DAS MEMÓRIAS DE JOÃO CHAGAS

A tentativa do Partido Democrático, de Afonso Costa, fazer entrar Portugal, a todo o custo, na Primeira Guerra Mundial ao lado dos Aliados, provocou um exacerbar da luta política que levou à ditadura de Pimenta de Castro e ao violento golpe militar de 15 de Maio de 1915, dirigido pelo general Norton de Matos que fez centenas de mortos e feridos. Nomeado presidente do Conselho de Ministros, João Chagas será ferido gravemente ao dirigir-se para Lisboa a tomar posse das funções para que tinha sido nomeado.

João Chagas por Columbano
João Chagas

1 DE MARÇO

 Os jornais chegados de Lisboa completam as informações de anteontem. O Pimenta de Castro1 decretou em ditadura uma espécie de nova lei eleitoral, restituiu o voto aos militares (e esta foi a causa da manifestação de que falo atrás) ressuscitou disposições das piores leis eleitorais da monarquia, finalmente fez anunciar que impedirá a reunião do Parlamento no próximo dia 4. O que é isto? Um 18 Brumário2? Sagunto? Digo a minha mulher:

- Não sirvo isto!

Minha mulher responde‑me:

- Tens razão! É uma vergonha!

E imediatamente redijo este telegrama:

“Ministro dos Negócios Estrangeiros - Lisboa.

Por este telegrama, tenho a honra de enviar a V. Ex.ª a minha demissão de ministro de Portugal junto deste Governo e nesta data entrego os negócios da Legação ao Sr. Justino de Montalvão3, primeiro secretário. Representante de um regime de liberdade, não sirvo ditaduras, nem ditadores.

- João Chagas».

E tirei um grande peso de cima de mim. À noite chegou a notícia de que o deputado democrático Henrique Cardoso4 foi ontem morto com um tiro, à porta do seu centro político.

 2 DE MARÇO

 O Alves da Veiga5 acaba de sair de nossa casa. Antes de regressar ao Havre, veio saber “o que havia”. Disse-lhe o que havia, e confirmei-lhe a minha resolução, que ontem lhe comunicara por carta, para a sua casa de Paris. Aconselhou-me ainda a esperar. Respondi:

- Está feito!

Ele disse:

- É o diabo!

E desfez-se em conjecturas sobre o fim próximo da República. Estávamos no salão, e como ali fizesse frio, trouxe-o para o meu escritório, para, ao pé do fogão. Houve um longo silêncio, que ele interrompeu para me perguntar o que devia fazer e me pedir um conselho.

- Que conselho?

Hesitava sobre o que devia fazer, se devia secundar o meu gesto... Furtei-me a continuar esta conversação. O espectáculo das fraquezas humanas faz tanta pena! Espraiou um olhar pelos meus móveis, disse:

- E você que faz a isto?

- O quê? Aos meus móveis? Levo-os comigo...

Perguntou se não valeria mais a pena desembaraçar-me deles em Paris. Pelo menos de alguns...

- Não! Isto agora, com este tempo de guerra, não dá nada. Levo-os todos. E só compreendi o seu interesse pelos meus móveis, quando ele, prestes a despedir-se, já de pé, me perguntou se eu levaria a mal que ele solicitasse o meu lugar.

- Não! Meu pobre amigo, não levo a mal!

Muito triste é esta vida.

Quem está radiante é o Montalvão. Encarregado de negócios e em Paris! Honras, proveitos... No entanto diz-se desolado, faz insuportáveis frases com os dentes cerrados, para arranjar melhor dicção; mas ao comunicar hoje ao ministro, com singular pressa, que eu lhe entregara os negócios da Legação, todo se pôs de rojo em cumprimentos e protestos de zelo. Feio bicho o homem!

Os jornais chegados hoje dão a entender que em Lisboa se está produzindo um grande movimento popular de protesto contra a ditadura. A Câmara Municipal resolveu não acatar os seus actos e o mesmo fizeram as Juntas de paróquia. O Presidente da Republica é objecto de violentas acusações. Os jornais de Paris desta tarde dizem no entanto que Lisboa está tranquila. Mau sinal!

Novo pormenor para a história das mentiras de Freire de Andrade6 e do governo Bernardino Machado7. Contou-me hoje o Alves da Veiga que, em Outubro do ano passado, Freire de Andrade lhe telegrafara para Bruxelas: "É quase certo que Portugal entrará brevemente na guerra. Vá preparando as suas coisas.”

 3 DE MARÇO

 O Século diz constar que o Pimenta de Castro se propõe dissolver a Câmara Municipal de Lisboa e a de Santarém. Assim, não é possível encontrar entre os portugueses um homem de bom senso! Em todos não há senão loucura, desatino, disparate, e são todos assim - surdos à razão, voluntariosos, autoritários, violentos. Ao João Franco8 meteu-se-lhe na cabeça salvar a monarquia, à força. E perdeu-a. A este general meteu-se na cabeça (quem sabe?) salvar a República, também à força, e vai talvez perdê-la também. Força! Força! É a herança de brutalidade do brutamontes ancestral, o trinca fortes, o estoira-vergas.9

4 DE MARÇO

 Telegrama de Afonso Costa.10  "Salutations votre attitude. Prie dire jour arrivée. Souvenirs affectueux." Que quer ele? Ou estarei eu filiado nos democráticos? Não sei por que razão parece que estes pretendem incluir-me entre os seus, por quanto, segundo uma carta de Lisboa recebida hoje, o Directório do Partido Republicano Português terá decidido enviar-me dois emissários, o Artur Cohen11 e o Dr. Carneiro Franco, a conferenciar comigo em Paris. Como eu me referisse a estas tentativas de sedução, esta tarde, no terraço do Royale, o meu amigo Giovetti disse-me:

- Guarde a sua virgindade, amigo Chagas!

