Oficial da Legião Portuguesa
© Jornal do Exército 
Oficial de cavalaria da
Legião Portuguesa

LEGIÃO PORTUGUESA AO SERVIÇO DE NAPOLEÃO


O FIM DA LEGIÃO (1813).

 

Em Janeiro de 1813 Napoleão pede informações sobre o estado da Legião Portuguesa, mas não podem ainda enviar‑lhe a esse respeito dados certos. Em Fevereiro  já o Imperador, atento o estado em que se via a Europa, tinha resolvido a não se servir de tropas estrangeiras, e dizia ao ministro da guerra, em 18, que não queria recrutar mais portugueses, mas dos que restavam organizasse um batalhão de guerra e um batalhão de depósito. Em 27, noutra carta, dizia Napoleão ao ministro «Nunca tive motivo de queixar-me dos portugueses que tenho.» Alguns restos de regimentos de infantaria vinham pouco a pouco chegando a França e, com a data de 17 de Abril, Cândido José Xavier entrando com o que ainda existia do segundo regimento, escrevia ao ministro, solicitando pelos seus serviços a patente de coronel, e dizendo nessa carta: «Tenho comandado um regimento que entrou em todas as acções do terceiro corpo desde a batalha de Smolensk até à de Krasnöe, e que de cinquenta e dois oficiais que tinha deixou trinta e um mortos ou feridos no campo da batalha.»

Quando a formidável coligação das cortes da Europa contra Napoleão, obrigou este a reunir novas forcas para entrar na campanha de 1813, restava, como vemos, bem pouco da Legião portuguesa; todavia ainda poderemos seguir com interesse a coluna de cavalaria organizada com o que havia de válido no depósito e comandada pelo capitão José Garcês Pinto de Madureira, e acompanhar nas comissões que desempenhou nesta campanha a nobre figura de Gomes Freire.

Clarke que, tantos anos ministro da guerra neste sem igual período militar, devia bem, saber avaliar es homens desta profissão, dizia do ilustre general português, pedindo para ele a Legião de Honra  em 1810: «O general Gomes Freire é o mais firme e o mais hábil dos generais portugueses, e aquele cuja bravura e talentos são mais notáveis. Devemos ligá-lo a nós. Desprezado seria talvez perigoso.»

Acompanhemos nos seus últimos serviços à França o homem notável que, vítima do ódio inglês de Beresford, teria de ser o mais ilustre dos mártires da liberdade em Portugal.

Com outros generais do exército francês, entrou em Francoforte em Abril de 1813 e daí seguiu para Lutzen assistindo a essa memorável batalha em que morreu o ilustre general Bessières, muito estimado pelos portugueses, e em que a falta de cavalaria francesa impediu se realizasse a completa derrota dos coligados. Depois partiram para Dresde, onde Gomes Freire esteve até 18 de Maio com os seus ajudantes. Nomeado governador de Iena, com uma pequena guarnição de trezentos infantes e cem cavaleiros, ali cumpriu zelosamente os seus deveres de soldado, e se conservou até ao armistício de Ilessitz, assinado a 5 de Junho. Recebeu, depois a nomeação de comandante em chefe de Dresde e partiu a 21 de Junho para a capital da Saxónia.

Marechal Mortier

© Musée de l'Armée

O marechal Mortier

A 2 de Julho chegou o general a Dresde, sendo logo investido no comando da praça pelo governador Douronel, ajudante de campo de Napoleão. O serviço aqui era tão pesado que apenas podiam dormir duas ou três horas, quase sempre vestidos, o que resolveu Gomes Freire a pedir para seu chefe de estado maior o chefe de batalhão Aquiles Pereira, que tinha sido ajudante de Alorna, e para primeiro ajudante de campo o capitão de cavalaria Luís Mendes de Vasconcelos, este, porém, achava-se no depósito em Grenoble, e só pôde chegar a Dresde daí a vinte e seis dias, e, Aquiles Pereira, empregado em diversas comissões pelo príncipe de Neuchâtel, só se reuniu a Gomes Freire em Agosto.

Napoleão chegou a Dresde a 5 de Agosto com o seu estado maior, e alguns dias depois o rei da Saxónia, que se havia retirado a Praga quando os russos e os prussianos tinham tomado a sua capital. Houve grandes festejos. No dia dez toda a guarnição se pôs em marcha para se reunir ao grande exército, ficando em Dresde três mil homens sob o comando de Gomes Freire.

No dia 21 começaram a aparecer forças inimigas nos arredores da cidade e no dia seguinte apareciam grandes colunas que puseram em sobressalto a população e obrigaram Gomes Freire a tomar todas as medidas ao seu alcance para que a cidade não fosse tomada sem honrosa resistência; mas Napoleão, informado do movimento do inimigo sobre Dresde, mandou prevenir o governador da sua pronta chegada.

Na manhã de 23 a vanguarda dos coligados tomou posição cerca dum quarto de légua da cidade. Na tarde de 25 chegava Ney com algumas divisões e parte da Guarda Imperial, e, dentro em pouco, a maior parte do exército da Silésia estava em posição em frente de duzentos mil homens comandados pelo imperador da Rússia e o rei da Prússia, tendo a seu lado Moreau.

