D. Luís da Cunha

D. Luís da Cunha

(Busto em mármore de
Jan Baptist Xavery)


Testamento Político,
de D. Luís da Cunha

 

«Deus não pôs os ceptros nas mãos dos príncipes
para que descansem, senão para trabalharem
no bom governo dos seus reinos.»

 

O testamento Político de D. Luís da Cunha foi uma das obras políticas mais lidas e conhecidas no Portugal da segunda metade do século XVIII, mesmo que só tenha circulado por meio de cópias manuscritas. Apresentado pela primeira vez em 1815 no Observador Português,  jornal português publicado em Londres, foi impresso em livro em 1820, e só reeditado em 1943 pela «Seara Nova», havendo uma edição brasileira de 1960.


Parte 3/3

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Texto completo

 

A insensível e crudelíssima sangria que o Estado leva, é a que lhe dá a Inquisição, porque diariamente com medo dela estão saindo de Portugal com os seus cabedais os chamados cristãos-novos. Não é fácil estancar em Portugal este mau sangue, quando a mesma Inquisição o vai nutrindo pelo mesmo meio que pretende querer vedá-lo ou extingui-lo; e já o célebre Fr. Domingos de S. Tomás 1, da ordem dos Pregadores e deputado da Inquisição, costumava dizer – «Que assim como na calcetaria havia casa, em que se fabricava moeda, assim havia outra no Rossio, onde se faziam judeus ou cristãos-novos, porque sabia como eram processados os que tiveram a desgraça de serem presos, e que em lugar de se extinguirem, se multiplicavam, e ninguém melhor do que ele podia falar na matéria».

Não entrarei a particularizar o motivo deste infortúnio, basta dizer sucintamente que a ignorância em que estão os acusados dos nomes dos que os acusaram, e que deverão contestar para escaparem ao fogo, e a prova que fazem as testemunhas singulares para a veemente presunção de que o réu tinha uma leve tintura do sangue hebreu, são as verdadeiras causas desta lastimosa tragédia, que desonram Portugal nos países estrangeiros, onde o nome de Portugal é sinónimo com o de judeu.

Vi e revi, senhor, com particular satisfação todos os papéis que, cheios de erudição, tirada da história profana; mas nem sempre venturosamente aplicada, se escreveram pró e contra na regência do ínclito avô de V. A. 2, quando os cristãos-novos de Portugal recorreram a Roma para obterem um perdão geral, ou se reformarem os estilos do Santo Ofício; ao que se opuseram os três Estados juntos em cortes e os bispos em particular; sobre o que suspendo o meu juízo, ou para melhor dizer, o sujeito em certo modo ao de tantas e tão dotas pessoas, quantas, nemine discrepante, reprovaram como ímpios os ditos requerimentos; mas não deixarei de admirar-me de que os bispos viessem a confessar que os inquisidores eram as luzes do evangelho e as colunas da fé, quando Deus, só às bocas destes mesmos bispos confiou a preservação e a inteligência das verdades evangélicas; destituindo-se assim da sua privativa jurisdição para deixarem condenar as suas ovelhas, contentando-se de que os inquisidores lhes façam a graça de os deixarem assistir às sentenças dos que relaxam ao braço secular. Oh! tempora ! Oh! mores!!!

Vi também muitos papéis, assaz longos, em que se apontam os meios para se extinguir em Portugal o judaísmo, mas não vi algum em que se tratasse de acordar a utilidade temporal do reino com a espiritual da religião, que é todo o meu objecto. Assento pois por princípio certo, que ninguém negará, que a utilidade temporal de Portugal requer que o reino se não despovoe, antes abunde em gente, e que também o espiritual nos persuade a que nele se não consintam judeus, inimigos de Jesus Cristo, sem embargo de que os senhores reis, nossos soberanos, nele os toleravam e deles se serviam até ao tempo do senhor rei D. Manuel 3, de gloriosa memória, que os exterminou, e sem embargo de que em todas as nações da Europa se admitem, e ainda na mesma Roma, contudo como a lei do reino determinou o contrário, é justo que ela se observe; e creio que este será um dos meios que se podiam achar para se combinarem aqueles dois sistemas que parecem antinómicos.

Depois a lei do liv. 5.º, tit. 1.º, § 4.º «Porém se algum cristão leigo, que antes fosse judeu, ou mouro, quer nascesse cristão, se tornar judeu, ou mouro, ou a outra seita e assim lhe for provado, nós tomaremos conhecimento dele, e, lhe daremos a pena segundo direito, porque a Igreja não tem aqui que conhecer se erra na fé, ou não; e se tal caso for que ele se torne à fé, aí fica aos juízes eclesiásticos darem-lhes suas penitências espirituais.»

O objecto desta lei não foi somente de castigar o crime de apostasia, que já se sabe ser de morte, mas também de prescrever que o conhecimento deste detestável delito pertencia ao juízo secular, dando logo a razão, porque se não duvida do erro da fé. Poderia vir em questão se pertenceria também ao mesmo juízo secular conhecer do que fosse acusado de ter abraçado qualquer outra seita, pois parece que assim o dispõe a dita lei, mas não entrarei nesta disputa, que me apartaria multo do meu assunto. Digo somente que da execução desta lei se seguiriam muitos benefícios: o primeiro que não haveriam mais cristãos-novos que aqueles que se tornarem à fé e fossem remetidos ao juízo eclesiástico para lhes darem as penitências espirituais, conforme os sagrados cânones determinam, porque só estes são cristãos-novos que da sinagoga vão para o altar, como também o maometano, ou o gentio, para se baptizar, mas não aqueles, cujos pais e avós nunca prevaricaram; o 2.º, que seriam escusados os actos da fé que os nacionais vão ver como uma festa de touros, e os estrangeiros como uma bugiganga pela variedade das insígnias que levam os que vão no dito acto da fé, e os inquisidores inventaram para excitar a curiosidade dos povos; 3.º, que não se exporiam indignamente, na igreja de S. Domingos, os retratos dos que padeceram, dos quais, em lugar de se conservar a memória, se devia esquecer.

