Portugal - Dicionário

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D. Maria II
D. Maria II

 

Maria II (D.).

 

n.      4 de abril de 1819.
f.       15 de novembro de 1853.

 

Rainha de Portugal; a primeira rainha constitucional do país. 

Nasceu no Rio de Janeiro no paço da Boa Vista em S. Cristóvão, a 4 de abril de 1819. Foi baptizada em 3 de maio seguinte, recebendo na pia baptismal os nomes: D. Maria da Gloria Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga. Faleceu no paço das Necessidades de Lisboa, a 15 de novembro de 1853. Tinha o título de princesa da Beira e do Grão-­Pará; a grã-cruz das seguintes ordens: Nossa Senhora da Conceição, Santa Isabel, Cristo, Avis, e de S. Tiago da Espada, na qualidade de rainha reinante; dama das ordens da Cruz Estrelada da Áustria, de Santa Catarina da Rússia, de Maria Luísa de Espanha. Era filha de D. Pedro IV, de Portugal, 1.° Imperador do Brasil, e de sua primeira mulher, a Arquiduquesa de Áustria D. Maria Leopoldina Josefa Carolina. 

Contava apenas sete anos quando faleceu seu avô, D. João VI, em março de 1826, e sua mãe em dezembro do mesmo ano. O monarca nomeou regente do Reino sua filha, a infanta D. Isabel Maria, na ausência de D. Pedro, herdeiro do trono, a esse tempo já imperador do Brasil, o infante D. Miguel residia em Viena de Áustria, para onde fora mandado, por carta regia de 12 de maio de 1824, depois da revolta de 30 de abril desse ano, que ficou conhecida pela Abrilada (V. este nome). Os brasileiros não aceitaram de bom grado que o seu imperador cingisse a coroa portuguesa, porque desse facto resultaria a unidade da antiga monarquia, de que se haviam libertado proclamando a independência do Brasil. Reconhecendo o desagrado dos brasileiros, D. Pedro, depois de ser proclamado rei de Portugal, resolveu abdicar a coroa portuguesa em sua filha, a princesa D. Maria da Glória, o que se efectuou em 3 de maio, tendo anteriormente, em 29 de abril, outorgado aos portugueses uma constituição livre, conhecida pela Carta Constitucional. A abdicação, porém, era condicional. A princesa devia casar com seu tio, o infante D. Miguel, em tempo oportuno, e enquanto se não realizasse esse consórcio, e não dominasse em Portugal o novo regime, continuaria a regência de D. Isabel Maria em nome de D. Pedro IV. A 31 de julho do mesmo ano de 1826 foi jurada a Carta Constitucional em Portugal, e D. Miguel, em Viena de Áustria, também a jurou em 4 de outubro, dizendo-se pronto a obedecer às vontades de seu irmão D. Pedro, e efectuou, por procuração, os seus esponsais com a jovem rainha, sua sobrinha, perante a corte de Viena, a 29 de outubro, sendo dispensado o impedimento de consanguinidade por breve do papa Leão XII, representando a rainha nesse acto solene, em virtude do alvará que para tal fim fora conferido em 28 de abril de 1826, o barão de Vila Seca, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário do império do Brasil junto à corte do imperador de Áustria Francisco I, como foi participado às cortes pela infanta regente. Em vista do procedimento do infante D. Miguel no acto de jurar a Carta Constitucional, quando tempos depois, no meio da agitação dos partidos que se gladiavam, dos tumultos e das revoltas, D. Isabel Maria adoeceu gravemente, D. Pedro não hesitou em nomear, em nome da rainha D. Maria II, o infante D. Miguel seu lugar-tenente e regente do reino, por decreto de 3 de setembro de 1827, resolvendo enviar sua filha para Viena de Áustria a completar a educação na corte do imperador seu avô. D. Maria II saiu do Rio de Janeiro a 5 de julho de 1828, sob o título de duquesa do Porto, sendo reconhecidos os seus direitos à coroa de Portugal por algumas das potências europeias. O marquês de Barbacena, Felisberto Caldeira Brant, foi o escolhido por D. Pedro IV para a acompanhar. No entretanto, D. Miguel, chegara a Lisboa a 9 de fevereiro de 1828 e desembarcara no dia 22, recebendo das mãos de D. Isabel Maria a regência do reino, e ratificando no dia 26 o juramento que prestara à Carta Constitucional perante as cortes que a infanta havia convocado para esse fim. Mas não tardou a mudar de resolução, e a 13 de março seguinte dissolveu as cortes, convocando depois, em 3 de maio, o conselho dos três Estados para decidir a quem pertencia a coroa, segundo a antiga forma das cortes do país, quando se tratava de graves pontos de direito português. O conselho depois reuniu-se a 21 de junho, e dois dias, a 25, proclamaram D. Miguel rei absoluto. Foi notável esta precipitada resolução do conselho dos três Estados, em vista do acto de reconhecimento do herdeiro da coroa de Portugal, prestado pela regência do reino e real câmara dos pares, instituída pela Carta Constitucional, acerca da sucessão da Casa de Bragança nas duas coroas de Portugal e Brasil, e particularmente na do Portugal, já indicada nas conferências que se realizaram em Londres no mês de agosto de 1823, e preliminares do tratado de 25 do referido mês e ano, que reconheceu a independência do Brasil, onde a tal respeito foi apresentado na conferencia de 9 de Agosto o seguinte Artigo Secreto: «Como por causa da aceitação da renúncia pessoal do imperador do Brasil, D. Pedro, à Coroa de Portugal, as Cortes de Portugal devem determinar qual dos filhos do imperador será chamado à sucessão daquela coroa por morte do presente rei: entende-se que as ditas Cortes podem chamar à sucessão o filho mais velho do dito imperador do Brasil, ou a filha mais velha, na falta de descendência masculina.» (Biker, Suplemento à Colecção dos Tratados, tomo XXII, pág. 199). 