O Imperador chegou a 26 e alterou logo as posições do seu exército. Pelo meio da tarde seis colunas inimigas, cobertas por trezentas bocas de fogo, baixaram das suas posições até à planície. Napoleão marchou ao seu encontro; seiscentas peças de artilharia deram começo à batalha que se pelejou renhida até ao anoitecer, momento em que os coligados se retiraram às posições anteriores. No dia 27 o Imperador atacou por sua vez o inimigo e deu-se então uma dessas épicas lutas, memoráveis na história servindo, pela última vez, a vitória ao grande capitão. Moreau ficou no campo da batalha. O Imperador saiu de Dresde com o rei da Saxónia no primeiro de Outubro, deixando o marechal Gouvion de Sant-Cyr com vinte mil infantes, quatro mil cavalos e duzentas bocas de fogo encarregado da defesa da cidade.

Depois feriram-se essas terríveis batalhas, tão funestas às armas de Napoleão, em Leipzig e efectuou-se a retirada do Imperador sobre Francoforte. Douronel e Gomes Freire tiveram de conter em Dresde o partido da coligação, que começara a incendiar os grandes depósitos de forragens da cidade. Constava já que vinte batalhões e dez esquadrões vurtemburgueses e saxões se tinham passado para Bernadotte sobre o campo da batalha, que os bávaros comandados pelo general Wrede, se tinham reunido aos austríacos. Saint-Cyr, sabendo da retirada do exército francês e vendo-se falto de víveres e munições mandou, com o fim de obter uma capitulação vantajosa, aumentar os meios de defesa e fez algumas sortidas com felizes resultados. A 3 de Novembro rompeu um perigoso ataque contra as linhas francesas, e a forte divisão ToIstoi esforçou-se para tonar o reduto que cobria a porta de Nassem, o qual lhe fez valente e briosa resistência, tendo por fim de ser abandonado; mas o marechal Saint-Cyr mandou avançar uma força considerável que tomando o reduto pela gola obrigou o inimigo a fugir pelas canhoneiras e parapeitos, deixando em torno dois mil quinhentos e sessenta mortos. Às onze horas cessava o fogo em toda a extensão das linhas e os sitiantes retiravam-se ás suas posições pedindo uma suspensão de armas para enterrar os mortos.

A 7 de Novembro, às dez da manhã, reuniu-se o conselho de defesa da prata de Dresde em casa do marechal Saint-Cyr estando presentes os generais conde de Lobau, conde Douronel, conde de Bonet, conde Dumas, Gomes Freire. Baltus, Marion, Dummanceau, Claparède e Berthezeme. No dia 12 publicava-se a capitulação assinada por Gouvion Saint-Cyr, e pelos generais russo e austríaco, em que se estipulava que os defensores da praça, não pudessem fazer novamente a guerra até à troca de igual número de prisioneiros com a coligação, e que a guarnição francesa seguiria em étapes regulares até Estrasburgo, que todos os oficiais conservariam as suas armas, bagagens e cavalos, que os batalhões da Guarda Imperial conservariam as suas armas e bagagens, indo metade na frente, metade na retaguarda da última coluna que evacuasse a praça, seguidos de meio parque de artilharia do arsenal de Paris com as respectivas munições e morrões acesos, que todas as mais tropas entregariam os cavalos e deporiam as armas junto à esplanada, à medida que fossem saindo da cidade. No dia 13 saiu a primeira coluna, e no dia 18 a última comandada por Gomes Freire. Os aliados violaram a capitulação, e a guarnição de Dresde ficou prisioneira na Boémia.

Gomes Freire voltou a França em 1814.

Loulé e os seus cavaleiros haviam descantado o mês de Março em Brunswick, recebido aí os soldos em atraso e tinham-se vestido e equipado; com encargos de remonta fora Garcês mandado ao Hanover, e conta que perto de Minden passara pela cidade natal do conde de Lippe, onde existia o palácio desta família e nele encontrou alguns criados, filhos dos que o conde de Lippe levara de Portugal, os quais falavam ainda o português e lhe mostraram, numa sala do palácio, as preciosas peças de artilharia de ouro, com que D. José I presenteara o marechal.

Na batalha de Lutzen foi o nosso esquadrão de cavalaria empregado, com a pouca cavalaria francesa que lá estava, contra os atiradores russos, e depois em serviço de exploração.

Durante o armistício, Garcês, já promovido a chefe de esquadrão, recebeu ordem de ir ao depósito de Grenoble onde a cavalaria desmontada, que ficara em Gray, se reunira à infantaria. Como era a cavalaria a arma que mais faltava, ele devia reunir a cem homens, que ainda existiam no depósito, o resto da infantaria, montá-la e formar dois fortes esquadrões que seriam comandados pelos oficiais e oficiais inferiores de cavalaria existentes. Garcês viu-se um pouco atrapalhado para conseguir transformar em cavalaria os infantes e fazê-los evolucionar. Marchando e exercitando-se quando encontravam alguma planície, chegaram a Lion no dia 4 de Julho, a 10 ficavam numa pequena cidade nas margens do Saône. Ali encontrou o nosso chefe de esquadrão um capitão de infantaria 16, chamado Magalhães que, prisioneiro de guerra em Franca seguia para Nancv. Estava mal vestido e o feitio do uniforme chamou a atenção de Garcês que, aproximando-se, reconheceu um compatriota. Contou-lhe o prisioneiro que desde Baiona lhe não haviam nada pago e que andando de quartel general para quartel general, miseravelmente, chegara ali naquele estado. Garcez comoveu-se e convidando-o para jantar prometeu-lhe acompanhá-lo, pois tinham o mesmo itinerário. Acabando de jantar mandou Garcês a guia do prisioneiro ao pagador da gendarmerie que lhe satisfez todos os abonos em débito. É na verdade interessante o trecho das memórias em que ele descreve a admiração do seu camarada pela facilidade e poder com que o auxilia.