A guerra esqueceu. Já não me interessam os comunicados que o Negreiros me telefona todas as noites e mal leio os jornais de Paris. Estamos preparando as nossas coisas para partir na próxima semana, por Madrid, onde me fará bem demorar-me uns dias, rever o Prado e os lugares por onde passeei a minha nostalgia durante o meu exílio de 1894. Minha mulher está arranjando os seus vestidos, eu estou pondo em ordem a minha papelada, cartas, documentos, coupures de jornais de que grandemente vou precisar em Lisboa para a minha campanha, pois é coisa resolvida no meu espírito fazê-la em uma série de brochuras. Assim não venha o imprevisto deitar a terra este projecto.

 5 DE MARÇO

 O Pimenta de Castro continua a grassar. A Câmara não pôde reunir. Os jornais anunciam novas perseguições aos democráticos, demissões, etc. Parece que os funcionários do Ministério da Justiça nomeados pelo Afonso Cota vão ser postos na rua.

 6 DE MARÇO

 Às nove da noite o Negreiros12 comunica-me pelo telefone que segundo notícias de Badajoz transmitidas para Madrid, os democráticos reuniram em Lamego e proclamaram presidente da República do norte de Portugal o general Correia Barreto13. Se assim é, é a guerra civil - é a República que vai morrer ou que vai nascer outra vez.

 

6 DE MARÇO

 

A notícia da reunião do Congresso em Lamego continua a circular na imprensa francesa e por certo na do mundo inteiro.

 

7 DE MARÇO

 

Esta tarde o Montalvão apareceu-me, não posso dizer muito pálido, porque todo ele, mesmo em circunstâncias aflitivas como as que está atravessando, é fogos de Bengala, mas sensivelmente impressionado, a dar-me a nova do dia. Chegou o Brederode14 - o Brederode, que o governo anterior retirara há pouco daqui a meu pedido, por intolerável. A remessa deste doido é um acto de represália do Ministério. Mal chegou, o Brederode pediu logo que se fizesse inventário dos pertences da Legação e quis que logo, logo se comunicasse ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de França a sua presença e a sua encarregatura [sic] de negócio, pois vem encarregado de negócio, esse alienado. Creio que entrou en coup de vent. A República entrou com outros modos. Encontrou aqui o Tomás de Sousa Rosa15 espavorido. Não o assustou. Ao contrário. Pediu-lhe que sossegasse, que não se fosse embora, que ficasse ao serviço da Nação. Acabo de ler no livro de registo dos telegramas da Legação em 1910 o telegrama que lhe foi expedido por Bernardino Machado em 6 de Outubro. Dizia assim: “República proclamada. Governo Provisório presidido Dr. Teófilo Braga16. Peço comunique feliz nova a esse Governo e aos nossos compatriotas. Ordem absoluta. (a) Bernardino Machado, ministro dos Negócios Estrangeiros.” Isto não se concebe. Pois fez-se. Em data de 7, Sousa Rosa respondeu: "Na situação especial em que me encontro, V. Ex.ª compreenderá que não me é possível fazer a comunicação de que me encarrega. Peço por isso a V. Ex.ª aceite a demissão, que solicito, das funções de ministro de Portugal em França. (a) Sousa Rosa.” De mim estão neste momento dizendo certos jornais de Lisboa, como a Luta do Brito Camacho17, que pedi a minha demissão “que foi logo aceite", o que é falso, pois não a pedi, senão que a dei. O pedido de demissão de Sousa Rosa nunca foi aceite. Logo depois, Sousa Rosa pediu que lhe fossem pagos o último trimestre da renda da sua casa da rua de Lubeck, bem como a indemnização ao proprietário, pelo facto de a abandonar antes de findo o seu contracto. Não levou muito tempo a resolver este assunto. Em 23 de Dezembro de 1910, o barão de S. Pedro18, antigo funcionário da monarquia, telegrafava a António Bandeira, encarregado dos negócios, em França: "Vão expedir-se ordens 7.000 fr. renda de casa. (a) San Pedro.» E em Janeiro Bandeira telegrafava a Bernardino Machado: "Assunto antiga casa completamente liquidado. (a) Bandeira.» Mais tarde, Sousa Rosa pedia a sua reforma, não sei se como diplomata, se como general do exército, e neste sentido, andou activamente trabalhando pelas secretarias em Lisboa o Bartolomeu Ferreira, secretário em França no momento da Revolução, depois nomeado por Bernardino Machado ministro na Haia, onde agora está. A reforma de general foi-lhe dada. Mais tarde ainda reclamou-se de Sousa Rosa a formalidade imposta a todos os funcionários da República de prestarem juramento de fidelidade às suas leis. Sousa Rosa pediu escusa. Não se insistiu. Eu vou deixar este posto. Como Sousa Rosa devo pagar um último trimestre de renda e uma indemnização e não sei ainda como isso será. Estou a ver que não ma pagam. A monarquia, se tivesse vindo já, não me aborreceria tanto.

8 DE MARÇO

 O Tomás perdeu-me 400 francos, nesta ocasião! Que o leve o diabo. Georges Guilaine, redactor do Temps e irmão de Luís Guilaine19, teve notícia da minha, demissão e veio saber o que havia. Dei-lhe matéria, para um artigo que vai fazer e que, diz ele, me satisfará.