O marquês de Barbacena chegando a Gibraltar com a real viajante, a 3 de setembro de 1828, teve conhecimento do que se passava em Portugal, por um emissário que o esperava naquele porto, e teve a perspicácia de compreender que D. Miguel viera de Viena de Áustria já resolvido a pôr-se à frente do movimento absolutista, aconselhado pelo príncipe Matternich, que então dirigia a política europeia, e que seria perigoso a jovem rainha ir para Viena de Áustria. Tomando sobre si toda a responsabilidade, mudou a direcção da viagem, e foi para Londres, onde chegou a 7 de outubro seguinte, julgando que haveria ali mais segurança. A política inglesa, porém, nada favorecia. os intuitos do nobre fidalgo. O gabinete de lord Wellington patrocinava abertamente os adversários da liberdade, de sorte que o asilo que o marquês procurara, não era dos mais seguros. Enquanto D. Maria II era recebida na corte de Inglaterra com todas as honras devidas à sua elevada hierarquia, os ingleses impediam os seus súbditos fiéis, ali emigrados, de irem reforçar a guarnição da ilha Terceira. O golpe de estado de D. Miguel não passara sem protestos. A 16 de maio de 1828 revol tava-se a guarnição do Porto, a 25 revoltava-se em Lagos um batalhão de infantaria, mas estas revoltas foram depressa sufocadas. Saldanha, Palmela, e outros; que tinham vindo para tomar a direcção do movimento do Porto, tornaram a embarcar a bordo do Belfast, que os trouxera; a guarnição do Porto, reforçada pelos voluntários académicos de Coimbra e por outras tropas liberais, emigrava para a Galiza, e dali para Inglaterra. À frente duma pequena expedição liberal tentou Saldanha desembarcar na ilha Terceira, mas não lho consentiu o cruzeiro inglês, cuja vigilância não pôde, contudo, evitar algum tempo depois que o conde de Vila Flor, mais tarde duque da Terceira, tentasse, e conseguisse efectuar o desembarque. Chegou a tempo este general, porque em agosto de 1829 aparecia na frente daquela ilha uma formidável esquadra miguelista, que lançou em terra um corpo de desembarque. Deu-se então a batalha de 11 de agosto, na vila da Praia, em que os miguelistas ficaram derrotados. Quando os emigrados que estavam em Inglaterra, receberam a notícia desta vitória, sentiram grande entusiasmo, mas depressa perderam as esperanças que aquele acontecimento lhes fizera conceber, quando souberam que a jovem rainha voltava para o Brasil. Na verdade, a situação de D. Maria II na corte inglesa, ao lado do ministério que estava então no poder, tornava-se bastante embaraçosa e humilhante. A rainha saiu de Londres acompanhada de sua madrasta, a imperatriz D. Amélia, partiu em 30 de agosto de 1829 para o Rio de Janeiro, onde chegou a 16 de outubro. Com a saída da rainha julgou-se completamente perdida a causa constitucional. Os emigrados dispersos por França, Inglaterra e Brasil, estavam divididos em facções que se agrediam cruelmente. Em território português só a ilha Terceira reconhecia os princípios constitucionais, e ali mesmo começavam a aparecer guerrilhas miguelistas. A França estava já disposta a reconhecer o governo de D. Miguel, quando em 1830 rebentou em Paris a revolução de Julho, o que fez animar muito os liberais portugueses. No ano imediato, os acontecimentos políticos do Brasil levaram D. Pedro a abdicar em 7 de abril a coroa imperial, em seu filho D. Pedro, irmão de D. Maria II, que foi o 2.° e ultimo imperador naquele império, e a vir para a Europa acompanhado de sua filha, e de sua segunda mulher, para sustentar os direitos de D. Maria II à, coroa de Portugal, tomando o título de duque de Bragança, e de regente do reino em nome da soberana. Quase ao mesmo tempo a regência da ilha Terceira, nomeada por D. Pedro e composta do marquês de Palmela, do conde de Vila Flor e de José António Guerreio, achava-se com bastante força para preparar uma expedição, que em pouco tempo se apossou das ilhas dos Açores. Enquanto se ampliava assim o território constitucional, D. Pedro desembarcava em França, sendo acolhido com a máxima simpatia pelo novo governo e pelo novo rei Luís Filipe. Além de todos os motivos que a França tinha para se mostrar simpática a uma causa com as mais íntimas afinidades com a causa que triunfara em Paris em julho de 1830, acrescia ainda outro. O governo de D. Miguel desacatara as imunidades dos súbditos franceses, não satisfizera de pronto as reclamações do governo francês, que procedera imediatamente, mandando uma esquadra comandava pelo almirante Roussin forçar a barra de Lisboa e impor a D. Miguel as mais humilhantes condições de paz. D. Pedro deixou sua filha em Paris para acabar a sua educação, entregue aos cuidados de sua madrasta, deu-lhe os melhores mestres, e partiu para os Açores à frente duma expedição organizada na ilha de Belle-Isle, reunindo todos os partidários devotados da sua causa. Chegando aos Açores a 3 de março de 1832, formou um novo ministério, juntou um pequeno exército, cujo comando entregou ao conde de Vila Flor, meteu o a bordo duma esquadra que entregou ao oficial inglês Sartorius, e partiu para Portugal, vindo desembarcar em 8 de julho do mesmo ano nas praias do Mindelo. Seguiu-se o cerco do Porto e uma série de combates, na maior parte, gloriosos para os constitucionais, até que chegou o dia 24 de julho de 1833, em que o duque da Terceira entrou vitorioso em Lisboa, depois de ter ganho, na véspera, a batalha ferida na Cova da Piedade. Porto e Lisboa, as duas cidades principais do reino, estavam no poder dos liberais. Tendo notícia destes acontecimentos, D. Pedro veio para Lisboa, e mandou vir sua filha de Paris. 