«Não podia conceber como sendo nós estrangeiros tínhamos em França a mesma autoridade que os oficiais desta nação, contava-me o modo porque nós éramos vistos em Portugal e que, para mais fazerem aborrecidos os franceses, diziam [que] nós estávamos como prisioneiros naquele país, sem honras, nem de que viver, e que poucas pessoas deixavam de pensar daquele modo; finalmente me disse que se os prisioneiros portugueses soubessem o apoio que podiam receber dos nossos compatriotas pediriam para ir para onde eles estavam, ao que lhe respondi que isto não podia ter lugar porque o Imperador se opunha e de tal modo que, mandando recrutar soldados nos outros depósitos de prisioneiros para enquadrar alguns na nossa Legião, proibiu se recrutassem nos depósitos dos portugueses havendo só no depósito de Toulon, três mil homens da nossa nação, e dava por motivo que os da Legião Portuguesa já tinham contraído hábitos franceses, tendo quase esquecido os do seu país e que os prisioneiros viriam de novo avivar-lhe lembranças que os transtornariam no caminho da glória e da honra, obrigando-os talvez mesmo a desertar. Com esta e outras conservações da mesma espécie, já acerca da guerra peninsular. já sobre os acontecimentos que tinham ocorrido depois da minha saída de Portugal, chegámos a Chalon-sur-Saone, perto do meio dia; distribui os alojamentos, dei ordens necessárias sobre os exercícios do costume e fui para o meu quartel e dele para que não enganassem o meu camarada o conduzi a casa dos alfaiates, sapateiros, etc., o fiz vestir de novo e dum modo análogo ao país em que estava; à volta para o quartel já parecia outro, ele era ainda novo e belo moço e começou logo a ser agradável a sua presença às damas.»

Prosseguindo na marcha chegaram a 22 a Neufchâteau e no dia 25 a Nancy, onde, aquartelada a força, Garcês se apresentou ao general Legrand, a quem pediu licença de apresentar o prisioneiro português, rogativa a que o general respondeu amavelmente convidando-os para jantar. O capitão Magalhães, apresentado ao general e à sua família, interessou de tal modo a todos pela sua bela e juvenil presença, atractivas maneiras, e infortúnio, que Madame Legrand pediu a seu marido o deixasse ficar em Nancy, onde a protecção do general lhe suavizaria a situação, no que não havia inconveniente visto ser um oficial com serviços ao Império quem o afiançava.

São tocantes estes episódios fraternais entre soldados.

Garcês, despedindo-se dos seus amigos, continuou a marcha chegando no dia 30 a Sarrebruk e no dia 3 de Agosto a Mogúncia, em cujas vizinhanças os seus soldados se aquartelaram. A 11 foi-lhes passada revista pelo general Valmi que os elogiou, mandando-os partir incorporados à coluna do general Girardin. A 15 chegaram a Francoforte e Garcês que mal repousado das enormes fadigas da Rússia, tinha sido encarregado de trabalhosas canseiras, adoeceu não podendo continuar a marcha a cavalo. Foi num carro até Gotha. onde o general Girardin dissolveu a coluna, ficando Garcês com o comando da sua cavalaria e de mais dois destacamentos franceses, um de oitenta e outro de trinta cavalos, às ordens do general Dalton, que lhe determinou os empregasse em patrulhar as estradas e fazer reconhecimentos. A 28 de Agosto recebeu ordem de reunir numa coluna toda a cavalaria que fosse chegando de França, um batalhão de infantaria de marinha e quatro peças de artilharia de campanha, com a missão de limpar de tropas irregulares as estradas que conduziam à fronteira, e foi Garcês encarregado pelo general de tomar o comando dela.

Formava uma brigada de três  esquadrões de cavalaria, quatrocentos homens de infantaria de marinha e duas peças de artilharia a cavalo. O general passou-lhe revista a 2 de Setembro e a coluna pôs-se em marcha indo acantonar-se em ToIstet. tendo no dia 4 de flanquear uma leva de trinta mil prisioneiros que vinha de Dresde. Em RudoIstadt encontraram o marechal Augereau a quem Garcês apresentou um relatório da situação das suas forças, aprovando-lhe o marechal a posição ocupada, recomendando-lhe de a conservar. Garcês procurou fortificar-se em RudoIstadt, onde convergiam muitas estradas, que eram dominadas também pela ponte de Saole, que corria junto às muralhas do castelo. Mandou entrincheirar a testa da ponte e dispôs convenientemente as suas forças. Ao amanhecer de 12 de Setembro estava a coluna toda em armas ouvindo o troar de artilharia para as bandas de Iena, proximamente a seis léguas; à uma hora da tarde começaram a ser atacados os postos mais avançados da coluna e travou-se um combate renhido, porque o inimigo, acossado pela cavalaria francesa, procurava a todo o custo forçar a passagem vedada. Garcês, compreendendo o alcance da resistência, fez desmontar a cavalaria, que formando com a infantaria, combatendo ambas valorosamente, desalojaram o inimigo das suas posições de ataque; montada novamente a cavalaria correu em perseguição dos prussianos e dos cossacos até Bloukonhaim. Todavia este combate, em que se fizeram cinco mil prisioneiros, foi infructífero nos resultados, por ter o inimigo conseguindo atravessar o Elster em Gera.

