prior-mor, antigo amigo desde o
colégio, festejou-nos e deu-nos de jantar; nenhum dos outros
portugueses foi a ele, porque tinham ajustado um jantar no campo dias
antes, que pagava o desembargador; era o dia 13 de Maio. Partida
de Bordéus a 14. Dormida em Dax, na noite de 15, por causa de uma
grande tempestade, e pelo descanso da senhora. Chegada a Baiona a 16,
onde encontrámos os 2 ajudantes de campo, e o Nobre5,
major do 2.º Regimento de Caçadores a Cavalo da Legião Portuguesa,
que ali esperavam desde Janeiro. O último tinha tido ordem
ministerial de me seguir. Demora de 5 dias para comprar cavalos e
outros arranjos, e esperar escolta. O general senador Hedouville
mandava ali, e me fez obséquios. Encontro com Mr. Lambert, destinado
para intendente do Exército de Portugal, e com o general Thiébault,
que em 1808 tinha sido chefe do Estado-Maior-General do exército de
Junot. Partida a 22 de Maio, com escolta dos furgões do príncipe de
Essling6,
às ordens de um ajudante de ordens do marechal Jourdan, que ia para
as ordens do de Essling. Notícia
a 23, em Irun, de que as guerrilhas saíam frequentemente em
Irtuen, a meio caminho de Ernani. A 25, para me desembaraçar do
grande incómodo, que o numeroso comboio de carros e carruagens
causava, em lugar de ficar em Tolosa, ganhámos Vila Franca sem
escolta, e ajuntou-se-nos o chefe de esquadrão adjunto ao
estado-maior do príncipe De Neuf-Chatel, Mr. La Flontines, commissário
ordenador La Neuville, e os dois ajudantes de campo Mr. do Barral o
Reignice: o intendente Lambert larga igualmente o comboio, e parte em
posta para Vitoria. A 26 a Madragon com escolta de 6 gendarmes.
A 27 a Vitoria com 6 gendarmes
até Salinas, e com 20 homens de infantaria até Vitoria. A
28, com 120 convalescentes de infantaria e 15 caçadores da
Guarda, a Miranda do Ebro. As guerrilhas apareceram no Vale do Ebro,
sobre a margem esquerda, mas fugiram acossadas pelas partidas que saíram
de Miranda. A 29 a Breviesca. Ali adoeceram quase todas as nossas
bestas, o melhor cavalo que eu tinha comprado em Baiona, de carruagem,
não pôde seguir: ficou com ele o ajudante de campo Cardoso7,
que tinha também os seus cavalos doentes. A 30 a Burgos, onde
comandava o general de divisão Dorsenne, governador militar das três
províncias. O general Thiébault não tendo encontrado ali ordem do
marechal Masséna para vir ter com ele, tinha ficado ali com o
governador civil da Velha Castela. A 31 descanso; jantar com Dorsenne:
notícia da aparição da banda do Cura, que tomou entre Villadrio e
Torrequemada uma partida de 110 homens comandados por um oficial. Saída
do ajudante comissário chefe do estado maior Quesnel, com cavalaria
da Guarda Imperial, para rebater o Cura. 1.º
de Junho; partida de Burgos com a escolta de convalescentes e 200
homens do 3.º regimento auxiliar, boa tropa e bem comandada por um
capitão. No meio do caminho, encontro da cavalaria da Guarda Imperial
que voltava a Burgos, tendo visto o bando do Cura, não o tendo
perseguido, e dizendo que com o Cura havia parte do Regimento de
Cavalaria de Bourbon, que manobrava perfeitamente. Quesnel parecia
assustado, e recomendava a maior cautela, dizendo que tinha todas as
razões de crer, que o oficial tomado pelo cura tinha sido fuzilado,
depois de o terem obrigado a escrever, que ele, e a sua tropa
prisioneira, estavam muito bem tratados. Chegada a Zelada, etapa. 2
de Junho a Villadrio. Um espia refere ao comandante que o cura se
propunha a atacar-me na planície de Torrequemada, depois de ter
passado a ponte de Quintana, para o que estava emboscado em Palenzuela,
onde tinha feito o golpe nos dias antecedente, contra o destacamento
que aprisionou: o comandante acrescenta, que a banda do Cura era bem
disciplinada, que tinha tempo antes tomado um comboio de apetrechos de
guerra, destruído e deitado no rio, etc. e que o general Montbrun, à
sua passagem, se tinha batido com ele. Partimos, ao anoitecer, para
evitar o ataque por causa, das mulheres que iam: falámos ao
comandante da Quintana, que estava retranché
à la tête du pont do rio Arlanza; este nos recomendou cautela,
mas diz que tendo ele recebido a carta do oficial tomado, nenhuma razão
tem para o supor fuzilado. Chegada a Torrequemada às duas horas
depois da meia-noite, sem encontro. No dia 3, ás onze horas da manhã,
continuamos a jornada para Duennas, sem encontro de guerrilhas; mas um
correio que encontrámos diz-nos ter sido perseguido: em Duennas deixo
o destacamento do regimento auxiliar, que recebe ordem de ir a Palência,
onda havia algum susto. No dia 4 continuo com a única escolta de
convalescentes, que eram então 79: na ponte de Cabeçon, sobre o
Pisuegra, soubemos que havia dias tinham vindo ali os de Bourbon, mas
seguimos até Valladolid sem encontro. [Dia] 5, descanso em Valladolid,
e deixo a mulher e família, por me informarem que a estrada não era
segura, que havia grande dificuldade em Salamanca de alojamento, e que
havia falta de tudo. A 6 partida com 80 homens convalescentes,
pertencentes ao regimento 43 do 9.º Corpo. Marcha penível de areais:
na ponte tenho notícia do ataque das guerrilhas sobre Ventosa; não
sendo possível ficar em Val de Sillos, queimada e arruinada, e só
com 5 ou 6 habitantes, seguimos até Medina del Campo, e no caminho se
me reúne um partido de Dragões (em Ventosa) e chegámos ao
anoitecer. A 7, um forte destacamento de Dragões sai à descoberta de
Medina del Campo, pela certeza que uma banda tinha, pernoitado a uma légua;
voltam sem encontrar nada. Partimos, e chegamos a Canta-la-piedra sem
acidente, mas tomando sempre alguns Dragões a cada posto. Dizem que o
nome desta Villa, da crença dos habitantes, vem de ter uma pedra
cantado milagrosamente. Fiquei em casa de Madame Oniz, viúva que
ficou de um cavaleiro, que foi ministro de Carlos III em Dresde e S.