A jovem rainha chegou a Lisboa a 22 de setembro acompanhada da imperatriz, sua madrasta, e foi recebida entusiasticamente. Contava pouco mais de catorze anos de idade. Os acontecimentos precipitaram-se, os combates sucederam-se nas proximidades de Lisboa e em outros pontos, até que se assinou a convenção de Évora Monte, que pôs termo à campanha. Por essa convenção concedia-se a D. Miguel, que partia para o estrangeiro, uma pensão de 60.000$000 réis; concessão que irritou por tal forma o povo, que não só com muito trabalho se conseguiu que D. Miguel escapasse das mãos da turba indignada e embarcasse em Sines a bordo do navio inglês Stag mas o próprio D. Pedro foi insultado no teatro de S. Carlos, o que profundamente o magoou, agravando-lhe a doença de que já sofria, e a que sucumbiu a 21 de setembro desse ano. No dia 15 de agosto tinham-se aberto as cortes. No próprio dia em que faleceu D. Pedro formou-se um novo ministério presidido pelo duque de Palmela. Este ministério encontrou oposição violenta na câmara, mas obteve que ela votasse unanimemente duas medidas capitais: a primeira, a proclamação da maioridade da rainha, que logo no dia 30 de setembro começou a governar sem intervenção da regência; a segunda, a suspensão do pagamento da pensão de D. Miguel, que apenas chegou a Itália declarou nula a sua desistência dos direitos à coroa de Portugal, por estar coarcto quando a fez. 