A 11 foi a coluna de Garcês mandada para Weimar e daí para a estrada de Leipzig com ordens de auxiliar o general Lefebvre-Desnoettes, cujas operações acompanhou até ao fim do mês, em que foram acantonar-se em Erfurt. Aqui tiveram de resistir a um ataque dos cossacos já organizados em que a coluna teve algumas perdas. A 2 de Outubro viram-se novamente a braços com os cossacos, chegando nesse dia à desguarnecida cidade de Arnstadt, que os acolheu com grande regozijo, tratando carinhosamente os soldados, mas onde não puderam gozar muitos dias de bem estar e sossego. No dia 7 houve nova luta em que a coluna de Garcês tomou a ofensiva , fazendo cem prisioneiros na perseguição. No dia 8 voltaram para Erfurt, onde Garcês deu conta das suas operações ao general Dalton, o qual elogiando-lhe o serviço lhe participou as novas ordens, determinando que a infantaria marchasse com a artilharia a encontrar-se com o grosso do exército nas proximidades de Leipzig e a cavalaria fosse a Weimar buscar viveres para Erfurt e em seguida partisse a juntar-se também ao exército.

No dia 17 encontraram-se em Lindenau com o corpo do general Mortier, onde ainda existia um destacamento de cavalaria da Legião; composto dumas seiscentas praças e comandado pelo alferes Álvaro. Imagine-se o prazer com que se viram ao cabo de meses.

A batalha de Leipzig travou-se no dia seguinte e os esquadrões de Garcês, seguindo Mortier, combateram ao lado da nova guarda, sendo dos primeiros a entrar na importante posicão de Reudnit. Na volta a Lindenau teve o chefe dos esquadrões o seu cavalo ferido, muitos soldados desmontados, e mortos o valente sargento Moreira, dois cabos e vinte soldados. Coube-lhe depois o serviço de escoltar um comboio de viveres a Erfurt, onde mal pôde repousar algumas horas. Dalton deu-lhe ordem de partir às nove da noite para Ollendorf ao encontro do Imperador que vinha sobre Erfurt. À meia-noite descortinou a coluna por entre o nevoeiro um grande clarão: era o Imperador que chegava, a passo, acompanhado pelos seus ajudantes, seguido por uma fracção da Guarda Imperial e rodeado por grande número de criados com tochas acesas. Napoleão mandou por um ajudante chamar o comandante dos esquadrões, e conhecendo-o, tratou-o pelo seu nome com muito agrado.

Bonaparte atravessava um momento cruel de crise. Os dias 18 e 21 de Outubro haviam sido dolorosos para o exercito francês. O Imperador bem queria deixá-lo repousar para ganhar forças, mas os aliados apertavam-no e a marcha teve de prosseguir, ferindo-se no dia 30 de Outubro essa terrível batalha de Hanau em que os bávaros sofreram uma derrota. Os aliados eram muitos superiores em número e Napoleão, próximo da França, procurou aliviar-se do estorvo das bagagens, fazendo-as, seguir para Coblenz sob a protecção da cavalaria dos generais Millhaud e Lefebvre-Desnouettes; os esquadrões de Garcês foram mandados acompanhar este movimento para esclarecer o flanco direito. 

Na batalha foram os esquadrões de cavalaria divididos em pequenas fracções, afim de servirem de apoio à artilharia na orla dum bosque. Depois vieram alguns batalhões da velha guarda imperial ocupar o lugar da outra cavalaria, mas aumentando a refrega, que se tornou medonha neste ponto em que os bávaros atacaram vivamente a artilharia francesa, com igual vigor defendida, foi ordenado a Garcês de mandar atiradores para reforço da infantaria da velha guarda, e neste serviço, no curto intervalo de meia hora, tiveram os seus esquadrões cem baixas, entre mortos e feridos.

«Ali se perdeu o meu bravo Sales, diz o nosso chefe de esquadrão, cabo de esquadra, um dos homens mais valentes que conheci em afrontar a morte: Terminou naquele lugar os seus dias; desde pela manhã uma tristeza sinistra, presságio da morte, se via no seu rosto; parecia que não era aquele galhardo soldado que activo e ligeiro voava para o lugar do perigo; limitava-se agora a obedecer. Notei que estava taciturno e quis salvar-lhe a vida; ordenei que não saísse em atiradores, porém não podendo estar sempre junto dele, e, pedindo-se mais gente foi envolvido no número. Não era português, mas sim espanhol, os desta nação que tinham amor pelo serviço, e carácter, e que desejavam preencher a força do juramento, tiveram na nossa Legião um lugar muito distinto.»

Na manhã de 1 de Novembro partiu todo o exército dirigindo-se a Franquefurte. A 4 estavam em Mogúncia, onde os nossos esquadrões receberam ordem de se unir à nova guarda.