Petersburgo: conversámos muito sobre os países estrangeiros, e
apesar de que a senhora não era nem moça nem bonita, e com a boca a
mais nojenta, pareceu-me ter desejos de deixar de ser viúva: En
attendant, um ajudante de cirurgia lhe fazia a corte. A 8 a Villa
Fuente, a 9 a Salamanca, péssimo caminho pela direita de Tormes.
Depois de duas horas de trabalho, não alcanço mais do que um quarto,
alojamento de oficial subalterno, dois dias depois outro de, oficial
superior; e alguns passados, com a, partida do general Treillard, um
bom em casa do marquês de Castillan, ausente com toda a família. No
mesmo dia vi o príncipe, que me convidou a jantar para o dia
seguinte, dizendo-me que fosse cuidar em me alojar, o que não era fácil:
acrescentou, que quando me anunciaram, tinha pensado que era o marquês
de Alorna, o qual lhe tinha escrito de Madrid, rogando-lhe que o
deixasse vir ter com ele. Depois
o duque de Abrantes8,
que também me perguntou pelo general Alorna, o qual lhe tinha escrito
para o mesmo fim, quando pensava que a direcção dos negócios de
Portugal era confiada em chefe ao duque; e acrescentou, que há muito
o príncipe tinha escrito a esse respeito a Paris. O
6.º Corpo estava perto de Cidade Rodrigo, mas a artilharia de sítio,
atolada, não podia seguir; as chuvas continuavam: O 8.º Corpo desde
Zamora ao longo do Douro a Ledesma: o general Sainte Croix tem urna acção
vantajosa em Alcaniças, que tomou com a cavalaria, apesar das
barricadas, e diz que a acção se passara à vista dos postos
portugueses, os quais nem montaram a cavalo, para tomarem parte nela;
diz mais que em Bragança não quiseram receber os fugitivos espanhóis:
o general Echevarria é quem mandava nestes últimos. O 2.° Corpo
perto de Mérida, com ordem de passar o Tejo, e vir a Placência. Trás-os-Montes
ocupado por Milícias portuguesas, e alguma cavalaria comandada por
Silveira9,
que dizem ser marechal de campo: a sua linha sobre a direita do Douro:
os ingleses na Beira Alta, postos até Galegos, e partidas à vista de
Cidade Rodrigo. Dizem que a Beira Baixa ocupada por um corpo português.
Mr. Luit, que foi secretário de Estado em Portugal no tempo de Junot,
acha-se em Salamanca, e tem à sua porta um escrito concebido assim
– Mr. Luit secretário d'Estat
et de Ia Guerre et de Ia Marine du Portugal – Salamanca está
arruinada; as portas, janelas e tectos da maior parte dos conventos,
queimados e abatidos pelo 6.º Corpo; não restam mais do que as
paredes: a maior parte dos grandes e nobres estão ausente, e as casas
despojadas dos trastes e ornatos que lhes vi em 1808; não se vê uma
só carruagem: os estudantes fugiram, a universidade fechada, e o
bispo em Portugal. No
dia 10 jantei com o príncipe, recebeu-me com uma atenção
franca, disse-me que o meu talher estaria sempre posto à sua mesa, e
quantas mais vezes fosse pedir-lhe a sopa, mais obséquio lhe faria. O
general Fririon, chefe do Estado-Maior General estava en
course para as bandas de Cidade Rodrigo. No dia 43 chega o
ajudante de campo Cardoso ao meio dia; anuncia que trazia os seus
cavalos; e que deixara o meu em Burgos, aos cuidados de um alveitar da
Guarda Imperial, de que traz recibo, e diz que se adiantara do comboio
de Jourdan10,
ao qual se reunira em Valladolid o general Alorna. Este general, que
eu esperava fora da porta de Zamora, chega às 4 horas: o comboio era
grande, e três ou quatro empregados franceses, que se haviam desviado
da coluna são agarrados e mortos pelas guerrilhas. Com o general vem
o major João Freire11
que se intitula coronel, pelo general o ter proposto para esse grau: o
ajudante de campo, capitão D. José de Noronha (Tancos), que se
intitula chefe de esquadrão pelo mesmo motivo; o tenente ajudante de
campo, Pereira12
que se intitula capitão pelo mesmo motivo; o capitão Reycend, com
mulher e filho, que tinha vindo com o general duque de Abrantes de
Portugal, e fez depois a campanha do marechal Soult em Portugal; um
fulano de Lima, que tendo dado baixa de soldado na redução das
tropas do Alentejo pelo general Solano13,
agregou-se depois ao general Kellerman, e apareceu tenente, não se
sabe como, e depois parece que se fez ele mesmo capitão; outro Lima,
irmão do precedente, tendeiro em Vila Viçosa, pátria de ambos, que
há uns meses desertara de Portugal, armando-se em tenente; um
Bavieres, ourives de profissão, armado em secretário do general; um
Dugay, espécie de negociante, que fora de uma guarda d’honneur,
que o duque de Abrantes armara em Lisboa, e que vinha em pretexto de
reclamar alguns algodões retidos em Cidade Rodrigo desde a insurreição;
e um Ferreira, ilhéu da ilha da Madeira, que apesar de clérigo e