Mas se alguém objectar que não convém que por este modo ficasse a inquisição sem exercício, e o povo sem este divertimento, a que chama triunfo da fé, respondo que nunca faltaria aos inquisidores que fazer, nem em que se ocupar; porque ainda que se lhes tirasse este ramo, que é o mais pingue da sua jurisdição, sempre lhes ficariam outros muitos em que empregá-la, como, por exemplo, contra os que abraçam novas opiniões, ou erróneas ou heréticas, de que achariam infinitos, se eles as não guardassem nos seus corações, excepto aquelas que se não podem praticar sem as comunicar, verbi gratia, as que tendem à sensualidade, quero dizer, as dos quietistas e outras semelhantes, ao que se ajunta o conhecimento dos crimes mistifórios, além de que sempre guardaria a prerrogativa de ter tantos súbditos quantos sãos os seus familiares; e esteja V. A. certo que todas as vezes que houver um tribunal privativo para castigar certos crimes, sempre fará criminosos.

Luís XIV o instituiu com o nome de Câmara Ardente 4 para conhecer dos feiticeiros e envenenadores, e logo foi acusado não menos que o marechal de Luxemburgo 5 e a duquesa de Bovillon 6, com outras muitas pessoas de distinção; pelo que o parlamento de Paris representou ao dito príncipe, que se não abolisse o dito tribunal, em pouco tempo, toda a França seria acusada daqueles delitos; e não se ouviu falar mais destes, depois que ele se extinguiu.

Porém, quando este primeiro meio de execução, da dita lei parecer impróprio para o meu fim, proponho como segundo renovar o do extermínio, que o senhor rei D. Pedro promulgou esta determinação, que toda a pessoa que no acto de fé saísse convicta do crime de judaísmo, saísse do  reino no termo de dois meses; e por isso enquanto ela se praticou, estavam quase sem exercício as inquisições a respeito dos judeus; e me lembro que a de Lisboa, para fazer o acto da fé, mandou pedir à de Coimbra e Évora algumas figuras; mas os inquisidores negociaram de maneira que el-rei derrogou a lei, com o pretexto de que os judeus com medo do extermínio não ousavam declarar-se com os da sua nação, e assim não havia testemunhas que os acusassem, para que se arrependessem; porém, como a igreja não julga dos interiores e menos o príncipe, pouco importa à república que haja judeus ocultos, quando não escandalizam e conservam as suas casas.

A pena do extermínio começou com o mundo, como se fosse a maior, visto que Deus exterminou a Adão do paraíso, que acabava de fazer com as suas próprias mãos, e era a sua pátria, porque lhe desobedeceu; deviam pois os inquisidores contentar-se da existência da lei, para que se fosse acabando em Portugal o judaísmo; e é de saber que ela provinha da boca do mesmo papa; porque D. Luís de Sousa 7, que é inimigo desta pobre gente, quer que se faça sair do reino.

O terceiro meio fora, que aos presos pelo crime de judaísmo se dessem abertas e públicas, isto é, darem-lhe vista dos nomes das testemunhas, que neles deram para as poderem contraditar, como se dá a outro qualquer criminoso; assim o requereram já os cristãos-novos, apadrinhados pelo marquês de Fronteira 8, e o senhor rei D. Pedro lhes permitiu que recorressem a Roma, onde haveriam ganho o seu processo, se, morrendo o ministro, não entrasse em seu lugar o marquês de Alegrete, então de Vilar Maior 9, que tomou o contrapé do seu predecessor, como de ordinário acontece, achando a sua conta em se fazer protector da Inquisição, com o secretário de Estado Francisco Correia de Lacerda 10, sua criatura, os quais dispuseram o dito senhor a mandar a Roma D. Luís de Sousa, bispo de Lamego, para se opor à mesma faculdade, que havia dado aos cristãos-novos, de que resultou querer a congregação dos inquisidores de Roma examinar os autos dos que as Inquisições de Portugal tinham processado; e porque eles lhe não quiseram obedecer intervindo, lhes suspendeu o exercício, e neste estado ficaram por espaço de seis anos, até que S. Majestade lhes permitiu mandarem a D. Luís de Sousa certos processos bem escolhidos, para os poder produzir 11, e assim voltou D. Luís de Sousa triunfante com a informação dos estilos inquisitórios, excepto algumas circunstâncias parvi momenti, porém é certo que se os cristãos-novos tivessem vista das testemunhas que neles dão, não só as poderiam contraditar, mas o réu não se veria obrigado a ir dando em todas as pessoas que conhece, para contestar com as que o acusaram e não serem condenados por «Diminutos», de que se seguiria que se iriam diminuindo os cristãos-novos e que o são, fiados em que se podem defender; não sairão de Portugal com os seus cabedais, que é o meu propósito.

