A GUERRA EM MOÇAMBIQUE.

 

5. Última fase da campanha

 

Metralhadoras
Bateria de metralhadoras a
caminho do Rovuma

 

Os alemães invadem a Rodésia

0s planos do comandante Von Lettow foram sempre derivados das circunstâncias, mas confiando na sorte da guerra. E assim, ele diz que se demorou em Nhamacurra para poder fazer uma demonstração na direcção de Moçambique, onde havia grandes depósitos dos Aliados. Em Agosto, o plano geral de Von Lettow era marchar para Oeste, em direcção a Blantyre no Niassaland, mas os obstáculos de rios e pântanos ao Sul do Lago Niassa fizeram-no preferir retirar para a antiga colónia alemã e perturbar os ingleses, que suporiam que ele se dirigia sobre Tabora 1.

Assim os alemães marcham primeiro paralelamente ao litoral até chegarem à altura de Angoche; voltando depois para Oeste, marcham continuamente, desde 5 a 22 de Julho, data em que alcançam o depósito de Namirrue, do qual se apoderam, aprisionando o tenente-coronel Dickinson e sete oficiais, capturando muitos soldados indígenas ingleses 2 e dispersando as suas tropas, bombardeadas por um lança-minas, que tinham tomado em Nhamacurra.

Esboço do avanço alemão a caminho da Rodésia

No mês de Agosto 3 continuam os alemães os seus movimentos com várias surpresas e recontros, onde colhem alguns reabastecimentos; e no mês de Setembro, seguindo francamente a direcção Norte, atravessam o Rovuma, na confluência do Luchulingo, em 28, contando ainda efectivos de 1 76 europeus, 1.487 soldados indígenas, com uma pequena peça, 40 metralhadoras e 3.000 carregadores indígenas.

Agora o cerco planeado pelos ingleses tem de se transferir para o Norte do Rovuma.

Pelo Lago Niassa os ingleses transportam as tropas de Oeste, sob o comando do general Hawthorn, enquanto que por Leste as forças do general Edwards desembarcam em Dar-es-Salam e seguem pelo caminho-de-ferro para Tabora. A 4 de Outubro estabeleceu-se o contacto. A 18, os alemães abandonam por doente, com uma ambulância de feridos e doentes, o velho general Wahle. As etapas alemãs eram de 3o a 35 quilómetros e assim entraram na Rodésia atacando File em 2 de Novembro, pilhando os depósitos ingleses e apossando-se de 4 00 bois.

Recentemente, uma carta do general Smuts encarava a hipótese de Von Lettow se dirigir a Angola e o comandante alemão julgava possível esse empreendimento 4.

O armistício

Cais de Mocimboa

1918 - Cais de Mocimboa da Praia

Em 11 de Novembro de 1918 as forças de polícia da Rodésia eram apressadamente mobilizadas e os belgas organizavam, por seu lado, uma coluna de perseguição contra os alemães, mas estes, infatigáveis, marchavam pela linha de comunicações inglesa, numa situação bizarra e imprevista 5, servindo-se da própria linha telegráfica britânica.

Em 12, quando o comandante von Lettow marchava em bicicleta, foi-lhe transmitida a primeira notícia do armistício por um motociclista vindo das forças inglesas com bandeira branca. A confirmação foi-lhe entregue depois, à meia-noite, dizendo o telegrama do ministro da guerra inglês que a cláusula 17.º do armistício, pedido pelo Governo alemão, previa a rendição, sem condições, de todas as forças alemãs que operavam na África Oriental.

Nas condições impostas pelo Comandante em chefe cios Aliados, general Van Deventer, era permitido aos europeus alemães conservarem, de momento, as suas armas pessoais, considerando o valor com que tinham combatido 6.

Em 13, caso curioso, ao comunicar com as tropas Inglesas que o perseguiam, ainda o comandante alemão lhes teve de ceder algumas cabeças de gado apreendidas, com o fim de os ingleses se poderem alimentar 7. Em 14 de Novembro, os alemães ficaram subordinados ao comissário civil inglês em Kasama, H. C. Croad, e a cerimónia da rendição das forças alemãs realizou-se em Abercorn, ao sul do Lago Tanganica, em 25 de Novembro, perante o general Edwards, lendo a declaração o comandante von Lettow.

As forças alemãs compreendiam:

O comandante, o governador da colónia e uni oficial superior; 20 oficiais, 5 médicos civis e 1 militar, 1 veterinário, 1 farmacêutico e 1 oficial de telegrafia de campanha; 125 europeus de várias graduações; 1.156 soldados indígenas; 1.598 carregadores.

A pequena força alemã que, diz o seu comandante 8, nunca contara maior efectivo que 300 europeus e 11.000 soldados indígenas, dera que fazer a uma força inimiga que mobilizara 137 generais e cerca de 300.000 homens, segundo os oficiais ingleses lhe disseram. Poderá nestes números haver exagero, mas dão uma ideia relativa das forças em presença.

Capitão Neutel

1917 - O capitão Neutel
comandante dos auxiliares

As forças portuguesas vindas sucessivamente da Metrópole atingiram 18.613 praças, enquadradas por 825 oficiais.

As 30 companhias indígenas e as 6 baterias indígenas de metralhadoras mobilizaram 303 oficiais, 682 graduados europeus e 10.278 soldados indígenas, havendo mais a contar duas baterias de montanha e uma companhia montada da Guarda Republicana de Lourenço Marques. As forças de marinha mobilizaram um batalhão de duas companhias. Mobilizaram-se também 8.000 auxiliares indígenas das capitanias mores de Moçambique 9.

Assim as nossas forças mobilizadas atingiram nesta colónia um total de 39.201 homens.