9 DE MARÇO

 Jornais de Lisboa. Larga notícia do que se passou no dia 4 nos arredores de S. Bento. A Câmara fechada e selada, Guarda Republicana, polícia, muito povo, vivas à República e gritos de – Abaixo a ditadura. Bernardino Machado aproveitou o ensejo para se restaurar no conceito público. Insistiu em passar, resistiu à tropa, protestou, bramou. O histrião! Mais felizes do que os republicanos de 51, os democráticos encontraram um bom sítio para se reunirem, e num velho palácio de Santo António do Tojal, Câmara e Senado nesse dia funcionaram. A gravidade das circunstâncias inspirou bem esses desatinados. As coisas não se passaram mal e não se disseram dislates. Tenho a impressão de que estes factos podem reagir favoravelmente no espírito do Portugal republicano. A minha demissão inspirou ao Mundo a primeira palavra de simpatia que esse jornal escreve a meu respeito vai em cinco anos. A Capital evoca as minhas tradições, diz-me as primeiras palavras consoladoras que ouço desde que se proclamou a República. No Primeiro de Janeiro o sórdido Alpoim20, mais uma vez, se desforra do desastre que lhe infligi nas minhas Cartas Políticas, cobre-me de insinuações torpes. “Que não gosta de tirar o pão a ninguém". O refinadíssimo canalha! Esta noite, o Negreiros voltou a perguntar-me pelo telefone se queria o comunicado da guerra.

– Têm notícias de Lisboa?

- Não!

- Então passo em claro o comunicado. Entrada em funções do novo encarregado de negócios. Esta manhã reclamou da porteira que lhe fosse entregue a correspondência que vinha para mim. Espero que ele acabe por cortar o telefone que liga a minha casa com a Legação. Por isso dei ordem ao Tomás para o conservar. Quero que este maluco dê tudo quanto poder, porque mal chegue a Portugal quero expor num jornal este aspecto curioso do Terror Branco.

 

10 DE MARCO

 

Um redactor do Petit Parisien veio entrevistar-me sobre a minha demissão, de que há conhecimento pelos jornais italianos. Confirmei-lhe que me tinha demitido. Quer fazer sobre este assunto um artigo. Para quê? Julga-o interessante. À noite jantar no Hotel Madison com o cônsul e a consulesa de Inglaterra, Mr. et Madame Hearn. Madame Hearn é brasileira. Agradável conversação até às dez e meia. Regresso a casa através de Paris deserto. Não se confirma -que os democráticos tenham eleito outro Presidente da República. Ainda bem.

 11 DE MARÇO

 O marquês de Ia Rochetulon deixa-me um cartão com estas palavras a lápis

- Dies iræ! Avec espoir que Votre Excellence reste notre.

O ministério da ditadura já está em crise. O ministro das Finanças do general Castro pediu a sua demissão. O general Castro não esteve com meias medidas. Entregou as Finanças a José Jerónimo21, ministro dos Negócios Estrangeiros. Grande homem este tropa. À tarde, o Morais Carvalho apareceu e contou que um indivíduo chegado hoje de Lisboa, que o procurara no consulado, lhe dera notícias de Lisboa. A ditadura é considerada instável, o Camacho afunda-se (assim devia ser) e os democráticos procuram mettre de l'eau dans leur vin, para o que estariam no propósito de fundar um jornal moderado. O indivíduo em questão teria acrescentado que o meu gesto, como lhe chamam em Lisboa, fizera ali muita impressão.

 12 DE MARÇO

 Reina o pânico na Legação de Portugal. O Montalvão continua inquieto vendo iminente um conflito com o doido que o Ministério para aqui mandou. O Tomás, coitado! não sabe o que há de fazer à sua vida e já fala em ir-se embora. O Brederode trata-o a pontapés, depois de lhe ter andado a pedir dinheiro pelos cantos da Legação. Assim entrou a ditadura nesta casa. Em Lisboa assaltos às padarias e aos talhos. Nós às voltas com as malas. Já está fixada a partida para quarta-feira que vem. Solução da crise. O brigadas dos Estrangeiros passou para as Finanças. O das Colónias passou para os Estrangeiros. Tudo tropa.

14 DE MARÇO

 Domingo. Visita de despedida à princesa Jeanne e à condessa de Carvalhido22. O Tomás anda encolhido como sob um furacão. O Brederode fechou-lhe a Legação a sete chaves e fá-lo esperar à porta para entrar – como um cão! – diz ele. E acrescenta:

- Há doze anos que estou nesta casa. É a primeira vez que isto me sucede.

A bicicleta do António estava na Legação. O Brederode intimou-lhe mandado de despejo. Um carteiro que faz a distribuição da correspondência da Legação perguntou:

- Quem é esse salaud que para aí veio de novo?

O salaud, como ele lhe chama, foi de propósito ao correio anunciar que aqui não há mais ministro de Portugal e reclamar que toda a correspondência da Legação seja entregue unicamente nas horas de serviço. Para não prolongar esta situação partimos depois de amanhã, terça-feira. De Portugal não há notícias, nem me consta que a minha demissão me tenha ainda sido dada.

MADRID, 22 DE MARÇO

 Chegada na quinta de manhã sob um céu de chumbo e chuva a potes. Madrid está construindo casas novas e novas instalações para os serviços públicos, como os correios, em edifícios faraónicos. No mais é a mesma cidade que eu deixei há vinte anos, cidade inútil de fidalgos e grandes senhores, lacaios, funcionários, mendigos, ociosos, e essas mulheres de mantilha preta e olhos negros, que desde Hugo e Musset são toda a poesia da Espanha. Na Carrera San Jeronimo encontra-se um cego a cada vão de porta estendendo a mão

- Pobre ciego! Una limosna por el amor de Dios!

Deus é invocado sobre todos os pretextos.

- Que Dios se lo pague, señorito.