Como S. Majestade seja o senhor do dito Tribunal da Inquisição para o abolir se quiser, claro está que também é para poder alterar os seus estilos, sejam ou não confirmados pela Sé Apostólica, para revogar a prova que fazem as testemunhas singulares; e é ridícula a razão que dá o conde da Ericeira, na resposta que fez ao padre António Vieira 12, dizendo que pois a singularidade das testemunhas faz prova no crime de lesa Majestade Humana, com maior fundamento a deve fazer no crime de lesa Majestade Divina, como se se pudesse fazer argumento de uma para outra, quando na primeira concorre a vida do príncipe e a segurança do Estado, e na segunda só se trata da ofensa a Deus, que é todo misericordioso; todos sabem a regra geral, de que é melhor absolver o culpado, que castigar o inocente; e a razão é clara, porque o culpado pode-se emendar e a morte do inocente não tem emenda. O maior crime que se cometeu no mundo foi o de Adão, que se perdeu a si e nos perdeu a nós para sempre. Todos sabemos como foi processado este desgraçado réu, sendo o mesmo Deus o seu inquisidor que o citou e que ouviu a sua defesa, dizendo que fora Eva, que lhe dera por mulher, quem o provocara; e que esta testemunha, respondera, que a serpente a enganara ; e assim, ficou este processo feito em todas as formas para, que o supremo juiz desse a sentença, que foi, ainda mal, a que nos fez nascer escravos do diabo. Ninguém pode duvidar que Deus podia sentenciar esta terrível causa sem se servir de semelhantes formalidades, de que resulta que os inquisidores só deveriam fazer o que Deus quis observar, dando aos réus vista de testemunhas, mas bem pode ser que seja por castigo dos judeus não saberem quem os acusa, pois quando feriam a Jesus Cristo lhe perguntavam por derisão, que adivinhasse quem o maltratava; passe-se neste sentido se lhes negam as abertas e publicadas.

Já disse que as abertas e publicadas não deviam fazer prova, e agora acrescento que se hão de ter, ou por falsas ou por suspeitosas. Os que se vão apresentar ao Santo Ofício não o fazem por arrependidos; mas quando ouvem que algum seu amigo ou parente foi preso e o poderá acusar, porque ignora que outros o tenham feito, vai pedir perdão, nomeando todas as pessoas que conhece, ou lhe vem à cabeça, de maneira que sendo inválido o seu testemunho, não ficariam no secreto as pessoas para fazerem prova contra outras; e assim conviria que o tal apresentado fosse recolhido na Inquisição, para sair no acto da fé como os mais. Não é só a Inquisição que, pelo seu modo de processar, faz crescer o número dos cristãos-novos, mas também as irmandades e confrarias, e por isso se lhes deveria defender que nenhuma, sem excepção, tirasse inquirições de limpeza de sangue, porque eles vejam os que nelas querem entrar; mas somente de vita, et moribus, consultando sobre eles ao seu pároco, pois costumam infamar de cristãos-novos muito boas famílias que o não são, não deferindo aos estímulos da sua devoção.

O quarto meio para se extinguir o nome de cristãos-novos, e que não se fossem multiplicando, misturando-se com cristãos-velhos, seria decretar que fossem inválidos os seus casamentos e ficassem sendo bastardos os seus filhos. E se alguém arguir que por este modo se estabeleceriam em Portugal dois diferentes povos quase inimigos contra a união e sociedade da república, responderei que isto mesmo se está praticando tacitamente, pois vemos quantos casamentos se deixam de fazer entre certas pessoas ou famílias, porque de uma ou de outra se tem opinião de descendentes de algum cristão-novo, de sorte que faria a lei o que faz o mal-entendido costume, sem outra diferença senão a que vai do mais ao menos.

O quinto meio seria abolir as confiscações para a coroa, a que já o senhor rei D. João IV tinha dado principio à imitação da república de Veneza, que confisca os bens dos culpados para se restituírem a seus herdeiros, com tanto que não fiquem com alguma parte deles, e neste sentido costumava dizer o dito senhor que queria bem castigar os judeus, mas não arruinar as suas casas, que sustentavam o comércio do seu reino; e assim fazia restituir aos filhos inocentes os bens dos pais culpados, e seria uma lastimosa curiosidade querer examinar duas coisas, a primeira o número das casas de comércio que se perderam, depois que o senhor rei D. João III admitiu em Portugal a Inquisição 13, a segunda o proveito que a coroa delas tem recebido e se achará que das primeiras é infinito e que a coroa não tem utilizado coisa alguma, antes o senhor rei D. João IV, querendo servir-se de algum dinheiro do fisco, se lhe respondeu que nele não havia um vintém. Contudo a Inquisição teve a temeridade de impetrar na corte de Roma um breve de excomunhão contra o. dito senhor, se prosseguisse em querer abolir as confiscações. Eu não o afirmo, porque o não vi, mas tal é a voz pública, e que ele se lera na Inquisição de Évora, quando se soube que o dito senhor morrera. Mas o que sei de certo é que, queixando-se os inquisidores de que S. Majestade fizesse restituir os bens confiscados aos herdeiros condenados, ele lhes perguntara: «Para quem confiscais?» e respondendo-lhe que para a coroa de V. Majestade, ele lhes replicara com muita graça: «Pois eu desconfisco.» De que concluo que sendo o modo das ditas confiscações o que tem feito e faz sair de Portugal tantas famílias com os seus efeitos, que vão meter nos fundos públicos de Inglaterra e Holanda, etc., segue-se que, seguros de conservarem os seus bens a seus filhos, não deixariam a sua pátria, antes nela continuariam no seu comércio e empregariam o seu dinheiro. Enfim, depois que a Inquisição descobriu no Rio de Janeiro a mina dos judeus, e se lhes confiscaram os bens, de que os principais eram os engenhos de açúcar, que se perdiam, foi preciso que S. Majestade ordenasse que os ditos engenhos não fossem confiscados, vendo o grande prejuízo que se fazia ao comércio deste importante género. Outro prejuízo nos fazem as tais confiscações, e vem a ser que os estrangeiros, em cujas mãos está quase todo o nosso comércio e têm em Portugal as suas casas, lhe mandam todas as suas comissões, ou a outros estrangeiros, não querendo dá-las a algum português, porque o têm por judeu, ou cristão-novo, e temem que, sendo preso pela Inquisição, lhe confisquem os efeitos que tiver nas suas mãos; porque ainda que pelos seus tratados se lhes devam restituir, não lhes convém ter pina larga demanda com o fisco.