A Batalha de Hanau

A Batalha de Hanau, por Horace Vernet

Mortier mandou, a 6 de Novembro, chamar o comandante dos esquadrões portugueses afim de participar-lhe que lhe fora dada a Legião de Honra, felicitando-o. Fez-lhe também saber que tendo o sexto de cavalaria, aquartelado em Coblentz, os efectivos muito desfalcados, iriam completá-lo alguns soldados dos seus esquadrões, oferecendo ao mesmo tempo a Garcês o comando desse corpo que estava sem oficiais superiores. Era um sedutor oferecimento para um homem novo e entusiasta pela profissão das armas, mas a lembrança da pátria não deixou que o nosso chefe de esquadrão o aceitasse, porque aceitando-o considerar-se-ia para sempre francês, ligado pela honra com laços indissolúveis à sua nova pátria, e ele sonhava sempre com a terra que o vira nascer, almejando pelo dia em que lhe fosse permitido ir depôr-lhe em homenagem os louros ganhos com a sua espada, e respondeu ao duque de Treviso, que sentia perder alguns soldados; mas preferia servir na nova guarda: 

«Sou estrangeiro e pertenço à Legião Portuguesa que ainda existe; o Imperador não quis até agora meter nela oficial algum estrangeiro, senão os dois majores generais para ensino da escrituração, assim como não deu passagem a oficial algum dela para os regimentos franceses; debaixo, deste ponto de vista desculpe-me eu não aceitar.» »

Mortier compreendeu o sentimento que ditava a recusa e agradado aceitou-a.

Garcês, tendo de enviar forçosamente soldados dos seus esquadrões para Coblentz procurou separar de si o mais pequeno número de portugueses possível. Mandou trinta e cinco praças espanholas que tinha aos esquadrões, juntando-lhe uns vinte homens do destacamento francês que se lhe tinha juntado, os quais foram escolhidos , pelo seu capitão Rolin, e todos partiram comandados por três sargentos e pelo, alferes Gusmão, que; pouco disciplinado não deixava saudades ao comandante.

O restante da cavalaria portuguesa, perto de quatrocentos cavalos saíu de Mogúncia, a 20 de Novembro, com as forças de Mortier, para Metz, onde estiveram até Janeiro de 1814. O duque de Treviso foi depois para Nancy. Os esquadrões, portugueses ainda nesta marcha perderam bastantes homens no serviço de exploração.

A 16 de janeiro estavam em Langres. A 26 em Troyes, tendo-se ocupado em deter o passo ao exército austríaco, que descia ao Voges. Os portugueses, no seu árduo serviço foram perdendo bastantes homens e, nos bosques de Dar, executaram sobre os prussianos um reconhecimento ofensivo, que mereceu calorosos elogios do general.

A ordem de dissolução dos corpos estrangeiros havia chegado, mas Mortier prometera a Garcês conservá-lo consigo o mais tempo que pudesse, e no dia 12 de Fevereiro, perseguindo os aliados nas alamedas de Chateau-Thierry, ainda os nossos esquadrões perderam dez homens, e o seu comandante foi ferido no pescoço.

Em Chateau-Thierry, Napoleão passando revista à nova guarda e vendo nella os esquadrões portugueses, ordenou a Mortier que pusesse em execução para com eles o decreto relativo aos estrangeiros. Mandando chamar Garcês o Imperador agradeceu-lhe os seus serviços e prometeu-lhe que seria bem tratado o contingente da Legião Portuguesa.

Em 8 de Outubro de 1813 havia já Napoleão ordenado o desarmamento dos estrangeiros. Sobre os nossos dissera:

« Os oficiais portugueses podem entrar em França e irem para os lugares que lhe forem designados, embora desarmados, é necessário continuar a tratá-los bem.»

Em 25 de novembro o Imperador escrevia ao ministro:

«No estado actual das coisas não podemos fiar-nos em nenhum estrangeiro ... »

A este tempo já o exército anglo-luso pisava a França em Baionna.

Saíra também assinado, a 25, o decreto da dissolução da Legião Portuguesa.

«As tropas portuguesas serão desarmadas, formando-se com elas batalhões de pioneiros. »

«As espingardas provenientes dos desarmamentos ordenados serão empregadas no armamento do exercito francês.» »

Ordenava-se que o batalhão de pioneiros fosse composto de companhias de 211 homens cada. uma incluindo os oficiais.»

A 18 de Dezembro o ministro da guerra dirigia aos generais Delaroche, comandante da primeira divisão a seguinte ordem:

«Deixar os oficiais portugueses desarmados em Grenoble mas não com os seus soldados, examinai depois se convêm que os batalhões de pioneiros portugueses sejam comandados por oficiais desta nação.»

O general Delaborde escrevia em 27 ao ministro:

«Não posso deixar em silêncio a V. Ex.ª a conduta digna de elogios que os senhores oficiais da Legião Portuguesa tiveram por ocasião do desarmamento dos militares seus subordinados, e eu rogo a V. Ex.ª faça chegar particularmente ao conhecimento do Imperador os nomes dos majores Sarmento e Xavier, ambos oficiais dum raro mérito, tendo sido distinguidos por Sua Majestade nas últimas campanhas da Rússia, por haverem na ocasião do desarmamento falado aos seus soldados duma maneira inteiramente conforme com os princípios da verdadeira honra e terem-se voluntariamente oferecido, conhecendo os fracos recursos de que se dispunha para escoltar este batalhão de o conduzirem eles mesmos sem nenhuma escolta a Moulins, seu destino. Depois de me terem prometido que manteriam a mais perfeita disciplina no caminho, conduziram o batalhão sem que pela deserção ele tenha a mais pequena perda.»

M. Cathetin, major general da infantaria portuguesa, magoado pela dissolução deste corpo em que tão dignamente serviu por mais de cinco anos, e a que o prendiam firmes laços de afeição, dizia ao ministro da guerra:

«Senhor , acaba de realizar-se o desarmamento da Legião Portuguesa; a maneira porque finaliza esta tropa admira-me tanto quanto me aflige. As minhas funções vão cessar em poucos dias e eu peço a V. Ex.ª para me autorizar o mais cedo possível a deixar Grenoble, pois que a residência aqui se me torna insuportável ...»