Na calle de Alcalá, uma mulher leva pela mão um aleijão monstruoso e ela mesma é horrenda, obesa como quase todas as mulheres nesta terra, quando deixam de ser jovens. Para fugir à chuva entramos, a Maria e eu, no Fornos, que as minhas recordações de Madrid diziam ser um café elegante. É uma imunda cocheira. O soalho gasto desaparece sob detritos de toda a natureza e as cadeiras estão tão velhas e sujas que repugna, sentar-se a gente nelas. O público, como o de todos os cafés de Madrid, é constituído por essa multidão de homens de todas as idades mas com a mesma fisionomia e o mesmo trajo, que inspiram a todos os estrangeiros um sentimento de desconfiança. Fugimos, e mais tarde, no hotel, perguntamos a um criado que tem viajado e fala línguas se não há em Madrid um café decente. Terminantemente, diz-nos que não há. Apenas um, o Ideal Room, é frequentado por melhor gente. Fomos depois ao Ideal Room e encontrámo-nos em uma salinha cheia de fumo e onde só havia homens, um pouco mais escolhidos do que nos outros cafés, e que se voltaram ao ver-nos entrar, tão raro sucede aparecer ali uma mulher. Madrid é uma cidade sem àrvores, e como a primavera ainda não fez aqui o seu aparecimento, as poucas que adornam as suas ruas ainda são mais tristes e feias, com os seus troncos torcidos e os seus galhos nascidos à lei da natureza. O Buen Retiro é um lamaçal. Anteontem fomos ver o render da guarda, a Armeria, e ontem o Museu, que é um deslumbramento.

- É o que nos vale! Disse-me um jornalista espanhol que me conhece de Lisboa e a quem encontrei hoje.

Contudo, a Espanha, que desbarata o seu oiro em construções de uma sumptuosidade ridícula, para instalar serviços pessimamente organizados, não soube ainda instalar dignamente esta maravilhosa colecção de obras de arte. Não importa. O Prado justifica uma viagem a Madrid. Tendo visto tudo, há dois dias que nos encerramos no nosso quarto, à espera do dia de amanhã para partirmos, pois os directos para Lisboa não são diários. Ao nosso quarto chegam os ruídos de uma aldeia ruidosa, cantares, assobios, conversações, disputas, no meio de um constante tanger de violas. E estamos no coração da cidade. Minha mulher, horrorizada, aguarda com impaciência o dia de amanhã. Logo que chegámos encontrei na rua – Madrid é pequeno – o Armando Navarro. Cartões-de-visita, etc., e à tarde o Augusto de Vasconcelos23, que nesse dia chegara de regresso de Lisboa. O Vasconcelos é conhecido em Madrid, como ele próprio confirma com sorridente bonomia, por el golfo; e Pablo Salmeron, que na sua presença dá este curioso informe, acrescenta que o Relvas, com os seus olhos baixos e as suas falas baixas, deu lugar a que o apodassem de - el tonto mysterioso. Bonita situação para a nossa diplomacia. Puxo pela língua ao Augusto de Vasconcelos. Il se laisse faire. Conta-me em primeiro lugar o caso do Leandro que eu desconhecia. O governo espanhol interessou-se por que fosse dada a amnistia ao incendiário da Madalena. O Bernardino Machado, como sempre, prometeu. Depreendi da linguagem do Vasconcelos que quem mais se interessou por este assunto foi ele mesmo Vasconcelos, persuadido como está que esta política lhe garante uma situação favorável junto do governo espanhol. O certo é que o Leandro foi amnistiado e já saiu de Portugal, não sem que pelo caminho o saudassem a tiro. Ao regressar a Madrid Vasconcelos, segundo lhe ouvi, procurou o marquês de Lema, ministro dos Negócios Estrangeiros, sem dúvida para receber os agradecimentos deste. O marquês de Lema deu-lhe um grande abraço. Óptimo diplomata este Vasconcelos! Também refere a quem o quer ouvir (referiu-o no Palace Hotel diante de Pablo Salmeron) que comprara por três contos de reis o deputado republicano Santa Maria, a fim de conseguir, por intervenção deste, que o governo espanhol autorizasse a saída para Portugal de quinhentos cavalos. Vasconcelos dá a esta torpe diligência o aspecto de uma hábil acção diplomática. Sacudi-o para que me dissesse alguma coisa sobre a actual situação de Portugal perante a guerra. Respondeu que essa situação é esdrúxula, e atira as responsabilidades do que se tem passado para cima do Bernardino Machado.

PARIS, 10 DE SETEMBRO

 Chegámos esta manhã a Paris, minha mulher e eu, depois de uma ausência de cerca de seis meses, e eu retomo o meu lugar de ministro de Portugal, de que me havia demitido em 2 de Março. Durante este espaço de tempo, deram-se em Portugal sucessos consideráveis. Em 15 de Maio, uma revolução destituiu o governo Pimenta de Castro e restabeleceu a constituição. Neste grande apuro, fui mais uma vez presidente do Conselho. Em viagem do Porto para Lisboa, aonde ia assumir mais uma vez essas responsabilidades; um senador da República tentou assassinar-me. Recebi três tiros dos cinco que despejou sobre mim, de surpresa, estando eu sentado ao lado de minha mulher, num compartimento de primeira classe. Em resultado desta agressão, perdi o olho direito. Fizeram-se as eleições e os democráticos obtiveram uma maioria considerável em todo o país. Constituiu-se um novo governo, depois daquele a que presidi efemeramente, num catre do hospital de S. José, e esse governo lá esta ainda, semeando como todos descontentamentos. É presidido pelo José de Castro. Reclamei a minha reintegração no lugar de ministro de Portugal, como reintegrados foram todos aqueles que voluntaria ou forçadamente abandonaram os seus postos por causa da ditadura. Fui reintegrado e eis-me aqui de novo, na minha casa, em que não toquei, porque esteve sempre no meu pensamento que havia de voltar a ela. De tudo o que se passou conservo uma lembrança só e essa muito grata – a do amparo que minha mulher me deu quando estive para perder a vida. Ainda a estou vendo, nessa terrível noite de 16 de Maio e enquanto eu caía prostrado pelos tiros que me feriram, correndo para o sinistro malfeitor. Sinto ainda na minha mão a pressão da sua, enquanto o comboio rolava para Lisboa, e o meu sangue corria a jorros; e parece-me ainda ouvir a sua voz dizer-me persuasivamente:

- Tu não morres! Tu não podes morrer.