O sexto e último meio para se extinguir em Portugal o nome de cristão-novo, seria darem aos judeus a liberdade de viverem na sua religião, como se pratica entre todas as nações da Europa, sem embargo de serem tão cristãos com a nossa liberdade, digo, que de duas maneiras se lhe pode acordar, dando-lhe dois guitos 14, um em Lisboa, outro no Porto, da mesma maneira que o têm em Roma, com a obrigação de trazer um chapéu amarelo, para serem conhecidos, de que resultaria que todos os cristãos-novos, que verdadeiramente fossem judeus, ou o poriam ou entrariam nos guitos, sem ser necessário que se lhe falasse em perdão geral, nem a Inquisição intentasse mais prender algum cristão-novo; pois é certo que não será judeu oculto, o que o puder ser declarado; mas quando assim sucedesse, o juízo secular o castigasse com pena de morte, como também o deveria ser todo aquele que injuriasse alguma pessoa, chamando-lhe cristão-novo, e para que este nome totalmente se perdesse e se extinguisse, conviria que todos aqueles que são infamados sem que seus pais e terceiros avós houvessem feito alguma figura nos actos da fé, pudessem entrar nos cargos da república, pois é bem extraordinário que se extinga também o de cristão-novo, antes com impiedade se diga que basta uma pinga deste desgraçado sangue para corromper o de todo o corpo cristão, e que este não possa alimpar aquela nódoa. Ajuntarei ao referido que todo o judeu ou judia, que casasse com cristão-velho, ou reputado por tal, e vice-versa, seriam no juízo secular condenados à morte, o que não aconteceria, porque a lei dos judeus lhe defende a comunicação com cristão-velho ou gentio, como eles nos chamam por desprezo, assim como nós por desprezo lhes chamamos judeus. E falando eu em Amsterdão com um dos rabinos ou doutores da lei, sobre o castigo que a sua nação depois de tantos séculos padecia, desprezada em toda a parte, sem pátria rei e sem templo onde sacrificar conforme a sua lei, me respondeu que enquanto os judeus se não arrependessem de se haver misturado com os cristãos e se não abstivessem da sua comunicação, jamais veriam o fim da sua desgraça; e jamais o seu Messias, não Deus, mas grande Capitão, os viria livrar da espécie de cativeiro em que presentemente vivem, restituindo-os à terra da promissão, que Deus lhes dera e por seus grandes pecados perderam.

A resposta por uma parte me fez rir, e por outra lastimar-me da sua cegueira e incredulidade: contudo eu vi, em Londres, que um judeu resgatou, por uma grossa soma de dinheiro, um escrito de casamento, que sua filha tinha dado a um inglês, querendo fazer-se cristã. E não há dúvida que em todas as partes, onde os judeus têm liberdade de consciência, jamais se casam com cristãos; e isto mesmo sucederia em Portugal se a tivessem; mas nem por isso creio que os judeus, ricamente estabelecidos em Inglaterra e Holanda, se iriam domiciliar no reino, mas não há dúvida que lá mandariam os seus parentes ter casas de comércio. Eu me achei em Amsterdão nas bodas de um dos filhos do barão de Sasso 15, e sua mãe, a quem eu por derisão chamava a rainha Ester, me perguntou em quanto avaliava os cabedais dos convidados que ali estavam, que seriam até quarenta e dizendo que o ignorava, me respondeu: «Bem pode V. Ex.a contar sobre quarenta milhões de florins, que nenhum mal fariam a Portugal, se lá estivessem.» «Nem á Inquisição se ela os agarrasse», lhe respondi eu, e estes senhores, porque todos eram nascidos, ou descendentes de portugueses; pois é de saber que os judeus portugueses, espanhóis e italianos, vivem separadamente dos judeus alemães e com diferentes sinagogas, de sorte que os primeiros têm tanto horror em se apresentarem com os segundos, como com os cristãos, porque sobre os julgarem descendentes da canalha que saiu de Jerusalém, são todos grandes usurários e ladrões.

