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João Carlos de Saldanha, duque de Saldanha
João Carlos de Saldanha, duque de Saldanha

Saldanha (João Carlos Gregório Domingos Vicente Francisco de Saldanha Oliveira e Daun, 1.° conde, 1.° marquês e 1.° duque de).

 

n.      17 de novembro de 1790.
f.       20 de novembro de 1876.

 

Marechal general do exército, par do Reino, conselheiro de Estado efectivo, presidente do Conselho de Ministros, ministro da Guerra e ministro plenipotenciário em Londres, mordomo-mor da Casa Real, vogal do Supremo Conselho de Justiça Militar, etc. Nasceu em Lisboa a 17 de novembro de 1790, faleceu em Londres a 20 de novembro de 1876. Era nono filho do 1.º conde do Rio Maior, João Vicente de Saldanha Oliveira e Sousa Juzarte Figueira, e da condessa sua mulher, D. Maria Amália de Carvalho Daun, 3.ª filha dos 1.os marqueses de Pombal. 

Matriculou-se na Academia Real de Marinha em 1805, fez um curso brilhante, tendo recebido distinção no 1.º ano lectivo, e sendo premiado no 2.° e 3.° A 28 de setembro de 1805 assentou praça no Regimento de Infantaria n.º 1, comandado então pelo marquês de Alvito, foi reconhecido cadete, e a 24 de junho de 1806 promovido a capitão, em virtude do decreto de 8 de janeiro desse mesmo ano, pelo qual se determinava que os filhos militares dos conselheiros de Estado recebessem como primeiro posto o de capitão. Não tinha o agraciado ainda dezasseis anos completos. A 17 de agosto de 1807 era promovido de capitão adido a capitão efectivo. Quando a família real se retirou para o Brasil em novembro desse ano e o general Junot entrou em Portugal à frente das suas tropas, o jovem capitão Saldanha pediu a sua demissão, que a Regência do Reino lhe concedeu por decreto de 25 de janeiro de 1808. Em 5 do mês de fevereiro seguinte alistou-se intrepidamente num grupo de conspiradores que premeditavam arrancar a pátria ao domínio estrangeiro. Foi na 13.ª sessão dos conjurados que o capitão Saldanha se apresentou para colaborar na restauração da pátria, mas apenas se soltou o brado da independência, e um punhado de tropas portuguesas se foi juntar ao pequeno exército inglês que desembarcara na baía de Lavos, Saldanha correu logo a juntar-se aos soldados que se agrupavam em torno do general Bernardim Freire de Andrade, e reintegrado no seu posto por decreto de 13 de setembro de 1808, voltou a comandar a 8.ª companhia do Regimento de Infantaria n.º 1. Começou então a brilhante carreira militar de Saldanha. Contava somente dezoito anos, e já conquistara o prestígio que sempre depois exerceu entre os soldados, tanto que foi escolhido pelo coronel para fazer entrar na ordem uma companhia insubordinada. Nomeado ajudante de campo do general Miranda Henriques, que estava em Tomar, estudou com afinco a táctica inglesa mandada adoptar por Beresford, e mostrando-se apto para comandar por essa táctica um regimento na presença do general, este promoveu-o a major por distinção a 9 de dezembro de 1809, continuando a servir em infantaria n.º 1. Em 1810 distinguiu se notavelmente na batalha do Buçaco, improvisando uma coluna com duas companhias de infantaria n.º 1 e n.º 16, e repelindo intrepidamente os franceses. Na batalha de Salamanca em 22 de julho de 1812, tornou-se tão saliente que foi promovido a tenente-coronel em setembro desse ano, sendo por ele preteridos vinte e três majores, alguns deles ingleses, o que prova a consideração em que era tido por Beresford e Wellington. Com o seu regimento, que fazia parte da brigada Pack, entrou Saldanha no combate de Carrion a 25 de setembro de 1812, na defesa da passagem de Tormes de 8 a 14 de novembro, no combate de Muñoz a 27, na batalha de Vitoria a 21 de junho de 1813, na tomada da aldeia de Viasayn a 24, na tomada de Tolosa, em Espanha, a 25, e nos assaltos à praça de S. Sebastião nos dias 25 de julho e 31 de agosto. Depois das batalhas dos Pirenéus, em que Saldanha tomou parte, o exército anglo-português entrou em França, e na batalha de Nive, a 13 de dezembro de 1813, estreou-se Saldanha no comando do seu regimento. De tal forma se conduziu que Beresford o achou digno de lhe dar interinamente o comando duma brigada, composta dos regimentos n.ºs 12 e 21 e do Batalhão de Caçadores n.º 5. Tendo, porém, adoecido o general Hill, comandante doutra brigada, foi ela também entregue ao jovem tenente-coronel Saldanha, que assim, aos vinte e três anos de idade, era comandante duma divisão que formou a esquerda do corpo do exército que cercou Baiona. Foi esta a admirável estreia de Saldanha, e os seus talentos e a sua bravura foram tão apreciados em Inglaterra, que, tendo recebido os comandantes dos regimentos que entraram na batalha de Nive, uma medalha comemorativa da vitória, a medalha que veio para Saldanha era especial. 

