Nasceu
em Lisboa a 24 de março de 1762, faleceu no Rio de Janeiro a 7 de fevereiro
de 1830. Era filho de Manuel António da Ascensão e de Joaquina
Teresa Rosa.
Tinha
nove anos de idade, quando entrou para o Seminário Patriarcal, em 6
de agosto de 1771. Fez rápidos progressos no estudo da composição,
em que teve por mestre João de Sousa Carvalho. Aos catorze anos já
compunha, como se vê pela data de 1776, dum Miserere, a
quatro vozes e órgão que figura no catálogo das suas composições.
Foi também notável o seu aproveitamento no estudo do canto e do órgão.
Contava vinte e um anos de idade, quando foi admitido na irmandade
de Santa Cecília, a 3 de julho de 1783, declarando a sua inscrição,
ser a esse tempo cantor e organista da Patriarcal. Segundo dizem notícias
tradicionais, a voz de tiple que tivera na infância,
transformou-se-lhe na dum belo tenor. A princípio e durante alguns
anos, assinou-se sempre com os dois simples nomes de Marcos António,
e assim está inscrito no livro e outros documentos da irmandade de
Santa Cecília, figurando da mesma forma nas primeiras composições,
sendo entre os músicos conhecido somente pelo nome de Marcos.
Mas desde que a fama do seu extraordinário talento começou a tomar
vulto, despertou-se-lhe a vaidade, que se tornou seu principal
defeito, e foi ela naturalmente que lhe impôs a obrigação de
juntar ao nome alguns apelidos sonantes, indo encontrá-los no
padrinho do casamento de seus pais, o capitão José Correia da
Fonseca Portugal. Desde que entrou para mestre do teatro do Salitre,
em 1785, é que principiou a usar os apelidos citados. O folheto que
se imprimiu, do Idílio aos felicíssimos anos da Senhora Infanta
D. Carlota Joaquina, representado naquele teatro a 25
de abril de 1788, diz: O Idílio
composto por José Procopio Monteiro, cómico do mesmo teatro.
Musica de Marcos António da Fonseca Portugal, mestre
de musica do mesmo teatro, e organista compositor da
Santa Igreja Patriarcal. Foi nesta época
que adquiriu entre nós grande fama de compositor; a música que
escrevia para o Salitre agradava muito, e tornava-se
popular, como a do Novo entremez da Castanheira ou a Brites
Papagaia, que teve extraordinária popularidade. Em 1792 começou
a publicar-se o Jornal de Modinhas, que nos seus primeiros números
trouxe também algumas modinhas, composições do ilustre maestro,
as quais tiveram muita voga nas salas. Como compositor de música
religiosa, encetara igualmente uma brilhante carreira. Foi com ela
que realizou os seus primeiros ensaios, pelo Miserere já
mencionado, escrito aos catorze anos,
seguindo-se-lhe missas, motetes, salmos, etc. Algumas destas obras
foram escritas por ordem régia para serem executadas na Patriarcal
e na capela do paço de Queluz. Em 1788 compôs a música de uma
oratória em italiano, de Luís Torriani, e dedicada à Senhora da
Conceição.
Brilhantemente
conceituado, convivendo com a corte e com a família real, desejou
ir a Itália, e conseguiu com a protecção régia satisfazer essa
sua decidida vontade, saindo de Lisboa em 1792. Fixou a sua residência
em Nápoles, que era então o principal centro do ensino de música
em Itália, e para lá iam todos os pensionistas portugueses, que no
seminário haviam aprendido os princípios da escola napolitana,
transmitidos pelo professor David Peres, além de lhes serem
familiares as obras dos principais mestres dessa escola, como
Durante, Jomelli, Pergolese, Zingarelli, etc. O principal cuidado,
segundo parece, de Marcos de Portugal, foi o fazer-se conhecer como
compositor já feito, e esse intento logo o realizou em 1793, ano em
que no teatro Pérgola, de Florença, se cantou a sua ópera L'Eroe
Cinese, poema de Metastásio. Nesse mesmo ano, também se cantou
em Florença, no teatro Palla corda, a ópera bufa I due
Gobbi; em Veneza, no teatro San Moisé, as farças em um
acto, Il principe Spazza camino e Rinaldo d'Asti. No
teatro Scala de Milão, cantou-se pela primeira vez a 8 de fevereiro
de 1794, a ópera Il Demofoonte. Durante oito anos que se
demorou em Itália, desde 1792 até 1800, cantaram-se em diversos
teatros e em diversas terras vinte e uma óperas, obtendo todas
grande êxito. A última que se cantou, foi a 14 de fevereiro de
1800, no teatro Scala, de Milão, I Sacrifizi d'Ecate o
sia Idante. Em 1800 regressou a Lisboa Marcos de Portugal, cheio
de glória e também de vaidade. Nos fins do ano de 1791 viera a
Lisboa, demorando-se até princípios de 1796, o que se confirma por
não se ter cantado em 1795 nenhuma ópera sua em Itália, e
terem-se cantado no teatro da rua dos Condes, em 1794 as farças O
Basculho da chaminé, Reinaldo d'Asti, e em 1795 a
cantata Il Natal d'Ullisse, no palácio do real castelo de
Lisboa; um Te-Deum com instrumental executado no mesmo ano
em Queluz, e em 1796 um Motete com instrumental a solo de soprano.