sacerdote, provou com testemunhas falsas ser solteiro e livre (sendo
uma das testemunhas João Freire), e casou com uma moça, que era
amiga e manceba do conde da Torre del Fresno, quando este foi despedaçado
pelo povo em Badajoz, e que agora depois de casada, estava amigada com
o dito João Freire. O tal Ferreira, creio ser um que, com poderes do
G[rande]. O[riente]. de Lisboa, enganou muita gente em Paris, dando
graus maçónicos, ao que lhe foi à mão o general Freire, o que o
obrigou a sair daquela cidade precipitadamente, e vir a Madrid, aonde
continuou a mesma vida para extorquir dinheiro aux
dupes. Por fim vinha na mesma comitiva um cónego de Braga,
chamado Guedelhão, que tendo-se pronunciado pelo partido francês,
saiu de Portugal com o marechal Soult: então é que percebi o engano
em que estava, supondo que o arcebispo de Braga, Torres, estava deste
lado, porque um oficial inferior dos Dragões, que tinha sido da
expedição, e que voltava ao depósito em França, disse ao major
Nobre em Baiona, que o arcebispo de Braga tinha vindo com o marechal,
e que este tinha obrado nobremente com o arcebispo, dando-lhe les épaulettes de Colonel, sendo o engano em que este cónego fora
designado pelo marechal para arcebispo, por este se ter retirado para
Lisboa, quando os franceses entraram em Portugal, no Minho. Nesse dia
12 jantou o general Alorna com o duque de Abrantes, e não foi ver o
príncipe. No dia 13 fui com o dito general a casa do príncipe, à
uma hora depois do meio dia, não o achámos, estava no passeio; jantámos
com o duque de Abrantes, e tornámos depois ao príncipe, que nos
recebeu perfeitamente, e disse ao general – que d'après ce que lui avait dit Mr. le Duc d'Abrantes, il le attendait,
qu'il l’aiderait, ainsi que moi, dans l'entreprise, que lui était
confiée, et que n'était pas bien aisée. – O general
entregou-lhe uma carta d'el-rei de Espanha José, do qual o marechal
fez os maiores elogios, e concluiu por nos convidar a jantar no dia
seguinte. No dia 14 fomos ao dito jantar: repetição dos mesmos obséquios,
e um convite igual ao que se me tinha feito, de voltar sempre sem
convite: notícias que Astorga estava ameaçada, entrada dos espanhóis
em Leão, e posto que tornaram a sair, entretanto mataram os espanhóis
do partido do rei José: o atrevimento das guerrilhas vindo às portas
de Valiadolid, o que necessitava o general Kellerman a uma expedição,
o que tudo fazendo-me ver que a minha família estava mais exposta em
Valladolid, do que em Salamanca, mando o ajudante de campo Cardoso
nesse mesmo dia a busca-la. O príncipe pede-nos um itinerário de
Portugal: principio a copiar o que em Paris dei para o Imperador, por
sua ordem. O tempo melhora; a artilharia pode continuar o caminho para
Cidade Rodrigo. A divisão Solignac14
vem a Ledesma, deixando só uma brigada em Zamora. Marbot15
ajudante de campo do príncipe, vindo de Zamora é atacado, matam-lhe
um criado, um cavalo, e três Dragões, que penduram nas árvores. O
engenheiro coronel Valeze, mandado para dirigir o sítio de Cidade
Rodrigo, é recambiado pelo marechal Ney, que lhe diz que se contente
de ser coronel pelo sítio de Astorga, e que lá, tem quem faça este.
O duque de Abrantes, estimulado de que lhe tirassem uma das suas
companhias de artilharia, à tenu des propos, que teriam consequências sem a intervenção do
general Solignac, e do intendente Lambert, mas tudo se arranjou
amigavelmente. Achando-se a artilharia em medida, partiu o príncipe
no dia 24 para o campo, e o duque de Abrantes, com parte do seu corpo,
para S. Felices el Chico, sobre a margem direita do Águeda. Tem
poucas vantagens o primeiro trabalho, por serem as baterias muito
distantes, e sendo ferido o engenheiro do 6.º Corpo, que dirigia os
trabalhos, encarregaram-se a Valezes, que muda de método: a praça
faz sempre um fogo vivíssimo. No mesmo dia 24 chega a minha família
de Valladolid com Cardoso. O príncipe, á sua partida diz-me, e ao
general Alorna, que não havendo nada que fazer para nós em Cidade
Rodrigo, e não havendo no campo meios de subsistir, que ficássemos
em Salamanca, mas que podíamos ir ter com ele, se soubéssemos que os
ingleses faziam movimento, ou que os franceses os faziam, para
combater os ingleses. O campo diante de Cidade Rodrigo, sem armazéns,
vive do que se lhe manda cada dia de Salamanca: a intendência
queixa-se de que mandando mais rações do que as precisas, não
chegam para a tropa, porque os generais tomam para si quanto querem,
sem medida, a arbítrio. 29
Junho, o general Alorna parte para o campo, acompanhado do major
Freire, por arbítrio e sem ordem, e por querer ver (ao que diz), um sítio.