Voltando com pouco mais de vinte e três anos ao país, João Carlos de Saldanha entrava na casa paterna com o posto de tenente-coronel, com as medalhas de ouro das seis campanhas, as medalhas inglesas do Buçaco, de S. Sebastião e de Nive, as medalhas espanholas de Vitoria, S. Sebastião, Nive e Tolosa. Em boa conta o tinha o marechal Beresford, que foi o regimento que ele comandou, o primeiro escolhido para embarcar para a Bélgica, quando lorde Wellington. pediu vinte mil homens a Portugal para tomarem parte na campanha terminada em Waterloo. O governo português não quis mandar os vinte mil homens reclamados, e a campanha foi rápida, e por isso o 13 de infantaria não chegou a embarcar. Entretanto Saldanha casava a 5 de outubro de 1814 com uma senhora irlandesa, Maria Teresa Horan Fitzggerald, filha do general Thomaz Horan e de sua mulher Isabel Fitzgerald, a qual, ficando órfã de seus pais, fora educada desde os sete anos pela condessa de Rio Maior. Organizando-se a divisão que devia partir para o Brasil para tomar parte na expedição de Montevideu, foi logo Saldanha escolhido para ser um dos oficiais da divisão. Promovido a coronel e colocado como adido ao estado-maior, saiu de Lisboa a bordo do navio Despique a 27 de julho de 1815. Recebido pelo príncipe regente D. João com as máximas distinções, nomeado cavaleiro da Ordem de Cristo e comendador da Torre e Espada, Saldanha recebeu a 7 de junho de 1816 o comando do 1.º regimento de infantaria. Foi rápida e fácil a campanha de Montevideu para esses veteranos da Guerra Peninsular, e de pouco valeram as vitórias de Chafalote e da Índia Morta para os soldados que tinham batido em Vitoria as magnificas tropas do grande Napoleão. Contudo, se essas primeiras vitorias em campina rasa, pouca importância tiveram, entrando os nossos facilmente na cidade de Montevideu, a campanha da guerrilhas que depois se abriu, e que durou cinco anos, campanha em que tinham vantagens enormes esses destemidos gaúchos, que formavam a força principal do exercito de Artigas, teve séria importância, e nela conquistaram louros não menos apreciáveis do que os que tinham ganho na Guerra Peninsular os soldados portugueses. Esteve até 1818 a primeira brigada de que fazia parte o regimento de que Saldanha era coronel, encarregado do serviço exterior da praça de Montevideu e teve por isso de repelir em numerosas sortidas os ataques do inimigo. Em 1818 foi Saldanha encarregado de ir comandar na divisão do general Curado a coluna ligeira com o posto de brigadeiro. Saldanha já era general aos vinte e sete anos. Foi essa uma das mais brilhantes campanhas da sua carreira militar, debaixo do ponto de vista do valor pessoal. Na sua frente tinha a mais terrível cavalaria irregular, esses formidáveis gaúchos que vivem a cavalo, que realizam nas planícies americanas a fábula dos centauros. A sua coluna compunha-se principalmente de cavalaria, costumada a bater-se com os dragões e os hussardos de Napoleão, mas pouco habituada à luta contra esses guerrilheiros fantásticos que apareciam e desapareciam num momento, depois de terem vibrado os seus golpes mortais. Nos combates de cavalaria repetidos que travou com o inimigo, teve sempre Saldanha a espada em punho, lavado em sangue, acutilado e ferido. Uma manhã deu cinco cargas à frente dos seus esquadrões. Uma noite, surpreendido por um destacamento de cavalaria de Lavalleja, tendo-lhe morrido o cavalo, defendeu-se a pé com toda a energia, mas deveu a sua salvação a um intrépido sargento que lhe cedeu o cavalo, e que perdeu um braço decepado por uma cutilada que ia com destino ao jovem brigadeiro. Saldanha adquiriu desde logo com o seu porte nessa campanha uma reputação gloriosíssima. Escolhido, apesar de ser o brigadeiro mais moderno, para comandar a divisão do general Curado, foi, quando terminou a guerra com a fuga de Artigas, nomeado capitão-general da província do Rio Grande do Sul, em 1821, em substituição do conde da Figueira. Saldanha partiu para o seu governo, onde começava já a agitar-se, assim como em todo o Brasil, o espírito da independência; porém, chegando com a sua brigada, a tudo pôs cobro rapidamente, e não só impediu a revolta de rebentar, mas de tal modo conciliou as simpatias de todos, que o próprio imperador D. Pedro lhe contou, muitos anos depois, que, ao visitar as províncias de Rio Grande do Sul, não ouvira senão o seu nome repetido sempre com louvor. Saldanha entregou-se dedicadamente ao seu governo, provando que era tão hábil administrador como se mostrara já valente e hábil oficial. 

Quando D. Pedro foi proclamado imperador, vendo Saldanha, os portugueses coagidos ou a aderir à proclamação dessa nacionalidade ou a deixar o Brasil, não hesitou um momento e pediu a sua demissão. Empregaram todos os esforços para que ele desistisse do seu propósito, mas Saldanha conservou-se firme na sua insistência e foi então para o Rio de Janeiro acompanhado por uma escolta de cavalaria, que lhe tinham dado a pretexto de o guardar e honrar, mas que verdadeiramente o levava preso, porque os rio grandenses, perdendo a esperança de o ver abraçar a independência do Brasil, também não queriam largar de mão tão perigoso adversário. Publicou por essa ocasião no Rio de Janeiro uma Carta do brigadeiro João Carlos de Saldanha dirigida aos membros do governo provisório da província do Rio Grande do Sul, pedindo a demissão dos seus empregos e passaporte para se retirar para Lisboa; no mesmo ano de 1822 publicou 2.ª edição com o título de Representação que faz João Carlos de Saldanha, etc. No Rio de Janeiro, D. Pedro mandou-o soltar, mas tentou retê-lo no Brasil, com as mais, brilhantes promessas; por fim, reconhecendo que tudo era inútil, deixou-o partir para a Europa a bordo do brigue Três Corações, a 4 de dezembro de 1822. O que o novo imperador lho oferecia era o título de marquês, o posto de major general do exército brasileiro, de que era comandante o próprio imperador, e a propriedade de vastíssimos terrenos. Tudo rejeitou, e entrou em Lisboa apenas com 25$000 reis, e nem isso traria, se não tivesse deixado no Rio Grande a mulher que fora ter com ele à América, e os filhos que tinham ali nascido, e que pouco depois vieram para Portugal. 

Entretanto acontecia a Saldanha um caso muito estranho. Bem recebido em Lisboa, era imediatamente nomeado para o comando duma expedição que ia embarcar para a Baía, a fim de reduzir o Brasil à obediência da metrópole. Ordenava-se lhe, porém, que embarcasse imediatamente na fragata Pérola, onde receberia as instruções necessárias. Saldanha correu a declarar ao ministro da guerra, então Manuel Gonçalves de Miranda, ser-lhe impossível partir assim, sem saber as forças que lhe confiavam e a missão de que o encarregavam, mostrando o estado em que se achava o Brasil, e a necessidade, se queriam operar seriamente contra ele, de empregar nessa empresa forças importantes. Debalde se amiudaram as conferencias, e persistindo Saldanha na sua recusa, por que via que forçosamente ia macular a sua justa reputação com desastres inevitáveis, foi enviado preso para o castelo de S. Jorge, e mandado responder a conselho de guerra. Revoltado com tão flagrante injustiça, Saldanha recorreu pela primeira vez à imprensa, e escreveu e publicou: Exposição ingénua dos motivos que decidiram o brigadeiro João Carlos de Saldanha a não aceitar o comando da expedição à Baía, Lisboa, 1823. A prisão realizara-se em fevereiro, mas chegou o mês de Maio sem o conselho de guerra se ter reunido, nem havia já vontade que ele se reunisse. O ministério quisera apenas dar uma prova de força, quisera salvar a sua existência, posta em risco pela desgraçada questão do Brasil, mas não queria de modo algum que Saldanha repetisse no conselho o que dissera nas conferências com o ministro. Nesse mês de Maio, com o movimento da Vilafrancada, Saldanha recuperou a liberdade. Reclamava o conselho de guerra, mas o rei D. João VI declarou-lhe que o dispensava de dar provas da sua inocência, que era bem conhecida, e em seguida o nomeou comandante do exército de observações que se formara no Alentejo em virtude dos acontecimentos de Espanha. Esse exército ficou dissolvido, quando Espanha sossegou, e Saldanha foi nomeado a 8 de Abril de 1825 governador das armas do Porto.

