Portugal - Dicionário

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Carlos Relvas
Carlos Relvas

Relvas (Carlos).

 

n.      [ 13 de novembro de 1838 ].
f.       23 de janeiro de 1894.

 

Fidalgo da Casa Real, comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição do Vila Viçosa, opulento lavrador e proprietário na Golegã. O seu nome completo era Carlos Augusto Mascarenhas Relvas de Campos, sendo, porém, conhecido mais vulgarmente só pelo nome abreviado de Carlos Relvas. 

Era uma das figuras mais simpáticas de Portugal, no seu tempo, admirado pela sua elegância, perícia e arte, como cavaleiro e toureiro amador, pelo seu delicado talento artístico de fotógrafo, um distintíssimo sportsman

Seu pai era um dos mais abastados lavradores de todo o Ribatejo; chamava-se José Farinha Relvas de Campos, e faleceu a 27 de fevereiro de 1865. Fundou importantes estabelecimentos agrícolas e uma bela casa de habitação na Golegã. Nesta casa achavam sempre franca a excelente hospedagem todas as pessoas que transitavam por aquelas estradas, e por várias vezes ali se hospedou a família real. Nos seus estabelecimentos agrícolas introduziu e fez uso, com o maior proveito público, de muitos processos e instrumentos agrícolas, nessa época adoptados e aperfeiçoados entre as nações mais cultas da Europa. Ao seu zelo e à sua iniciativa deveu a Golegã muitos e importantes melhoramentos, uns promovidos por ele como simples particular, outros a que deu impulso como presidente da câmara, cargo que exerceu quase constantemente; e como procurador da junta geral do distrito, para que foi eleito seis ou sete vezes. Em 1842 o quiseram eleger deputado, mas não aceitou a candidatura; também os governos o agraciaram por vezes com uma comenda, títulos de conselheiro; de barão e de visconde, mas rejeitou sempre estas mercês. 

Carlos Relvas foi um digno continuador da obra de seu pai. Nasceu na Golegã, onde também faleceu, vítima dum grande desastre, a 23 de janeiro de 1894. Casou com D. Margarida Amália Mendes de Vasconcelos, filha dos condes de Podentes: de Jerónimo Dias de Azevedo Vasques de Almeida e Vasconcelos e D. Maria Liberata da Costa Mendes de Azevedo, representantes das mais ilustres famílias da Beira Alta. Herdeiro duma opulentíssima fortuna, entregava-se aos cuidados da sua imensa lavoura, que podia servir de modelo, pela perfeição em todos os trabalhos do campo, e à administração das suas propriedades. Era respeitado e estimado pelo seu carácter franco e bondoso; muito caritativo a esmoler, tornou-se na Golegã o verdadeiro pai dos pobres, que lhe consagravam a maior veneração. 

Carlos Relvas, apesar dos seus muitos trabalhos com a administração da sua casa, lembrou-se um dia de aproveitar as horas que lhe ficavam livres, e fez-se artista, dedicando-se à fotografia como amador. Correu os principais ateliers fotográficos da Europa, comprou os mais custosos e perfeitos aparelhos, a construiu junto da sua vivenda da Golegã um atelier na parte mais elevada e pitoresca dum formoso jardim, entre palmeiras, eucaliptos e flores. Era uma verdadeira maravilha artística, não só no conjunto da construção, como na ornamentação interior e mobiliário, que dizem, ser de principesca sumptuosidade. Foi ali que Carlos Relvas passou grande parte da vida, trabalhando, estudando e lendo. Os seus trabalhos fotográficos tornaram-se bem conhecidos e muito apreciados, e em pouco tempo Carlos Relvas ficou considerado o primeiro fotografo amador do país. Nesses trabalhos destaca-se a reprodução dos objectos que figuraram na exposição da arte ornamental realizada em Lisboa no ano de 1882, que constituem verdadeiros primores artísticos. As suas fotografias distinguiam-se pelo gosto artístico da pose ou do ponto de vista, pela escolha da luz e pela nitidez. Muitas dessas fotografias e dos seus instantâneos figuraram em várias exposições nacionais e estrangeiras, conquistando em todas elas um dos mais distintos lugares. Carlos Relvas era membro da Sociedade Francesa de Fotografia, e obteve medalhas nas exposições dessa sociedade, de 1870, 1874 e 1876. Também alcançou vários prémios nas seguintes exposições: Em Viena de Áustria, 1873, Medalha do Progresso; Madrid, 1873, medalha de prata; Sociedade Fotográfica, de Viena de Áustria, 1875, medalha de prata; Filadélfia, 1876, medalha; primeiro prémio na Exposição de Amesterdão, 1876, Cruz de Bronze dourado; Exposição hortícola do Palácio de Cristal do Porto, 1877, medalha de ouro; Exposição da União Central das Artes decorativas, no palácio da Industria, de Paris, medalha de ouro, o que foi uma das suas vitórias. 

