Portugal - Dicionário

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D. Afonso VI

D. Afonso VI

Afonso VI (D.). 

 

n.    24 de agosto de 1643.
f.     12 de setembro de 1683.

 

O Vitorioso, 22.º rei de Portugal.

Nasceu em Lisboa, a 21 de agosto de 1643; era filho segundo de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, filha do duque de Medina Sidónia. 

Tendo falecido seu irmão mais velho, o príncipe D. Teodósio, foi jurado herdeiro em 1653, e aclamado em 15 de novembro de 1656, governando na sua menoridade a rainha sua mãe. Aos três anos assaltou-o uma paralisia, de que ficou sempre sofrendo mais ou menos, e com o espírito fraco. Devido talvez à má educação que recebera dos seus preceptores, D. Afonso folgava em tratar com pessoas de baixa condição, e em se entregar a divertimentos indignos da sua hierarquia; ia para as janelas do paço, que deitavam para o pátio da capela, ver os rapazes que se juntavam ali, jogando à pedrada. Este pátio era cercado de arcadas, onde estavam estabelecidos mercadores com as suas tendas. Um destes, o genovês António Conti, astucioso como um verdadeira italiano, soube insinuar-se nas boas graças de el-rei, aplaudindo os rapazes que D. Afonso protegia nas contendas que se travavam. D. Afonso descia ao pátio para conversar com o genovês, que procurava tornar-se agradável, oferecendo-lhe bugigangas do seu comércio, que tentavam o gosto pouco apurado do jovem monarca. António Conti foi-se insinuando no ânimo de D. Afonso, que este chegou a introduzi-lo no palácio. Os preceptores quiseram acabar com aquele escândalo, mas o rei insistiu, e procurou meios de se comunicar secretamente com o italiano. Os preceptores, vendo que nada conseguiam, desistiram. D. Afonso VI, convencendo-se do seu poder, prosseguiu nos desregramentos, introduzindo na sua intimidade o irmão de António Conti, negros, mouros e lacaios de ínfima espécie. Divertiam-se todos em combates de lebréus, primeiro no paço, depois no próprio terreiro, em público. Aquele bando ignóbil não abandonava nunca o rei; percorriam todos a cidade, de noite, apedrejando janelas, arremetendo contra os transeuntes. A incapacidade física de D. Afonso tornava ainda estes espectáculos mais repugnantes. Atirando-se por bazófia a empresas atrevidas, sempre se saia mal, obrigando-se a fazer-se reconhecer, para não ser maltratado pelas pessoas que provocava. Por vezes enchia o paço de mulheres perdidas, também por bazófia, porque não era menos incapaz para as lutas amorosas que para as lutas guerreiras. A rainha regente não sabia como impedir semelhante viver, e quis abandonar a regência, quando D. Afonso completou dezoito anos; o conselho de estado porém, pediu-lhe que tal não fizesse, pelo menos enquanto não tirasse António Conti da intimidade do rei. A rainha então antes de largar a regência, resolveu desterrar António Conti para o Brasil; D. Afonso, sempre volúvel depois de se mostrar furioso, sossegou, e talvez até não pensasse mais nos seus validos, se um homem, muito inteligente, mas ambicioso, não tomasse o partido deles, e não excitasse os sentimentos de el-rei. 

Era o conde de Castelo Melhor, que, auxiliado por mais alguns fidalgos, conseguiu que o monarca saísse para Alcântara, e daí fizesse saber a sua mãe que resolvera assumir o poder. A rainha tentou resistir por boas razões e conselhos, porém nada conseguiu, porque o conde de Castelo Melhor, estando disposto a subir ao poder, não desistia por caso algum dessa empresa. A 29 de junho de 1662, o rei assumiu definitivamente o governo do reino, ou antes, em seu nome o conde de Castelo Melhor, que se fez nomear escrivão da puridade. O conde empregou toda a sua astúcia em afastar de junto do rei todas as pessoas que podiam ofuscar-lhe o seu valimento; até conseguiu que a própria rainha se afastasse, acolhendo-se ao convento do Grilo. É certo porém, que se o conde se serviu de meios nem sempre dignos para subir ao poder, mostrou-se digníssimo em exercê-lo. O reinado de D. Afonso VI deveu-lhe a glória que o iluminou, e o inepto soberano pôde alcançar na história o epíteto de o vitorioso. Já no tempo da regência da rainha D. Luísa, Portugal tinha resistido aos combates contínuos que se seguiram à aclamação de D. João IV e às dissidências que se armaram entre os portugueses. Ganharam forças os dois partidos, do conde de Odemira, D. Francisco de Faro, e do conde de Cantanhede, D. António Luís de Meneses; ambos estes partidos contavam grandes influências no seu grémio. A rainha teve de lutar com as dificuldades que lhe criavam; um terceiro partido, o do clero, também se organizou a favor da rainha, tendo à sua frente o irlandês frei Domingos do Rosário. D. Luísa uma perfeita diplomata, organizara um governo composto de todas as facções. A Espanha, sempre em guerra, começou a célebre campanha em 1657, e tomou as praças de Olivença e Mourão. Portugal conseguiu recuperar a praça de Mourão. Em 1658, deu-se o desastre de Badajoz, pela malograda tentativa de Joanes Mendes de Vasconcelos, desastre que causou muitas vítimas e muitas perdas; nesse mesmo ano, porém, a brilhante batalha do forte de S. Miguel foi uma gloriosa compensação. O cerco de Elvas, praça tão heroicamente defendida por D. Sancho Manuel, e em 14 de janeiro de 1659 a célebre batalha das linhas de Elvas foram dois grandiosos feitos de armas. Nesta batalha distinguiu-se o conde de Cantanhede, que recebeu, entre outras mercês, o título de 1.º marquês de Marialva, por carta de lei de 11 de junho de 1661. O tratado de paz entre França a Espanha, em 1660, prejudicou muito a política portuguesa, colocando em grave risco a nossa independência. 