Os carregadores portugueses fornecidos ás tropas inglesas elevaram-se a 30.000 10 e os empregados pelas nossas tropas atingiram 60.000; as perdas totais na nossa população indígena de Moçambique deviam ter-se aproximado de 100.000 almas 11.

Foram os nossos batalhões de infantaria 21 e 31, das guarnições de Penamacor, Covilhã e Porto, as unidades que maior desfalque sofreram por doenças. Da expedição que ocupou Quionga e à qual pertencia infantaria 21, regressaram em 1916, somente 300 praças das 1.500 que tinham embarcado, no mesmo vapor Moçambique, um ano antes 12.

As nossas baixas são representadas pelos seguintes números 13  

Mortos:
Oficiais por ferimentos em combate 16
por desastre 2
por doença 7
europeias por ferimentos em combate 38
por desastre 6
Praças por doença 1.938
indígenas por ferimentos em combate 88
por doença 209
Auxiliares por ferimentos em combate 1
por doença 19
Carregadores 2.487

Sub-total

4.811
Feridos:
Oficiais 11
Praças europeias 49
indígenas 241

Sub-total

301
Incapazes do serviço:
Praças Europeias 35
indígenas 1.248

Sub-total

1.283

Total

6.395

O Armistício encontrou as nossas tropas fatigadas e inertes, mas com dez milhões de, cartuchos nos depósitos, mostrando bem que se pode comprar material, mas não se compram nem se improvisam a robustez e instrução militar, que exigem principalmente metódica preparação.

A campanha dos portugueses em Moçambique fora entretanto uma parcela apreciável no esforço dos Aliados para a conquista da África Oriental Alemã, embora circunstâncias desfavoráveis tivessem diminuído o brilho das primeiras operações levada a efeito em território alemão por tropas improvisadas, e tivessem prejudicado a eficiência das tropas indígenas, precipitadamente recrutadas e instruídas, com graduados, em grande número, sem experiência colonial.

Do outro lado há muito que aprender, aplicável em campanhas coloniais, porque o valor militar dos adversários foi comprovado por uma tenacidade, a que só se pode encontrar termo de comparação na clássica retirada dos dez mil gregos através do império persa, quatro séculos antes de Cristo. Foi essa defesa da colónia alemã um manancial de ensinamentos na arte da guerra, mostrando quanto se poderá conseguir de boas tropas indígenas. Todavia, como síntese devemos notar que, quando após a guerra, o comandante alemão Von Lettow publicou as suas memórias, nelas se limitava a salientar que o notável esforço das suas tropas fora devido aos sentimentos de mútua e firme cooperação, sem os quais a vitória não é possível.

O Armistício encontrou as tropas alemãs numa situação curiosa, apossando-se dos abastecimentos duma linha de comunicações inglesa e assim colhendo o fruto da grande capacidade militar do seu comandante e da perfeita preparação dos graduados que enquadravam os seus soldados indígenas, sendo hoje opinião formada que essas tropas marchavam sobre Angola, confirmando a afirmação de António Enes, na «Guerra de África de 1895», que em África ou se fazem milagres ou não se faz nada.

Material de aviação

Mocimboa da Praia. Transporte de material de aviação

 

Portugal queria conservar as suas colónias, e para esse fim nós portugueses participámos na guerra e improvisámos precipitadamente tudo que estava ao nosso alcance. Mas em Moçambique debatíamo-nos, sobretudo, num clima difícil e na falta de preparação militar para uma campanha tão tenaz. Para as nossas forças, as operações decorridas em três anos de guerra e os sacrifícios impostos pelo clima, deverão contudo merecer o respeito das gerações nacionais vindouras. Bastantes figuras da nossa campanha de Moçambique serão dignas de estudos biográficos e bastantes episódios serão dignos de monografias, cone o fim de mais concretamente se apontarem as faltas a remediar no futuro.

 

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Notas:

1. General von Lettow, Memórias, Tradução. págs. 326, 338 e 348.

2. José Torres, «A Campanha da África Oriental, 1919», Revista Militar, 1924, pág. 631.

3. Foi a 4 de Agosto que se suicidou o tenente Humberto de Ataíde, comandante dum posto em Moçambique. Oficial de brio, ferido cinco vezes em Angola, sentia-se humilhado por ter de lançar fogo ao posto e retirar. Oficiais com este carácter havia muitos entre nós, mas a falta de organização impedia que brilhassem levantando o prestígio das nossas forças.

4. Owen Letcher, Cohort of The Tropics, 2.ª edição, 1931.

5. José Torres, A Campanha da África Oriental, 1919, pág. 80.

6. Commandant J. Buhrer, L'Afrique Orientale, 1914-1918, pág. 333.

7. General von Lettow, Memórias, pág. 374 da tradução.

8. Idem, pág. 381.

9. Livro de Ouro da Infantaria, pág. 100. Artigo de Álvaro de Castro.

10. É digna de menção a nota do Governo português ao ministro da Inglaterra em Lisboa, em 3 de Dezembro de 191 7, relativa aos queixumes do Governo de S. M. B. contra as dificuldades encontradas pelo Comando britânico na Africa Oriental para o recrutamento de carregadores na nossa colónia de Moçambique. Assina este notável documento o Sr. Ernesto de Vilhena, ao tempo Ministro das Colónias.

11. Dr. Egas Moniz, Um ano de política, 1919. (Apontamentos da Delegação à conferência da paz).

12. Revista Militar, 1920, pág. 304.

13. Recentemente colhidos no Ministério das Colónias.

Fonte:  

Coronel Eduardo Azambuja Martins, «A campanha de Moçambique»,
in General Ferreira Martins (dir.), Portugal na Grande Guerra, Vol. 2, Lisboa, Ática, 1934,
págs. 183 - 189.

A ver também:

Portugal na Grande Guerra

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