A Europa em 1974

 
Cimeira da CEE
Valéry Giscard d'Estaing e Helmut Schmidt na Cimeira de Dezembro da CEE

 

"Pode ser que o pior acabe por não chegar"

 

Ditaduras Reino Unido França Itália Alemanha

Para a Europa ocidental 1974 foi o ano em que o sonho de um caminho sem escolhos para a União Europeia deu lugar ao pesadelo. O sonho da unidade, que já se estava a desvanecer à algum tempo, pareceu que ia ser abandonado de vez, com a emergência de um novo grupo de políticos europeus pragmáticos.

De facto, a reunião da CEE em Paris, em Dezembro de 1974, pôs em causa a quase totalidade dos grandiosos planos elaborados pelos antigos governantes europeus, para a criação de um Estado supranacional, e após chegarem a compromissos aceitáveis por todos, optaram por formas realistas de cooperação.

O realismo foi-lhes imposto pela crise energética, já que a economia europeia se encontrava quase completamente dependente dos poços de petróleo do Médio Oriente. A sociedade criada na Europa do pós-guerra, baseada no petróleo barato e no aumento sustentado do consumo, tinha acabado. Em vez disso a Europa, exactamente como o resto do Mundo, preparou-se para a possibilidade dum período prolongado de inflação, desemprego e recessão económica.

O fim das ditaduras: Portugal e Grécia

Para os europeus ocidentais, só houve boas notícias no facto de dois dos três regimes autoritários existentes na área, terem desaparecido. Em Portugal, em Abril, com a queda do governo ditatorial e rigidamente conservador de Marcelo Caetano, e  na Grécia, em  Julho, com a queda da última das juntas militares, que governaram o país desde 1967, no seguimento da desastrosa intervenção em Chipre.

Mas mesmo aqui as boas notícias levantaram novos problemas, já que Portugal se tornou o primeiro país da Europa ocidental, desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, a incluir comunistas no governo. Esta viragem do país à esquerda, fez com que a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) receasse que Portugal pudesse vir a negar aos Estados Unidos a utilização da Base das Lajes, nos Açores, ou mesmo que tivesse a intenção de sair da organização.

Os acontecimentos em Portugal foram seguidos atentamente pela vizinha Espanha, onde o  General Franco, que parecia à beira da morte, recuperou inesperadamente. Mas quem dirigia o dia-a-dia do governo era o presidente do conselho de ministros, Carlos Arias. Este, preocupado com o rumo dos acontecimentos em Portugal, atacou decididamente o separatismo basco e parou com o processo de liberalização da vida política espanhola.


Churchill Parabéns Winnie !

Os britânicos comemoraram o centenário do nascimento de Wiston Churchill, que os tinha dirigido na sua «melhor hora», e criticaram Richard Burton, por não o ter representado condignamente na TV .


Do outro lado do Mediterrâneo, a Junta militar que governava a Grécia, desapareceu vergonhosamente quando o golpe contra o arcebispo Makarios em Chipre correu mal, provocando a intervenção militar em grande escala da Turquia. Os turcos dividiram a ilha em dois e ocuparam praticamente um terço do território. Milhares de cipriotas tornaram-se refugiados, e a economia da ilha, baseada quase exclusivamente no turismo, entrou em colapso. Só em Dezembro é que Makarios, que tinha escapado por muito pouco à morte, conseguiu regressar ao seu país.

O golpe teve o condão de levar a Junta militar grega, que já se encontrava em declínio, a abandonar o poder. Os generais chamaram o antigo primeiro-ministro Constantino Caramanlis do seu exílio em Paris, e entregaram-lhe o poder. Caramanlis, que tinha 67 anos de idade, devolveu o poder aos civis, libertou todos os presos políticos, e prendeu os principais oficiais da Junta. Ganhou facilmente o apoio do povo grego e foi eleito primeiro-ministro por uma grande maioria, à frente do partido da «Nova Democracia». O novo primeiro-ministro organizou um referendo sobre se o rei Constantino, rei deposto pelos militares, devia regressar à Grécia. Mas, apesar de o rei ter manifestado o desejo de regressar ao país e tornar-se um monarca constitucional, o povo grego negou tal pretensão e recusou o regresso do rei. A Grécia tornou-se uma república, e passou a ser governada por um governo conservador, que lhe proporcionou um longo período de estabilidade política.

