As Campanhas no Brasil - 11.ª parte

 

 

A ocupação dos territórios cedidos em 1761 

Os contra-ataques espanhóis e a tentativa de conquista do forte de Santa Teresa ( II )

 

Quinze dias depois desta tentativa, em finais de Novembro, era a vez da fronteira das missões se preparar para o contra-ataque espanhol. É que, chegado a Assunção em meados de Outubro, após a falhada expedição contra o forte de Coimbra, no rio Paraguai, o governador da Intendência, Lázaro Ribera, informado da perda da província das missões orientais do Uruguai, tinha decidido organizar um corpo de tropas milicianas suficiente forte para tentar a reconquista da província perdida. A força demorou algum tempo a ser organizada, mas em meados de Novembro, sob o comando do coronel Spínola, dirigiu-se para o rio Uruguai.

 

Forte de Santa Teresa

O Forte de Santa Teresa

Em São Luís, nova capital das missões, o major Joaquim Félix da Fonseca tinha autorizado o envio de forças de reconhecimento para a margem ocidental do rio Uruguai, tentando informar-se sobre a concentração espanhola na outra margem. Esta era uma solução de compromisso, já que o major se tinha oposto à intenção do tenente Manuel dos Santos Pedroso e do capitão José Borges do Canto, e de outros oficiais das milícias a cavalo, de se atravessar o rio em força e tentar a conquista das missões ocidentais do Uruguai, na região conhecida por "Entre os Rios" Paraná e Uruguai. Esta proposta não estava de acordo com o plano das autoridades da capitania, interessadas unicamente em restabelecer os limites do Brasil de acordo com o Tratado de Madrid de 1750, e na zona das Missões a linha do Uruguai era o limite estabelecido a Ocidente. 

O reconhecimento foi um sucesso, não só porque conseguiu saber que os espanhóis já estavam em força na margem direita do Uruguai, como também porque desorganizou a concentração das tropas que se preparava para reconquistar a região dos Sete Povos. De facto, nesta zona da fronteira nada mais se passou até à declaração do cessar-fogo já que, quando o governador Rivera, que tinha decidido comandar em pessoa uma nova expedição contra as missões chegou à província de Missiones o cessar-fogo já tinha sido proclamado, em 24 de Dezembro, sete dias depois de o ter sido no Rio Grande. 

Faltava a fronteira do Rio Grande ser atacada, para que a lista destes descoordenados contra-ataques espanhóis a todas as regiões fronteiriças ficasse completa. Na fronteira com o actual Uruguai, as forças espanholas do vice-reino passaram a ser comandadas pelo general D. Rafael de Sobremonte, 3.ª marquês do nome e sub-inspector geral das tropas do vice-reino. Este oficial, que será nomeado vice-rei em 1804, com cinquenta e cinco anos de idade na altura, estava há mais de 20 naquelas paragens, tendo sido secretário do primeiro vice-rei do Rio da Prata e governador da província de Córdova. 

Para o ataque contra a linha do rio Jaguarão o marquês de Sobremonte chamou tropas de todas as regiões do Prata. Reunindo as forças que tinham sido expulsas do forte de Serro Largo e as do coronel Quintana às que tinha concentrado em Montevideu, compostas de forças milicianas vindas de Córdova, Santa Fé, do Paraguai e de outros locais do vice-reino, embrenhou-se no interior do território do Uruguai pela Coxilha Grande, tendo chegado a Serro Largo no dia 16 de Novembro sem ser molestado. Guarneceu o forte com cerca de mil homens, enviou reforços para os fortes do litoral e avançou até ao rio Jaguarão com cerca de três mil homens. 

À sua frente, dirigindo a defesa do rio estava o tenente-coronel Azambuja, segundo comandante da Legião de Cavalaria Ligeira, porque o coronel Marques de Sousa, após a tomada do forte de Serro Largo e o regresso ao Jaguarão, se tinha deslocado à vila de Rio Grande de S. Pedro, devido à doença do governador Sebastião da Veiga Cabral da Câmara. Numa zona tão remota do império português, as notícias não corriam céleres e os oficiais necessitavam muitas vezes de ir ter com as notícias, em vez de serem elas a ir ter com eles. E estas eram importantes, já que os milicianos estavam desejosos de regressar a casa de volta às suas actividades após quatro meses de combates incessantes, e estes boatos minavam a disciplina, já de si tão fraca naquelas regiões de fronteira, devido aos hábitos de independência ganhos nas pampas, tanto pelos milicianos como pelos soldados regulares, a tratar do gado. 

O general espanhol saiu de Melo em 30 de Novembro e apresentou-se em força no vau de Nossa Senhora da Conceição em 5 de Dezembro. O marquês enviou um ajudante de campo ter com o tenente-coronel Azambuja, exigindo-lhe por carta a entrega da passagem do rio em três horas. O oficial português ao ler a intimação explodiu gritando ao ajudante espanhol "em três horas? Nem em três anos!". Retomando a compostura e a calma, Jerónimo Azambuja decidiu responder ao general espanhol informando-o que tinha que pedir ordens ao seu comandante, que estava na vila do Rio Grande, pelo que lhe pedia três dias para lhe dar uma resposta. Tendo-lhe sido concedido o prazo, o tenente-coronel escreveu imediatamente ao seu comandante, assim como ao tenente-coronel Patrício da Câmara pedindo-lhe apoio. De facto, não se considerava capaz de suster um ataque de uma força tão superior à sua. 