Eu pedia-lhe que olhasse para mim, porque me parecia que a via pela última vez e queria levá-la gravada nos olhos, à minha querida companheira! Ela transfigurara-se. Repetia numa exaltação sublime:

- Tranquiliza-te! Tu não morres! Tu não podes morrer! E dir-se-ia que a sua confiança no meu destino era absoluta, porque não teve um momento de vacilação. Não derramou uma lágrima. Dez dias creio eu, estive num quarto do hospital de S. José. Minha mulher não me abandonou um minuto. Durante dez dias não dormiu. Nos meus curtos sonos senti sempre a sua mão na minha e nunca pronunciei o seca querido nome que a sombra do seu rosto não se projectasse sobre o meu. Quando os meus médicos, já tranquilizados, começaram a desaparecer, foi ela que os substituiu, quem fez o penso do meu braço ferido e partido, quem tratou o meu olho despedaçado. Posso dizer que só me abandonou ao chegar aqui hoje. Até hoje não me perdeu de vista um instante, pois enquanto estivemos em Portugal não cessou de recear por mim, supondo-me exposto a novos perigos, vendo assassinos em toda a parte. Propus-me, depois de tudo o que se passou, não a sujeitar a novas provações, e assim procurarei pagar-lhe a grande divida de gratidão que contraí com ela, vivendo para ela o tempo que me resta a viver. Levo para a sepultura a lembrança da sua incomparável dedicação. Ao meu país dei, quero crê-lo, o último esforço. Propunha-me, a despeito dos meus projectos de regresso a França, ficar ali e encetar, por um jornal, se houvesse meio de o fazer, uma nova obra, de que os portugueses tanto precisam, de orientação pública. Não houve meio de o fazer, nem para isso apareceu quem me oferecesse recursos. A Capital propôs-me com afã receber a minha colaboração, mas esta proposta não foi mantida. Publiquei duas brochuras, da série que levara em mente dar a lume:

- A última crise e Portugal perante a guerra, em que se falou muito, que influíram muito, mas que tiveram pouca leitura. Eram sessenta e quatro páginas compactas o eu pude reconhecer que o público não suporta tanta leitura. Essas brochuras indispuseram-me com todos os políticos que apoiaram a ditadura Pimenta de Castro e em geral com todos os inimigos de Afonso Costa. Fui por eles muito atacado e alguns, que eram meus amigos pessoais, desapareceram-me. Contudo, essas brochuras não continham uma palavra agressiva; mas os portugueses são assim – são fanáticos e odeiam a verdade. Foram as verdades que eu disse na Última crise que armaram o braço do homem que me quis matar e de quem se disse que era um doido. Não era porém um doido, mas um fanático. Reconheci, no meio dessas lutas de fanáticos, que a minha personalidade não inspira senão simpatias anónimas. Para os fanáticos, é a de um homem que irrita. Este sentimento ia-me custando a vida, mas tão irritante se torna a verdade no meu país que nem essa circunstância me pôs ao abrigo de novos ataques. A minha reintegração no posto de Paris deu lugar a que eu fosse atacado no Parlamento, pelos partidários de Antonio José de Almeida e Brito Camacho, como um inimigo que não se poupa. Fizeram-me aí uma verdadeira espera, como já ma tinham feito no rápido do Porto. Eis-me de novo aqui, no meu entresol da avenida Kleber, que mobilei e guarneci com garridice, à custa de tantos sacrifícios e onde passei as porventura mais inquietas horas da minha vida. Voltei com a resolução firme de ficar neste país, suceda o que suceder, como ministro de Portugal, ou como exilado.24 Minha mulher irá de vez em quando ao seu país, ao qual a liga uma profunda afeição. Eu não penso lá voltar tão cedo. O Estado pagou-me os vencimentos que eu deveria receber no tempo que estive ausente. Tenho ali a um canto de uma gaveta quinze mil francos. Para o imprevisto, chega.25 Encontro nas folhas deste Diário estas notas a lápis:

RIO TINTO, 9 de Abril – Instalámo-nos na, Vila Margarida. O meu plano, vindo para o Porto, foi fugir ao tumulto de Lisboa, e entregar-me longe dos políticos ao trabalho das duas brochuras que me proponho publicar; mas o Guedes de Oliveira insistiu em que estávamos melhor na sua casa desabitada do Rio Tinto e para cá viemos. Não foi grande ideia. O sítio é triste, solitário, ermo, mas enfim os importunos não chegam cá. Começo a trabalhar na Última crise.

RIO TINTO, 12 de Maio – Concluída a minha brochura Portugal perante a guerra. Os acontecimentos precipitam-se. Projecto de partida para domingo.

RIO TINTO, 13 de Maio – Graves desordens no Porto, tiros, bombas, mortes.

RIO TINTO, 14 de Maio – Revolução em Lisboa. Comunicações interrompidas. Sou chamado ao Porto. Reunião em casa do industrial Azevedo e entrevista com Alexandre Braga, que vem, diz ele, levantar, o Porto. Corre que o governo está preso. À noite, das janelas da casa de Guedes de Oliveira, assistimos a Maria e eu a um tiroteio tremendo entre a polícia, a Guarda Republicana e o povo, na rua de Santa Catarina. Feridos, mortos, brados de

– Quem vem lá? Seguidos de descargas. Noite em claro em casa de Guedes de Oliveira.

PORTO, 15 de Maio – Deixamos a Vila Margarida por um hotel no Porto, aguardando que as comunicações restabelecidas nos permitam seguir para Lisboa. É voz corrente que fui nomeado presidente do novo governo. Dois telegramas do Afonso Costa reclamando urgentemente e instantemente a minha presença em Lisboa.