Tornando pois ao meu assunto, já disse que a primeira e principal utilidade, que teríamos da dita permissão, seria de se abolir o injurioso nome de cristão-novo. A segunda, que é toda espiritual, não haveriam tantos sacrílegos, quantos, sendo no coração judeus, frequentam os santos sacramentos, para não serem descobertos. A terceira, que é mais do meu caso, a sangria que a Inquisição dá a Portugal, não o enfraqueceria, antes lhe meteria mais sangue nas veias, sem contaminar o que já tinha e sem prejudicar o Estado, porque esta gente, na esperança de se restituir à terra que chamam sua, não compra as alheias, nem bens de raiz, fazendo girar os seus cabedais para deles tirarem maiores interesses, e assim os empregariam dentro do reino em tudo que pudessem tirar melhor ganância, e faria florescer o seu comércio 16

A causa, senhor, do seu grande abatimento, por ter passado às mãos dos estrangeiros, além das sobreditas não sei por qual deve começar para lhe procurar algum remédio. Contudo a que logo salta aos olhos é que Portugal não tem frutos, nem géneros para se permutarem com os que nos entram de fora, não só quanto à quantidade e qualidade, mas também quanto à quantidade e variedade. E para prova do que digo não falarei dos géneros de desigualdade do comércio que temos com Castela, em prejuízo de Portugal, porque de todos é bem sabida, estando ao pé da porta, mas ajunto a lista de frutos e géneros, que os estrangeiros tirão de Portugal: coiros em cabelo, pau do Brasil, laranjas, limões, azeite, sumagre, óleo de cupaíba, salsa parrilha, marfim, lãs, amêndoas, figos, passas, peixe salgado, presuntos, azeite de baleia, vinhos de Portugal e da Madeira, sabão de todas as castas, melaço, açúcar, tabaco do Brasil, casquinha, cravo do Maranhão, sebo, cacau, baunilha e pau para tintas.

É de reparar que os franceses sempre foram aumentando os direitos de entrada dos ditos frutos e mercadorias desde o ano de 1664 17, sem que usássemos da represália, como seria justo, levantando-lhes também à proporção os direitos da entrada dos que metem em Portugal, o que lhes seria mais sensível, porque são em muito maior quantidade e melhor qualidade, a saber: Em primeiro lugar, de Paris, mandam uma droga a que chamam moda que vai por toda a Europa, e conforme diz o marechal de Vauban ou Bavan, na sua décima real 18, é dos melhores ramos de comércio da França. Mandam-nos mais, de Paris, estofos de lã e barbilhos das fábricas de Paris, luvas de castor e de meio castor, e outras, bastantes chapéus, cabeleiras, boldriés lisos e bordados de ouro e prata, livros de todas sortes, pérolas, sinais, espadins de prata e de cobre, dourados e prateados, botões de cobre, dourados e prateados e em cor, caixas de prata e douradas, algumas em ouro e de tartaruga, volantes com ouro e prata, lavrados de todas as cores, castiçais de cobre prateados, jarros e bacias, e outras mais coisas desta natureza, sapatos de homem e de mulher, manguitos de peles e outros, paletinas de várias sortes, rendas de seda crua, brancas e negras, fivelas de prata, metal e pedras falsas e outras muitas coisas deste género, véstias bordadas em ouro e prata, meias de seda e bordadas, fitas de ouro e prata da fábrica de Paris, e alguns panos de linho para camisas.

De Lião se manda toda a sorte de primaveras, nobrezas, estofos de ouro e prata, fio de ouro e prata, galões de ouro e prata, abotoaduras do mesmo, boldriés de seda, meias de seda, fitas de ouro e prata, lavradas e lisas. De Ruão, lenços de algodão, várias sortes de estofos dos mesmos, panos para vestidos, águas ardentes (ainda que sejam proibidas), couros de vitela, calções e luvas de carneira e camurça, vinagre de cidra, caixas de tartaruga, de corno e óculos. De Chantel várias sortes de estofos de linho, riscados e lisos. De Amiens, barreganas, comelões, estamenhas e outras sorte de fazendas de lã e barbilho. De Thiers muita sorte de quinquilharia. De Morlaix e Nantes, bretanhas, esguiões, papel pardo e velas de sebo. Da Flandres francesa, cambraias lisas e lavradas, alguns guardanapos, toalhas e rendas de linha. De Dieppe também se tiram bastantes rendas de linha; caixas e estojos de marfim e osso.

Os ingleses tiram de Portugal, vinhos em grande quantidade, azeite moderadamente, couros da Baía, pau do Brasil, laranjas, limões, romãs, figos, passas, amêndoas, bengalas do Brasil, casquinha da ilha da Madeira, vinho da mesma ilha, tabaco do Brasil em rolo.

Mandam para Portugal panos, estamenha, droguetes, sarjas, sempiternas, baetas, meias de seda e de laia, chapéus, couros preparados, carnes salgadas, manteiga, roupa de Silésia, estanho, cortiça, trigo, centeio, cevada, farinha, gesso, carvão, fivelas, machados, enxadas, ferramentas diversas, alfinetes, agulhas e outras mais coisas.

Os holandeses tiram de Portugal quase o mesmo que os ingleses, a saber: açúcar em grande quantidade, tabaco do Brasil, azeite e vinho bastantes, cominhos, lãs, pau do Brasil, couros do Brasil e da Baía, bengalas, laranjas, limões, romãs, figos, passas, amêndoas, casquinha da ilha da Madeira e multo sal de Setúbal.

Metem em Portugal meias grossas de lã e de fio, panos de Leyde e camelotes, sarjas, veludos e primaveras de Harlem, holandas da mesma vila, ruões, contrafestos, manteiga, queijo, papel; e de frutos estrangeiros, tabuadas, aduelas, mastros, âncoras, lonas, ferro, aço, chumbo, pólvora, cobre, estanho, latão, linho alcaneve, estopa, algodão, couros de Moscóvia, pês, alcatrão, tinturas e outras mais coisas.

Pelo que toca ao que sai de Portugal para as nações do norte, e estas metem em Portugal, não vale a pena de entrar nesta individuação, porque o que elas tiram é muito pouco, e o que metem é por mãos dos holandeses, como fica visto na sobredita lista, e são estes os que fazem o maior ganho pelas comissões que lhes mandam.