Por ordem de 2 de Fevereiro de 1814, os oficiais portugueses, em número de cento e vinte foram enviados para Bourges, sendo-lhe concedido o soldo de actividade, e o batalhão de pioneiros foi com os seus oficiais inferiores para Moulins, recebendo o soldo de pioneiros franceses.

Em 14 de Março era enviado um relatório ao ministro no qual se lhe expunha um quadro de organização do batalhão de pioneiros com oficiais portugueses, escolhendo-se dos oficiais do depósito de Bourges, aqueles que mais desejos tinham mostrado de desempenhar essa comissão.

Não foi sem pesar que os oficiais da Legião deixaram Grenoble, onde o seu depósito estivera sete anos. Tinham recebido dos habitantes da capital do Delfinado muitas provas de afeição, a que não podiam deixar de corresponder os seus corações gratos. Ao tempo desta mudança, dos generais portugueses, Alorna tinha morrido, Gomes Freire e Pego estavam prisioneiros. Carcome residia em Paris, onde se achava também Pamplona convalescendo. Acompanhou para Bourges os oficiais portugueses D. Manuel de Sousa HoIstein de quem não tornámos a falar desde que foi nomeado chefe de estado maior da Legião Portuguesa, na sua organização.

Este oficial bastante distinto, possuiu uma larga folha de serviços militares.

Entrara para serviço da Prússia aos vinte e um anos no posto de alferes, em 1790, e aí se conservou até 1797, chegando a tenente coronel.

Havia feito as campanhas do Reno em 1793 e 1794.

Voltando a Portugal, foi-lhe confirmada a sua graduação e colocado em Elvas no regimento de cavalaria, onde fez a campanha de 1801 contra os espanhóis. Nessa indecente campanha de 1801, em que D. José Carcome Lobo se tornou tristemente célebre, a resistência de Elvas, como a de Campo Maior e as operações de Gomes Freire, foi o que mais honroso então houve para as armas portuguesas. Era D. Manuel de Sousa coronel do seu regimento quando Junot o nomeou brigadeiro e o reuniu à Legião que devia marchar para a França.

Entrou no número dos oficiais enviados a Masséna e esteve em Espanha, no estado maior até Julho de 1812 em que foi, pelo duque de Ragusa, nomeado chefe de estado maior da 4.ª divisão, lugar que deixou em Outubro para entrar em França doente. Lê-se numa ordem do dia de Marmont:

«Sua Ex.ª o marechal duque de Ragusa testemunha a sua satisfação a Mr. de Sousa, encarregado do depósito de convalescentes em Toledo, pelo zelo com que se ocupou em melhorar a sorte dos soldados nos hospitais e estabelecimentos de convalescentes. Tais serviços, assim como os de adquirir subsistências para o exército, têm sempre grande mérito aos seus olhos, mas nas circunstâncias actuais são daqueles a que dá o maior apreço.»

Este documento prova a sensata maneira porque Marmont sabia empregar os oficiais portugueses que em tão falsa posição se encontravam no seu exército.

E a D. Manuel de Sousa que vai incumbir a missão de zelar os interesses da ex-Legião Portuguesa, quando a queda de Napoleão coloca os oficiais dela numa situação precária.

Haviam sido os oficiais muito bem recebidos em Bourges e pouco tempo depois de chegarem a esta cidade souberam que os prisioneiros portugueses feitos em Baiona, deviam ir para as proximidades de Moulins. Baltazar Ferreira Sarmento, de acordo com outros oficiais, solicitou e obteve, não sem relutância, que os oficiais portugueses prisioneiros pudessem vir para Bourges e arredores, onde poderiam ser socorridos e animados pelos seus companheiros.

Em Bourges ainda os portugueses pegaram em armas, pois vendo-se a cidade ameaçada pelos austríacos, lembraram-se de servir-se deles para auxiliar a defesa, reunindo-os à guarda nacional do departamento. Foi a cavalaria, comandada pelo marquês de Loulé, e a infantaria pelo coronel Trinité, sob as ordens de Hugiet. No dia 23. acometeram impetuosamente as posições inimigas, pondo em debandada os austríacos, pelo que a valentia dos portugueses recebeu calorosos elogios de Hugiet, e provas de reconhecimento da cidade libertada.

A 12 de Abril souberam os oficiais da abdicação de Napoleão, ficando por este facto na situação mais critica que pode imaginar-se, pois servindo o Imperador, estrangeiros em França, nada podiam esperar do novo governo. Os habitantes de Bourges quiseram pagar o soldo dos seus defensores, enquanto ali residissem; não puderam os nossos recusar inteiramente esta generosa oferta, mas limitaram-se a aceitar metade dos seus vencimentos. Resolveram os oficiais da Legião pedir ao governo de Luiz XVIII que em atenção aos serviços prestados á França continuassem a empregá-los no exercito, ou que os reenviassem à sua pátria, procurando a real protecção garantir-lhes nela as suas graduações e os seus bens. Lembravam que muitos deles, obrigados a acompanhar o exército de Massena, haviam sido por esse motivo condenados à morte, pesando ainda sobre eles essa proscrição.