Um ano depois morreu D. João VI, sucedendo-lhe seu filho D. Pedro, com o nome de D. Pedro IV, e o novo soberano enviou do Brasil, por lorde Stuart, a Carta Constitucional, que foi recebida com entusiasmo pelos liberais. Era regente do reino a infanta D. Isabel Maria, que se havia rodeado dum ministério perfeitamente reaccionário, o qual procurava todos os pretextos para impedir a publicação e o juramento da carta. Os liberais começaram a impacientar-se, e o Porto agitou-se e reclamou energicamente protestando contra a demora. Saldanha, como governador militar, escreveu à regente e ao governo, e como as respostas tardassem, mandou a Lisboa o coronel Rodrigo Pinto Pizarro, que não só repetiu as instâncias do brigadeiro Saldanha para que fosse jurada a Carta, mas que da parte do mesmo general convidou os comandantes dos corpos a dirigirem à regente um manifesto no mesmo sentido. Era uma intimação, e tão formal que a infanta cedeu, e a 12 de julho a carta foi publicada na Gazeta de Lisboa, designando-se o dia 31 para o juramento. Apenas a notícia chegou ao Porto, Saldanha foi aclamado como um herói. Houve grandes festas para celebrar o juramento da Carta, levantaram-se arcos triunfais em diversas ruas, realizando-se entusiásticas manifestações. O ministério adverso à Carta pediu a demissão logo que viu, que a regente seguia um caminho diverso do que ele lhe indicara. Por decreto de 1 de agosto formou-se novo ministério, e a infanta mandou chamar Saldanha para lhe confiar a pasta da guerra. No Porto repetiram-se as manifestações ao governador das armas, quando no dia 3 ele partiu para Lisboa a tomar posse do seu novo cargo. Em 20 de outubro rebentou no Algarve uma revolta militar miguelista, e Saldanha correu pessoalmente a subjugá-la, o que pouco tempo bastou, porque os revoltosos, sendo avisados, atravessaram o rio Guadiana para a fronteira cidade de Ayamonte, na Andaluzia. Saldanha regressou logo a Lisboa; deixando ao conde de Vila Flor o comando das tropas liberais, mas apenas chegou uma doença grave, que o teve às portas da morte, o obrigou a afastar-se por algum tempo do serviço público. Graves questões se iam entretanto levantando no país. A regente não estava perfeitamente afecta à causa liberal, ou pelo menos deixava se dominar pelos seus adversários. O partido vencido em 31 de julho ia recuperando pouco a pouco o seu ascendente, e no ministério composto primeiro de homens liberais iam entrando elementos profundamente adversos à liberdade. Todas as medidas, todas as resoluções que se tomavam, tendiam a destruir a liberdade, a, Carta não se cumpria senão dum modo perfeitamente irrisório. Quando Saldanha, depois de cinco meses de trabalhosa doença, entrou restabelecido no conselho de ministros, encontrou tudo completamente diferente do que tinha deixado. Imediatamente, não só na sua repartição seguiu um caminho diverso, mas imprimiu no caminhar de todo o ministério uma direcção contrária à que se estava seguindo. Promulgou uma série de medidas, entre as quais se contavam a substituição do redactor da Gazeta de Lisboa, a demissão do regedor das justiças do Porto, do intendente da policia e do presidente da Relação de Lisboa, inimigos declarados das ideias novas. Aconselhada pelos elementos absolutistas, a infanta D. Isabel Maria recusou-se a assinar estes decretos, e Saldanha pediu imediatamente a sua demissão, que lhe foi concedida a 23 de agosto de 1827. Era exactamente o que os partidários do governo absoluto queriam. Esta demissão significava simplesmente que o ultimo sustentáculo da causa liberal no ministério era sacrificado pela regente às tendências absolutistas do resto do gabinete, e o povo tanto o compreendeu, que nessa mesma noite, em sinal de protesto, fez uma imponente manifestação, conhecida pelo nome de Archotadas, por ter sido feita à luz dos archotes, e que é a maior prova da imensa popularidade que Saldanha alcançara. A multidão aclamava-o, por ver nele o heróico paladino da liberdade, que o poder absoluto pretendia destruir. Esta grande manifestação popular ainda mais exacerbou o ministério contra o seu ex-colega, e excitou as suas perseguições contra todos os amigos do futuro marechal. Este, entretanto, vendo como as coisas corriam desfavoravelmente para a causa liberal, percebendo que a regência do infante D. Miguel seria o último golpe vibrado nas instituições, enviou ao Rio de Janeiro um seu ajudante, o capitão Praça, a informar D. Pedro da situação de Portugal e dos inconvenientes que arrastaria consigo a nomeação do infante para regente do reino. Quando o ajudante de Saldanha chegou ao Rio de Janeiro, já a nomeação estava feita, e já partira com ela para Lisboa um navio. Saldanha, conhecendo que as coisas mais se complica vem, e sabendo também que o governo inglês chamara para Inglaterra a divisão do general Clinton, deixando assim a causa liberal, não só sem a protecção das armas britânicas, mas também sem o prestígio do nome inglês, entendeu que nada faria em Portugal, e embarcou para Inglaterra com as tropas inglesas. 

