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Pina Manique
Pina Manique

 

Pina Manique (Diogo Inácio da).

 

n.       3 de outubro de 1733.
f.        30 de junho de 1805.

 

Moço fidalgo, primeiro senhor de Manique do Intendente; 4.º senhor do morgado de S. Joaquim, na vila de Coina; alcaide-mor de Portalegre, comendador da Ordem de Cristo, chanceler-mor do Reino, desembargador do Paço; intendente geral da polícia da corte e Reino; administrador geral da Alfândega Grande de Lisboa; feitor-mor das mais alfândegas do reino; administrador da Casa Pia do castelo de S. Jorge; bacharel formado em leis pela Universidade de Coimbra, juiz do crime do bairro do Castelo, etc. 

Nasceu a 3 de outubro de 1733, faleceu a 30 de junho de 1805. 

Depois da sua formatura, foi nomeado juiz do crime ao bairro do Castelo, lugar que ocupava em 1762, e mostrou grande zelo e actividade, quando se tratou do recrutamento para a guerra que nesse ano se declarou contra a Espanha. No ano seguinte, 1763, também deu provas de grande energia e habilidade para satisfazer as reclamações do príncipe de Lippe para o fornecimento de lenha da guarnição de Lisboa. Sendo ao mesmo tempo implacável e zeloso na perseguição dos contrabandistas, conquistou assim as boas graças do marquês de Pombal que o nomeou superintendente geral dos contrabandos e descaminhos, e contador da fazenda. O marquês de Pombal confiava tanto no seu zelo que em 1777, quando se tratou de assaltar a Trafaria para apanhar os refractários que se tinham ali escondido, encarregou Pina Manique dessa comissão, lembrado talvez do zelo de que ele dera provas por ocasião do recrutamento de 1762. Manique justificou perfeitamente a confiança do marquês de Pombal, porque cumpriu à risca as suas ordens, e com uma crueldade digna do homem que dessa missão o incumbira, deitou fogo ás casas desses pobres pescadores de forma que não pudesse escapar nem um só dos refractários, que vinha prender, senão resignando-se a morrer queimado. 

Esta prova de confiança do marquês do Pombal, e o modo como Pina Manique executou essas ordens, não o deviam recomendar muito à benevolência de D. Maria I, mas Pina Manique teve a habilidade de conservar as boas graças do novo governo, e, por morte do intendente de policia Manuel Gonçalves de Miranda, foi Diogo Inácio de Pina Manique, já, desembargador dos agravos da Casa da Suplicação, nomeado para esse lugar por decreto de 18 de janeiro de 1780, conservando-se-lhe todos os lugares que até então exercia, e que eram os de desembargador dos agravos da Casa da Suplicação, contador da fazenda, superintendente geral dos contrabandos e descaminhos e fiscal da junta da administração da companhia de Paraíba e Pernambuco, e dando-se-lhe por ajudante, como ele requerera, seu irmão António Joaquim de Pina Manique, desembargador da Relação e Casa do Porto. Esta acumulação extraordinária de empregos fez com que o governo entendesse que lhe não devia dar os 8.000 cruzados, 3.200$000 réis, que eram até então o ordenado dos intendentes da policia, e arbitrou lhe apenas o vencimento de 4.000 cruzados, o que o não impedia, de juntar em ordenados somas verdadeiramente fabulosas. Mas Pina Manique era um homem da escola do marquês de Pombal, e seguiu as gloriosas tradições do grande mestre. Encontrou Lisboa num estado deplorável. Faltando o pulso de ferro do marquês de Pombal, a ladroagem levantou a cabeça, e tornou intransitáveis as ruas de Lisboa. A disciplina militar, tão fortemente estabelecida pelo príncipe de Lippe, dissolveu se, de forma que os soldados, que de mais a mais já não eram pagos em dia, constituíam-se em bandos de salteadores, e atacavam os habitantes. Manique oficiou logo ao comandante em chefe do exército, pedindo providências. Não as obteve. Então propôs e obteve a criação de um corpo de polícia, a pé e a cavalo, que, bem organizado e bem composto, prestou à segurança pública os mais relevantes serviços. Pediu também ao ministro do reino, marquês de Angeja, 20.000$000 réis para criar a iluminação da cidade. O ministro não lhos quis dar. Então Manique tomou a iniciativa, obrigou cada funileiro da cidade a fazer seis candeeiros para a iluminação, impôs a cada um dos moradores das ruas iluminadas uma capitação de 100 réis, e conseguiu enfim apresentar na noite de 17 de novembro de 1780 Lisboa iluminada com 770 candeeiros. (V. Portugal, vol. lII, pág. 952). Pôde-se acreditar que Manique em 1782 teve de acabar com a iluminação, porque o governo persistiu em lhe não dar os recursos indispensáveis, que eram apenas os 20.000$000 réis? Mas o intendente não parava no caminho dos melhoramentos. Tratou de estradas, mandou fazer a que vai de Queluz à Ajuda, e mandou arborizá-la.