A respeito do que os italianos tiram de Portugal, não estou cabalmente instruído, só sei que já foi maior a quantidade dos tabacos e açúcar que sacavam, e que navegavam para Portugal muitos veludos, damascos de Génova e outros géneros de sedas, muita papel e vidros.

À vista, pois, do referido se pode fazer um cálculo dos poucos efeitos que temos para permutar com os estrangeiros e que o excesso lho devemos pagar com dinheiro, o que mais facilmente se pode saber se se mandar fazer um balanço de alfândega, porque dele constará o que sai e o que entra; mas não posso deixar de dizer que nos direitos de entrada, que os estrangeiros pagam, há um grande abuso, porque são neles favorecidos conforme as ordens de S. Majestade, os que têm na alfândega as suas fazendas se acordam com os oficiais para lhas avaliarem em menos de metade, o que tenho por confissão dos mesmos mercadores, que negoceiam em Portugal, de que resulta que para se evitarem semelhantes descaminhos, seria útil que se arrendassem os direitos de todas as alfândegas de Portugal e a fazenda real tiraria a mesma, ou maior vantagem, que tirou de arrendar os direitos de todas as alfândegas do Brasil; poupando também a despesa que faz com os oficiais, que de ordinário são uns autorizados ladrões, e escusaria um provedor da alfândega, podendo-se assinar nos rendimentos dela uma certa pensão ao possuidor deste ofício, como acima digo do correio-mor, de sorte que estes arrendadores, seriam como fermieiros gerais de França 19, que poderiam como eles avançar ao governo as somas de que necessitasse, lucrando tantos por cento, conforme as condições do ajuste que com eles fazem.

Estas são as minhas ideias a respeito do sobredito; mas a principal seria examinar quais são as fazendas estrangeiras, que poderíamos proibir por totalmente inúteis, quais poderíamos nós mesmos fabricar para deles não necessitarmos, e quais poderíamos navegar nos nossos navios, tirando-as em direitura dos lugares, aonde vão buscá-las os holandeses, para as mandarem a Portugal.

Começando pois pela primeira droga, que França nos manda, que é a moda, já o senhor rei D. Pedro a quis inutilizar, mandando pôr um modelo em casa de todos os alfaiates, com pena não sei de quantos cruzados ao que de outra maneira cortasse alguns vestidos, afim de que a variedade da moda se não multiplicasse, e proibiu o uso dos galões e estofos de prata e ouro, excepto os que se despachassem na casa da Índia, para animar o seu comércio; e quanto aos seus lanifícios, estes estão defendidos, e só se deveria ter grande cuidado, em que os seus panos na alfândega se não despachassem, como se fossem das fábricas de Holanda e de Inglaterra.

Alguém poderá dizer que o luxo faz o lustre e magnificência da corte, e que por esta razão el-rei de França está tão longe de o proibir, que o provoca, para o que concorrem duas coisas: a 1.ª, que tanto mais a nobreza se empobrece, tanto mais fica. dependendo das suas graças para o servirem; e a 2.ª, porque a França tem em si mesma tudo o que concorre para o fausto; e assim tudo o que nele se despende, nela circula sem sair fora do reino; mas este é um mal epidémico, que se comunica a todas as cortes, que mal a-propósito a quiseram imitar, e mandando a Paris grossas somas, porque de lá emanam as modas.

A este propósito contarei uma história e vem, a ser que dizendo eu a um negociante, que não entendia a razão porque sendo a regra geral aliviar os direitos da saída, e carregar os da entrada, França, ou ao menos nesta corte, praticavam o contrário a respeito das fazendas que se navegavam para Portugal, como acima digo que se tem feito, ao que me respondeu, que a corte queria aproveitar-se enquanto nos durasse a loucura de só acharmos bom e da moda o que ia de Paris; e assim tempo lhe ficava para depois facultar a saída das mesmas fazendas, abaixando-lhe os seus direitos, ao que não tive que responder, senão desejando de mim que a tal loucura não passasse.

Devo, porém, dizer que pouco faltou para que se não permitisse em Portugal a entrada dos panos, porque o tratado, que para este efeito tive feito, não se chegou a assinar, porque não conclui o da neutralidade com Espanha, que era a utilidade que do primeiro queríamos tirar. 20