Estava-se então nos fins do ano de 1827, e no princípio de 1828 entrava D. Miguel em Portugal, dava o golpe de estado, e fazia-se proclamar rei absoluto. Uma parte do exército não aceitou, porém, a nova ordem de coisas, a guarnição do Porto insurgiu-se, aderiu ao movimento uma boa parte das tropas do norte, e organizou-se assim um pequeno exército, cujo comando uma junta provisória que logo se organizou, confiou ao general Saraiva Refoios. Saldanha e Palmela, sabendo em Londres da sublevação, supuseram que haveria já em Portugal sérios elementos de resistência às tentativas absolutistas, e fretando o vapor Belfast, partiram para o Porto juntamente com os generais Stubbs, Azevedo, etc. Como a cidade estava bloqueada pela esquadra de D. Miguel, foram desembarcar a alguma distância do Porto, e entraram depois na cidade, vendo aí que as circunstâncias eram muito piores do que supunham. O país permanecia inerte, ou mostrava entusiasmo pela causa de D. Miguel. Saraiva Refoios, depois de ocupar Coimbra, fora batido nuns poucos de recontros, e retirava sobre o Porto. Saldanha ainda tomou o comando das mãos inábeis do general Saraiva, e postou o exercito em Grijó numa posição vantajosa, ao passo que Stubbs se fortificava em Valongo, mas de repente, quando. menos se esperava, Saldanha abandonou o exército, que recuperara a confiança vendo-se comandado pelo prestigioso general, e embarcava precipitadamente no Belfast com os outros com quem viera. Este caso, decerto o único censurável da vida militar de Saldanha, não foi nunca bem explicado. Qual foi o motivo desta súbita partida? Como é que Saldanha, o herói de Montevideu, homem duma bravura nunca desmentida, assim fugia diante do inimigo, deixando os soldados, cujo comando tomara, fazerem, sem o seu general, essa triste retirada da Galiza, onde tanta e tão justa glória adquiriu Sá da Bandeira, a quem tinham oferecido um lugar a bordo do Belfast, e que este general recusara, permanecendo no seu posto de honra (V. Sá da Bandeira). Este caso do vapor Belfast ficou sempre misterioso, mas apesar da má impressão que produziu nos emigrados, não diminuiu o prestigio de Saldanha, e no fim desse ano de 1828 já uma expedição de voluntários se preparava em Plymouth, para sob as ordens de Saldanha ir socorrer a ilha Terceira, onde tremulava a bandeira liberal arvorada pelo intrépido batalhão de caçadores n.º 5, que compunha a guarnição da ilha. Saldanha já então era conde, título com que fora agraciado em 1827, mas que só foi confirmado por decreto de 14 de janeiro de 1833. Foram 650 os portugueses emigrados que se aprontaram para seguir na expedição, os navios fretados eram os brigues Susana e Lyra, e as galeras Minerva e Delfins. Custou imenso ao marquês de Palmela conseguir que o governo inglês deixasse sair a expedição portuguesa apesar de todas as liberdades britânicas, e ainda assim foi preciso que a expedição fosse completamente desarmada, porque o governo de lorde Wellington, secretamente favorável à causa de D. Miguel, não queria senão encontrar um pretexto que lhe permitisse impedir a saída dos navios. A 16 de janeiro de 1829 chegou Saldanha às águas da Terceira, e preparava-se para desembarcar, quando foi de súbito metralhado por duas fragatas inglesas. Esta rude e brutal intimação provocou da parte do conde de Saldanha e do comodoro Walpole uma troca de correspondência, em que Walpole declarou que tinha ordem de não consentir que ele e os seus homens desembarcassem na ilha Terceira. Saldanha respondeu que nesse caso se, considerava seu prisioneiro de guerra. Debalde o comodoro procurou de todos os meios conseguir que a expedição obedecesse ás suas intimações, sem a Inglaterra parecer que praticava um acto hostil. Saldanha persistiu que ou se considerava prisioneiro de guerra do oficial inglês ou que desembarcava. Walpole teve de escoltar os navios do conde de Saldanha até ao cabo Finisterra. Só aí os deixou furioso pela pertinácia do conde, que pôde formular num magnífico protesto as suas queixas contra o procedimento inglês. A opinião pública europeia revoltou-se com esse procedimento. Saldanha, que desejara seguir para o Brasil, mas que o não pudera fazer por falta de abastecimentos, e não querendo voltar a Inglaterra, foi desembarcar em Brest, e atravessando toda a França, seguiu para Paris, encontrando por toda a parte as manifestações da mais viva simpatia. Este procedimento de Saldanha foi talvez o que facilitou um pouco a ida do conde Vila Flor para a Terceira, obrigando o governo inglês a tomar uma atitude mais hesitante e o cruzeiro inglês nos Açores a ser por conseguinte menos severo e menos escrupuloso. O facto efectivamente provocara a indignação de todos os liberais. Nas câmaras francesas Benjamin Constant, Lafayette, Sebastiani haviam-no estigmatizado com energia; na própria câmara inglesa os celebres Malkintosh e Palmerston haviam censurado o procedimento do governo. Também Saldanha adquirira as mais vivas simpatias. Só com ele quisera o governo francês tratar as questões relativas aos subsídios a conceder aos emigrados portugueses. Saldanha fora também incansável em acudir aos seus compatriotas. Não só obtivera subsídio para todos, até para os académicos e paisanos, não só conseguira que as senhoras francesas presididas pelo conde de Flahaut, promovessem um baile por subscrição em favor dos emigrados portugueses, baile que rendeu 30.000 francos, mas ainda se empenhou com o governo belga por intermédio do major Lopes de Andrade, para que valesse aos emigrados portugueses que para a Bélgica haviam partido, e logrou ainda que o governo francês subsidiasse os emigrados portugueses que estavam em Plymouth, e que não podiam ali viver com o mesquinho tratamento que recebiam do governo inglês. Saldanha também vivia em tristíssimas circunstâncias. As jóias tinham-se vendido, os 90 francos (16$200 réis) mensais que recebia do governo francês como emigrado, não chegavam para o seu sustento, de sua mulher e de seus filhos. Foi então que recorreu ao trabalho literário, escrevendo no Nacional, periódico democrático redigido por Armand Carrel, e onde colaboravam alguns dos vultos mais notáveis do partido liberal de França. Foi decerto a sua colaboração naquele jornal e a convivência com os democratas franceses, que nele escreviam, que o converteram no liberal avançado que por essa época foi, enfileirando entre os revolucionários de 1820, bem diferentes nas suas aspirações políticas dos cartistas de 1826. Entre esses homens estabeleceu-se uma espécie de antagonismo doutrinário, que as intrigas da emigração mais agravaram. Em conciliábulos misteriosos os dois grupos procuravam dilacerar-se. E D. Pedro, cujas simpatias iam, naturalmente, para os partidários dedicados à Carta, principiou a olhar com tanta desconfiança para Saldanha, que, tendo chegado do Brasil, influído pelo que ouvira contar dos projectos audaciosos do valoroso general, quando se tratou de organizar com os emigrados dispersos pela Europa a expedição de Belle-Isle para os Açores, não o nomeou, como estava projectado, chefe do estado maior, declarando o próprio D. Pedro a Saldanha, que lhe fora comunicada da parte de Fernando VII de Espanha, a ameaça de intervir na contenda com um exército de 40.000 homens, se Saldanha fizesse parte da expedição. Saldanha, com a mais profunda mágoa, viu partir a expedição, tendo de explicar no Nacional, de 13 de janeiro de 1831, e numa circular impressa dirigida aos seus amigos; os motivos da sua forçada inacção. Já três anos antes havia publicado umas Observações sobre a Carta que os membros da Junta do Porto dirigiram a S. M. o Imperador do Brasil em 5 de agosto de 1828, Paris, 1829; este folheto saiu em 1830, mais acrescentado, com o título: A Perfídia desmascarada, ou carta da Junta do Porto a S. M. o Imperador do Brasil, e observações à mesma carta pelo conde de Saldanha, e por outro emigrado,  com notas do editor

