Portugal - Dicionário

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Maria (D.). Infanta de Portugal

 

n.      1313.
f.       3 de fevereiro de 1357.

 

Infanta, filha do rei D. Afonso IV, e de sua mulher a rainha D. Beatriz. Foi rainha de Castela por ter casado em 26 de março de 1328 com o rei Afonso XI, filho de Fernando IV e da princesa de Portugal D. Constança. 

Nasceu em 1313, faleceu em Évora a 3 de fevereiro de 1357. 

Afonso XI chegara a contrair núpcias com D. Constança, filha do príncipe D. João Manuel; sendo esta ainda criança, o consórcio não se realizou, descontentando o poderoso vassalo que estava para ser seu sogro, mas granjeando a aliança com o rei de Portugal, que lhe dava sua filha em casamento, e casava o príncipe D. Pedro, seu filho primogénito, com a infanta D. Branca de Castela. Este casamento foi muito infeliz, por causa dos amores de Afonso XI com D. Leonor de Guzman, dama de elevado nascimento e de génio muito altivo, que, pela influência que exercia no monarca castelhano, não poupava desgostos e ultrajes à pobre rainha, que vivia quase abandonada pelo marido. A corte, pelo receio de desagradar ao monarca, ou talvez impressionada também pela influência da favorita, era mais atenciosa para com esta do que para a soberana. O casamento de D. Afonso XI e de D. Maria foi estéril por. muito tempo, e a rainha só lhe restava a esperança de ser mais bem tratada, se Deus lhe concedesse um filho, para suceder no trono, e isso mesmo receava D. Leonor de Guzman. Houve muitos fidalgos que desejando lisonjear o monarca, chegaram a aconselhar-lhe o divórcio, a que D. Afonso estava quase resolvido, quando teve a notícia que a rainha havia finalmente concebido, no fim de tão longa esterilidade. 

Chegando a ocasião do parto, este se dilatou por dez dias com evidente perigo para a infeliz rainha e para a criança que devia nascer. Não se conhecia a causa de tão extraordinária delonga, que o padre Francisco de Santa Maria, no tomo lII do Ano Histórico, a pág. 563, diz ser tradição que D. Leonor de Guzman, arrebatada e cega pela inveja e pelo ódio, tratara com uma moura, que passava por ser grande mestra de confecções mágicas e diabólicas, que fizesse, como fez, uma confecção de tal eficácia que, enquanto a tivesse apertada na mão, a rainha não pudesse ter o parto. Assim se executou, estando D. Leonor de vigia, para que a moura não largasse da mão o fatal encanto. Havia na corte um médico judeu, homem de grandes letras e experiência, o qual, levado de algum impulso não conhecido, disse ao rei, que mandasse sair do aposento da rainha todas as pessoas que lhe assistiam, excepto duas criadas, o que quando uma delas lhe desse a notícia, de que a criança havia nascido, mandasse logo fazer demonstrações de regozijo por esta alegre notícia. Pouco depois do médico ter entrado no régio aposento, uma das referidas criadas veio participar ao rei o nascimento tão ardentemente esperado, e logo a notícia correu todo o palácio, ouviram-se grandes repiques de sinos, e a corte apressou-se a vir dar parabéns. D. Leonor, sendo sabedora deste facto, ficou absorta, e rompeu logo em fúria contra a moura, ameaçando a com grandes castigos por ver malogrado o seu desejo. A moura, toda horrorizada,  quis desculpar-se, e sem reparar no que fazia, abriu a mão, e então foi quando na realidade nasceu a criança, porque a notícia havia sido um expediente do médico, que desconfiara dalguma coisa extraordinária, motivada por D. Leonor. 

Este facto sucedeu em 20 de agosto de 1333. Contudo, o casamento do príncipe herdeiro não evitou a continuação dos desgostos da soberana, que chegaram a tal extremo que a infeliz senhora escreveu a seu pai queixando-se amargamente. D. Afonso IV repreendeu severamente seu genro e sobrinho, que prometeu emendar-se, mas D. Leonor continuou a viver escandalosamente na corte. D. Afonso irritou-se deveras, e como o casamento de seu filho D. Pedro e de D. Branca de Castela também fora estéril até então, pronunciou-se o divórcio, D. Pedro veio a casar com a mesma D. Constança, filha do príncipe D. João Manuel, que Afonso XI tanto procurara rebaixar. A rainha D. Maria, cansada de humilhações, resolveu vir refugiar-se em Portugal na corte de seu pai, que nesse tempo estava em Évora, e que a recebeu afectuosamente. Estes factos deram em resultado uma guerra entre Portugal e Espanha, guerra inglória e devastadora, que ameaçava não terminar, porque D. Leonor, percebendo que se não podia fazer a paz sem ela ser sacrificada, empregava toda a sua influência junto do real amante. Mas afinal os estragos da guerra foram tais que Afonso XI teve de fazer a paz, sendo uma das condições que a rainha D. Maria voltasse para a corte de Castela, e D. Leonor de Guzman fosse exilada da corte. Esta condição foi apenas fictícia, porque D. Maria continuou a padecer vida tormentosa. 

Nesta ocasião o emir de Marrocos preparou uma invasão terrível em Espanha, de combinação com o rei mouro de Granada. Afonso Xl viu o seu trono em perigo. É verdade que tinha um tratado de aliança com D. Afonso IV, mas a falta de cumprimento das condições de paz fazia-o recear que seu sogro se negasse a auxiliá-lo. Resolveu, portanto, não só apelar para a palavra do rei, mas para o seu coração de pai. Foi por isso que mandou sua própria esposa a pedir ao sogro, que o auxiliasse de pronto na luta que ia empreender. A boa senhora, apesar dos agravos que tinha de seu marido, não se recusou, e partiu da melhor vontade para a corte de Portugal. D. Afonso IV não hesitou em prestar o auxílio pedido, tanto mais que ele bem sabia que estava em perigo não só a causa do rei de Castela, mas a de todos os reis cristãos da península. Foram as forças portuguesas enviadas a essa guerra, que muito contribuíram para a vitória da batalha do Salado, realizada rio dia 29 de outubro de 1310, em que os mouros ficaram completamente derrotados. Parece que desde então, Afonso XI começou a tratar melhor sua mulher, e se não rompeu abertamente com D. Leonor, soube, contudo, respeitar melhor as conveniências. Depois da morte de seu marido, a rainha D. Maria voltou para Évora, onde vivia a corte. O seu cadáver foi trasladado para Sevilha, sendo sepultado na capela dos reis ao lado de seu marido. D. Maria foi mãe do rei de Castela D. Pedro, o Cruel, que vingou atrozmente as injúrias que sua mãe havia sofrido, mandando matar D. Leonor de Guzman, e praticando atrocidades, que horrorizaram a infeliz rainha viúva, cuja memória seu monstruoso filho queria desta forma vingar. Também a vingança sucedeu à vingança, porque D. Henrique de Trastamara, filho de D. Leonor, e por conseguinte seu irmão, o expulsou do trono, e assassinou em Montiel.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, págs.
824-825.

Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral