Portugal - Dicionário

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D. Fernando, infante santo
D. Fernando, infante santo

 

Fernando (D.)

 

n.      29 de setembro de 1402.
f.       5 de junho de 1443.

 

O infante santo; 8.° filho de D. João I e da rainha sua mulher, D. Filipa de Lencastre. Nasceu em Santarém a 29 de setembro de 1402, faleceu nos cárceres de Fez em 5 de junho de 1443. Era senhor da vila de Salvaterra de Magos e seu termo, com as jurisdições e padroados pertencentes à Coroa, tudo de juro e herdade. e para seus descendentes, por mercê de seu pai, feita na data de 21 de Agosto de 1429. 

Foi educado com extremos de afecto, porque parecia ao princípio extraordinariamente débil e de pouca vida, mas nem, por isso foram menos perfeitos e cultivados o seu espírito e o seu carácter. Era ardentemente religioso, mas sem extremos supersticiosos. Empregava o tempo que lhe restava das suas práticas religiosas, em obras de piedade o no cuidado de sua casa e bons costumes dos domésticos, e na decência da sua capela, a qual enriquecia, apesar de ter rendimentos inferiores aos dos irmãos, de todos os paramentos, e fazia celebrar os ofícios divinos com magnificência. Por morte de João Rodrigues de Sequeira, foi-lhe dado o cargo de perpétuo administrador e governador da ordem de Avis, e dispensado para o ter, como teve em comenda, por bula de Eugénio IV, do ano de 1434. Este mesmo pontífice lhe mandou oferecer o capelo de cardeal pelo geral da ordem camaldulense, abade de Santa Justina de Pádua, D. Gomes Ferreira, núncio deste reino, o que ele recusou por humildade. 

Contava já 34 anos nesta virtuosa quietação, mas como o seu ânimo não era menos cobiçoso de glória, nem sentia menor valor para adquirir, a exemplo dos irmãos, um nome honroso na milícia, e para acrescentar mais seu estado, intentou sair do reino e ir a Inglaterra convidado das promessas de seu tio, Henrique IV, porém conhecendo o esforçado coração do infante D. Henrique, seu irmão, com que sempre zelava e procurava grandes empresas, determinou passar com ele a África sobre a cidade de Tanger, e obtendo licença do rei D. Duarte, seu irmão, que ao principio tentou dissuadi-lo daquele propósito, preparou-se para a expedição. A armada saiu do porto de Lisboa em 22 de agosto de 1437, comandada pelo infante D. Henrique. Chegados a Tanger, e preparado o nosso exercito, os moiros atacaram em tão grande numero, socorridos dos reis de Fez, Belez, Tabilote e de Marrocos, que, apesar de ao princípio se pelejar denodadamente, vendo-se em evidente risco de todos se perderem, foram obrigados a render-se e a capitular, ficando o infante D. Fernando no poder dos bárbaros, de quem furiosos se apoderaram em 17 de outubro do mesmo ano, com quatro fidalgos e alguns criados que se ofereceram a acompanhá-los. 

Primeiro foi encerrado numa torre, onde esteve alguns dias, depois o transportaram para Arzila, e ali sofreu muitas afrontas e impropérios dos moiros durante 7 meses sucessivos. No fim deste tempo, vendo o senhor de Tanger, Zalá Benzalá, que de Portugal tardava a resolução das capitulações e a entrega da praça de Ceuta, que nelas se havia tratado, considerando o cativo seu, o fez passar a Fez no fim do mês de maio, entregando-o prisioneiro a Lazaraque, o moiro mais desumano e mais bárbaro, que então se conhecia. Encerrado numa estreita masmorra carregado de ferros, sofreu fome e sede, e dali saía obrigado a exercer as mais vis ocupações: limpar cavalos, varrer as estrebarias, a trabalhar na horta cavando, com o que trazia as mãos em chagas, etc. O infante sofria todos os tormentos com resignação e constância, e do seu cativeiro escrevia a seu irmão, o rei D. Duarte, aconselhando-o a que não entregasse a praça de Ceuta, que era mais importante do que a sua vida. Este rigoroso cativeiro ou mais propriamente martírio, durou quase seis anos, até que faleceu. Os últimos quinze meses que viveu; passou-os encerrado numa escura casa contígua à latrina do alcaçar, sem ter com quem falasse nem a quem se pudesse queixar. Sendo conhecida a sua morte, Lazaraque mandou embalsamar o corpo, e para maior desprezo e afronta para com o infeliz prisioneiro, o fez pendurar nu das ameias da muralha junto duma porta da cidade, atado pelas pernas com a cabeça para baixo; ali se celebraram jogos e festas em sinal de triunfo. Passados quatro dias foi metido num ataúde de madeira, e pendurado por cadeias sobre a mesma muralha, onde esteve muitos anos, até que no tempo de D. Afonso V, seu sobrinho, foi trazido a este. reino, não concordando os cronistas no ano, nem a forma como veio transportado. Esteve depositado em Lisboa no convento do Salvador, e dali se transferiu para o convento da Batalha com grande pompa, sendo acompanhado pelos prelados e grandes do reino, ficando na capela de D. João, seu pai, num tumulo de pedra, levantado como o do seus irmãos. Tem um altar particular onde se celebrava missa todos os dias. No retábulo está retratada a sua imagem com os grilhões, e nos vários sucessos de seus trabalhos. O infante D. Henrique também o mandou pintar no seu altar pela muita devoção que lhe consagrava. Sobre o seu túmulo está a sua estátua, em pedra.

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume III, pág. 383
-384.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2012 Manuel Amaral