Juramento de D. Manuel II

 

 

De 910 a 1910

 

Da génese da Monarquia Portuguesa ao início da República

 


 

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“Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços

E chama-me teu filho. Eu sou um rei

que voluntariamente abandonei

o meu trono de sonhos e cansaços.

Minha espada, pesada a braços lassos,

em mão viris e calmas entreguei;

e meu ceptro e coroa – eu os deixei

na antecâmara, feitos em pedaços.

Minha cota de malha, tão inútil

minhas esporas de um tinir tão fútil

deixei-as pela fria escadaria.

Despi a realeza, corpo e alma,

e regressei à noite antiga e calma

como a paisagem ao morrer do dia”. 

Fernando Pessoa

 

6.

Reunido o Conselho de Estado, nomeou-se um governo de concentração partidária, com excepção dos seguidores do anterior ditador João Franco. Na política interna, teve de enfrentar dois problemas, que puseram em descrédito a política governamental: a questão Hilton, provocada pelo súbdito inglês, residente na Madeira, que reclamava uma indemnização do Estado Português, em virtude de uma pretensa revogação do monopólio do açúcar e do álcool da ilha da Madeira, e também a do Crédito Predial, provocada pelo desfalque naquela instituição.  

D. Manuel II procurou ir ao encontro das reivindicações dos trabalhadores, chamando o famoso sociólogo francês, Léon Poinsard, para estudar as hipóteses de uma reforma que tivesse em conta a relação condições económicas / condições sociais do Reino1.

Duplicou o número de deputados Republicanos por Lisboa, no ano de 1910. Com efeito nas eleições municipais de Lisboa de 1908, os Republicanos elegeram uma câmara municipal de 100% dos seus, e, nas eleições de 1910, os Republicanos ganharam em Lisboa e em vários círculos. D. Manuel II constituiu, desta feita, um governo caracterizado pela transigência e brandura para os Republicanos.  

No sector da política externa, procurou estabelecer boas relações com a Espanha e a Inglaterra. No dia 3 de Outubro de 1910, estalou uma revolta republicana em Lisboa que triunfou em 5 de Outubro, e D. Manuel decide-se por Plymouth. No exílio, manteve-se interessado pela política de Portugal, advogando a entrada do nosso País ao lado dos aliados na primeira guerra mundial. Por volta de 1914, os Monárquicos, aproveitando o governo mais tolerante de Bernardino Machado, formaram a “Causa Monárquica”, que aspirava a restabelecer o regime deposto. Gozava de toda a confiança e apoio do rei D. Manuel II, que nomeou um lugar-tenente.

Durante seu reinado, visitou várias localidades do Norte do País e oficialmente a Espanha, a França e a Inglaterra, onde foi nomeado cavaleiro da prestigiada Ordem da Jarreteira, em Novembro de 1909. Recebeu as visitas de Afonso XIII, Rei de Espanha, em 1909 e de Hermes da Fonseca, Presidente eleito do Brasil, em 1910.

 

D. Manuel II

D. Manuel II

Procurou sempre seguir uma política de aproximação à Grã-Bretanha. Este imperativo era ditado não só por uma orientação geopolítica já levada a cabo pelo seu pai, mas também como um recurso para fortalecer o Trono. Considerava-se que o casamento do rei com uma princesa inglesa colocaria definitivamente a casa de Bragança sob a protecção da Inglaterra. No entanto, a instabilidade do País, o recente regicídio e a lentidão das investigações sobre este atrasaram as negociações até que a morte do rei britânico, Eduardo VII, lhes pôs fim. O velho monarca, amigo pessoal de D. Carlos, havia sido o grande protector da Casa de Bragança e, sem ele, o governo liberal britânico não teria assumido interesse pela manutenção da Monarquia em Portugal.

Entretanto, a situação política degradou-se, tendo-se sucedido sete governos em cerca de 24 meses. Os partidos monárquicos voltaram às costumeiras questiúnculas e divisões, fragmentando-se, enquanto o partido republicano continuava a ganhar terreno. As eleições legislativas de 28 de Agosto de 1910 fizeram aumentar o número de deputados republicanos no Parlamento para 14 deputados, o que parece ter favorecido bastante a causa revolucionária, embora já tivesse sido tomada a decisão de tomar o poder pela via da Revolução, no Congresso de Setúbal, 24 a 25 de Abril de 19092.