Saldanha, depois da partida da expedição para os Açores, conservou-se durante um ano assistindo de longe ás peripécias desse terrível drama das lutas civis. Finalmente, nos últimos meses de 1832, a causa liberal esteve por tal forma arriscada que, depois de se ter convidado o general Solignac a tornar o comando em chefe do exército, vendo que essa nomeação não dava o mínimo resultado, por ser o general francês uma mediocridade, apesar da fama que o precedia, e D. Pedro, completamente desanimado, consentiu que fossem para o Porto todos os militares que se conservavam ainda longe da pátria, com excepção do coronel Pizarro. Denunciavam-se assim claramente as intrigas facciosíssimas que tinham desviado Saldanha do campo da batalha, onde se agitavam os destinos da pátria. Saldanha nem um instante hesitou, apesar de saber que a causa liberal parecia tão perdida, que D. Pedro dizia para Londres a Palmela, que se não alcançasse a intervenção inglesa dentro de 30 dias, nenhum recurso lhe restaria. O cerco do Porto, que principiou pouco depois do desembarque de D. Pedro, apertava-se cada vez mais, e a cidade estava realmente prestes a ceder, quando Saldanha, Stubbs e Cabreira desembarcaram na Foz a 28 de janeiro de 1833. Solignac tivera a inabilidade de abandonar o monte do Crasto e principalmente o montinho do Pinhal que dominava a Foz, e cuja ocupação pelo inimigo trazia inevitavelmente consigo a perda do Porto, porque seria impossível entrarem mais víveres ou munições na cidade sitiada. Saldanha, logo ao chegar, recebera o comando da esquerda da linha, e logo viu o erro gravíssimo que se cometera. Fê-lo sentir a Solignac, e disse-lhe que era indispensável recuperar o Pinhal. Solignac opôs-se, respondendo que seria uma verdadeira loucura, e proibiu-lhe até expressamente que o fizesse; mas Saldanha estava tão convencido da sua opinião que tomou a responsabilidade da desobediência. Atacou rapidamente o Pinhal ainda mal guarnecido pelo inimigo, e assenhoreou-se dele quase sem perdas. Solignac, em presença do resultado obtido, não ousou censurar a desobediência de Saldanha, já marechal de campo, e não teve contudo a coragem de pedir a sua demissão. Saldanha, sem mais pensar no comandante em chefe, tratou de fortificar com toda a rapidez as suas fortificações. A 4 de março foi o reduto do Pinhal atacado vivamente, porém D. Pedro que conseguira armá-lo o melhor possível, repeliu o inimigo com energia. Então é que se conheceu pela força do ataque dos miguelistas, a importância das fortificações que Saldanha improvisara, e que eram o assombro de todos. Solignac ainda desta vez assistiu ao triunfo do conde de Saldanha, sem tomar parte nele, conservando-se imóvel com o resto do exército. Que rancor ardia no peito de Solignac pode imaginar-se, sabendo que o queria mandar fuzilar, quando soube que ele tivera conferências secretas com o general miguelista Lemos a bordo dum navio inglês. Chamado Saldanha, explicou ele facilmente que tivera essas conferências para pôr termo à guerra, conseguindo que pacificamente triunfasse a causa liberal sem se derramar mais sangue português. Solignac deu um jantar a Saldanha no mesmo dia em que o condenara a ser fuzilado, e ainda desta vez se não demitiu. Só percebeu enfim que devia pedir a demissão, quando no conselho de guerra que se reuniu para se tratar duma diversão que se deveria fazer, viu adoptada a opinião de Saldanha, que era uma expedição ao Algarve, contra a sua que era de se romperem as linhas miguelistas no sul do Douro. 

Apenas Solignac foi demitido, logo D. Pedro nomeou Saldanha chefe do estado-maior, que equivalia a confiar lhe o comando em chefe do exército. Essa nomeação foi acolhida com verdadeiro entusiasmo. Logo na acção de 5 de Julho se mostrou a energia e o talento do novo comandante. O exército miguelista, sabendo que a guarnição do Porto estava enfraquecida pela partida da expedição do duque da Terceira para o Algarve, atacou vigorosamente as linhas procurando cortar as comunicações entre a Foz e o Porto. Foi completamente repelido, e D. Pedro entusiasmado com a perícia do seu novo chefe do estado-maior, promoveu-o por distinção no campo da batalha ao posto de tenente-general. Apesar da derrota, os miguelistas não desanimaram, pela chegada do marechal francês Bourmont que acompanhado por uns cem oficiais legitimistas franceses, vinha tomar o comando do exército que sitiava o Porto. Não tardaram a medir-se os dois generais. Em 25 de julho Bourmont deu um ataque geral ás linhas do Porto, pôs em grave perigo a esquerda da linha que Saldanha defendeu brilhantemente repelindo o ataque, e pressentindo que Bourmont, repelido da esquerda havia de pretender atacar a direita, provavelmente enfraquecida pela concentração de forças no outro flanco, partiu a galope para Bonfim, e ali encontrou efectivamente o regimento belga repelido e os miguelistas já dentro do Porto. O momento era crítico. Os reforços não podiam chegar ainda. Saldanha, entretanto desembainha a espada, e carrega o inimigo à frente do seu estado-maior e da sua escolta de lanceiros. Cai morto seu sobrinho D. Fernando de Almeida, são feridos quase todos os oficiais, mas o inimigo recua, e o Porto está salvo na direita como já o estava na esquerda. O imperador, em recompensa de tão assinalada vitória, confere-lhe a grã-cruz da Torre e Espada. Chegam no dia 26 ao Porto as notícias da ocupação de Lisboa pelas tropas do duque da Terceira; D. .Pedro parte para Lisboa, deixando Saldanha comandante em chefe da guarnição do Porto. Não tardou que Bourmont, com uma parte do exército miguelista, marchasse a cercar Lisboa, ficando em frente do Porto o general Almer. Não quis Saldanha consentir que forças relativamente diminutas o paralisassem dentro da cidade. A 18 de agosto fez uma sortida, surpreende o inimigo, desaloja-o das suas fortes posições, repele-o em seguida nas alturas de Valongo, e completa assim o levantamento do cerco do Porto. A cidade aclamou com ovações frementes de entusiasmo o seu heróico salvador. Saldanha organiza então uma pequena divisão, e em 24 de agosto parte para Lisboa, deixando o governo do Porto entregue ao tenente general Stubbs. Chegando a Lisboa assume o comando do exercito, repele no dia 5 e no dia 14 de setembro os ataques de Bourmont, obriga Macdonell, que substituía no comando o general francês, a levantar o cerco da capital nos dias 10 e 11 de outubro. D. Pedro nomeou-o marechal do exército e para lhe ser agradável, mandou colocar de novo no pedestal da estátua de D. José, no Terreiro do Paço, o medalhão do seu glorioso avô, o marquês de Pombal. Mas a luta continuava agora ainda mais terrível do que nunca. Póvoas sucedera a Macdonell, continuando a manter-se na expugnável Santarém. Então Saldanha, deixando o duque da Terceira à frente das tropas liberais que ocupavam Cartaxo, marcha sobre Leiria com uma pequena força  e toma a cidade, derrota em Torres Novas os célebres dragões da Chaves, e finalmente desbarata completamente em Pernes uma força importante, que Póvoas para ali destacara na esperança de cortar as comunicações dos dois marechais. Então os miguelistas resolveram tentar um supremo esforço, o que proporcionou a Saldanha o ensejo de ganhar a mais brilhante vitória da sua carreira militar, a batalha de Almoster, que deu um golpe mortal na causa miguelista. Projectou Saldanha, em seguida a este brilhante feito de armas uma expedição ao norte para se assenhorear de todo o país e impedir que o inimigo recebesse reforços ou auxílios das províncias afectas ao absolutismo. O plano não foi aceite, e o marechal recebeu ordem de retirar para o Cartaxo com a sua divisão. Prosseguindo a campanha, os miguelistas ainda tiveram um efémero triunfo em Alcácer, onde os constitucionais foram repelidos. Como aproveitassem esta insignificante vitória para novos ataques, o plano de Saldanha foi afinal adoptado, sendo a sua execução confiada ao duque da Terceira. Pouco tempo depois com a batalha de Asseiceira, D. Miguel era derrotado por completo. Em 26 de maio de 1834, assinou-se a convenção do Évora Monte. Saldanha, a quem indubitavelmente se devia o êxito da campanha, foi elevado a marquês, por decreto passado logo no dia seguinte, e uma dotação de cem contos de reis em bens nacionais. 