D. Manuel de Souza expõe numa carta ao ministro da guerra as justas reclamações dos seus camaradas.

O governo francês mandou enviar á fronteira espanhola, pela via mais curta, todos os homens fosse qual fosse a sua graduação ou condição, que desejassem voltar para o seu país, e reunir em diversas praças do meio dia, aqueles que nele não pudessem ainda internar-se sem que a sua segurança ficasse comprometida, e o ministro da guerra, conde Dupont, fez saber que nada seria modificado nestas instruções com relação aos portugueses.

Pamplona, José Joaquim de Souza e alguns outros oficiais, ao tempo em Paris, requereram para serem readmitidos no serviço.

A 5 de Maio de 1814, dissolvido o corpo de pioneiros, foram os homens reenviados para Baiona e postos á disposição do seu governo.

O general comandante da vigésima primeira divisão, barão de Lepic, participando a execução desta ordem, indigna-se de que sejam reenviados, como prisioneiros de guerra, bravos militares que serviram lealmente a França, e insiste em que no caminho que devem percorrer até á fronteira lhes não faltem nunca as atenções que merecem.

A 9 de Maio saíram de Bourges, com destino a Baiona, quarenta e nove soldados e trinta e dois oficiais. Deixemos que Garcês nos conte a sorte deste resto das forças da Legião:

«Partiu o batalhão comandado pelo chefe de batalhão de Bonis e alguns oficiais portugueses, de menos siso, que quiseram acelerar a sua marcha, julgando que quanto mais depressa chegassem maior estimação receberiam dos seus compatriotas, e maiores recompensas poderiam alcançar. Enganaram-se, porém; logo à chegada a Baiona foram entregues ao general em chefe do exército lusitano. Os soldados reclamavam antes de deixar a Franca os seus sagrados restos de pret, que lhes era devido e que com tantas fadigas tinham ganho, mas tiraram-lhe os livretes e fizeram-nos partir sem paga e sem os seus títulos de divida: então conheceram que o infame general Dupont (então ministro da guerra) lhes tinha mandado dar o tratamento de prisioneiros. Os oficiais apresentando-se ao chefe português (Beresford) foram colocados no exército português como supranumerários com o posto que tinham antes da partida para França, isto como por misericórdia; outros como oficiais inferiores, havendo destes alguns que já eram capitães em França e, com a Legião de Honra, os quais se viram obrigados a marchar de arma e munições às costas, feitos novamente sargentos. Foi, pois, deste modo que todos chegaram à mais que adorada pátria. É de advertir que o ódio inglês para com a França concorreu para isto; os generais em chefe tanto do exército combinado como do portuguêz, eram filhos da ilha de Albion, portanto quiseram cevar a sua raiva naqueles que, indirectamente pertenceram à sua rival.»

O justo receio de receberem desagradável acolhimento fizera que muitos oficiais hesitassem em partir, não falando mesmo daqueles que tinham de considerar-se proscritos.

Garcês e Baltazar Sarmento pediram a sua demissão e licença para recolherem a Portugal nos princípios de Setembro.

A 22 de Setembro o barão Lepic escrevia de novo a Dupont sobre os portugueses:

«Não posso deixar de manifestar a V. Ex.a que estes bravos oficiais portugueses, que não tem desmentido a sua dedicação pelo rei e cuja excelente conduta foi sempre merecedora de elogios, se crêem humilhados pela sua equiparação aos prisioneiros de guerra, e esta ideia os aflige muito mais que a redução de um soldo, embora poucos deles tenham esperança de recuperar um dia a fortuna que abandonaram na sua pátria para passar ao serviço da França.»

D. Manuel de Sousa havia escrito ao general Lepic em 23 de Setembro uma carta onde se lêem os seguintes períodos:

«É na verdade surpreendente que estes oficiais forçados pela França a abandonar em 1808 os seus bens e a sua pátria para se dedicarem ao serviço desta potência se vejam igualados aos prisioneiros de guerra e aos refugiados espanhóis, eles que há seis anos têm a honra de militar nas fileiras do exército francês, tendo-se sempre mostrado dignos deste lisonjeiro acolhimento espalhando o seu sangue pela causa da França, sobre o Ebro, sobre o Danúbio e nas margens do Moskowa.

( ...) São estes mesmos homens confundidos hoje com os espanhóis, e tratados como prisioneiros de guerra, perdendo toda a consideração que tinham procurado obter com honra e entusiasmo.»

«Perdoe, meu general, as reflexões que me permito fazer, mas devo advogar a causa dos meus compatriotas, que nunca pediram socorro pela certeza em que estavam de que um governo benéfico os não teria nunca humilhado a este ponto.»

As dificuldades que o governo da restauração encontrava para a repatriação de espanhóis e portugueses fez com que à data de 16 de Dezembro fosse publicada uma ordenança criando um regimento estrangeiro em que esses militares seriam incorporados.

Depois de ter passado revista aos oficiais portugueses existentes no depósito, o general Lepic, observa ao ministro que todos esses oficiais existentes em Bourges possuem patentes do governo francês e que a maneira brilhante porque se conduziram nos exércitos durante as campanhas da Rússia, da Áustria e da Espanha, as honrosas feridas que receberam ao serviço da França lhes dão direito às bondades do rei.