A 1 de dezembro de 1834 o patriarca de Lisboa declarou dissolvido o casamento da rainha que se efectivara por procuração em Viena de Áustria a 29 de outubro de 1826 com seu tio, o infante D. Miguel. Já então se andava tratando de novo casamento, sendo escolhido o príncipe Augusto de Leuchtenberg, irmão da Arquiduquesa primeira mulher de D. Pedro IV. O consórcio realizou-se, por procuração, em Munique a 5 de novembro de 1834, e em pessoa, na sé de Lisboa, a 26 de janeiro de 1835. Dois meses depois, a 28 de março, faleceu este príncipe, e logo se entabularam negociações para novo consorte, que foi o príncipe D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha, cujo casamento se realizou, por procuração, em 1 de janeiro de 1836, e em pessoa na Sé patriarcal a 9 de abril do mesmo ano. Já anteriormente haviam começado as discórdias civis que tanto ensanguentaram o reinado de D. Maria II. O ministério do duque de Palmela, que a oposição chamava ministério dos devoristas, foi substituído por outro presidido pelo marquês de Saldanha. A ida duma divisão expedicionária a Espanha e outras questões de política interna apressaram a queda do ministério, que foi substituído em dezembro de 1835, por outro presidido pelo general José Jorge Loureiro. Este governo, porém, mostrou-se de pouquíssima força, suprimiu o lugar de comandante em chefe do exercito, mas como a rainha havia casado outra vez, em 1836, e se estipulara que D. Fernando gozaria das mesmas honras e considerações que o príncipe Augusto de Leuchtenberg desfrutara, foi preciso nomeá-lo também comandante em chefe do exército, sendo o nomeação feita secretamente. Esta questão e outras de política externa produziram a queda do ministério, sucedendo-lhe outro presidido pelo duque da Terceira. O partido avançado começou então a manifestar-se de um modo claro, nos clubes e ajuntamentos. A política repressiva do ministério não fez senão agravar a situação No meio da agitação geral passou completamente desapercebida uma viagem que D. Fernando fez ao Porto e ás províncias. As eleições gerais deram ao governo uma maioria fictícia, os deputados oposicionistas do Porto foram acolhidos em Lisboa com uma ovação, a 9 de Setembro fraternizaram a guarda nacional e a tropa de linha, e proclamaram a constituição de 1822. A rainha, não tendo força para subjugar a revolução, anuiu a ela, e chamou Manuel da Silva Passos ao ministério, mas no fundo da alma era-lhe profundamente adversa, e por isso esteve logo pronta a fazer o movimento de 3 de Novembro, conhecido pelo nome de Belenzada. (V. este nome). D. Maria II foi para o paço de Belém, onde foram ter os chefes da reacção, o ministério teve da se demitir, e tratou-se de organizar outro, o qual ficou composto do marques de Valença, presidente, barão de Leiria, visconde do Banho, José Xavier Bressane Leite, Francisco de Paula e Oliveira e visconde de Porto Covo da Bandeira. Mas a guarda nacional pegou em armas, ocupando o Campo de Ourique e a Pampulha, cortando as comunicações com Belém. Agostinho José Freire, que recebera ordem da rainha para ir a Belém, e que se supunha favorável à reacção cartista, foi morto com um tiro. A contra revolução falhara decididamente. Ás onze horas da noite de 4 de novembro de 1836 desembarcaram as guarnições dos navios ingleses surtos no Tejo, afim de protegerem a rainha, que podia ser ameaçada pela guarda nacional. Essa meia intervenção irritou os ânimos; já a esse tempo havia, porém, negociações entre comissários de ambos os campos, e a rainha e D. Fernando voltaram para Lisboa, a guarda nacional e as tropas que se haviam reunido em Belém, recolheram aos seus quartéis; a rainha nomeou de novo o ministério de 9 de setembro, e a revolução progressista continuava no poder. A rainha nunca se lhe mostrou simpática. A 10 de maio de 1837 concedeu a Manuel da Silva Passos a demissão que este pedira por ter sido vencido nas cortes constituintes, na discussão dos sub-secretários do Estado, e organizou um ministério fraquíssimo presidido por António Dias de Oliveira. Em Julho desse ano rebentou a revolta chamada dos marechais porque se puseram à frente os duques da Terceira e de Saldanha, revolta que terminou depois dos combates do Chão da Feira, em que os marechais não conseguiram derrotar o conde de Bonfim, e de Ruivães, em que o conde das Antas, general progressista, bateu as tropas cartistas do barão de Leiria. Mas as agitações continuaram. A 9 e a 13 de março de 1838 deram-se em Lisboa os motins do Arsenal, e a 14 de Junho novo tumulto, que foi subjugado pelo visconde de Sá da Bandeira. Entretanto as cortes constituintes acabavam de discutir a constituição de 1838 extremamente democrática, e em 1839 abriram-se as cortes ordinárias, formando-se nesse mesmo ano um ministério meio cartista, porque sendo presidido pelo conde de Bonfim, tinha por principais ministros Rodrigo da Fonseca Magalhães e Costa Cabral. Os tumultos continuaram: a 11 de agosto de 1839 em Lisboa, a 26 de agosto de 1840 nas províncias, em que se deu a revolta de Miguel Augusto. A 9 de junho de 1841 modificou-se o ministério, mas num sentido ainda mais cartista. Finalmente, em 27 de janeiro de 1842, o ministro da justiça Costa Cabral ia ao Porto, e ali proclamava a restauração da Carta, acto político que enfureceu a tal ponto Rodrigo da Fonseca Magalhães, que desde então se tornou o mais rude adversário de Costa Cabral. (V. Magalhães, Rodrigo da Fonseca). A rainha simpatizava extremamente com esse movimento, mas não ousava manifestá-lo, e ainda nomeou um ministério presidido pelo duque de Palmela, e que se podia dizer de resistência à revolução cartista; esse ministério, porém, conhecido pelo ministério do Entrudo só durou dois dias, e a 9 de fevereiro formava-se um ministério pronunciadamente cartista, que a 21 se modificou para nele entrar Costa Cabral. Por esta época nasceram sucessivamente o príncipe D. Pedro, depois D. Pedro V, o infante D. Luís, depois D. Luís I, a infanta D. Maria Ana e o infante D. João. Concentrada no amor de seu marido e de seus filhos, a rainha seria feliz, se não vivesse numa época tão agitada. Mas o povo indignado com as suas tendências para os ministérios que sustentavam com mais energia o princípio da autoridade, acusava-a por se rodear no paço duma camarilha nefasta, sendo principalmente muito antipático um alemão, o dr. Dietz, que D. Fernando chamara para educação de seus filhos. Costa Cabral restaurara a Carta, mas prometera que brevemente se convocariam cortes para a modificarem convenientemente. Essa promessa nunca se cumpriu, e daí resultou em 1844 a revolta conhecida pelo nome de revolta de Almeida, ou de Torres Novas, por ter começado nesta vila, iniciada por António César de Vasconcelos e José Estevão Coelho de Magalhães, e acabado em Almeida, onde se mantiveram durante dois meses contra as tropas cartistas, que afinal tomaram a praça, os regimentos insurgidos comandados pelo conde de Bonfim. O triunfo animou Costa Cabral, a reacção cartista fez-se mais rude, e as eleições de 1845 ficaram célebres pelas violências que se praticaram, que deram o seu resultado inevitável, a revolução. Começou então a revolta do Minho, conhecida por Maria da Fonte, de que adiante se encontra artigo especial. 