Parti no dia seguinte, 16 de Maio, pelo rápido a caminho de Lisboa e da morte. Mas chut! Não lembremos mais esse horror!

 PARIS, 11 DE SETEMBRO

 Passeio ao Bosque, num fiacre lento, pelas avenidas desertas. Corre já um frisson de inverno. Depois, excursão pelos boulevards. Paris está mais triste do que em Março, quando o deixei. Dir-se-ia que há mais casas fechadas e menos gente nas ruas. Entre esta, quantos mutilados! Paris já os vê passar sem surpresa, O governo francês vai expulsar o Oscar Blanc, que me entrou em casa numa grande aflição, pedindo-me que o salvasse. Chorou. Disse-lhe que se fosse embora que ainda era o que tinha de melhor a fazer. À noite estive a folhear os livros da Legação, o dos confidenciais, o dos telegramas trocados durante a minha ausência. Verifiquei este caso, o que não creio tenha precedentes na história anedótica da administração dos Estados mais disparatados. O decreto que anulou a nomeação do meu antecessor, Bettencourt Rodrigues, foi publicado no Diário do Governo de 7 de Agosto. Pois nesse mesmo dia Bettencourt Rodrigues, de regresso de Lisboa, aonde o ministro o chamara para lhe comunicar que ia ser demitido, tomou de novo posse do lugar de ministro em Paris. No dia seguinte, o Ministério comunicava-lhe a eleição do novo Presidente da República, Teófilo Braga, ao que Bettencourt Rodrigues respondia congratulando-se. No dia 10, avisaram-no enfim por um telegrama de que já não era ministro e foi só então que ele compreendeu que já não o era, e se foi embora. A Luta inculca este Bettencourt Rodrigues como um homem notável. Verifiquei nos papéis da Legação outro caso igualmente curioso. Quando a ditadura estava no seu auge, o ministro dos Negócios Estrangeiros de então comunicou telegraficamente a Brederode, encarregado de negócios, que constava achar-se em Paris Afonso Costa e propor-se encetar aqui uma campanha contra o governo, e pedia-lhe o informasse sobre o que havia de exacto a este respeito (!) O que fez Brederode? Entregou este caso à polícia, e assim foi que durante algum tempo e por solicitação da Legação de Portugal, a polícia de Paris andou no encalço do chefe do partido democrático. Folheando sempre esta papelada, deparei com mais esta: o primeiro acto de Bettencourt Rodrigues, logo que lhe foi comunicada a queda do governo que o nomeou, em seguida à revolução de 15 de Maio, foi apresentar os seus «respeitosos cumprimentos» ao novo governo! Íntegro homem!

13 DE SETEMBRO

 Primeira visita ao Quai d'Orsay, ao Sr. Martin, chefe do Protocolo. Pergunto-lhe se o meu caso (o da minha renomeação) tem precedentes. Tem um precedente muito recente até – o do ministro do Haiti, Nemours Auguste, demitido por uma revolução, nomeado por outra. A semelhança dos nossos casos não me lisonjeia muito.

– Mas - acrescenta o Sr. William Martim - o Sr. Nemours Auguste não chegou infelizmente a tomar posse de novo do seu lugar, porque morreu !

Pobre Nemours Auguste. Estou a ouvi-lo dizer-me por ocasião de uma das muitas revoluções do seu país:

- Je suis honteux pour mon, pays.

Provavelmente morreu ralado de desgostos - pour son pays!

 14 DE SETEMBRO

 Primeira visita ao doutor Coulomb, o médico oculariste que me recomendaram em Lisboa, que largamente me abonaram em Paris e que me há-de arranjar o meu olho direito perdido. Rue Vignon, 28. Lá fomos às quatro horas. O doutor Coulomb é um latagão, louro e juvenil como um Baco de Jordaens, e palrador como Figaro. Verifica o meu caso que encontra nas condições mais favoráveis e dá-me um novo rendez-vous. Saímos optimamente impressionados e eu com a esperança de recuperar uma fisionomia normal.

 15 DE SETEMBRO

 Entrevista com Delcassé, no Ministério. Delcassé parece surpreendido de me encontrar em tão perfeito estado depois do que me sucedeu. Diz:

- Ça a été dure?