Mandou plantar, em muitas outras, estacas de oliveira. Mandou fazer quase completamente de novo a estrada de Santarém a Alverca e a ponte que fica próximo desta vila. Mandou arborizar a estrada de Palhavã à Porcalhota. Saiu mesmo um pouco das suas atribuições no seu ardor pelos melhoramentos, dirigiu para o Alentejo tanto quanto podia os colonos que já então se encaminhavam de preferência para o Brasil. Mandou vir dos Açores 450 famílias, compreendendo 2.033 pessoas de ambos os sexos, que estabeleceu em Setúbal, Ourique, Beja, Évora e Portalegre, dando-lhes instrumentos de agricultura, e distribuindo-lhes terras. Uma das criações mais notáveis de Pina Manique foi a da Casa Pia de Lisboa. Logo em 1780, apenas tomou conta da intendência, estabeleceu Manique no castelo de S. Jorge um colégio, onde recolhia e educava à custa da intendência as crianças que andavam vadiando. Em 1782 obteve autorização para criar a Casa Pia, e foi essa a sua obra predilecta. Constava este estabelecimento do colégio de S. Lucas em Lisboa, e doutro em Coimbra, filial do de Lisboa, chamado vulgarmente o Colégio da broa. Em 1804 tinha o de Lisboa 150 estudantes e o de Coimbra 84. Havia também o recolhimento da rainha Santa Isabel, onde em 1801 sustentava e educava 220 órfãs desamparadas; o colégio de Santa Margarida de Cortona, casa de correcção de mulheres, onde chegaram a estar 280, outro para a correcção e doutrinamento de rapazes libertinos. Tinha também uma casa de correcção para mendigos de um e de outro sexo, um laboratório químico, onde se fabricavam gratuitamente remédios para os pobres. Mais ainda, estabeleceu Manique em Roma um colégio para estudo de belas artes, colégio onde estudaram Domingos António de Sequeira e Vieira Portuense; em Edimburgo e em Londres colégios para o estudo de cirurgia. Ainda mais: sustentava num colégio em Coimbra, destinado ao estudo das ciências naturais, dezoito religiosos de S. João de Deus, distribuía quinhentas e tantas rações a homens impossibilitados de trabalhar, depois de terem servido no exército, nas artes ou nas manufacturas; criava e educava no colégio de Santo António cento e noventa órfãos. Enfim a Casa Pia de Pina Manique, bem diferente da que hoje existe, era um conjunto de colégios, de capas de educação e de beneficência verdadeiramente maravilhoso, e que ele dirigia e administrava com tanto cuidado e acerto, que das suas escolas saíram muitos homens eminentes e úteis ao país. Quando Pina Manique deixou de ser intendente de polícia, a Casa Pia começou a declinar sensivelmente, até que foi extinta no tempo dos franceses, reorganizando-se depois em outras bases muito mais insignificantes. Em todos os ramos da sua administração foi Pina Manique iniciador audacioso e desembaraçado. Foi ele também que estabeleceu em Portugal o sistema da inspecção sanitária das meretrizes, por ordem de 27 de abril de 1781. Pôs cobro à relaxação a que tinham chegado as rodas dos expostos. Cuidou com tal zelo da administração das alfândegas de Lisboa, que também lhe estava confiada, que de 1770 a 1800 renderam mais 64.049:254$073 réis do que nos vinte anos anteriores. Até em coisas de expediente foi iniciador, porque foi ele que estabeleceu nas suas repartições, por ordem de 15 de junho de 1780, o sistema de registo da sua correspondência oficial. 