Escrevo ao general Fririon dizendo-lhe, que eu também iria, se
soubesse que o príncipe o aprovava. Dou licença ao ajudante de campo
Cardoso para ir ao sítio ver as obras, e para ter ideia do que é um
sítio. O duque de Abrantes passa o Águeda, estabelece o seu
quartel-general em Palacios, e os ingleses se replient
sur Gallegos. O general Fririon responde que era melhor que eu não
saísse de Salamanca. Volta Cardoso, e diz que o general Alorna estava
em grande privança com o Príncipe, de cujo lado não saía. A
praça continua a defender-se com teima. Mando outro ajudante de
campo, Soares, ao campo, com o mesmo fim de se instruir. A divisão
Serrás, que estava em Vitoria, e guardava as comunicações desde
Irun, avança e toma posições em Zamora: A divisão Boudet vem das
Astúrias, e toma posição em Astorga, ou vizinhanças. O fogo vivíssimo
do dia 10 e 11 de Julho, tendo feito calar o fogo da praça, e aberta
uma larga brecha, a qual se ia a subir na tarde do dia 11, obriga os
sitiados a render-se à descrição. As tropas entram, pilham por
decisão própria os habitantes por duas horas, até que por ordens do
Príncipe, se pode fazer cessar a pilhagem. Acham-se 7.20
bocas-de-fogo, e muitas munições: os edifícios da Praça
inteiramente arruinados, não há uma casa, em que não caísse alguma
bomba. No dia 14 volta o Príncipe etc., o general Alorna, e o
ajudante de campo Soares. A
falta de víveres faz com que o 8.º Corpo retroceda e tome posição
sobre Tormes, em Ledesma, etc. O 6.º Corpo não recebe mais do que a
terça parte da ração. O capitão Gama, português, chega do 2.º
Corpo, cujo quartel-general deixava em Almendrulejo, e do qual o rei
tomou os Dragões, para, mandar para a Mancha, inteiramente revoltada:
o capitão foi atacado cinco vezes no caminho; dá notícia que há 22
oficiais inferiores no 2.° Corpo, dos quais só conheço José Pedro
Alexandrino. Dias antes tinham chegado a Salamanca o marechal de campo
de Chambors, que vinha doente de uma perna, o coronel Vioménil, o
tenente Mascarenhas (filho de José Diogo), o sub-tenente Dupuy, filho
do gravador Dupuy, todos ao antigo serviço de Portugal, e saídos de
lá com o duque de Abrantes, depois da convenção de Sintra; vinha
também um Mr. Thomaz Franciz16
que não sei o que é; vinham da Andaluzia, e receberam ordem de se
reunirem ao Exército de Portugal, onde podiam ser mais úteis. O
general Chambors vinha de Madrid: o duque de Abrantes vem ver a
duquesa, que tinha ficado em Salamanca, está três dias, e parte para
Ledesma, para onde no dia seguinte a manda buscar. Mr. Luit tira da
sua porta a papeleta, que o qualificava de ministro de guerra e da
marinha de Portugal; diz-se que foi por ter o Príncipe perguntado
quem era aquele secretário de Estado, que ele não conhecia. O
general Alorna desvia-se do duque de Abrantes, e não lhe dá nem Monseigneur
nem Excelência, trata uma grande familiaridade com o Príncipe, indo ao
almoço, ao jantar, ao passeio, à partida todos os dias, e é muito
bem recebido, e continuando a ver-me, sempre observo que me faz mistério
de várias coisas que sei por outra parte, que busca, intima introdução,
afastando a minha: tomo o partido de continuar no sistema antecedente,
aproveitando-me da bondade do Príncipe, e indo ao seu jantar cada três
ou quatro dias. O mesmo general aproveita o favor em que se acha para
fazer pedir pelo Príncipe ao imperador os grandes que se acham na
Legião em França, e acrescenta a estes o bispo de Coimbra, dando por
motivo, que, como este prelado não é da alta nobreza, que seria
conveniente que este também viesse, para se ver que todos diziam o
mesmo à nação: perguntou-me se me parecia que a influência destes
senhores faria com que em Portugal se abraçasse o partido francês, e
largassem os ingleses. Respondi, que por ora, por tudo o que me diziam
ter sucedido em Portugal depois da nossa saída em Abril de 1808,
julgava que nem a influência dele marquês, nem a minha, valeriam de
nada neste momento, e o mesmo menos de alguns fidalgos que ele pedia,
aborrecidos da nação e alguns desprezados pela sua conduta, que me
parecia que D. Manuel, o marquês de Valença, e mesmo o Castro
Resende, podiam servir, depois de efectuada a entrada dos franceses,
que o mesmo conde do Sabugal tinha estofo para coisas boas, havendo
quem mitigue o ardor da sua mocidade, mas que o marquês de Ponte de
Lima, e de Loulé, e S. Miguel não podiam senão fazer aborrecer o
partido em que entrassem, etc., etc. Sem embargo disso persistiu e
apresentou a sua lista ao Príncipe, que se não informando com mais
ninguém, parece que aprovou, e remeteu a Paris, segundo diz o general
Alorna. Esta
lista já tinha sido mandada ao ministro da guerra pelo dito general,
quando este partiu de Grenoble para Espanha, em Março de 1809, com
tenção de se reunir ao marechal Soult, e entrar com ele em Portugal.