Terminada esta revolução, que foi a mais terrível no reinado de D. Maria II, pela convenção de Gramido, assinada em 30 de junho de 1847, a rainha não se atreveu a chamar logo ao poder Costa Cabral, no entretanto, a 29 de junho de 1849, o antigo ministro cartista, já então conde de Tomar, novamente tornou a entrar no ministério, o que muito irritou a opinião publica. O duque de Saldanha foi demitido do cargo de mordomo-mor que exercia no Paço, por ser um dos que murmuravam, o que o fizera lançar-se no caminho da revolta. Sublevou em 1851 os Batalhões de Caçadores n.os 1 e 5, comandados por Joaquim Bento e Cabreira. Achando-se, porém, o exército hesitante, já se refugiara em Espanha, quando José Estevão e outros vultos do partido progressista lhe escreveram, aconselhando-o a que voltasse para Portugal. Ele assim fez, e encontrou no Porto a guarnição sublevada em seu favor. Marchou contra a divisão de Lisboa, comandada por D. Fernando mas apenas chegou a Coimbra, as tropas, na maior parte, passaram para o marechal Saldanha, que então se viu à frente de quase toda a força armada do país. Então a rainha cedeu, demitiu o conde de Tomar, e chamou ao poder um ministério presidido por Saldanha, ministério que tratou logo de convocar cortes constituintes, que votaram o Acto Adicional, em que se introduzia, entre outras reformas, o sistema das eleições directas. Este movimento a que se chamou Regeneração, conseguiu acalmar a desordem em que o país se envolvera, principiando então uma época de fomento e progresso. As forças produtoras da nação estavam debilitadíssimas. Foi nesse período de reorganização que Fontes Pereira de Mello, sendo chamado ao poder, principiou a revelar as altas qualidades de estadista, em que se tornou tão afamado. No reinado de D. Maria II construiu-se o teatro de D. Maria no local do antigo palácio da Inquisição foi aberto ao publico o Jardim da Estrela; inauguraram-se novas escolas de ensino primário, secundário e superior; houve reformas importantes na Universidade de Coimbra e na Academia Real das Ciências; criaram-se as escolas Politécnica e Médico Cirúrgicas de Lisboa e do Porto; o Conservatório das artes e ofícios; escolas industriais, escolas e institutos agrícolas, e liceus nos diversos distritos do reino. Tendo muito a peito o melhoramento e construção de boas estradas, empregou tudo quanto estava ao seu alcance e as circunstâncias do tesouro o permitiam; teve a satisfação de dar princípio ao primeiro caminho-de-ferro de Portugal: o de Lisboa a Badajoz, passando por Santarém. No seu reinado floresceram homens eminentes na literatura como Alexandre Herculano, Garrett, Castilho, Mendes Leal, João de Lemos, etc. 