Estas são as grandes qualidades de Pina Manique, vamos agora vê-lo debaixo do aspecto que lhe deu uma triste celebridade. Se Pina Manique era um revolucionário como seu grande mestre marquês de Pombal, era o também como ele, sem o suspeitar, e ninguém havia que fosse mais ferrenho inimigo da revolução e da liberdade. Apenas rebentou a revolução francesa, Pina Manique mostrou-se implacável perseguidor dos que em Portugal lhe pretendiam implantar as ideias e seguir os princípios, e, como era hábil, perspicaz e zeloso, a sua perseguição foi eficaz e sem tréguas. Destruía as lojas maçónicas que principiavam a estabelecer-se, expulsava os franceses que pareciam simpatizar com as máximas liberais do novo governo do seu país, impedia cuidadosamente a entrada de livros perigosos, prendia, deportava, punia de todos os modos os portugueses mais ilustrados que pareciam acolher com boa sombra os bons princípios, e, se não ensanguentou as praças de Lisboa com as execuções que depois as mancharam no tempo de D. Miguel, foi porque também o que ele tinha a punir eram apenas aspirações vagas e simpatias estéreis; contudo quantos homens ilustres, como Flinto Elísio e Félix de Avelar Brotero, não obrigou a sair de Portugal! E contudo era um homem ilustradissímo, um dos precursores da Revolução Francesa, um desses grandes reformadores do século 18, que se achavam mais ou menos imbuídos das ideias da filosofia do seu tempo; mas, como todos os outros da mesma têmpera, não compreendeu a revolução, avaliou a só pelos seus desvairamentos, e não viu que a liberdade era o complemento necessário dessas reformas do marquês de Pombal, que ele aplaudira e continuara, que não se expulsavam os jesuítas para se continuar com o sistema da escravização do pensamento, que não se introduziam nas escolas os métodos novos para depois se porem peias às ciências, e, implacável contra os inovadores como o marquês de Pombal o seria também, tornou o seu nome lendário nos fastos das perseguições políticas, como o tornara célebre anteriormente nos fastos das grandes reformas justas e humanitárias. Tinha, porém, Pina Manique de ser vitima exactamente das exigências dessa França revolucionária, cujos partidários ele perseguia implacavelmente. Enquanto ele prendia e deportava em Lisboa os escritores, os homens ilustrados, todos os que se podiam considerar como partidários dessas ideias, por mais remotas que fossem essas suspeitas, Portugal via-se obrigado a suportar as exigências do governo da república francesa, e a humilhar-se diante das exigências do seu enérgico ditador, o primeiro cônsul Napoleão Bonaparte. 

Depois da desastrosa campanha de 1801 veio para Portugal como embaixador francês o célebre general Lannes depois marechal do Império, soldado de fortuna, incapaz de exercer cortesmente as suas funções diplomáticas. Foi verdadeiramente insólito o seu procedimento em Portugal, tratava com um desprezo inacreditável o próprio príncipe regente, e obrigou todos a curvarem-se diante das suas exigências. Fazia em Portugal um contrabando impudentissimo à sombra dos seus privilégios de embaixador, e, como Pina Manique; na sua qualidade de director geral das alfândegas, procurou coibir esses abusos, pediu em altos gritos a demissão de Pina Manique. Uma das perseguições habituais de Pina Manique, a ordem que deu para ser posto fora do país o ilustríssimo francês Antoine Matheom de Curnieu, que residia aqui havia muito tempo e que Lannes protegia, serviu de pretexto a Lannes para exigir energicamente a sua demissão de intendente de polícia. Resistiu quanto pôde o príncipe regente, mas Lannes, furioso, declarou que, não se fazendo a sua vontade, saía de Portugal, e saiu. Não aprovou Bonaparte o procedimento insólito do general, que assim violava todas as praxes das relações diplomáticas, mas exigiu que, em troca da desaprovação que ele infligia a Lannes, se demitisse do lugar de director da alfândega Pina Manique, por ele, dizia, se mostrar hostil ao comércio francês. Como a corte de Lisboa se não apressou a cumprir as suas ordens, Bonaparte mandou que o general Lannes partisse de novo para Lisboa, o que era um verdadeiro insulto à corte portuguesa. Pois assim que o príncipe regente teve conhecimento desse facto, imediatamente demitiu Pina Manique, sempre, com todas as atenções, conservando-lhe o ordenado que vencia, e dizendo no decreto, datado de 14 março de 1803, que a demissão era dada a pedido e instância do demitido. Pina Manique apenas sobreviveu dois anos a esta humilhação. 

Casara a 8 de dezembro de 1773 com D. Inácia Margarida Umbelina de Brito Nogueira e Matos, filha única, natural e legitimada, em 11 de dezembro de 1769, do padre Nicolau de Matos Nogueira de Andrade, fidalgo cavaleiro da Casa Real; do conselho do rei D. José, monsenhor da Igreja Patriarcal, governador do arcebispado de Évora, que morreu preso de Estado, no reinado do referido monarca, e de D. Ana Joaquina de Santa Teresa de Sampaio.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume V, págs
. 738-740.

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