Este general ofereceu-se para acompanhar o imperador, quando este,
vindo a Espanha, tinha nesse ano o projecto de ir até Lisboa; não se
lhe respondeu, e tendo os negócios da Alemanha obrigado o imperador a
não prosseguir, e voltar a Paris, para acudir à guerra de Áustria,
então o ministro escreveu ao general Alorna, que o imperador
condescendia com a sua rogativa, fiando-se nele, que partisse para
Espanha, onde o marechal duque de Istria lhe daria instruções;
acrescentava o ministro que, como havia na Legião Portuguesa muitos
oficiais a Ia suite, que estes podiam fazer mais úteis serviços em
Portugal, e que assim lhe pedia que lhe remetesse uma lista dos que
ele julgasse poderem servir utilmente, sem distinção de efectivos a Ia suite: acrescentando, que tinha autorizado ao major Castro a
partir, e que daria uma igual autorização ao coronel Albuquerque (Ega),
se este o desejasse. O general respondeu que não precisava nem de
alferes, nem tenentes, mas sim de pessoas da primeira qualidade, em
consequência mandou uma lista deles, em que dizem incluíra todos os
grandes; parece que isto não agradou, porque nem teve efeito, nem se
lhes respondeu, e que ao depois, em Janeiro de 1810, se me pediu pelo
mesmo ministro uma lista de oficiais, que pudessem ser mandados a
Portugal, recomendando-se uma informação detalhada imparcialmente, a
qual dei, e como escrevi segundo a minha consciência, talvez fosse
diferente, posto que inclui aqueles grandes de, que fazia conceito; o
tom de verdade que reinava na minha informação, que talvez quadrasse
com as informações do general Muller, que eu não tinha visto, nem
sabido, fez com que o ministro me agradecesse muito aquele papel, e me
perguntasse, se eu queria aqueles oficiais, ao que respondi, que não
pedia nenhum, mas que só tinha dito o que eu pensava deles, o que me
foi bem agradável, pois como se me não tinha nomeado indivíduos, só
falei dos que podia dizer bem, sem me ver na necessidade de falar
daqueles, dos quais não fazia bom conceito. Entretanto
o general Alorna partiu, encontrou o marechal Bessières em Baiona,
que nada lhe disse, continuou seu caminho até ValIadolid, donde não
pode reunir-se ao marechal Soult, por estarem interrompidas as
comunicações; foi para Madrid, onde ficou ao pé do rei [José
Bonaparte]; assistiu ás batalhas de Medellin, Talavera, de Almonacia,
de Ocanha, e só não foi à expedição de Andaluzia (onde parece que
o não quis o marechal Soult) até que obteve vir com o marechal
Massena como fica dito; pois só depois da sua chegada a Salamanca
recebeu ordem do ministro para vir para o Exército de Portugal, ordem
alcançada pelo marechal Massena, em consequência das recomendações
do Duque de Abrantes. Para
me convencer mais do que são os homens, quero me lembre sempre quanto
o ciúme se incita pelas menores razões. Desde a minha mocidade fui
sempre ligado ao general Alorna, mas sem lisonja, e conservando a
minha opinião, servi-o e ajudei-o no que ele quiz; nenhuma diligência
fiz para vir para o Exército de Portugal; metido em Gray com a minha
brigada de cavalaria, desde 1808, até fins de Outubro de 1809, nunca
pedi nenhuma comissão, senão a de ir comandar a minha cavalaria na
guerra de Áustria, o que não obtive; em Outubro de 1809 recebo ordem
do ministro para ir a Paris em posta; parto, o imperador honra-me; e o
ministro diz-me que acompanharei o imperador a Portugal; entretanto
pedem-se-me notas, que dou, e que são aprovadas, do que não só me não
gabo, mas nem em tal falo a ninguém: o favor que recebo excita a
inveja de D. Lourenço de Lima, e de seu digno sobrinho do mesmo nome;
por fim o imperador, em lugar de vir, manda o príncipe de Essling, e
depois da partida deste de Paris, recebo ordem para vir ter com ele; e
disse-me que é para servir a seu lado. Parto, e à minha chegada sei
as diligencias do general Alorna para vir também, sem dúvida para me
suplantar, e tirar-me a influência que devia esperar, pela boa ideia
que o imperador forma do meu carácter. À chegada do general digo-lhe
como se passou a minha nomeação, para a qual não tinha eu feito a
menor diligência. O general tinha escrito vários papéis com o fim
de destacar os portugueses do partido inglês, e os tinha feito
imprimir: chegado a Salamanca, escreveu outro, que me mostrou, e
pediu-me que o traduzisse em francês, o que faço; mas como o seu
contexto não me parece adoptado para a multidão, escrevo também um
papel em francês, que lhe mostro, que lhe parece muito bom, ao menos
assim o disse, e faz-me a mercê de o traduzir em português. Nesse
meio tempo parte o general para o campo diante de Cidade Rodrigo, e eu
guardo o meu papel sem tenção fixa de o fazer servir, ou não.
Escreve-me de lá que lho remeta para o mostrar ao Príncipe: como sei
que nas circunstâncias em que nos achamos, toda a circunspecção é
pouca, não me parece acertado de lhe remeter um maço fechado,
portanto mando-o ao general Fririon avulso, pedindo-lhe o entregasse
ao general Alorna: o general Fririon leu-o e mostrou-o ao Príncipe, e
ambos o acham bom, e o último guarda-o, do que se estimula o general
Alorna, e escrevendo-me, que tinha reparado em que eu não tivesse
fiado dele a minha proclamação; dou-lhe a minha explicação.
Trata-se depois de a fazer imprimir, e acrescento um parágrafo sobre
a tomada de Cidade Rodrigo, que também é aprovado, e entrego tudo ao
general Alorna, que não só não o fez, mas substitui uma sua, que
tem o singular princípio - “Apesar de” –, que me vem mostrar, e
que copia no meu bureau,
encarregando-me de rever a impressão, no dia em que fico de mais em
Salamanca, e sem me falar na minha uma só palavra. Visto não faço
caso, porque pouco ou nenhum efeito espero de tais meios, mas
entretanto mostra-se a vontade fixa de me anular: não posso achar
outro motivo senão o de me não considerar da sua alta hierarquia; e
posto que eu esteja contente com o grau de nobreza que herdei dos meus
antepassados, ainda estimo mais não ser da ralé daqueles, que tão
vergonhosamente se têm conduzido em França, caloteando, etc. –
Conclusão – interesses particulares, e projecto de meter à cara as
pessoas que perderam Portugal no antigo regime. Salamanca,
16 de Julho até 20. Chega o general Lajustre, general de divisão
que vem para chef du génie de
l'armée du Portugal, e parte logo depois para Cidade Rodrigo.
Continua a penúria dos víveres, e a falta absoluta de transportes do
país, o que paralisa tudo. O parque de artilharia de sítio
aumenta-se de 45 bocas de fogo a 80, com as tomadas em Cidade Rodrigo,
mas todas precisam concerto (desgrains),
o que leva tempo. Há falta de balas de 24 e de artífice, que se pedem a Valladolid e a Baiona. Espalha-se voz que
se mudou o governador de Almeida, em Portugal, por suspeita de traição;
se assim é, creio que foi injustamente, pois não sei que houvesse
com ele, quem quer que é, a menor inteligência. Uns dizem que o
governador é português, e outros que é inglês: o Gama disse que
sabia decerto que era Matias Azedo, e que tinha consigo o Moreira,
oficial de engenharia. O Pereira fingiu perdido o seu livrete de
tenente, e vai dize-lo ao inspector aux
revues, afirmando-lhe que é capitão, e apanha um novo livrete
como tal, e cobra em consequência soldo de capitão. Posteriormente
fazem assinar ao marquês de Alorna uma lista de oficiais portugueses,
que se achavam neste exército, em que se confirma todas estas
falsidades, Freire coronel, etc. 20 de Julho chega o ajudante de campo
Jourdan do 2.° Corpo pelo caminho de Porto de Banhos, diz que o
quartel-general Reynier fica em Placencia, e a cavalaria em Corja, que
no caminho os centeios, já maduros, caíam com a espiga no chão sem
haver quem os segasse.