D. Maria II teve onze filhos: D. Pedro V; D. Luís I, D. Maria, falecida pouco depois do nascimento, D. João, D. Maria Ana, D. Antónia, D. Fernando, D. Augusto, D. Leopoldo e D. Maria, que faleceram pouco depois de nascerem, e D. Eugénio, que viveu apenas alguns instantes, e de cujo parto sua mãe faleceu. No meio de todas as agitações políticas. D. Maria II dedicara-se sempre à primorosa educação que deu a seus filhos. Como rainha levantou contra si muitos ódios, mas como senhora inspirava simpatia e veneração aos seus mais violentos adversários políticos. No maior ardor de luta, Rodrigues Sampaio, escrevendo o Espectro, que atacava directamente a rainha, dizia o seguinte no número de 26 de fevereiro de 1817: «Não há rainha mais virtuosa do que a nossa como esposa e como mãe de família. A sua casa pode servir de exemplo a todas as da Europa. Apraz-nos fazer esta justiça. Assim pudéssemos achar que louvar, no funcionário como achamos no indivíduo.» No seu funeral deu-se um incidente interessante, que produziu uma impressão profunda nos que o observaram. Uma pomba poisou no coche que transportava o real cadáver, e por muito tempo ali se conservou. Este acaso inspirou a João de Lemos, o grande poeta legitimista, uma formosa poesia intitulada o Funeral e a pomba, em que prestava homenagem à rainha constitucional, ele o defensor do príncipe proscrito!

 

 

 

Biografia e ficha genealógica de D. Maria II, rainha de Portugal
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Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume IV, pág
s.
819-823.

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