 

Na verdade, a 4 de Outubro de 1910, começou uma revolução e, no dia seguinte, a 5 de Outubro, deu-se a Proclamação da República em Lisboa, o que parece ter sucedido no dia anterior em Loures. O Palácio das Necessidades, residência oficial do Rei, foi bombardeado, pelo que o monarca terá sido aconselhado a dirigir-se ao Palácio Nacional de Mafra, onde sua mãe, a Rainha, e a avó, a Rainha-mãe D. Maria Pia de Sabóia viriam juntar-se a ele. No dia seguinte, consumada a vitória republicana, D. Manuel II decidiu-se a embarcar na Ericeira no iate real “Amélia” com destino ao Porto.

 

Os oficiais a bordo terão demovido D. Manuel II dessa intenção, ou raptaram-no simplesmente, levando-o para Gibraltar3. A Família Real desembarcou em Gibraltar, recebendo-os logo a notícia de que o Porto aderira à República. O golpe de Estado estava terminado. Seguiram, então, dali, para o Reino Unido, onde foram recebidos pelo rei Jorge V.

 

D. Manuel fixou residência em Fulwell Park , Twickenham, nos arredores de Londres, local para onde seguiram os seus bens particulares, e onde já sua mãe havia nascido, também no exílio. Ali procurou recriar um ambiente português, à medida que fracassavam as tentativas de restauração monárquica, operadas em 1911, 1912 e 1919. Manteve-se sempre activo na comunidade, frequentando a igreja católica de Saint James, e sendo o padrinho de baptismo de várias dezenas de crianças. A sua passagem no lugar ainda se vê hoje em topónimos como “Manuel Road”, “Lisbon Avenue” e “Portugal Gardens”.

 

Continuou a seguir de perto a política portuguesa, gozando de alguma influência junto de alguns círculos políticos, nomeadamente das organizações monárquicas. Embora a sua constante preocupação de que a anarquia da Primeira República provocasse uma eventual intervenção espanhola e o seu perigo para a independência nacional tenha sido considerado exagerado por certos autores, não pode duvidar-se que a preocupação não fosse genuína.

 

Pelo menos um caso é conhecido em que a intervenção directa do rei teve efeito. Depois do afastamento de Gomes da Costa pelo general Fragoso Carmona, foi nomeado novo embaixador de Portugal em Londres, substituindo o anteriormente designado. Dada a aparente instabilidade e rápida sucessão de embaixadores designados, o governo britânico recusou-se a reconhecer as credenciais do novo enviado. Ora acontece que, na altura, estava a ser negociada a liquidação da dívida de Portugal à Inglaterra, pelo que o assunto se revestia de grande importância. Nesta conjuntura, o ministro dos negócios estrangeiros da República pediu a D. Manuel que exercesse a sua influência para desbloquear a situação. O rei ficou encantado com esta oportunidade para ajudar o seu País e levou a cabo vários contactos (incluindo provavelmente o seu amigo, o rei Jorge V), tendo obtido de pronto os efeitos desejados.

 

Apesar de deposto e exilado, D. Manuel teve sempre um elevado grau de patriotismo, o que o levou, em 1915, a declarar, no seu testamento, a intenção de legar os seus bens pessoais ao Estado Português, para a fundação de um Museu, manifestando também a sua vontade de ser sepultado em Portugal. Com efeito, o Governo Português, chefiado por Salazar, autorizou a sua sepultura em Lisboa, organizando funerais de Estado. Os seus restos mortais chegaram a Portugal, em 2 de Agosto de 1932, sendo sepultados no Panteão dos Bragança, no Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.  



Notas

 

1. Léon Poinsard, Portugal ignorado. Estudo social, economico e politico, seguido de um appendice relativo aos últimos acontecimentos, Porto, Magalhães e Moniz, 1912; Pequeno Dicionário de História de Portugal, dirig. por Joel Serrão, Lisboa, Iniciativas Editoriais, 1976; Joaquim Veríssimo Serrão, História de Portugal, Vol. X, Lisboa, Verbo, 1986 e bibliografia aduzida; Manuel Amaral, Portal da História, 2000-2010.

2. Maria Cândida Proença, D. Manuel II – Colecção "Reis de Portugal", Lisboa, Círculo de Leitores, 2006, p. 100

3. Fernando Honrado, Da Ericeira a Gibraltar vai um Rei, Lisboa, Acontecimento, 1993, pp. 91 – 93  

 

 

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