O Príncipe lembra-se de mandar comprar foices, e distribui-las às
divisões, e fazer a ceifa por corvée.
Numa conversação em que se trata da Beira, o marechal, reflectindo
na nulidade absoluta dos transportes, na situação actual, que se
aumentava à proporção que entramos na Beira, país por si mesmo
falto de transporte, sem caminhos, e sem meios de subsistência,
pondera a imensa dificuldade de subsistir seis dias até Coimbra,
ainda quando a sua marcha não encontre outras dificuldades, e
trazendo à memoria que diante de Génova, achando-se quase – cerné
- pelo general Melas, e donde saiu por um coup
de tête, mas tendo-se-lhe feito brancos em uma só noite todos os
cabelos das moustache, diz
que nesta situação “S'il ne cherchait de s'étourdir, espéra que
quelque arrangements pourrait le tirer d'un aussi mauvais pas, que
tous les cheveux blanchiront encore, et qu'il ne lui resterait un seul
poil noire”. 21
de Julho. Uma parte do marechal Ney diz, que uns dizem que les Anglais se retirent, e outros qu'ils se replient; que, para se certificar, vai mandar um forte
reconhecimento pour taler la
place d'Almeida; em consequência o Príncipe manda vários
ajudantes de campo para saber o que se passa, e pedindo um oficial
português ao general Alorna, para que no caso de se vir pour
parler com o governador da Praça ele pudesse explicar-se melhor,
este general lhe dá o major Freire, que parte com este destino. O
general Fririon que volta de tarde de Cidade Rodrigo, nada sabe, não
lhe tendo o marechal Ney dito nada. O general Alorna pede-me a minha
proclamação, que ele tinha traduzido para mandar imprimir;
entrego-lhe o meu original francês, e a sua tradução portuguesa.
Neste dia tomam-se medidas para coarctar o abuso da distribuição das
rações, que quase era arbitrária, e que é tão mesquinha, de pródiga
que tinha sido, que não se é possível existir. 22
de Julho. Noticia que os ingleses fizeram saltar o Forte da Conceição;
ignora-se o motivo. Dizem que os nossos postos chegam a Vale da Mula,
primeira povoação portuguesa, por sobre o Tormes, e a uma pequena légua
de Almeida, o que parece duvidoso. Por uma carta de um ajudante de
campo do general Loison sabe-se que foram os ingleses que fizeram um
reconhecimento no dia 2, no qual o mesmo ajudante foi ferido. 23
e 24 de Julho. Anuncia-se a mudança do quartel-general do Príncipe
de EssiIng para Salamanca no dia 16. A 25 devem partir as equipagens.
Sabe-se pelo canal da intendência, que o 6.º Corpo fazia um
movimento no dia 24, do qual parece que não deram conhecimento ao Príncipe,
o qual parece muito mortificado por esta falta de notícias. Este nos
diz, que recebe partes que há muita tropa portuguesa nas fronteiras,
que há bastante gente em Penamacor, Castelo Branco, etc. Um desertor
português, natural de Braga, e soldado de um dos batalhões de caçadores,
vindo de Barbas de Porco a S. Felices el Grande, diz que no dia 29 se
espera um comboio de três mil carros de provimentos para Almeida, e
acrescenta, que os corpos portugueses estão muito mécontents
pour se battre en retraite avec les Anglais. Em casa do príncipe
sei que o major João Freire tinha escrito de Cidade Rodrigo
ao general Alorna, o qual me fez mistério de ter recebido carta dele.
O Príncipe diz que tem na ideia que não concluirá esta campanha, e
que talvez seja chamado para outra parte, pelas boas tenções em que
está de poupar Portugal, etc. O general Reynier escreve de Coria.
Sabe-se a reunião da Holanda à França, pelo estafeta: não chega o
correio ordinário, que se diz tomado. O Príncipe nomeia o general
Poinçot, que estava a partir para o 2.º Corpo a comandar uma brigada
de Infantaria, governador de Zamora, em lugar de um governador nomeado
pelo rei de Espanha, do qual há muitas queixas (o general Royer).