Depois de Afonso VI tomar posse da governação de Estado, D. João de Áustria, filho bastardo do rei de Castela, invadiu o Alentejo, tomou Évora, e chegou quase às portas de Lisboa. O conde de Castelo Melhor tratou de organizar importantes forças para repelirem esta invasão, colocando à frente dessas forças D. Sancho Manuel, conde de Vila Flor, e o conde de Schomberg. Seguiu-se uma série de combates a de vitórias; a reconquista de Évora, a tomada de Assumar, Ouguela, Veiros, Monforte, Crato e Borba; Figueira de Castelo Rodrigo, Ameixial, batalha que se deu em 1663, em que muito se distinguiram os generais marquês de Marialva, e conde de Schomberg. A decadência de Portugal era inevitável, com um rei tão fraco que tudo sacrificava à quietação do espírito e às suas comodidades. Nas colónias ainda essa decadência mais se pronunciava. As complicações da Índia, a aliança da Inglaterra, com o casamento da infanta D. Catarina, filha de D. João VI, com o rei de Inglaterra, Carlos II que levou em dote duas praças, Bombaim e Tânger, a tomada, pelos holandeses, de Ceilão, Cranganor, Negapatam, Cochim, Coulam, e Cananor, as negociações a que foi indispensável entrar com eles e a traição do duque de Aveiro e de D. Fernando Teles de Faro. A campanha contra os espanhóis, terminou por assim dizer, com a batalha de Montes Claros, ganha pelo marquês de Marialva e o conde de Schomberg. Depois desta batalha, só houve escaramuças a guerras de fronteira. Os espanhóis, já cansados de tanto lutar, começaram a tratar da paz, que o conde de Castelo Melhor só queria aceitar com as condições a que nos dava direito a nossa constante supremacia militar. Assim o conde exigia que a Espanha nos cedesse uma porção do seu próprio território, queria a Galiza, e com certeza o conseguiria, se as intrigas da corte o não houvessem precipitado do poder. 

O casamento de D. Afonso VI com a filha do duque de Nemours, D. Maria Francisca d'Aumale e Sabóia, interessou a França nos nossos destinos, que nos deu a sua aliança. Enquanto Portugal se engrandecia no campo da batalha, consolidando a nossa independência, no paço, em Lisboa, triunfavam as intrigas palacianas. A rainha D. Maria Francisca de Sabóia, estranhava bastante o marido que lhe tinham dado, um homem de instintos viciosos, destituído de educação; incapaz de amar e de se fazer amar. Sendo ambiciosa, e estando habituada ao respeito e obediência de Luís XIV, este mesmo de longe queria sujeitar completamente a politica portuguesa à influência do governo de Versalhes. O conde de Castelo Melhor não era homem que se curasse facilmente, e como a rainha soubera adquirir, apenas chegara, uma grande influência no ânimo fraco de seu marido, tratou de impedir que ele entrasse demasiadamente na política e nos negócios do Estado. Daqui resultou a hostilidade, ao princípio dissimulada, mas depois, sem reserves. O conde, verdadeiro diplomata, não deu nunca ensejo à rainha para que pudesse queixar-se dele, outro tanto não aconteceu com o secretário de estado, António de Sousa de Macedo, poeta e escritor notável. Uma insignificante questão, relativa a um criado da rainha, obrigou a orgulhosa soberana a censurar Sousa de Macedo, e este respondeu com mais vivacidade. A rainha fez grande escândalo, dizendo que lhe tinham faltado ao respeito, queixou-se a el-rei, exigindo a sue demissão. O rei, apesar da sua curta inteligência, entendia que os tiros dirigidos contra homens que o rodeavam, e que formavam um governo muito considerado no estrangeiro, era a ele que o feriam, não quis aceder ao pedido da rainha, e mesmo porque da resposta do secretário de estado nada havia de menos respeitoso. A rainha ainda insistiu, mas o rei instigado pelo conde de Castelo Melhor, firmou-se no seu propósito, e Sousa de Macedo não foi demitido. O infante D. Pedro, que já andava em dissidências com seu irmão, ajudando os projectos da rainha, de quem se tornara muito íntimo, mostrou-se indignadíssimo. D. Pedro fazia oposição ao primeiro ministro, porque, quando a impopularidade de D. Afonso VI mais se pronunciou, nutria a esperança de conquistar o poder, e o conde elevava-se entre ele e o rei, e o seu vulto enérgico era pare fazer recuar os ambiciosos. A rainha, que também detestava o ministro, ligou-se ao cunhado, para conspirarem contra o seu poder, procurando inutilizá-lo. Estas ligações tornaram-se depressa escandalosas. D. Maria Francisca de Sabóia, na força da vida, via-se casada com um homem quase decrépito, e incapaz de inspirar amor pelos defeitos físicos e intelectuais, enquanto que D. Pedro era um rapaz simpático e dizia amá-la. Diz-se que foi no bosque de Salvaterra, onde el-rei gostava muito de ir à caça, que esses amores mais se acentuaram. O conde de Castelo Melhor, com a sua perspicácia, não tardou a descobrir aqueles amores adulterinos, e o infante percebendo que o conde estava senhor do segredo, ainda mais aumentou o seu ódio. 