Resumo-lhe o que se passou. Ele dá-me uma grande atenção. Traço-lhe o quadro da actual situação política e insisto em que a questão da posição de Portugal perante a guerra é uma causa de mal-estar no pais. Ele perfeitamente sabe, segundo diz, os sentimentos que animam o nosso país, e eu recordo-lhe os serviços que não temos cessado de prestar à causa dos Aliados, mas acrescento que justamente pelo facto de esses serviços se terem tornado conhecidos, o sentimento público é de desgosto, por se haver verificado que eles têm um carácter clandestino, que não se concilia com os interesses morais do país. Digo-lhe que o actual ministro está tratando com o governo inglês de corrigir esta situação e espero que ele me habilite, com uma palavra, a prosseguir nesta conversação; mas como em Bordéus, quando lhe falei neste assunto, o Sr. Delcassé entende por certo que a França não tem o direito de se imiscuir nas relações anglo-portuguesas, porquanto faz apenas um gesto, um gesto que não diz nada e que diz isto: Que fazer? E toda a história da aliança inglesa perpassa pelos meus olhos. Era talvez a ocasião de comunicar algumas úteis impressões ao ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. Mas para quê, se Portugal está condenado pela mediocridade dos seus homens a ser um feudo da Inglaterra, e o que nos diz a história da guerra de 1914? Que não é já a Inglaterra que procura mais uma vez reduzir-nos ao estado de vassalagem, mas nós próprios que lhe oferecemos os pulsos às suas algemas. A tradição da Aliança Inglesa fora resgatada pelo convite que a Inglaterra nos fez, em 10 de Outubro de 1914, para nos colocarmos a seu lado, na presente guerra. Esse documento li-o, meditei-o, tive-o meses em meu poder. É o mais alto momento da nossa história. Nunca um grande Estado solicitou o concurso de uma pequena nação em termos tão lisonjeiros para o amor-próprio desta. Nesse dia 10 de Outubro todo o passado ignominioso das nossas relações com a Inglaterra se dissipou para dar lugar a um facto novo e deslumbrante - de uma nova Inglaterra e de um novo Portugal. Bastava ter dito uma palavra e era a remodelação completa da história. Era o prodígio. O memorandum de 10 de Outubro do 1914 pedia uma resposta "favorável e urgente” ao convite da Inglaterra. Não a teve! Era ministro dos Negócios Estrangeiros Freire de Andrade; era presidente do Conselho Bernardino Machado, que o Congresso da República elegia pouco depois Presidente da Republica. Não! Não há nada a esperar do nosso país! Fomos esta noite à Comédia Francesa. Sala triste, ausência de toilettes, militares em traje de campanha. Num camarote, um hussard, de braço ao peito. A noite de Outubro, Il faut qu' une porte soit ouverte ou fermée, e uma velha peça de Dumas filho. As dores líricas da Noite de Outubro pareceram-me fastidiosas. Na hora presente não há lugar para a dor de já não ser amado, nem mesmo no nosso pensamento. A peça de Dumas, pareceu-me uma obra de títeres, com a sua defesa do feminismo, as suas teses a favor do divórcio, a sua moral caduca, os seus ditos murchos, como flores já sem viço... À saída, a treva. O nosso automóvel singra pelas ruas de Paris no meio de uma noite densa. Nos Campos Elísios o único carro que sobe é o que nos conduz. Quando chegamos a casa, temos a impressão de vir do mar alto.

 16 DE SETEMBRO

 Nova visita ao doutor Coulomb, que me faz uma dissertação sobre o modo de dissimular o olho artificial. Recomenda-me o uso de lunetas de vidros côncavos. O espelhar do cristal côncavo não permite, segundo ele, uma observação segura do nosso defeito. Alguns borgnes usam monóculo na órbita do olho que lhes falta. É um erro, adverte o sagaz doutor. O monóculo chama a atenção. A propósito da palavra borgne, diz que nunca a emprega. A palavra borgne tem um sentido pejorativo e então ele inventou para os indivíduos atingidos por esta mutilação uma designação elegante. Chama-lhes: heterophtalmes. Creio que para me consolar do meu mal, brindou-me com uma brochura de que é autor e na qual passa em revista e celebra os borgnes ilustres desde Nelson e Cambes até ao engenheiro Marconi.

 18 DE SETEMBRO

 Depois que interrompi este diário, a guerra não mudou sensivelmente de aspecto, mas alguns novos factos se deram. A Itália finalmente entrou no conflito invadindo a Áustria pelo Trentino, mas não arranca pé das montanhas onde se encontra. Por ora, dir-se-ia que o seu concurso não se faz sentir embora disponha de um grande exército – e de uma marinha forte. O acontecimento que preocupa a França neste momento é a invasão da Rússia pelos austro-alemães. Depois de se terem feito bater por mil modos, estes retomaram Prezmyls primeiro, Lemberg depois, Varsóvia em seguida e neste momento ameaçam Riga e falam em ir até Petrogrado. Porquê? Porquê este recuo dos russos? O que se diz é que lhes faltaram as munições, por imprevidência de certo. A campanha é dirigida pelo marechal Hindenbourg e a notícia que hoje corre através das colunas dos jornais de Paris é a de que o marechal teria anunciado que a acção militar na Rússia terminaria daqui a quatro semanas, depois do que a Alemanha retiraria cerca de um milhão e meio de homens da frente oriental lançando-os contra a França. Espera-se até certo ponto este ataque e os pessimistas grassam com furor. Os germanófilos de Portugal batem por certo as palmas.

 


1 O presidente da República, Manuel de Arriaga, demitira o governo do Partido Democrático e encarregou, em 25 de Janeiro de 1915, em ditadura, isto é, sem que o Congresso tivesse em sessão, o general Pimenta de Castro de formar um novo governo com intenção de preparar eleições. A participação dos militares nos assuntos políticos tornou-se cada vez maior.

2 Tomada do poder por Napoleão Bonaparte em 11 de Novembro de 1799, com o apoio do Exército francês e criando a ditadura militar que o manteve no poder, primeiro enquanto primeiro cônsul, a seguir como imperador, até 1814-1815.

3 Nasceu em Chaves em 1872 e, com António Nobre e Alberto de Oliveira, foi elemento de um cenáculo que se evidenciou, em Leça da Palmeira. Morreu em Lisboa em 1949. Licenciado em Letras, foi redactor de O Primeiro de Janeiro. Diplomata, cuja carreira iniciou em 1910, com a República, atingiu o posto de ministro plenipotenciário em 1925.

4 Henrique dos Santos Cardoso (1870-1915), assassinado quando se dirigia para uma reunião na sede do Partido Democrático em Lisboa, no largo do teatro de S. Carlos.

5 António Augusto Alves da Veiga (1850-1924).Advogado, dirigente republicano, proclamou a República no Porto, na revolta de 31 de Janeiro de 1891. Emigrou para Paris, sendo advogado dos consulados português e brasileiro. Foi nomeado embaixador em Bruxelas pela República logo a seguir ao 5 de Outubro de 1910.

6 General Alfredo Augusto Freire de Andrade (1859-1929) desempenhou diversas missões em África, tendo sido governador-geral de Moçambique, lente da Escola do Exército, director-geral das Colónias, secretário-geral do Ministério da Instrução Pública, presidente do Conselho Superior de Instrução Pública, ministro dos Negócios Estrangeiros de Junho a Dezembro de 1914.