Parte o Cardoso a fazer o meu alojamento em Cidade Rodrigo. Salamanca
25 de Julho. Partem as bagagens do Príncipe, e do Estado-Maior,
para Cidade Rodrigo. O marechal Ney dá conta que estava em Aldeia do
Bispo e Valverde, movimento que fizera de son
chef; parece que diz que o apoiem pelos seus flancos, e que lhe
mandem víveres para marchar para diante. Entrega o major Nobre ao
corregedor a proclamação do general Alorna, que principia – Apesar
– para se imprimirem mil exemplares, e revejo a prova. A pouca
cavalaria que havia, parte com o Príncipe, e escoltas do
Estado-Maior; não ficam senão 12 a 14 gendarmes
desmontados. Mr. Barral, ajudante de campo do Príncipe, chega do 2.º
Corpo neste dia pela manhã, antes que o Príncipe partisse; tinha ido
pelo Col de Banhos, e voltado pelo Col ou Porto de Parares; por nenhum
dos caminhos está a comunicação estabelecida; pelo 2.º foi necessário
três batalhões de escolta, e um esquadrão, para poder passar; todo
aquele país estava revolto: os habitantes da Serra da Gata estão em
armas. O exército manda corpos de quatro e cinco mil homens para
alcançar víveres. O ajudante diz que o 2.º Corpo conta 45.000
homens presentes debaixo das armas: os dois regimentos, que tinham ido
para a Mancha, não se lhe reuniram: o quartel-general em Coria; na
Beira Baixa, desde Castelo Branco até Alfaiates, de doze a catorze
mil homens, portugueses e ingleses, de que, muita cavalaria. O célebre
D. Julian17,
que com 180 lanceiros saiu de Cidade Rodrigo, depois de sitiada, sem
ser percebido, se acha por ali, assim como as guerrilhas, de que uma
parte inquieta les derniers de
l'armée. Romana está por ali. Às quatro horas da tarde chega o
general Grouseigne, 1.º ajudante de campo do duque de Abrantes: vem
de Ledesma a toda a pressa, cuidando achar o Príncipe, o seu objecto
era pedir ordens, porquanto, além dos corpos do 8.º Corpo terem
ouvido urna grande canhoneada, o duque de Abrantes recebeu uma carta
do general Loison18,
que lhe perguntava se ele se punha em marcha, dizendo-lhe que eles se
estavam batendo, e que a fuzilada era vivíssima: não achando aqui o
Príncipe, volta para Ledema, tinha vindo em três horas. Presume que
é um engajamento do 6.º
Corpo, precedido do movimento que fez este, sem ordem do Príncipe, e
sem combinação com os mais. 27
de Julho. A Matilla 4 léguas; a S. Munhos 4, povos arruinados. Em
S. Munhos não recebe a tropa senão distribuição de carne, e nenhum
pão. Cidade
Rodrigo, 28 de Julho. Dietes 4 léguas, povo arruinado, queimado,
devastado, e sem um só habitante; a tropa não recebe senão um pão.
A Cidade Rodrigo 4 léguas. Sei à minha chegada, que o engajamento em
questão na nota ao dia 26, foi a 24, o que principiou pour
faire replier os postos ingleses de Val de Mula, assim
sucessivamente até Almeida, até que à chegada das colunas francesas
retiraram-se em ordem, mas a infantaria francesa foi sempre
perseguindo, e levando até á Ponte do Côa, que passaram, e se
apoderaram da margem esquerda do Côa. A perda foi grande de ambos os
lados; diz-se que a dos ingleses fora de 4.200 homens, e a dos
franceses foi considerável, dizem 500 mortos e muitos feridos: o
Regimento 66, infantaria de linha, foi quem sofreu mais. Os ingleses
teriam maior perda, se a cavalaria francesa atacasse; mas não foi
possível alcança-lo, apesar de se lhe ordenar três vezes que o
fizesse: na perseguição foi o general Loison até Pinhel, por uma
parte, e por outra, sobre o caminho da Guarda. Em Pinhel não se achou
a gente, só ficou um boticário velho, e uma velha em casa do capitão-mor;
o paço do bispo estava deserto e tudo o mais. Sei que na madrugada do
dia 28 partira o Príncipe com o general Fririon para Aldeia do Bispo,
quartel-general do marechal Ney, e que os acompanhava o marquês de
Alorna, com os seus oficiais, o que me obriga a partir no dia
seguinte, para os ir encontrar. Cidade
Rodrigo, 29 de Julho de 1810. Chego até Gallegos, onde sei que
uma hora passara o Príncipe de volta para Cidade Rodrigo, tomando
pelo caminho de Carpio, em consequência volto para traz: o Príncipe
faz um reconhecimento a Almeida pela banda do Minho, e mandou que os
generais Eblé e Lajustel, o primeiro de artilharia, e, o segundo de
engenharia, a reconhecessem na totalidade. O marquês de Alorna parte
para Pinhel, com os seus oficiais, com o intento de ver se há meio de
fazer passar cartas a Almeida, a persuadir que se entregassem. O
regimento 25 de Dragões, vai até uma légua da Guarda, e encontra
alguma infantaria inglesa emboscada, e retrocede. O governador de
Almeida é um inglês, Mr. Cox, moço ainda: a guarnição é composta
do regimento de Penamacor (enganou-se aqui) e três regimentos de Milícias,
parece que a totalidade é de quatro mil homens; a praça parece no
melhor estado de defesa, e, ao dizer dos desertores, tem munições e
mantimentos para muito tempo. Os ingleses ocupam Celorico. Cidade
Rodrigo, 30 de Julho. O marquês de Alorna chega aqui no
precedente dia à noite vinha de Pinhel, mas não achou meio de fazer
passar carta a Almeida, por não haver habitantes em Pinhel, que o
general Loison deixou ocupado pelo general Lamotte com a sua
cavalaria, a qual comete a pilhagem e devastação do costume, fazendo
todas as insolências às pessoas velhas que ali ficaram, até ao
ponto de as não deixar entrar em suas próprias casas. O marquês
escreveu ao capitão-mor de Pinhel, engajando-o
a entrar na cidade com todo o povo, prometendo-lhe boa ordem e
disciplina na tropa, foi a Vascoveiro, onde estavam todos os
habitantes, que o receberam bem, e disseram muito mal da insolência e
arrogância inglesa. No lugar do Pereiro tinha fugido tudo (disseram
ao depois que estavam todos). O combate de 24 produziu terror e
desgosto entre os ingleses; apanharam-se cartas que se interceptaram,
em que estes se queixam de terem perdido sessenta oficiais, e de
