António José de Almeida, 1911

António José de Almeida

DISCURSO DE ANTÓNIO JOSÉ DE ALMEIDA, NO CONGRESSO 

Discurso de António José de Almeida proferido em 23 de Novembro de 1914, no Palácio de São Bento, sobre a participação portuguesa na Primeira Guerra Mundial.

 

O discurso foi proferido na sessão extraordinária de 23 de Novembro de 1914, convocada pelo governo de Bernardim Machado, para autorizar o governo português «a intervir militarmente na actual luta armada internacional, quando e como julgue necessário aos nossos altos interesses e deveres de nação livre e aliada da Inglaterra, tomando para esse fim as providências extraordinárias que as circunstâncias de momento reclamem.» 

Este pedido de autorização vinha no seguimento da sessão parlamentar de 7 de Agosto de 1914, em que tinha sido aprovada, também numa sessão conjunta das duas câmaras do Congresso, a declaração do governo em relação à guerra, e em que se afirmava que, em relação à Inglaterra, não nos esqueceríamos dos «deveres de aliança que livremente contraímos e a que em circunstância alguma faltaríamos.»

António José de Almeida, dirigente do partido Evolucionista, e Afonso Costa, do partido Democrático, estavam de acordo na entrada de Portugal na Guerra, mas os Unionistas de Brito Camacho, o terceiro partido republicano, opunham-se. 

O problema da República, a partir deste momento, é que nunca tendo havido um verdadeiro consenso nacional sobre a entrada de Portugal na Guerra, a maneira de o conseguir, será ,como sempre no regime republicano, encontrada fora do Congresso, e após revoluções, golpes de estado, assassínios e arremesso de bombas, até que em 1916 após a violentíssima revolução de Maio de 1915, tudo ficará a postos, sem oposição, para levar Portugal para a guerra. O que acontecerá em Março de 1916.

 

VAMOS PARA A GUERRA «PORQUE A INGLATERRA O DESEJA» E «PORQUE DISSO CARECE»

Se houvesse de resumir numa só palavra a atitude do Partido Evolucionista perante a proposta do Governo, essa palavra seria esta: voto. Se noutra palavra quisesse sintetizar o parecer do Partido Evolucionista em face das considerações que o Sr. presidente do Ministério acompanha essa proposta, essa palavra seria esta: confirmo.

Não há que discutir o que as circunstâncias impõem. A Inglaterra carece do nosso auxílio e reclama-o. Só há para nós uma solução: dar-lho. E a atitude do Partido Evolucionista, emitida na sessão de 7 de Agosto, tem sido adoptada com tamanha coerência e ela é tão harmónica com a sequência fatal dos acontecimentos, que nós, evolucionistas, orgulhosos da nossa conduta, só temos uma coisa a fazer: confirmá-la. Aqui o disse falando; numa intensa campanha jornalística o disse escrevendo: o que nos convinha, a nós, Portugueses, aquilo que mais devíamos desejar, era a abstenção de uma guerra, a situação tranquila de quem não entrasse na sinistra fornalha que a ambição dos homens acendeu. Entendemos sempre que, caso a Inglaterra não carecesse do nosso auxílio, nos devíamos dispensar de colaborar com ela nos feitos da guerra. Mas entendemos também, e desde a primeira hora, que, caso a Inglaterra precisasse de nós, expeditamente, sem relutância e sem desgosto, devíamos ir ocupar a seu lado o lugar de combatentes efectivos. Lancei até na imprensa uma fórmula que parece não ter sido infeliz, visto que ela fez o circuito de uma grande parte da imprensa provinciana. Essa fórmula traduzia-se nestas palavras: Vamos até onde for preciso, mas sendo preciso! Chegámos agora ao desfecho lógico dos acontecimentos e vamos para a guerra visto que é preciso ir para ela.

Sem dúvida que noutras circunstâncias eu não seria tão avaro do sacrifício dos nossos compatriotas.

Se não fôssemos uni país desmantelado, com as arcas do tesouro vazias, e, o que é pior, cobertos de dívidas, com a nossa indústria atrofiada e a nossa agricultura numa situação difícil; se não fôssemos um pais com exército diminuto e apenas sofrivelmente armado e equipado; se, numa palavra, não fôssemos uma pátria cheia de condições de vida que começa agora a ensaiar a sua regeneração económica, mas depauperado e exausto por uns poucos de anos de deboche constitucional; e, se, antes pelo contrário, fôssemos um país florescente e próspero como a República é capaz de o fazer nalguns anos, eu teria sido pelo alvitre de logo mandarmos, mesmo sem ele ser pedido, um contingente do nosso exército, para, ao lado do estandarte de Inglaterra, levantar a bandeira portuguesa.

Razões de sentimento político me determinaram a seguir esse caminho.