Como sportsman tornou-se notável em todos os exercícios físicos, precisos para aliar a destreza à agilidade, a serenidade à, coragem. Hábil atirador de pistola e de carabina, destro jogador de pau, de florete e de sabre, foi também notável na equitação. Possuidor de cavalos magníficos, sabia ensiná-los a primor, e realizava com eles proezas extraordinárias, sendo um perfeito gentleman-rider. Um dos seus maiores triunfos foi no Porto, numas corridas em que alcançou grande vitória, montando no seu cavalo Chasseur d'Afrique. Como toureiro amador também Carlos Relvas se tornou muito afamado. Por muitos anos toureou a cavalo e a pé; era destro, tanto como cavaleiro, como bandarilheiro, aliando à sua destreza de cavaleiro e grande firmeza uma serenidade de ânimo pouco vulgar. Na praça da Foz do Douro, um cavalo, montado por Carlos Relvas, foi ferido por um ferro, o resaibeou, dando uma volta à praça que era pequena e angulosa, nos mais nervosos corcovos, tentando algumas pessoas ver se conseguiam fazê-lo parar, o que foi baldado empenho. Extenuado pela luta, o cavalo parou afinal, sem que conseguisse perturbar o ânimo corajoso do denodado cavaleiro. Carlos Relvas recebeu então uma entusiástica ovação. O distinto toureiro amador tomava sempre parte em festas de caridade, para as quais não recusava nunca o seu concurso. A última tourada, em que tomou parte, foi a que no verão de 1893 promoveu a comissão da imprensa a favor das vítimas do ciclone dos Açores. Entusiasta por este divertimento, mandou construir na Golegã uma praça de touros, que se inaugurou com uma corrida em benefício do hospital daquela vila. Com o seu carácter caritativo, querendo sempre contribuir para o bem da humanidade, inventou um barco salva-vidas. 

Em 1880 assistiu a um naufrágio na barra do Douro, o que muito o impressionou, e logo aplicou a sua actividade e inteligência em descobrir a maneira mais rápida e mais segura de acudir aos náufragos, quando o mar é indómito e o perigo implacável. Durante três anos não descansou, e nos fins de Outubro de 1883 dirigiu ao ministro da marinha um requerimento, apresentando o barco salva-vidas da sua invenção, com os competentes tripulantes, que de pronto haviam adquirido nele uma grande confiança procurando os pontos mais embravecidos do mar. Desejava que a realização do seu pensamento fosse confirmada por meio duma experiência oficial, e requeria que o ministro a ordenasse, pedindo-lhe igualmente que lhe permitisse partilhar da sorte do pessoal da mesma experiência, acompanhando-o. Junto ao pedido mandava oito fotografias do barco. O ministro deferiu logo o requerimento, e nomeou uma comissão composta do engenheiro naval Luís da Cunha e Mancelos, capitão de mar e guerra João Capristano de Sousa Neves, e o piloto-mor da barra do Porto, para assistir à experiência do novo barco salva-vidas. No dia 7 de novembro do citado ano de 1893 realizou-se a experiência na Foz do Douro. O mar estava de molde para essa experiência; agitava-se furiosamente, e erguia-se em grossas vagas junto da barra, pondo em perigo, ás vezes, os pequenos barcos que a elas se atreviam. O novo barco salva-vidas, que sob a direcção de Carlos Relvas, fora construído por José Paulino Inácio, de Vila Nova de Gaia, dirigiu-se para a entrada da barra onde o mar era mais forte, tripulado por Carlos Relvas, por Joaquim Ferreira Viseu, piloto da barra do Porto e oito remadores. Ao mesmo tempo partiu também, para servir de comparação ao moderno barco, o antigo salva-vidas, tripulado por doze remadores, o respectivo patrão, Mendes Leite, ajudante do chefe do departamento marítimo, e o engenheiro naval Mancelos. Os tripulantes de ambos os barcos iam munidos de bóias de salvação cingidas em roda do tronco. Numa catraia da barra acompanhavam os dois barcos Mariano de Carvalho, o chefe do departamento marítimo e o piloto-mor. Eram três horas da tarde quando começaram as experiências. Os dois barcos salva-vidas adiantaram-se para o mar, indo ao encontro das ondas mais embravecidas, com tanta persistência, que chegaram por momentos a aterrar a multidão, que assistia a este espectáculo. Os barcos sumiam-se de vez em quando nas grandes cavidades das ondas. O salva-vidas antigo galgava essas ondas como uma casca do noz, o salva-vidas de Relvas furava-as, batendo-se com elas, a saindo sempre triunfante do combate, apesar de ter quebrado num dos encontros a cana do leme. Duraram uma hora estas experiências, que mostravam as vantagens incontestáveis do salva-vidas Relvas sobre o salva-vidas antigo, e de volta à cantareira, Carlos Relvas sujeitou ainda o seu barco a uma nova experiência, que mais eloquentemente ainda provou a excelência da sua invenção. Fez voltar o barco, que tornou imediatamente à sua posição natural, o que demonstrava que, mesmo no caso das ondas o voltarem, os tripulantes não corriam perigo algum, agarrando se aos arcos de ferro, visto que ele voltava logo à sua primitiva posição. Carlos Relvas conseguira o seu fim. Depois de prestar grandes serviços à arte, prestava serviços à humanidade, depois de ser um grande artista, era um grande benemérito.

 

 

 

 

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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VI, págs. 177-178.

105Edição em papel © 1904-1915 João Romano Torres - Editor
Edição electrónica © 2000-2015 Manuel Amaral