Foi logo nomeado mestre da capela real e do Teatro de S. Carlos; e
professor no Seminário. Já no ano anterior à sua chegada se
haviam cantado, despertando a maior curiosidade, as óperas La
Donna di genio volubile, Reinaldo d'Asti e Il Barone
Spazzacamino.
No
outono de 1800 apresentou Marcos de Portugal, ensaiada e dirigida
por ele, a primeira ópera que escreveu expressamente para o Teatro
de S. Carlos, Adrasto, ré d'Eggito. No outono do ano
seguinte apresentou La morte di Semiramide, em que a célebre
cantora Catalani teve um êxito extraordinário. Seguiram-se outras
óperas, sendo algumas das que já se haviam cantado em Itália,
escrevendo nova música para a Argenida, que se cantara em
Florença, Fernando nel Messico, que se cantara em Veneza,
etc. Em 1801 apresentou as novas óperas L'Oro non compra amore,
e Merope. Em 1805 Il Duca di Foix, Ginevra di
Scozia. Em 1806, Artaserse e La Morte di Mitridate.
A invasão francesa obrigou, como é sabido, a família real a fugir
para o Brasil no ano de 1807, porém Marcos de Portugal conservou-se
em Lisboa, talvez esperançado em cair nas boas graças dos novos
dominadores. Quando o general Lannes esteve em Lisboa como
embaixador em 1804, Marcos tratou de perto com ele, e prestou-lhe os
seus serviços artísticos. Lannes mandou celebrar na igreja do
Loreto no dia 10 de maio desse ano, um solene Te-Deum em
honra de Bonaparte, e foi Marcos quem compôs a música e a dirigiu.
À noite o mesmo general embaixador deu um esplêndido sarau, em que
Marcos tomou parte acompanhando os cantores ao piano. Em 1808,
Junot, estando senhor de Lisboa, quis que o dia da festa de
Bonaparte, 15 de agosto, fosse aqui celebrado com um grande espectáculo
de gala em S. Carlos, e encarregou Marcos de Portugal de escrever
uma ópera nova, que fosse mais ou menos adequada às circunstâncias.
Marcos lembrou-se do seu antigo Demofoonte, cujo libretto
de Metastásio celebra casos heróicos, improvisou sobre ele música
nova, ensaiou-a, e dirigiu-a na noite da festa. Depois que os
franceses evacuaram o país, Marcos penitenciou-se do seu
jacobinismo. A convenção de Sintra foi celebrada com expansivas
festas, entre elas uma missa solene e Te-Deum, que o senado
fez cantar na igreja de Santo António; Marcos e seu cunhado Leal
Moreira, também compositor, foram os directores e os autores da música.
Conquanto o teatro de S. Carlos não funcionasse regularmente por
esse tempo, haviam ficado em Lisboa alguns artistas italianos e
estes deram em 13 de maio de 1809, dia dos anos de D. João VI,
ainda regente, uma récita de gala, para a qual escreveu Marcos uma
peça de ocasião, La Speranza o sia L'Augurio Felice. O
final era um hino, que se tornou o hino oficial português até
1831, vulgarmente chamado Hino do Príncipe, e mais tarde Hino
de D. João VI.
Alguns
meses depois organizou-se uma sociedade de artistas, da qual Marcos
fazia parte, para darem três récitas nos três dias em que se
festejou o primeiro aniversário da retirada dos franceses,
cantando-se a ópera La Donna di genio Volubile. As circunstâncias
haviam mudado, e a opinião pública levantava-se enfurecida contra
os jacobinos, e acusava Marcos de Portugal também de jacobinismo. O
ilustre maestro achava-se numa falsa posição, e a sua vaidade
sofria atrozmente. As notícias do Rio da Janeiro certificavam-lhe
que fizera mal em não seguir a corte, que no Brasil retomara parte
do seu esplendor, e os artistas eram ali estimados como dantes.