Deixo à consideração dos nossos ministros fazer renovar a pragmática do senhor rei D. Pedro 21, proibindo a entrada de todas fazendas que contribuíam ao luxo, e que em Lisboa não rodem coches, nem seges que não sejam feitas no país, podendo mandar buscar os modelos a França, que vão em uma folha de papel, para dar que ganhar aos obreiros, que por esta causa se aumentarão, e todas as miudezas que para o mesmo ofício no reino se podem fabricar, como são muitas que se acham nas mesmas listas, e em particular todos os instrumentos de ferro, pois que tão perto temos Biscaia. Não há dúvida que há muitos géneros que não podemos manufacturar, e é necessário comprá-los aos estrangeiros, como por exemplo, as roupas finas, que vão de França e Holanda, mas quem nos impede tê-las de todos os géneros que se fazem de lãs e sedas, que e o grosso do comércio de Inglaterra e Holanda, e ainda de França? Pois que já as tivemos e se arruinaram pelas razões que já disse, de sorte que para se estabelecerem, é necessário que eu torne a falar dos judeus, dizendo que se lhes deve dar de um modo ou de outro, liberdade de religião e segurança de que os seus bens não serão confiscados, e lhes será necessário empregá-los em. renovar e aumentar as sobreditas manufacturas. Bem entendido que não as terão nem em Lisboa, nem no Porto, senão no interior do reino, para que os ingleses e outros estrangeiros não busquem meios para não as deixar prosperar, como fizeram em Lisboa, comprando e destruindo todos os teares de fitas, meias, etc., e o seu dinheiro giraria nas províncias, onde elas se estabelecessem; mas não é isto só que basta, antes convirá que se proíba com rigorosas penas a saída das lãs de Portugal e os judeus terão bem cuidado de fazer entrar nele as de Castela. Ao que ajuntarei que nenhuma coisa será bastante para o estabelecimento de todas as manufacturas, se para ele de todas as maneiras não concorrer S. Majestade, não só com o seu patrocínio, mas também com o seu dinheiro. Digo que S. Majestade deverá concorrer com o seu patrocínio, mostrando o seu desagrado aos que vêm ao paço vestidos de manufacturas estrangeiras e vestindo-se ele mesmo das nacionais. Eu bem me lembro que, impondo-se ao povo de Inglaterra, por acto do parlamento, o tributo da capitação, se inventou um estofo, a que se deu o mesmo nome e um vestido inteiro não custava mais do que 40 xelins; pelo que el-rei Guilherme, para animar esta, nova manufactura, apareceu em público vestido da mesma, o que todos no outro dia fizemos. Digo também que o dito senhor deveria concorrer com o seu dinheiro, como fez o Czar de Moscóvia e el-rei da Prússia, que à sua custa mandaram buscar a França, Itália, Inglaterra e Holanda, os melhores artezans 22, para industriarem os naturais em toda a sorte de manufacturas, e assim vemos que hoje se sustentam e florescem nos seus estados com grande utilidade e aumento dos seus vassalos, porque o que despendem em se vestirem, fica no país, e crescem os obreiros tendo em que trabalhar.

Ouço que em Portugal se tem sumamente apurado a arte de trabalhar no mármore, e a razão não é outra senão que S. A. viu com bons olhos os seus progressos e mostrou que lhe agradava a sua boa execução; de que se seguirá que muita gente se aplicará a cultivá-la por arte e proveito.

Alguém poderá arguir que, se se diminuir em Portugal o consumo de géneros de Inglaterra, também se diminuirá o seu dos nossos vinhos; ao que respondo: que neste caso tornarão as vinhas a ser de pão, como dantes eram, e teremos menos necessidade de que as tercenas, daqui por diante, estejam cheias de grão de fora, que tira a venda ao da terra; 2.º, que a exportação que os ingleses fazem dos nossos vinhos, eles não a fazem pelos nossos belos olhos, nem para fazerem bem aos portugueses e ao seu comércio, senão para fazerem mal ao da França, e por isso eles aumentaram os seus direitos de entrada em metade mais do que pagam os de Portugal, como já disse; 3.º, que a nação inglesa até aqui já muito costumada ao vinho que chamam do Porto 23... por lhes ter mais conta a respeito do preço ... experimentado que quantos mais vinhos ... nos tiram, mais fazendas nos vendem; 4.º ... porque jamais os franceses conviram ... em um tratado do comércio ... primeiros intentaram, mandando a Londres ... para este efeito ... depois da paz de Resvick, e não ... poderão fazer ... as duas nações antagonistas, e principalmente a respeito do comércio nenhuma quis abaixar dos direitos das ... reciprocamente proíbem a entrada das que lhe ... preciso de maneira que estabelecidos em Portugal ... não carecemos senão daqueles que pela sua qualidade ... quaisquer outras razões não é possível introduzir ... necessário entender que as manufacturas nem no princípio se podem fazer logo tão perfeitas como as estrangeiras, que já se aperfeiçoaram, nem vender pelos mesmos preços que as que vêem de fora, em que se não deve reparar, porque a primeira parte é sem dúvida ... os que empreenderem as ditas fábricas, tratarão de as pôr na sua maior perfeição, para lhes dar maior saída; e quanto à segunda, pouco importa que no princípio sejam mais caras, porque é natural que, depois do seu estabelecimento, sejam mais baratas, e sobretudo importa pouco que os particulares comprem mais caro o que se fabrica no reino, quando nele fica o dinheiro, que deve ser sempre o principal objecto [...] do senhor rei D. João IV, quando Pantaleão de Sá 24, vindo da sua embaixada de Inglaterra, lhe ofereceu um chapéu, a que lhe chamam... perguntou quanto lhe custara, e respondendo-lhe que ... o dito senhor lhe replicou, - Guardai o vosso chapéu, que por esse preço posso ter quatro fabricados no meu reino.

Estes são os meus sentimentos sobre o deduzido, que desejarei sejam aceitos na real presença de vossa alteza, etc.

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Notas:

1. Frade dominicano, pregador régio, pretenso rival do padre António Vieira, é um dos exemplos da oratória sacra barroca cheia de exageros e desequilíbrios. Foi autor de Prédica Sacramental e Hymno Eucarístico, obra publicada em 1675, em Lisboa, em 2 volumes.

2. Dom Pedro II, rei de Portugal de 1683 a 1706, governou o país como regente desde 1668.

3. Expulsão dos judeus, decretada em Dezembro de 1496. (Nota da edição de 1943)

4. A Câmara Ardente foi um tribunal extraordinário criado em França em 1547 sobretudo para julgar heréticos. Actuava como última instância de um tribunal da inquisição instituído por Francisco I. Foi reinstituída por Luís XIV em 1677 tendo existido até 1682.