Terminada a luta, começou o agitado noviciado constitucional do país. D. Pedro abriu as cortes em 15 de agosto de 1834, e Saldanha, sendo eleito deputado, foi o chefe da oposição no primeiro ministério de D. Maria II. Os inimigos, que antes e durante o cerco do Porto, tanto o combateram, voltaram à sua tarefa, agora mais fácil, porque na paz as intrigas podem mais facilmente urdir-se. A 27 de maio do ano de 1835, a rainha chamou-o ao poder, confiando-lhe a presidência do conselho e a pasta da guerra, e dando-lhe como colegas o duque de Palmela, o marquês de Loulé, Chanceleiros, João de Sousa Pinto de Magalhães, etc. Pouco depois entrou Rodrigo da Fonseca Magalhães para o governo, como ministro do reino. Este gabinete teve curta duração. A iniciativa de Saldanha em mandar a Espanha uma divisão auxiliar, que se portou ali brilhantemente, contra os carlistas, as reformas projectadas na instrução pública pelo ministro Rodrigo da Fonseca, e depois uma resolução do duque da Terceira, comandante em chefe do exército, relativamente ao papel dos oficiais nas eleições, originaram a queda do ministério, que foi substituído por outro da presidência de José Jorge Loureiro. Foi durante este último ministério, que rebentou a revolução de Setembro. Saldanha conservou-se um pouco afastado da política militante, descansando em Sintra, mas quando julgou que a revolução fora mais longe do que, no seu entender, devia ir, quando lhe pareceu que estavam em perigo as prerrogativas e a dignidade da rainha, que ele sustentara sempre com tanta dedicação, pronunciou-se, de acordo com o duque da Terceira, contra a marcha das coisas, marchando para o norte a 27 de julho de 1837, entrou na Beira, onde se lhe juntaram algumas tropas, muito menos do que ele imaginava, porque a revolução popular setembrista ainda tinha um grande prestigio. O barão de Bonfim foi enviado com tropas importantes contra o marechal Saldanha, mas este, com a habilidade que o distinguia, zombou do seu feliz adversário, escapando-se por uma série de marchas estratégicas, indo unir-se ao duque da terceira e a Mousinho de Albuquerque em Torres Vedras, onde formaram uma regência provisória, e marchando sobre Lisboa, acamparam em Loures, ao passo que Bonfim se encontrava no Pombal. Esperavam os marechais que Lisboa se pronunciasse a seu favor, mas não sucedeu assim, tiveram por conseguinte de retirar, porque dispunham apenas de três batalhões de voluntários mal armados e um regimento provisório de infantaria de linha. Tendo boa cavalaria, mas não tendo um só canhão, não podiam os marechais atacar Lisboa. Retiraram, pois, para o norte em procura da divisão auxiliar de Espanha, que recolhia a Portugal, por ordem do governo, e que esperavam que aderisse à sua causa. No dia 28 de agosto de 1837 encontraram se no Chão da Feira com o barão de Bonfim, e aí se travou batalha, que terminou por um acordo entre Saldanha e Bonfim, que no meio da batalha se encontraram e deliberaram suspender a luta para verem se chegavam a um acordo sobre a questão constitucional. Os marechais retiraram para Alcobaça, Bonfim para Leiria, e em Aljubarrota se reuniram comissários para tratarem dum convénio. Não se podendo chegar a um acordo, romperam-se de novo as hostilidades. Aqui se mostrou mais uma vez a habilidade do marechal. A derrota em Chão da Feira era quase inevitável, nem Saldanha decerto aceitaria o combate, se não esperasse que as forças setembristas passassem para ele, graças ao seu antigo prestigio. Só isso aconteceu com uma parte da cavalaria, mas a infantaria formada em quadrado resistiu intrepidamente, e a falta de artilharia colocava os marechais na mais desastrosa inferioridade. A interrupção do combate foi a salvação para eles. No dia seguinte unia-se o barão do Casal a Bonfim e Saldanha por conseguinte não podia seguir para o norte pela estrada de Leiria. Mais uma vez, porém, iludiu os adversários, e torneando-os por uma marcha audaciosa e feliz, foi sair a Rio Maior, passou a Santarém, depois a Tomar, e ainda Bonfim andava à procura dele, e já ele estava em Trás-os-Montes. Ao chegarem, porém, a Chaves, souberam os marechais que o barão de Leiria, contra as ordens expressas que recebera, tendo-se-lhe reunido uma das brigadas da divisão expedicionária de Espanha, dera batalha em Ruivães à outra brigada comandada pelo visconde das Antas, e fora batido. Vendo então que não podiam prolongar a luta, assinaram uma convenção, e partiram para o estrangeiro, terminando assim a revolta, que ficou conhecida pela revolta dos marechais. 

Saldanha foi residir para Paris até que, voltando ao reino, o governo cartista o encarregou de varias embaixadas, passando quase todo o seu tempo até 1846, empregado na carreira diplomática. Esteve em Londres, em Madrid e em Viena, onde a rainha e os seus confidentes o conservaram de reserva para o momento em que fosse preciso. Em 1846, portanto, prosseguiu na vida política, de certo um campo muito menos brilhante para ele do que a carreira militar. Já não é muito explicável, apesar de tudo, a sua insurreição de 1837 contra a revolução liberal que devia agradar, segundo parecia ao redactor do Nacional, ainda se percebe menos que depois de ter sido uns dias ministro da guerra e dos negócios estrangeiros no gabinete de Palmela de 20 de maio, não recusasse cobrir com a sua responsabilidade o odioso golpe de estado de 6 de outubro de 1846, pelo qual a rainha faltava à sua palavra, e opunha o seu veto ao movimento democrático do país. Saldanha, o homem mais popular do país, ia agora afrontar o movimento mais verdadeiramente popular que couve entre nós, indo servir os interesses do conde de Tomar contra os interesses legítimos do povo. Mas chegava o momento de desembainhar a espada, e o marechal recuperava o seu antigo esplendor. A revolução do Minho, promovida pela emboscada de 6 de outubro, rebentara com energia, organizara no Porto a Junta que dirigiu a revolução e o conde das Antas, à frente das tropas liberais, marchou sobre Lisboa parando sobre Santarém, onde destacou para Alcobaça e Caldas uma divisão comandada pelo conde de Bonfim. Saldanha, deixando o ministério para assumir o comando das tropas cartistas, ocupou o Cartaxo, e vendo a imprudência do conde das Antas, marchou sobre Bonfim que seguia para Torres Vedras, onde foi obrigado a capitular depois da batalha de Torres Vedras, em 22 de dezembro de 1846, e que é uma das mais brilhantes da carreira militar de Saldanha. Bonfim teve de se entregar com toda a divisão, Antas viu-se obrigado a retirar sobre o Porto, seguindo-o Saldanha que ocupou a posição de Oliveira de Azeméis, isolando assim o Porto do sul do País, sem que a junta ousasse mandá-lo atacar até que a intervenção estrangeira pôs termo à luta civil, pela convenção de Gramido assinada em 80 de junho de 1847. Saldanha havia sido agraciado com o título de duque, por decreto de 4 de Novembro de 1846 fora elevado ao pariato e nomeado mordomo-mor da rainha. 

