Portugal - Dicionário

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José Relvas
José Relvas

Relvas (José).

 

n.      5 de março de 1858.
f.       [ 31 de Outubro de 1929 ].

 

Ministro das Finanças no governo provisório da República, ministro português em Madrid, rico proprietário e agricultor, etc. 

Nasceu na Golegã a 5 de março de 1858, sendo filho de Carlos Relvas, e de sua mulher, D. Margarida Amália de Azevedo Relvas (V. o artigo antecedente).

Matriculou-se na Universidade de Coimbra na Faculdade de Direito, que só frequentou até ao segundo ano, abandonando-o então para seguir o Curso Superior de Letras, o qual concluiu em 1880, escrevendo nesse ano a sua tese, intitulada O Direito feudal, que apresentou na prova final do curso. Além deste trabalho, escreveu: Conferência sobre questões económicas, feita no Centro Comercial do Porto em 1910, publicada e impressa na tipografia Bayard. Em diversos jornais tem publicado muitos artigos, especialmente sobre questões de arte, e económicas. Dedicando-se muito às ideias democráticas, foi um dos que mais serviços prestou para a implantação da República em Portugal, fazendo intensa propaganda dos seus ideais, tanto no país, como no estrangeiro, onde acompanhou o sr. Magalhães Lima.

Tendo estudado a fundo as questões económicas e financeiras, foi chamado a gerir a pasta das finanças no governo provisório, poucos dias depois dele se ter organizado em seguida à proclamação da República, no dia 5 de outubro de 1910. O sr. José Relvas já fizera parte do directório do Partido Republicano Como ministro, dedicou-se com todo o critério e elevada competência na gerência da sua pasta, tomando em consideração muitas reclamações, que ele procurou atender, providenciando sobre as que considerava serem justas, procurando tomar medidas e reformas que pudessem, quanto possível, satisfazer os reclamantes afirmando assim mais uma vez, e praticamente, o seu espírito democrático e consciencioso. Quando se tratou da nomeação do presidente da Republica, foi o seu nome indigitado por mais duma vez como candidato a esse elevado cargo. Nas primeiras cortes constituintes que se organizaram depois da eleição do presidente, o sr. Manuel de Arriaga, foi o Sr. José Relvas eleito deputado pelo círculo de Viseu. Por decreto de 14 de outubro de 1911 foi nomeado ministro português em Madrid, indo substituir o sr. dr. Augusto de Vasconcelos, que deixara de exercer aquelas funções, por ter sido nomeado ministro dos estrangeiros no ministério presidido pelo Sr. João Chagas, o primeiro organizado depois da demissão do governo provisório. No dia 18 desse mês seguiu para Madrid a tomar posse do seu novo cargo. 

O sr. José Relvas herdou de seu pai qualidades artísticas de alto valor, embora sob manifestações diversas. Do livro As Constituintes de 1911 e os seus deputados, recentemente publicado, transcrevemos, de páginas 109 a 111, a descrição da casa e da vida íntima do ilustre diplomata, feita pelo apreciado escritor Sr. João Chagas: 

«Ao meio da estrada de Alpiarça que se desliga da linda estrada de Almeirim para atravessar entre searas e vinhas os catorze quilómetros que separam aquela vila da capital do Ribatejo, vê-se com surpresa surgir num distante socalco uma vasta e complexa construção que diríamos ser o quê? Uma chartreuse? Talvez. Entre as ramarias desinquietas dos choupais e à medida que nos vamos acercando da vila a construção vai cada vez mais tomando o vulto e o aspecto monástico com as suas frontarias reluzentes de cal, a confusão dos seus telhados, as suas chaminés espalhadas por toda a parte, as gelosias verdes das suas janelas românicas e as galerias do seu claustro exterior aberto sobre os campos; e quem não souber onde está, irresistivelmente será levado a perguntar se ali reside uma comunidade e o que fará – se filosofia, se licores? Para atingir esta casa de um tão enigmático aspecto é preciso atravessar a vila de Alpiarça e seguir ao longo da grande rua que a corta ao meio e cujo prolongamento é a estrada que conduz a Almeirim. Ao sair de Alpiarça começa um velho muro por traz do qual marulham as altas folhagens de um arvoredo palreiro. Eis aqui o portão, um portão de quinta, ou de granja, envelhecido, enferrujado, emperrado, a um caminho largo e arejado com um sulco macio de rodas de carruagem, que convida tanto mais atraentemente a entrar, quanto do portão não se vê a casa, e avançando alguns passos entre adegas e lagares, eis que a casa nos aparece, de uma brancura radiante e de um pitoresco tão original e tão vivo que estacamos a contemplá-la como a uma obra de arte. Oleitor não conhece pessoalmente o dono da casa? Eu vou apresentá-lo: Em primeiro lugar já o leitor por certo verificou que está no domínio de um lavrador, e o dono da casa com efeito, o é. Somente é também um homem de grande cultura, de grande gosto, o que explica que, ao lado das suas adegas e lagares, no meio das suas vinhas, dos seus olivedos, e dos seus sobreiros, ele construísse para viver, esta casa que surpreende, que intriga, que encanta e que na vida de um homem como ele, é verdadeiramente uma obra. Depois verifiquei que esta casa é muito singular, pois tem um grande porte e nenhuma ostentação. Não se lhe pode dar o nome de chateau ou de manoir, ou mesmo de casa de campo. Dir-se-ia uma velha residência de família, transmitida por herança de pais a filhos. No entanto não tem seis anos de construída; e não lhe dá este primeiro aspecto a conhecer não já o gosto mas o fundo nobre do carácter do homem que a construiu, e que assim pretendeu adoptar a sua noção da família ao domicílio que melhor lhe convém e que ainda é aquele que noutros tempos a abrigou e perpetuou? A casa dos Patudos, pois esse é o seu nome, nasceu ontem e tem séculos. De nobreza? Não. De solidariedade de família, de virtudes domésticas, de agasalho de hospitalidade. Por efeito do seu temperamento, da sua educação, o dono desta casa é um destino inteiramente votado ao amor a ao culto da arte a ao qual todos os outros, mesmo o que o prende à lavoura, mesmo o que o lançou na política, são destinos acessórios. Assim, a sua casa, abriga com a sua família, o maior número de obras de arte que ainda enriqueceu o domicílio dum homem sem ostentação, e nele se presta à arte um culto tão fervoroso, que se diria não se viver ali para outra coisa. As suas salas são galerias de pintura e escultura, onde é licito passear com um catálogo nas mãos, como nas salas dos museus. Tropeça-se em objectos de arte. Aqui é um móvel, acolá uma talha, além uma faiança, mais além um medalheiro. Numa vitrina está a mais bela obra de olaria portuguesa. Noutra é fácil admirar ao lado de um autêntico Galrão, um Stradivarius autêntico, o que caracteriza a serenidade desta paixão, a que tantos se entregam por puro luxo é que ela se foi instalar longe do ruído da vida mundana e da publicidade e se sacia solitariamente. Nessa casa amam-se todas as artes mas só uma se cultiva – a música. Se ao leitor sucedesse passar já noite velha, pela beira da estrada de Almeirim não seria de estranhar que ouvisse por entre o concerto do coaxar das rãs, as harmonias vindas lá de dentro, duma sonata de Beethoven, ou de Mozart. É no que ali se passam as noites.»

 

 

 

 

José Relvas, o homem da 'revolução'
Diário de Notícias

 

 

 

 

 


Portugal - Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico,
Volume VI, págs. 179-180.

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