O coronel Marques de Sousa quando recebeu a carta enviou-a para Porto Alegre, sede da capitania, dirigida ao brigadeiro Róscio, nomeado governador interino em 21 de Novembro, após a apresentação de um ultimato à câmara de Porto Alegre, que queria estabelecer uma comissão de governo de acordo com o alvará de 1777 que regia a transição de poder nos governos das capitanias. Este velho oficial de engenharia, no Brasil desde 1767 quando desembarcou no Rio de Janeiro como ajudante de ordens do brigadeiro Funck, conhecia também muito bem a capitania porque tinha sido nomeado, em 1781, com o posto de tenente-coronel, 1.ª comissário da 2.º divisão da Demarcação dos Limites acordados pelo Tratado de 1777. 

A carta do coronel apanhou o governador já a caminho da vila do Rio Grande, na primeira semana de Dezembro. Ao chegar à vila, o brigadeiro acalmou a população que se preparava para retirar da localidade preocupada com a possibilidade de uma invasão espanhola, chamou as companhias de milícias a cavalo ainda não utilizadas na campanha, e enviou-as sob o comando do coronel Marques de Sousa com o resto da Legião em apoio de Azambuja. Deu ordens ao coronel Alexandre Elói Portelli, oficial engenheiro, no Brasil desde 1781 como tantos outros, e que chegará ao posto de tenente-general na colónia, comandante do batalhão de infantaria do Rio Grande desde finais de 1800, para que acompanhado das peças ligeiras de artilharia que conseguisse aparelhar se dirigisse também para a fronteira, e enviou para a lagoa Mirim o bergantim Hércules, comandada pelo capitão de mar-e-guerra Henrique da Fonseca de Sousa Prego para servir de refúgio às forças em caso de derrota. 

O plano do brigadeiro Róscio era permitir a retirada ordenada das forças comandadas de novo por Marques de Sousa perante as forças de Sobremonte. Se os espanhóis atravessassem o rio, então o Regimento de Dragões do tenente-coronel Correia da Câmara, a quem Róscio tinha ordenado que se dirigisse para Sul, ocultando a sua marcha das forças inimigas, e que chegaria ao local ordenado no dia 10 de Dezembro, atacá-las-ia pela retaguarda, numa manobra de envolvimento das tropas espanholas que as aniquilaria de vez. 

O brigadeiro, por seu lado, dirigiu-se com o que restava das forças de cavalaria, infantaria e artilharia para as guardas avançadas de Taím e Albardão, reforçando as tropas que já ali se encontravam, tentando impedir um ataque contra a vila de Rio Grande, e preparando o contra-ataque em direcção ao sul. 

Tendo concentrado em frente dos espanhóis cerca de 1.200 homens o brigadeiro Róscio conseguiu impedir que o marquês de Sobremonte passasse o rio. Por isso, vendo que tinha sido enganado, e que o tenente-coronel Azambuja tinha recebido como resposta do seu coronel, não um ofício mas um reforço importante de tropas, o general inspector do Rio da Prata decidiu, no dia 13 de Dezembro, descer lentamente o rio Jaguarão até à foz e regressar a Serro Largo. 

O governador interino do Rio Grande não tinha feito mais do que adaptar o plano do antigo governador, que imediatamente antes de morrer preparava o ataque pela costa contra a fortaleza de Santa Maria. Este ataque acabou por não se realizar porque entretanto as autoridades dos dois países aceitaram proclamar a paz, de acordo com o tratado assinado em Badajoz em 8 de Junho. 

Nestes combates, escalonados no tempo e no espaço, descortina-se claramente a existência de um plano de ocupação das fronteiras acordadas em Madrid em 1750. Sistematicamente, os fortes espanhóis que defendiam os limites determinados pelo tratado de 1761 e confirmados em 1777 estavam a ser destruídos, e quando algum oficial mais destemido pensava poder atacar para além desses limites os antigos oficiais das demarcações, todos eles em posições de comando em 1801, impunham a sua vontade de não se ir mais longe. Mas para que esse plano fosse posto totalmente em prática faltava atacar e ocupar os fortes de São Miguel e de Santa Teresa, este último edificado em 1762, e local de início na costa da fronteira acordada em 1750. 

Os contra-ataques espanhóis, realizados pelos comandantes locais, e onde se nota uma completa descoordenação de esforços, atrasaram na fronteira sul do Rio Grande o progresso da campanha, devido sobretudo à conjugação dos ataques com a morte do governador da capitania, que se preparava para ocupar a zona de Castillos. A reconquista não seria completada, já que em 17 de Dezembro de 1801, o governador interino recebeu um ofício, datado de 27 de Novembro, do vice-rei do Brasil, o conde de Resende, informando-o da proclamação da paz em Portugal após a rectificação do tratado de paz assinado em Badajoz em 6 de Junho. Proclamado em toda a província foi seguido de um cessar-fogo generalizado, aceite pelo exército espanhol oficialmente em 5 de Janeiro de 1802.

continuação


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© Manuel Amaral