Esta guerra é a contenda sangrenta e à outrance do despotismo e do direito, da barbárie e da Justiça. Desencadeada por um criminoso vulgar a quem o destino pôs na cabeça uma coroa de imperador, ela tem sido conjuntamente uma guerra de traição, de espionagem, de cobardia e de crueldade. Atraiçoaram-se os tratados, que a chancela alemã rubricava, galgando por cima da pacífica Bélgica; espionou-se dolorosamente em todos os recantos do mundo a boa-fé dos povos livres para os assaltar no momento em que eles estavam dormindo, convencidos da lealdade alheia; cobardemente se agrediram povos fadados para os mais amplos destinos, praticando nas suas gentes atentados sangrentos que repugnam à consciência dos homens; cruelmente se maltratam criaturas indefesas protegidas pelos mais altos princípios da civilização do nosso tempo e de maneira tão bárbara e selvagem que os próprios fabios militarizados da Alemanha não tiveram pejo em sancionar implicitamente essas infâmias cobardes, dizendo-se possuidores, contra certos povos, de um ódio elementar.

Isto me bastaria para aconselhar desde logo a nossa intervenção espontânea. Não seria preciso que o alemão fosse à última hora buscar o turco germanizado, vendo-se assim de braço dado, como ainda há dias disse Lloyd George, o devastador da Bélgica e o massacrador da Arménia.

Mas as coisas são o que são. E não era a um país empobrecido que se havia de ir irreflectidamente pedir um concurso, que pelo facto de ser em prol do direito e da justiça, nem por isso deixava de ser doloroso e cruel.

Mas uma vez que a Inglaterra pede o nosso auxílio, só nos cumpre correr a dar-lho, espontaneamente e de boa vontade, porque a lealdade para com essa grande aliada, além de ser timbre do nosso ânimo, é segurança dos nossos interesses.

Conheço um grande número de notas diplomáticas troca-los entre os gabinetes de Lisboa e de Londres. E as que porventura não conheça não são suficientes, segundo creio, para invalidarem o significado daquelas. Pois, à face da minha consciência de cidadão e republicano, devo dizer que o Governo tem procedido bem. Li com atenção esses documentos. Li-os cuidadosamente, perscrutando-lhes as determinantes e procurando adivinhar nas próprias entrelinhas o sentimento que as ditara. Pois à face delas sou levado a concluir que o Governo andou como devia, e selou, neste transe difícil, o brio do país, salvaguardando, igualmente, na medida do possível, os interesses nacionais. Sou insuspeito, dizendo estas palavras. Nas relações exteriores, o Governo conduziu-se com acerto. Sirva-lhe isso de atenuante aos funestos erros da sua administração interna, aos pesados delitos da sua política de facção. Se, algum dia, a publicação na íntegra de todos os documentos me determinar convicção contrária, não terei dúvida em o reconhecer, mas não o suponho provável.

Situação semelhante a esta conheço outra na história de Portugal. É aquela que se produziu por ocasião da Guerra os Sete Anos. Aí valeu-nos o génio de Pombal, que, para manter uma neutralidade que ele julgou imprescindível, teve de se lançar numa guerra, em que a Inglaterra nos acompanhou como aliada. Esse facto da nossa vida nacional não deixou de influenciar profundamente a marcha dos acontecimentos, que, depois das campanhas peninsulares, desfecharam no Congresso de Viena, onde não fomos de todo infelizes, embora não auferíssemos todas as indemnizações que legitimamente nos deviam caber. Essa felicidade devemo-la à lealdade do nosso porte, ao sacrifício do nosso sangue e à cooperação que demos à Inglaterra no empreendimento gigantesco de abater a supremacia napoleónica.

Vamos para a guerra? Sim, porque a Inglaterra o deseja, e se o deseja é porque disso carece. Vamos para ela de coração alvoroçado, mas intrépido, de ânimo entusiástico e cheio de confiança. Vamos e ninguém tenha dúvidas sobre a valentia e o brio dos nossos soldados, que, portadores da glória ancestral da sua pátria, saberão ser filhos desta e herdeiros daquela.

O imperador da Alemanha, há anos, quando ainda não se tinha manifestado o malfeitor repugnante de agora, disse que admirava o nosso exército, e, em prova disso, colocou peito de um soldado português as insígnias de uma condecoração guerreira. Então admirava-o. Não tardará muito que o tema também. Quanto à Inglaterra, essa conhece-o muito bem de uns poucos de séculos de camaradagem guerreira e sobretudo dessa intensa série de campanhas que teve a sua expressão culminante na batalha do Buçaco, e a Inglaterra, que o conhece, vai certificar-se agora de que ele é digno, a todos os títulos, de desdobrar a sua bandeira de guerra, ao lado do soberbo estandarte inglês. E então poderá reconhecer essa grande e formidável Inglaterra, país progressivo e fecundo, que está encontrando a sua definitiva fórmula política, passando do campo das realizações para o estado perfeito da consciência colectiva, que se nós, Portugueses, lhe temos merecido estima e consideração, para o futuro ela. nos deve consagrar amor e respeito.

 


Fonte:
António José de Almeida,
Quarenta Anos de Vida Literária e Política, vol. III,
Lisboa, J. Rodrigues e Companhia, 1934,
págs. 177-182

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