derramarem o sangue Bretão por uma causa, que não é a da
Inglaterra. O exército francês acha-se em penúria, não há
distribuição regular de pão à tropa; o estado-maior não recebe rações
de forragem; vê-se obrigado a mandar forragear pelos criados, que
trazem alguns feixes de trigo e centeio, e uma pouca de má erva sem
nenhum grão: regimentos inteiros não comem senão o pão que podem
obter cortando, malhando e moendo os trigos, e fazendo eles mesmos o pão:
o modo de ir à forragem é arbitrário; tropa, estado-maior,
paisanos, tudo vai aonde quer, de modo que tudo em roda se acha
comido. É provável que em poucos dias não haja nenhum meio de
subsistência. Este estado de coisas parece determinar o Príncipe a não
prosseguir adiante, nem principiar o sitio de Almeida antes de ter
armazéns; em consequência julgo que não se ocupa a Guarda e que se
evacuará Pinhel. O 8.º Corpo conserva-se na sua posição de Ledesma,
etc., o 2.º Corpo em Corja: parece que este corpo não é de todo
disponível para o Exército de Portugal, por causa das insurreições
da Estremadura espanhola, e da Mancha; ao menos pior agora. O Príncipe
manifesta a intenção de manter uma disciplina severa à sua entrada
em Portugal, mas este desejo parece ser impossível de realizar com
tropas costumadas à pilhagem desde muitos anos, e às quais realmente
faltam víveres, vestidos, calçados, etc. Voltam do reconhecimento de
Almeida os generais Eblé e Lajustel. Cidade Rodrigo mais de metade
queimada e outra metade tão arruinada, que todos os dias caiem casas,
tendo sido em parte saqueada, apesar das ordens, deve pagar 500.000
pesetas de contribuição: os principais habitante, ou foram
prisioneiros para França, ou tinham antes saído para Sevilha, e de lá
para Cádis: dos que ficaram, muitos se vão indo, por não terem de
que viver: todo o distrito está ravajé: a fome tornará este país deserto. As muralhas desta praça
são as antigas, que conforme as mudanças da fortificação se
terraplenaram; tem fosso a falsa braga; parece que se tivesse sido
atacado pela banda do arrabalde, a sua rendição tivera sido mais
pronta. Cidade
Rodrigo, 31 de Julho. Continuam experiências, de artilharia
debaixo da direcção do general Routi; uma delas consiste em querer
aproveitar as bombas de 10 polegadas em morteiros de 43, para o que
metem os calos de madeira para firmar o imóvel dentro da arma. Isto
parece ser muito contrário à direcção da bomba. Dois portugueses
da raia referem que os franceses em Nave de Haver, pilharam, mataram e
violaram do modo mais violento naquele lugar. Vem um chefe de esquadrão
inglês prisioneiro, que foi apanhado perto de Pinhel, cuidando que os
nossos postos eram ingleses; vem 45 prisioneiros portugueses. O Príncipe,
com o seu quartel-general, dispõe-se a mudar-se para o Forte da
Conceição – Aldeia do Bispo. Continua 1. Henri Guillaume Clarke (1765-1818), ministro desde 19 de Agosto de 1807, em substituição do marechal Berthier. 2. Isabel Antónia do Carmo de Roxas e Lemos Carvalho e Menezes (1779-1856) tinha casado com o autor em 19 de Março de 1806. De um primeiro casamento da mulher tinha nascido, em 15 de Maio de 1805, Maria Mância de Lemos Roxas Carvalho e Menezes, que será a 2.ª condessa de Subserra. 3.
Grupo de aristocratas e magistrados enviado por Junot, em Abril de
1808, a Baiona, a pedir a Napoleão Bonaparte a manutenção da
unidade de Portugal e a nomeação de um rei membro da família
Bonaparte, em princípio. Ver
5. João António Ramos Nobre (NdoE). 6. O marechal Andrè Masséna. 7. Capitão Francisco Cardoso (NdoE). 8. O general Junot, feito duque de Abrantes em 1808, quando comandava o exército francês de ocupação de Portugal. 9. O general Francisco da Silveira, futuro conde de Amarante, tinha combatido sob as ordens do então coronel Pamplona durante a Guerra de 1801, enquanto comandante do Corpo de Caçadores Voluntários de Trás-os-Montes. 10. Marechal Jourdan, chefe de Estado-Maior de José Bonaparte, nomeado rei de Espanha por Napoleão Bonaparte. 11. João Freire de Salazar Eça Jordão (NdoE). 12. João Pereira (NdoE). 13. O general Solano, marquês do Socorro, tinha dirigido o exército espanhol de ocupação do Alentejo e Algarve em finais de 1807. Foi morto em Cádis, por colaboracionismo com os franceses, que sob o comando de Dupond se preparavam para atacar a cidade. 14. Jean-Baptiste Solignac, general de divisão, cunhado do marechal Jourdan, tinha participado na Campanha de Itália com Napoleão Bonaparte assim como no Golpe de Estado de Brumário. Acusado de corrupção e demitido foi reintegrado por ordem do imperador dos franceses. Esteve em Portugal em 1808 participando no combate e saque de Évora e na Batalha do Vimeiro onde foi ferido com gravidade. 15. As memórias do general Marbot, ultimamente publicadas em Paris, são duma alta importância para a história da Terceira Invasão (NdoE). As memórias deste oficial francês foram publicadas em 1891 sendo consideradas, desde o momento em que foram publicadas até hoje de nenhum valor histórico. 16. Foi chefe dos Gendarmes que estiveram em Coimbra no tempo de Junot, e esteve aquartelado no convento de S. Bento (NdoE). 17. D. Julian Sanchez, el Charro, comandante de uma guerrilha reunida em torno do seu Regimento de Lanceiros. 18. O general Loison, comandante da 3.ª Divisão do 1.º Corpo de Observação da Gironda, que ocupou Portugal em 1807 e 1808 ficou conhecido desde essa época pela alcunha de Maneta. Em 1810 era comandante da 3.ª Divisão do 6.º Corpo do Exército de Espanha, voltando a combater ao lado do marechal Ney, de que tinha sido comandante da 2.ª Divisão no 6.º Corpo do Grande Exército, em 1805.
Fonte: A. Fernandes Thomaz (ed.), Episódios da Terceira Invasão. Diário do general Manuel Inácio Martins Pamplona (Maio a Setembro de 1810), Figueira, Imprensa Lusitana, 1896.
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