7 Membro do Partido Regenerador na Monarquia, foi deputado e ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria no primeiro Governo presidido por Hintze Ribeiro. Desiludido com a Monarquia, aderiu ao Partido Republicano. Implantada a República foi ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório. Vencido por Manuel de Arriaga na candidatura à Presidência da República foi nomeado ministro de Portugal no Brasil. Regressou a fim de constituir governo. Defensor da intervenção na guerra, foi presidente da República quando a Alemanha declarou guerra a Portugal.

8 João Franco Pinto Castelo Branco (1855-1929). Presidente do Conselho de Ministros entre Maio de 1906 e Fevereiro de 1908 por nomeação do rei D. Carlos. Os principais decretos do seu governo foram realizados em ditadura.

9 Consideradas características aberrantes dos povos peninsulares, e especialmente do português, na fase contemporânea da sua decadência secular, como tinha sido explicada por Antero de Quental e defendida nas suas obras pelo autores da Geração de 70.

10 (1871- 1937). Dirigente do Partido Republicano e, após a implantação da República, do Partido Democrático. Foi enquanto ministro da Justiça e Cultos um dos principais obreiros da política religiosa do novo regime, e um defensor acérrimo da entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial. Presidiu o Conselho de Ministros três vezes, de Janeiro de 1913 a Fevereiro de 1914, de Novembro de 1915 a Março de 1916 e de Abril a Dezembro de 1917.

11 Artur Guilherme Rodrigues Cohen (1877-1961), engenheiro civil e de minas pela Escola do Exército, tendo pertencido ao Corpo de Engenharia de Minas e Serviços Geológicos (CEMSG), participou no comité revolucionário que dirigiu a Revolução de 5 de Outubro . Director dos Serviços Geológicos em 1922, manteve-se nestas funções até 1935.

12 Possivelmente o tenente António Lobo de Almada Negreiros, pai do célebre pintor José de Almada Negreiros. Estava em Paris desde 1900, onde residia e voltara a casar, primeiro como responsável pelo Pavilhão das Colónias da participação portuguesa na Exposição Universal de Paris desse ano, e depois como vice-cônsul de Portugal.

13 António Xavier Correia Barreto (1853-1939). Convidado pelo almirante Cândido dos Reis para a comissão organizadora da revolução de 1910, foi ministro da Guerra do Governo provisório, e outras duas vezes. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 1913, presidente do Senado em 1920, comandante da GNR, fundou do Instituto Militar dos Pupilos do Exército em 1911.

14 Martinho Teixeira Homem de Brederode de Cunha (1866-1952), diplomata, foi embaixador de Portugal na Roménia de 1919 a 1933.

16 (1843-1924). Deputado em 1910, presidente do Governo Provisório em Outubro de 1910, será eleito presidente da República em 29 de Maio 1915, devido à demissão de Manuel de Arriaga, cargo que ocupará até 5 de Outubro seguinte.

17 Manuel de Brito Camacho (1862-1934). Médico militar até 1902, tornou-se professor da Escola Médico Cirúrgica de Lisboa em 1904, Fundou o jornal republicano A Luta em 1906. Ministro do Fomento no Governo Provisório cria o Instituto Superior Técnico. Fundou o Partido da União Republicana, os Unionistas, a facção mais conservadora do Partido Republicano. Passou a lutar contra a hegemonia política do Partido Democrático, assumindo-se como o principal opositor aos governos formados pelo partido.

18 Pedro de Castelo Branco Manoel, 2.º barão de São Pedro (1837-1911)

19 Louis Guilaine era um reconhecido especialista francês da América Latina, e crítico da actuação dos Estados Unidos naquele continente. Escrevia regularmente na revista France-Amériques da Société des Américanistes.

20 José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral (1858-1916). Deputado e ministro durante a monarquia, fez parte da Dissidência Progressista que aderiu à República. Era considerado um revolucionário profissional a quem foi atribuído o célebre dito: “eu quero e desejo o poder pelo poder; nada mais.”

21 José Jerónimo Rodrigues Monteiro (1855-1931). Professor de Matemática no Instituto Comercial e Industrial, engenheiro-chefe na Manutenção Militar, comandante do Regimento de Sapadores. Membro da Câmara Municipal de Lisboa em 1901, é deputado em 1904 e 1908. É um dos membros do “Movimento das Espadas”. Ministro dos Negócios Estrangeiros (de 4 de Fevereiro a 8 de Março de 1915) e ministro das Finanças – primeiro, interinamente (de 6 a 10 de Março de 1915) e, depois, em definitivo (de 10 de Março a 14 de Maio de 1915).

22 Helena Ana Maria Antónia Leichtinger ( Budapeste, 1841-1934) viúva de Luis Augusto Ferreira de Almeida (1817-1900), 1.º conde de Carvalhido (1817-1900).

23 Augusto César de Almeida de Vasconcelos Correia (1867- 1951), medico considerado amigo pessoal de Afonso Costa e politicamente próximo de Brito Camacho. Ministro dos Negócios Estrangeiros no governo presidido por João Chagas, de 12 de Outubro a 12 de Novembro de 1911, tendo assumido a presidência do Ministério, acumulando a pasta dos Negócios Estrangeiros. Manteve-se como Presidente do Conselho de Ministros até 16 de Junho de 1912.Em 1912 abandonou a presidência do Ministériocontinuando ministro dos Negócios Estrangeiros até 9 de Janeiro de 1913. Embaixador de Portugal em Madrid de 1913 a 1914, e depois em Londres, de 1914 a 1919.

24 [Nota do Autor] 1918 – Exilado

25 [Nota do Autor] 1918 – Estamos vivendo deles.

Fonte:

João Chagas, Diário de João Chagas, vol. 3: 1915-1916-1917, Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1932.

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