O Reino Unido

No resto do continente as mudanças não foram tão dramáticas, mas não deixaram de ser importantes. Em Março, o primeiro-ministro britânico, o conservador Edward Heath foi derrotado em eleições gerais, entregando o poder ao trabalhista Harold Wilson, que governou até Outubro sem maioria no Parlamento. Nesse mês realizaram-se novas eleições que deram ao Partido Trabalhista a maioria absoluta considerada necessária para governar o país. Um dos problemas centrais na vida política britânica era saber se a Grã-Bretanha iria abandonar a CEE, mas foi uma pergunta a que o novo primeiro-ministro se recusou sempre a responder. Foi uma maneira de conseguir melhores condições de adesão, do que aquelas que tinham sido negociadas pelo governo de Edward Heath, e de facto na cimeira de Dezembro afirmou que ficaria na CEE se as contribuições briânica fossem reduzidas.

A situação económica do Reino Unido era das piores da Europa. As greves, sobretudo a dos mineiros, tinham quase que paralisado o país no princípio do ano, e no fim do ano a inflação estava em 17 %. Com graves problemas orçamentais o governo foi obrigado a cortar nas despesas, sobretudo nas militares. Mas as despesas com a OTAN não diminuíram, devido à crise na Irlanda do Norte, já que era da Alemanha que saíam as tropas que iam em comissão de serviço para o Ulster. Os terroristas do IRA provisório, não conseguindo uma vitória clara nas ruas de Belfast, levaram a a guerra para a Grã-Bretanha, provocando uma onda de atentados que atingiu o seu auge quando uma bomba explodiu em Birmingham provocando a morte a 19 pessoas e ferimentos em mais de 200.

O terrorismo não se confinou só ao IRA. Extremistas assassinaram um juiz alemão ocidental em Berlim, em Novembro. No mesmo mês, um banqueiro da mesma nacionalidade foi morto por terroristas palestinianos que tinham desviado um avião da British Airways para a Tunísia, e quatro japoneses capturaram o embaixador francês na Holanda, tendo acabado por o libertar. Desvio de aviões e captura de reféns tornou-se o objectivo preferido dos grupos terroristas, mas não só, também dos criminosos de direito comum. De facto a taxa de criminalidade aumentou dramaticamente em toda a Europa, mas com maior incidência em Itália e França.

A França

A França foi poupada a actos de terrorismo, mas teve outros problemas. O presidente Georges Pompidou morreu em funções em 2 de Abril , devido a um tipo raro e fatal de cancro, que nunca foi oficialmente reconhecido. Seguiram-se eleições presidenciais que deram a vitória, por uma margem muito pequena, a Valery Giscard d'Estaing sobre o socialista François Mitterand.


Giscard d'Estaing Um novo Presidente

Valéry Giscard d'Estaing dirigiu-se pé para o Eliseu, sua residência oficial, após a cerimónia de tomada de posse, tentando acabar com a tradição gaulista de um Presidente majestático.


Esperando, contra todas as expectativas, que o preço do petróleo baixasse o novo Presidente, quando a esperada baixa se não materializou, foi obrigado a tomar medidas muito duras, que tiveram uma repercussão imediata na economia francesa. A taxa de inflação chegou aos 15%, o que fez com que os ganhos salariais se desvanecessem rapidamente, que muitas empresas tivessem falido e que se tivessem realizado greves selvagens, que paralisaram os Correios e o serviço de recolha do lixo. A verdade é que a situação continuou má nos anos seguintes.