O infante começava a exigir a demissão do conde, tomando como agravo pessoal as medidas que o ministro tomava em sua defesa; vendo que nada conseguia acusou-o de o ter querido envenenar em Queluz, declarando que tinha testemunhas, que só se apresentariam quando o conde fosse demitido, porque até então receavam arriscar-se. O rei convocou o conselho de Estado, o qual declarou não haver motivo para a demissão, antes do crime ter sido provado com os depoimentos das testemunhas. Afinal, apesar das testemunhas nunca aparecerem, D. Pedro conseguiu que o conde fosse demitido, e como era esse o fim desejado nunca mais se falou em semelhante crime: a demissão foi dada pelo próprio conde, que conhecia bem que a primitiva resolução do rei ia enfraquecendo, e então preferiu ausentar-se. D. Afonso ficou completamente sem defesa. 

Depois de muitas intrigas, o rei quis que António de Sousa de Macedo, que sempre saíra do reino, voltasse para o seu lado, mas a rainha opôs-se energicamente. O conselho de estado decidiu-se a favor de Macedo, o qual voltou a ocupar o seu lugar de secretário. D. Pedro, então, à testa da nobreza, e apoiado por uma manifestação tumultuosa do povo de Lisboa, invadiu o Paço, em 5 de outubro de 1667, e exigiu a demissão do secretário. O pobre soberano, vendo aquela atitude bélica, cedeu, ficando completamente abandonado no meio das intrigas a do despotismo de seu irmão, que empregava os meios mais vis para lhe roubar o trono e a esposa. Seguiu-se o divórcio da rainha, que foi um processo escandaloso e revoltante, e em que apareceram depoimentos vergonhosos de muitas testemunhas. D. Afonso, guardado à vista pelo infante, viu-se obrigado a anuir a tudo quanto dele exigiam, declarou que desistia do governo do reino, a até abdicaria em seu irmão contanto que o deixassem viver sossegado. Convocaram se cortes em 1 de janeiro de 1668, e nelas se decidiu a deposição do rei, confiando-se a regência a seu irmão. O casamento foi anulado; de Roma veio dispensa para que pudessem casar os dois cunhados, casamento que se realizou no mesmo ano de 1668. D. Pedro via satisfeitos todos os seus desejos e ambições. Receoso, porém, que o rei, estando no continente, servisse de pretexto para algumas conspirações, conseguiu desterrá-lo para a ilha Terceira, onde o infeliz soberano foi encarcerado no castelo de S. João Baptista de Angra. D. Afonso ali esteve quatro anos; descobrindo-se uma conspiração, em 1673, protegida pelo embaixador espanhol, conde de Humanes, em que se pretendia soltar o rei e restituir-lhe o trono, foi o pobre rei transferido para o palácio de Sintra, sendo mortos alguns dos conspiradores. Em 12 de setembro de 1683, faleceu naquele palácio, quase repentinamente, dum ataque apopléctico, estando a ouvir missa. 

D. Afonso era de agradável presença, tinha olhos azuis a cabelo louro e comprido. Está sepultado em S. Vicente de Fora. No seu tempo floresceram os escritores: Jacinto Freire de Andrade, António Barbosa Bacelar, João Soares de Brito, Francisco de Sá Meneses, Manuel de Galegos, D. Francisco Manuel de Melo, o conde da Ericeira, Duarte Ribeiro de Macedo, António de Sousa de Macedo e Frei António das Chagas.

 

 

Biografia e genealogia de D. Afonso VI
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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume I, págs. 67-69

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