A 18 de dezembro de 1848 formou se um ministério, presidido por Saldanha, presidência que conservou até 29 de junho de 1849, em que a rainha, julgando ser tempo de acabar com aquele ministério que considerava de transição, chamou de novo Costa Cabral, já então conde de Tomar, aos conselhos da coroa. Saldanha feriu-se profundamente com esta resolução da rainha, e começou a fazer uma oposição furiosa ao novo governo. O conde de Tomar, procedendo com a sua habitual energia, aconselhou a rainha a que o demitisse do cargo de mordomo-mor da Casa Real. Ferido também no seu amor próprio, o marechal pediu a demissão de todos os seus cargos de comissões, e saiu a campo, publicando em 1850 o Requerimento e correspondência do duque de Saldanha com o ministro da guerra, por ocasião de ser demitido do ofício de Mordomo mor da Casa Real. A publicação deste folheto deu em resultado levantar-se uma viva discussão na imprensa, e imprimiram-se avulsos vários opúsculos e panfletos, nos quais a questão foi diversamente avaliada, saindo anónimos a maior parte deles. Sentia-se bem que o conde de Tomar jogara uma carta arriscada, e que Saldanha não deixaria de tirar a desforra. Esta desforra não demorou muito. O marechal resolveu, portanto, vingar-se, e a corresponder aos votos do país, fatigado da administração enérgica mas áspera do conde de Tomar. A 7 de abril de 1851 saiu de Sintra com uns oficiais do seu estado-maior, partiu para Mafra, na intenção de revoltar o Regimento de Infantaria n.º 7, mas apenas alguns soldados tomaram o seu partido. Reuniram-se-lhe apenas alguns batalhões de caçadores n.º 1, que estava em Setúbal o n.º 5, que estava em Leiria. O marechal julgou perdida a insurreição, porque todos, ou quase todos os coronéis eram cabralistas, e haviam fugido com os regimentos ao marechal, como fizeram os comandantes do n.º 9 e do n.º 14 de infantaria e o n.º 4 de cavalaria. Entrara Saldanha já em Espanha, e achava-se em Lobios na Galiza, quando cartas de José Estêvão e de outros homens notáveis do partido progressista o chamaram a Portugal, onde triunfava o seu movimento, exactamente quando ele o supunha perdido. A guarnição do Porto insurgira se a seu favor, e um dos coronéis que tinham tentado opor-se à revolta, foi morto. Saldanha entrava triunfante no Porto, onde ia reunir-se-lhe dentro em pouco tempo quase toda a divisão que, debaixo do comando do rei D. Fernando, saíra de Lisboa para se lhe opor. Em Lisboa entrava pouco depois, a 13 de maio, o marechal, e a sua entrada foi festejada com delirantes ovações, iluminações, vendo-se pelas ruas filarmónicas tocando um hino composto em sua honra. Pouco fora preciso para Saldanha recuperara popularidade, que por um instante lhe resfriara um pouco. O marechal com as suas tropas passou em continência em frente do palácio das Necessidades, mais como afronta à rainha, do que como um acto de submissão. O conde de Tomar fugiu para o estrangeiro, el-rei D. Fernando entregou-lhe o bastão do comando em chefe do exército, e a rainha teve também de o aclamar, quando o povo o saudava como a um triunfador. Saldanha, tomando posse do governo em ditadura, promulgou grande número de leis. Este movimento ficou conhecido na história pela Regeneração. Saldanha tinha a seu lado no ministério Rodrigo da Fonseca Magalhães, e chamou ao poder um jovem deputado de um imenso futuro, e que veio a ser mais tarde uma sumidade política, Fontes Pereira de Melo. Durante cinco anos dirigiu esta administração regeneradora que pôs termo definitivo ás lutas políticas, fez passar o Acto Adicional à Carta Constitucional, fez entrar o país no caminho do desenvolvimento material; assegurando o pagamento pontualíssimo dos funcionários, e tratando seriamente da viação publica. 