Apesar de todo o seu charme, estilo, bom ar e carisma, Giscard perdeu muita da sua popularidade. Os problemas da França pareciam tão sérios, que as decisões do novo Presidente para a liberalização da França quase que passaram despercebidas. A passagem da idade de voto para os 18 anos, as propostas para a reforma do sistema prisional e das leis contra o aborto, assim como a política de apoio aos desempregados foram rapidamente esquecidas pelo reconhecidamente volátil eleitorado francês.

O Presidente francês foi mesmo criticado pela comunicação social, devido à sua excessiva informalidade. Como escrevia o jornal gaulista La Nation «a Presidência não é um emprego das 9 às 6.» E, num país conhecido pela sua tolerância nestes casos, a sua vida privada foi mesmo alvo de comentários. Giscard contra-atacou. Num discurso televisivo, de grande impacto, prometeu manter os franceses informados dos problemas que havia e das soluções que pretendia por em prática, por meio de «conversas à lareira» realizadas regularmente.

Com a realização da cimeira com o novo presidente americano Gerald Ford, na ilha de Martinica, pareceu que Giscard iria acabar com o confronto permanente que caracterizava o relacionamento franco-americano desde De Gaulle, pensando-se mesmo que se poderia chegar a um qualquer tipo de cooperação para tentar resolver a crise energética mundial.

A Itália

Mas, de facto, a França acabou o ano em pior situação do que quando o começou. Mas os problemas franceses tinham muito pouco a ver com os problemas da Itália. De facto, os problemas italianos eram considerados quase indescritíveis. A economia italiana sofria com uma taxa de inflação de quase 20% ao ano, falências em cadeia, um imenso desemprego no Sul e uma brutal diminuição do turismo. Politicamente as coisas não estavam melhores. O país viveu as várias crises governamentais, e houve rumores insistentes, muitas vezes exagerados mas não necessariamente infundados, da preparação de um golpe de estado pela extrema-direita.

O mais importante de tudo é que os governos se recusavam a realizar reformas para combater a situação, e só um empréstimo de 2 mil milhões de dólares realizado pela Alemanha ocidental e as enormes reservas de ouro, usadas como garantia, permitiram à Itália ultrapassar o ano sem sofrer um cataclismo.

A Alemanha ocidental


Willy Brandt Willy Brandt em Varsóvia, em 1970

O chanceler dimitiu-se do seu cargo devido à  descoberta da existência no seu gabinete de um espião alemão-oriental. Foi o fim das espectaculares acções da Ost-Politik que levaram ao desanuviamento.


A Alemanha ocidental  e a Holanda foram os único países da Europa ocidental que conseguiram manter uma balança de pagamentos positiva.

Mas, apesar da sua economia forte, a Alemanha não passou o ano sem  incólume. De facto, descobriu-se que um dos mais próximos assessores do Chanceler Willy Brandt era um espião de longa data da República Democrática Alemã (RDA). A consequência desta descoberta, um pouco lúgubre e, de facto, sem grande importância, foi que  Brandt, o homem que lançou o desanuviamento Este-Oeste se sentiu na obrigação de pedir a demissão. O seu sucessor, Helmut Schmidt, era um novo tipo de político alemão. Como um dos seus ministros afirmou, «somos os primeiros verdadeiros alemães a servir no governo desde o fim da guerra.» E, realmente, percebeu-se rapidamente que Schmidt, mesmo que ainda interessado no ideal europeu, era mais duro, mais pragmático e mais preocupado com os interesses nacionais que qualquer outro chanceler alemão do pós-guerra.

Balanço

Apesar das mudanças ocorridas em 1974 - poucas delas para melhor - um extra-terrestre teria dificuldade em descobrir que alguma coisa de anormal se passava, no meio de uma população bem vestida, bem alimentada, e muito preocupada com os seus tempos-livres, que enchia as lojas e os restaurantes caros do centro das capitais europeias. Os gastos excessivos foram possivelmente uma maneira de assobiar no escuro.

Os franceses têm um provérbio: - le pire n'est pas toujours sûr - o pior pode acabar por não aparecer. Em 1974 parece que era a frase em que toda a gente pensava.

 


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