Resolveu partir, mas ainda no princípio de 1810 esteve à testa da
companhia de S. Carlos, dirigindo a sua ópera L'oro non compra
amore; nesse ano escreveu um Credo, cuja partitura
autografa dizem existir na Biblioteca da Ajuda. Depois partiu
definitivamente, levando consigo seu irmão, Simão Victorino de
Portugal, organista da patriarcal e também compositor. Chegou ao
Rio de Janeiro em 1811, sendo ali recebido pelo príncipe regente e
pela corte com as maiores considerações e estima. As primeiras músicas
que compôs, foram uma grande missa a quatro vozes e orquestra
completa, e umas matinas para a festa do Natal. Em 12 de outubro de
1813, aniversário natalício do príncipe D. Pedro, inaugurou-se o
grandioso teatro de S. João, construído à semelhança do de S.
Carlos, de Lisboa, e a peça alegórica representada nessa ocasião
foi obra de Marcos, intitulada O Juramento dos Numes, sendo a
poesia escrita por D. Gastão Fausto da Câmara Coutinho. No mesmo
teatro cantaram-se depois muitas das suas outras antigas óperas. O
Teatro de S. João ardeu em 1823, sendo depois reconstruído com o título
de Teatro de S. Pedro de Alcântara. Alimentando a actividade do
teatro com as peças já anteriormente escritas, o seu trabalho de
composição no Rio de Janeiro consistiu principalmente em música
religiosa para o serviço da real capela. Também compôs música
para a antiga farsa A Saloia namorada, que se cantou em 1812
pelos negros, alunos do conservatório estabelecido por D. João VI.
A vaidade de Marcos e o apreço em que era tido, não podiam deixar
de criar-lhe grandes inimizades. Um seu encarniçado inimigo, Luís
Joaquim dos Santos Marrocos, deixou alguns escritos manifestando
claramente a sua má vontade contra o ilustre maestro português. No
entretanto, apesar da inveja que o pretendia amesquinhar, Marcos de
Portugal continuava vivendo perfeitamente com relação à sua posição
social e aos interesses pecuniários. Recebia de Lisboa o ordenado
de mestre do Seminário, era mestre do príncipe D. Pedro, e andava
nas seges da Casa Real, recebendo também presentes importantes.
Em
1811 teve um primeiro insulto apopléctico, e em 1817, um segundo,
que muito o transtornou, e tanto que em 1821 quando D. João VI
regressou a Portugal, não o pôde acompanhar. Acabaram-se-Ihe então
todas as regalias. Não tendo nunca reservado parte dos grandes
proventos que alcançara, juntou-se à perda do prestígio a falta
de recursos. Recolheu-se então a casa duma velha fidalga, a viúva
marquesa de Aguiar, onde faleceu em relativa pobreza e completo
esquecimento, com sessenta e oito anos incompletos.
Em
1801, quando reabriu o teatro italiano em Paris, por influência de
Bonaparte, cantou-se a obra de Marcos Portugal, Non irritar le
donne, publicando nessa ocasião Le Moniteur Universel
uma elogiosa apreciação da ópera. O Fernando in Messico
cantou-se em Londres com grande êxito, pela célebre cantora
inglesa Elisabeth Bellington. O escritor inglês Burgh, num livro
intitulado Anedoctes of music, qualifica de admirável a ópera
de Marcos Portugal. Esta mesma ópera foi cantada em Roma pela
citada cantora. Em S. Petersburgo cantaram se as óperas Il
Principe Spazzacamino; o Artaserse e L'Astuta,
etc. Para atestar o grande merecimento de Marcos de Portugal, basta
a aceitação que as suas óperas tiveram em quase todos os teatros
da Europa, e com especialidade em Itália, onde foi recebido a par
de Cimarosa, Paisiello e outros compositores célebres seus
contemporâneos. No Dicionário biográfico de Músicos Portugueses,
de Ernesto Vieira, no vol. II, pág. 191 a 130, e 471 a 473, vem
publicada uma minuciosa biografia do notável maestro português,
donde extraímos estes apontamentos e transcrevemos alguns trechos.
Nessas páginas também se encontra a relação do enorme reportório
das suas obras, tanto teatrais, como religiosas.