5. D. Luís da Cunha refere-se ao processo iniciado em 1677 que implicou Madame de Montespan,  amante de Luís XIV, a mulher do Marechal de Luxembourg e outras aristocratas, em tentativas de envenenamento, participação em missas negras e noutras cerimónias e rituais satânicos. A principal acusada, a bruxa Catherine Montvoisin, foi condenada à morte e queimada em Paris no dia 22 de Fevereiro de 1680, tendo outras 35 pessoas sido também condenadas à morte, 5 enviadas para as galés e 23 exiladas, naquilo que ficou conhecido pelo «Affaire des Poisons».

6. A transcrição dos nomes estrangeiros por D. Luís da Cunha é sempre muito deficiente, sendo que aqui se deve  referir à Marquesa de Brinvilliers que foi julgada e executada em 1676, tendo-se dado como provado que tinha envenenado o pai, o irmão e duas irmãs para se apoderar da herança familiar.

7. D. Luís de Sousa (1636/7-1690), bispo de Lamego e arcebispo de Braga. Embaixador extraordinário de D. Pedro II em Roma a partir de 1675, o principal objectivo dessa embaixada foi o pedido de restituição da Inquisição , o que conseguiu por meio da Bula Romanus Pontifex de 27 de Janeiro de 1676..

8. D. João de Mascarenhas (1633-1681), 1.º marquês de Fronteira. Governador das Armas da Estremadura em 1668, foi também Vedor da Fazenda, conselheiro de Estado e conselheiro da Guerra.

9. Manuel Teles da Silva (1641-1709), 1.º marquês de Alegrete e 2.º conde de Vilar Maior. Foi regedor da Casa da Suplicação em 1669 e Vedor da Fazenda em 1672.

10. Francisco Correia de Lacerda (1600-1682), foi secretário de estado de D. Pedro II.

11. Papel proclamatório ao Sumo Pontífice, Inocêncio XI, em favor da gente de nação, na ocasião em que conseguiram breve para se advocarem a Roma certos processos do Santo-Ofício, que se duvidaram remeter. = Feito pelo padre António Vieira da Companhia de Jesus. (Nota da edição de 1820).

12. O grande escritor do século XVII que se interessou pela sorte dos judeus e que, já no fim da vida, foi perseguido pela Inquisição. (Nota da edição de 1943)

13. Em 1536, ao cabo de vinte anos de negociações com o papado, foi estabelecida a Inquisição em Portugal. (Nota da edição de 1943)

14. Guetos, bairros de judeus, ou judiarias, como se chamava em Portugal. (Nota da edição de 1943)

15. António (Isaac) Lopes de Suasso (1695-1775), 3.º barão de Avernas le Gras, casado com Leonor da Costa (1696-1770).Era neto de António (Isaac Israel) Lopes Suasso (1614-1685), judeu de origem portuguesa residente em Haia, feito em 1676 Barão de Avernas le Gras, por Carlos II de Espanha. Apoiante da casa de Orange financiou desinteressadamente a invasão da Grã-Bretanha por Guilherme de Orange em 1688, expedição que afastou o rei católico Jaime II Stuart do trono de Inglaterra. 

16. No exemplar anotado por Camilo, a que se refere Aquilino Ribeiro, lê-se a seguinte nota: «E cumpre notar que D. Luiz da Cunha advogou a causa dos judeus influído pela M. Salvador, uma judia sua contubernal». (Nota da edição de 1943)

17. Em 18 de Setembro de 1664 Colbert estabeleceu uma tarifa geral para as alfândegas francesas para combater as mercadorias holandesas.

18. Marechal Vauban, engenheiro militar e político francês célebre (1633-1707). A obra a que se refere o texto é o Projet de Dîme Royale. (Nota da edição de 1943)

19. Fermier général, financeiro que na antiga monarquia francesa tomava a firme tratar dos impostos. (Nota da edição de 1943)

20. De facto a «Convenção de Neutralidade e Liberdade de Navegação» entre Portugal e Espanha, assinada em 16 de Setembro de 1702, mas que não foi ratificada.

21. Pragmática de 8 de Junho de 1668, de D. Pedro II, reinstituindo as normas impostas pela Pragmática de 1643, promulgada no princípio do reinado de D. João IV, aconselhando a moderação nos luxos e no uso de rendas.

22. Artífices. (Nota da edição de 1943)

23. A escassa página e meia de texto que se segue é de leitura difícil por lhe faltarem palavras, frases, e porventura períodos inteiros. Reproduz exactamente o texto da edição de 1820. (Nota da edição de 1943) 

24. Há aqui uma confusão do autor. Pantaleão de Sá era irmão do 3.º conde de Penaguião, D. João Rodrigues de Sá e Meneses, Camareiro-mor de D. João IV, e acompanhou o irmão na embaixada deste à Inglaterra governada por Cromwell, que foi secretariada pelo Dr. Henrique da Silva. Pantaleão de Sá foi julgado em Londres, por ter morto um oficial inglês que pensou que o tinha insultado, condenado à morte e decapitado na Torre de Londres em Julho de 1654, não tendo por isso regressado a Lisboa.

Fonte:

Testamento Politico ou Carta Escrita pelo grande D. Luiz da Cunha ao Senhor Rei D. José I. antes do seu Governo, ..., Lisboa, Na Impressão Régia, 1820

A ver também:
  • D. Luís da Cunha
    Entrada no «Portugal», dicionário histórico.
  • D. João V
    Resumo biográfico do Rei.
  • Marquês de Pombal
    Entrada no «Portugal», dicionário histórico.
  • O Absolutismo
    Cronologia da História de Portugal, de 1736 a 1755.

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