A volta de Napoleão a França em Março de 1815 reanimou as esperanças dos oficiais portugueses, pois o Imperador, mesmo por ocasião da dissolução dos corpos estrangeiros, conservara excepcionalmente aos oficiais portugueses os seus soldos de actividade. A agitação deste período final do Império, não é, porém, favorável aos pobres ex-legionários, que sendo mandados incorporar-se a 1 de Maio no segundo regimento em Verdun, viram este dissolvido poucos dias depois. Novas organizações se sucedem e a 23 de Maio, o príncipe de Eckmül, representa num relatório a Napoleão que se deve atender á dedicação e bons serviços dos oficiais portugueses, atendendo também a que os sentimentos que existem entre os espanhóis e os portugueses, não permitem colocar estes no regimento espanhol acabado de criar.»

Napoleão ordena a sua dispersão pelos batalhões estrangeiros, ao serviço da França, sendo colocados seis em cada regimento.

Waterlo colocou novamente os oficiais da Legião numa situação desesperada; uma ordenança do rei, de 6 de Setembro dá-lhe o soldo de reformados, pondo-os todavia a fazer serviço nos regimentos estrangeiros. Os oficiais mais antigos do sétimo estrangeiro, enviam ao ministro da guerra Saint-Cyr um memorial queixando-se de se verem equiparados aos refugiados espanhóis com quem nada têm de comum e pedindo ao rei para que os admita ao seu serviço. Encontra-se nesta carta um período de pungente verdade: «Nós somos uns infelizes que há muito tempo andamos rolando de desgraça em desgraça sem que para isso tenhamos de modo algum concorrido.»

A aurora liberal de 1820 abriu os braços da pátria ao que restava destes pobres exilados. Alguns dos não-proscritos, como Garcês e Baltazar Sarmento, depois de terem conseguido entrar para o serviço de Luís XVIII, haviam pedido a sua demissão e voltaram a Portugal, onde tinham família e bens. Outros haviam-se casado e estabelecido na França, que nunca deixaram. Igual destino escolheram vários soldados e sargentos, e destes aqueles que anteriormente exerciam profissões mecânicas, as quais continuaram exercendo na sua nova pátria.

Todavia não foi muito carinhosamente que Portugal recebeu estes filhos tanto tempo perdidos; recentes ainda os sofrimentos que a invasão napoleónica lhe causara, era cedo para que a serena e imparcial justiça os absolvesse. Se a habilidade superior de Pamplona lhe permitiu depressa alcançar um papel dominante na política portuguesa, nem todos tiveram a felicidade do que em breve se chamou conde de Subserra, e dalguns outros que títulos de alta nobreza protegiam; Gomes Freire sofreu a ignominia do patíbulo de S. Julião da Barra, Loulé pereceu às mãos de sicários. e a maior parte sentiu pesar sobre si muito tempo ainda o efeito moral da proscrição, que ajudou, os inimigos de Pamplona a conduzi-lo às prisões do forte da Graça, onde morreu. em 1832.

Hoje vendo os homens do império à distancia de quase um século, tudo quanto de pequeno havia neles esbate-se no claro escuro da história, e as soberbas figuras dessa epopeia grandiosa, em que vemos todas a energias dum povo moverem-se ao impulso da energia superior. dum homem, aparecera-nos desenhadas a largos traços luminosos, maravilhando-nos pela sua galhardia e grandeza.

Os ideais modernos de progresso e de justiça condenam a gloria guerreira, como uma triste e inútil glória, mas nenhum dos que mais, alto os proclamam poderá esquivar-se à admiração íntima pelos que sacrificam heroicamente a vida a um sonho ou uma ideia, nem deixarão de olhar com um sentimento de respeito todo aquele que pela força do braço ou altivez do espírito dominar os outros homens.

Ao ler-mos a descrição dessas batalhas de Austerlitz, de Wagram, de Jena ou Dresde, parece-nos assistir à expansão duma raça de gigantes; a descrição da retirada da Rússia assombrando-nos, a epopeia Napoleónica toma proporções lendárias. Pois ao lado dos granadeiros magníficos de Wagram estavam, como irmãos e camaradas, uns milhares de portugueses e o grande Imperador não hesita em dizer que uma parte da vitória lhes é devida. Pelas  estradas que o grande exército percorre de Moscovo ao Berezina e do Berezina ao Reno, mais de quatrocentas léguas a pé, sem calçado, as pernas hirtas, pisadas e  ensanguentadas, enterrando-se em neve, famintos, no coração a lembrança dos companheiros e amigos, que por milhares ficam estendidos pelas estepes geladas, ou, que as lanças dos cossacos empurram brutalmente para a Sibéria, ouve-se a voz dos portugueses, que tinham visto cair por centenas os camaradas soltando o grito memorável de - Viva o Imperador!

Os historiadores pouco falam desse punhado de homens, eram um mínimo nos efectivos enormes dos exércitos imperiais; mas falam deles os boletins e também as memórias escritas pelos generais que sob as suas ordens os viram combater, cita-os a correspondência de Napoleão, tão vasta em assuntos, provando ainda que eles não passaram desapercebidos no ruído das batalhas que se feriram sob as imperiais bandeiras, gloriosas.

Nós não devemos esquecer que esses homens, morreram quase todos honrando com .a sua bravura e caracter o nome português; o seu infortúnio aureola-lhes a memória de mais uma coroa, e se lhes não coube a ventura de defender a sua pátria, pertenceu-lhes a tarefa de enobrecê-la ainda, glorificando o seu nome, intrépidos sempre e sempre leais.

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Fonte:

Ribeiro Artur,
Legião Portugueza ao serviço de Napoleão,
Lisboa, Livraria Ferin, 1901,
págs. 102 a 139.

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As Invasões Francesas

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