Em 1856 cedia Saldanha o poder ao ministério progressista histórico, voltando a ocupar-se principalmente na carreira diplomática. Pouco tempo depois entregava-se também a uma especialidade muito inesperada, à especialidade médica. Fazia-se em Portugal o advogado da homeopatia, publicando em 1858 o seguinte folheto: Estado da medicina em 1858; opúsculo, dividido em cinco partes, dedicado a el-rei o Sr.. D. Pedro V, e oferecido aos homens de consciência e superiores, que entre nós ensinam ou praticam a nobre e liberal profissão da medicina. Este folheto promoveu resposta do Dr. Bernardino António Gomes, travando-se entre o ilustre marechal e o bem conhecido médico uma discussão veemente. Já em 1845, estando embaixador em Viena de Áustria, publicara um livro intitulado: Concordância das ciências naturais, e principalmente da geologia com o Génesis fundada sobre as opiniões dos santos padres e dos mais distintos teólogos; extraída de um trabalho do marechal marquês de Saldanha sobre a filosofia de Schelling. Atribui-se-lhe também um outro folheto: Curtíssima exposição de alguns factos, Lisboa, 1847; este opúsculo, concernente à explicação do movimento político do 6 de Outubro de 1846, saiu sem o nome do autor. Publicou depois um Aditamento à «Curtíssima exposição de alguns factos», tendo a data de 3 de setembro de 1847, e por assinatura Um português. Nos catorze anos que decorreram de 1856 a 1870 conservou-se Saldanha constantemente afastado do poder. Ministro em Roma, em Paris, ou em Londres, representava com grande esplendor o seu país e era em toda a parte um dos vultos mais notáveis do corpo diplomático. Por mais duma vez o nome do duque de Saldanha foi indigitado para a presidência do conselho, mas, ou porque ele se recusasse, ou porque as circunstancias políticas mudassem e não tornassem necessário o seu chamamento, é certo que sempre continuou a exercer as suas missões diplomáticas, até que em 1869, tendo vindo a Lisboa, e julgando-se desconsiderado pelo ministério progressista presidido pelo duque de Loulé, resolveu fazer sentir ao governo que, apesar dos seus oitenta anos, ainda conservava o antigo prestigio no exército e a verdura da mocidade. Deu ouvidos ás incitações do conde de Peniche e do grupo de revolucionários que acompanhava este fidalgo, e à frente do Batalhão de Caçadores n.º 5 e do Regimento de Infantaria n.º 7, proclamou a queda do ministério. Só a guarda municipal, alguma artilharia e um esquadrão de lanceiros deixou de unir-se aos revoltosos. Saldanha dirigiu-se com a força que angariara, ao palácio da Ajuda na noite de 19 de maio de 1870, onde uma bateria do 3 de artilharia lhe faz fogo, que é correspondido pelos caçadores revoltados, mas a resistência durou poucos minutos e os artilheiros rendem-se, ficando apenas mortos uns cinco e igual. número de feridos. Várias balas de caçadores esmigalharam as vidraças do paço, e lhe furaram os estuques. O ministério quer conservar-se a todo o transe, não lhe importando que para isso corra jorros de sangue. O rei D. Luís estava aterrado; não queria guerra, não queria derramar sangue, e estava por tudo quanto Saldanha quisesse. Mandou chamar o duque de Loulé para lavrar o decreto da demissão dos ministros, mas o duque recusa-se terminantemente a referendar tal decreto, mas vendo por fim que o rei se obstinava em não querer guerra, cedeu, e foi reunir-se aos seus colegas para envidarem todos os meios de sufocarem a revolta. Finalmente o rei assinou o decreto da demissão do ministério, e Saldanha ficou senhor da situação, e como ditador formou em 25 de maio um ministério, em que entravam D. António da Costa, marquês de Angeja (conde de Peniche), D. Luís da Câmara Leme, José Dias Ferreira e conde de Magalhães, ficando Saldanha com a presidência e as pastas da guerra e dos estrangeiros. Promulgou uma série de reformas mas, em 29 de agosto do mesmo ano de 1870, um outro golpe de estado promoveu a queda do ministério, retirando-se de novo Saldanha como ministro para Londres, onde veio a falecer com oitenta e seis anos de idade. 

O duque de Saldanha havia enviuvado em 13 de agosto de 1855, e passou a segundas núpcias, em Londres, sendo já octogenário, com D. Carlota Isabel Maria Smith, irmã do conde da Carnota, John Smith Athelstane, já viúva do Dr. Edward Binns. Possuía as seguintes honras: grã-cruz das ordens de Cristo, da Torre e Espada, de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, de S. Tiago, e de S. João de Jerusalém; das seguintes ordens estrangeiras: S. Fernando, Isabel a Católica e Carlos lII de Espanha; da Legião de Honra, de França; de S. Gregório Magno e da Pio IX, de Roma, de Ernesto Pio, de Saxe-Coburgo; de Leopoldo, da Áustria; do Leão, dos Países Baixos; de S. Maurício e S. Lazaro, de Itália; de Leopoldo, da Bélgica; de Alberto, o Valoroso, de Saxónia; do Salvador, da Grécia; da Águia Branca, da Rússia; cavaleiro da Ordem do Tosão de Ouro, de Espanha, da Santíssima Anunciada, de Itália; condecorado com as medalhas do Buçaco, de S. Sebastião e de Nive; de seis batalhas da Guerra Peninsular, da Estrela de Montevideu, etc.; sócio emérito e vice-presidente da Academia Real das Ciências, membro da Sociedade Geológica de França, da Academia das Ciências e Belas Letras de Anvers, da Sociedade Estatística de França, e de muitas outras associações cientificas e literárias da Europa. Por decreto de 30 de outubro de 1862, foi agraciado com as honras de parente. O seu brasão é o mesmo, que já se publicou e se descreveu, no 1.º vol. do Portugal, pág. 56, no artigo dedicado a seu filho, o conde de Almoster. O brasão é igual sob coronel de duque. 

Saldanha foi também um escritor muito considerado. Entre as obras que deixou, citaremos as seguintes: um folheto Algumas ideias sobre a Fé; sem designação do lugar da impressão, mas tem no fim a data de Lisboa, 17 de maio de 1857; Discursos do presidente de ministros, duque de Saldanha, proferidos nas sessões de 14 e 15 de fevereiro na Câmara dos dignos Pares, por ocasião das acusações feitas pela oposição, Porto, 1848. Achando se em 1864 embaixador em Roma, assistiu a uma sessão da Academia dos Quirites, celebrada no palácio do príncipe de Alfieri, em 21 de abril, e recitou na presença de vários cardeais, prelados e outras personagens distintas, a dissertação que para esse fim escrevera: Il natale di Roma. Em 1865, voltando aos seus estudos médicos, publicou: Duas palavras sobre a homeopatia como preservativo e curativo da Cólera morbos. Escreveu mais: Carta sobre o casamento civil, dirigida ao ex.mo presidente  do Conselho de Ministros, Lisboa, 1865; A Verdade, Lisboa, 1863 constava de quatro capítulos: 1.º Expectação universal; 2.º A antiguidade não realizou o ideal da perfeição humana; 3.º Jesus Cristo, Deus e homem verdadeiro; 4.º Algumas ideias sobre a Fé; teve 2.ª edição em 1869; Carta ao sr. Latino Coelho acerca da razão que o impediu de assistir à inauguração da estátua de D. Pedro IV no Porto, com a exposição dos serviços que na mesma cidade prestou durante o cerco e depois, até ao fim da luta civil de 1839; saiu no Jornal do Comércio, de 26 de outubro de 1866; Necessidade de associação católica, Londres, 1871; A Voz da Natureza, etc., publicou o 1.º vol. em Londres, 1879; o 2.º vol. saiu em 1876, no mesmo ano da morte do marechal; segundo o autor, a obra devia ter três volumes, mas parece que o 3.º se não chegou a publicar. Em 1869 publicou em vários jornais de Lisboa (Diário Popular, Jornal do Comércio, e Diário de Noticias), cartas para explicar o seu procedimento político, e que são documentos preciosos para a historia dos preliminares da revolta de 19 de maio de 1870. O duque de Saldanha tem artigos biográficos no Dictionnaire des contemporains, de Vapereau; no Dictionnaire générale de biographie et d'histoire, de Dézobry et Bachelet; na Nouvelle biographie générale, tomo XLIII; Historia do marechal Saldanha, por D. António da Costa de Sousa de Macedo; O Marechal Saldanha, romance histórico, de César da Silva, publicado pela casa editora João Romano Torres & C.ª. O escultor Alberto Nunes executou em 1880 o busto em mármore do marechal Saldanha, trabalho de muito valor artístico, que foi destinado para a Câmara dos Pares.

 

 

 

 

João Oliveira e Daun, I. duque de Saldanha
Genealogy (Geni.com)

 

 

 

 


Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VI, págs. 484-492.

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