As Campanhas no Brasil - 9.ª parte

 

 

A ocupação dos territórios cedidos em 1761 

A luta na linha do rio Jaguarão e a preparação da conquista da fortaleza de Santa Maria 

 

O grosso do dispositivo português na zona militar Sul da província tinha sido concentrado em frente à guarda da Lagoa, forte construído no local da actual cidade de Jaguarão. A guarda estava colocada entre a Lagoa Mirim e o vau de Nossa Senhora da Conceição, o actual passo Centurión. Em finais de Setembro, a Legião de Cavalaria Ligeira do Rio Grande, comandado pelo coronel Manuel Marques de Sousa, acompanhada por várias companhias de cavalaria de milícias e do batalhão de infantaria e artilharia da capitania atacou o forte, conquistando-o sem dificuldade, já que aqui como nos outros pontos da região os espanhóis, tinham decidido concentrar as suas forças na fortaleza de Serro Largo.

 

Marco no Chuy

© AHM

Marco colocado no início do Território Neutral até Chuy

Estas fáceis ocupações de território, realizadas durante todo o mês de Setembro, fizeram com que as forças militares do Rio Grande do Sul tivessem conseguido ocupar os territórios que delimitam, praticamente ainda hoje, a fronteira do Brasil com o Uruguai. Faltava para ocupar o território entregue a Portugal pelo tratado de Santo Ildefonso uma pequena língua de terra a sul do rio Jaguarão e da lagoa Mirim, na prática os territórios controlados pelas fortalezas de Serro Largo, São Miguel e Santa Teresa. 

Consolidada a conquista, o coronel Marques de Sousa, oficial que se distinguirá também na ocupação do Uruguai em 1811 em apoio do governo colonial espanhol da altura, e que terminará a sua carreira com o posto de tenente-general, enviou no dia 15 de Outubro, após pequenos reencontros com as forças espanholas, uma força de reconhecimento para o outro lado do rio, com um efectivo maior, para poder operar mais longe da base. Ordenou, por isso, que as forças da primeira expedição reforçada por um outro esquadrão de milícias comandada pelo capitão António Xavier de Azambuja se aprestassem a atravessar o Jaguarão. A este oficial mais antigo e experiente, nascido em Viamão 40 anos antes, irmão mais novo do tenente-coronel da Legião, foi-lhe dado o comando da força. 

No dia 14 de Outubro cerca de 200 milicianos e 40 soldados da Legião atravessaram o rio, no passo do Perdiz, procurando o inimigo sem sucesso durante dois dias. Na manhã do terceiro dia, dia 17, encontraram a força espanhola composta de cento e sessenta soldados a seis  quilómetros do rio, num terreno que lhes era vantajoso. O ataque foi desencadeado imediatamente, mas a força espanhola recuou , tendo uma parte das tropas espanholas apeado e formado uma fila única, utilizando os cavalos como escudo, preparando-se assim, entre duas forças montadas colocadas nas vertentes dos cabeços que delimitavam o terreno, para ser atacada pelas tropas portuguesas. Perante esta defesa, o capitão Azambuja decidiu suster o ataque. Os oficiais conferenciaram conforme as ordens recebidas, tendo o capitão Barbosa proposto "que se avançasse ao inimigo a peito descoberto". Azambuja discordou por pensar que a força inimiga pudesse ser acompanhada de artilharia. Decidiram então esperar até que o próprio Azambuja confirmasse visualmente o armamento dos espanhóis. 

Logo que o capitão de milícias se afastou, Rodrigues Barbosa, oficial com pouco mais de 30 anos, nascido também em Viamão, decidiu atacar a força inimiga, não conseguindo segundo ele resistir às provocações vinda do lado espanhol, mas de facto porque tinha a certeza que a força espanhola não trazia artilharia a acompanhá-la. Informou os soldados do plano de ataque dizendo que se avançaria atrás de uma linha de atiradores. que preparariam o ataque principal disparando as suas clavinas e pistolas, seguindo-se uma carga com a espada em mais de uma direcção. Isto é, a força realizaria um ataque frontal a coberto de uma linha de atiradores, tentando atacar um ou os dois flancos da posição espanhola. Era um ataque de cavalaria ligeira de acordo com os regulamentos. 

Barbosa colocou as forças de acordo com o plano traçado e atacou decididamente as forças inimigas, que rapidamente foram desbaratadas, tendo sofrido cerca de noventa baixas. Concluído o combate o capitão ordenou que se dessem "três vivas ao Sereníssimo Príncipe de Portugal, o que os espanhóis e todos cumpriram prontamente", e regressou com a sua força à guarda da Lagoa, do outro lado do rio Jaguarão. 

Pouco tempo depois, o coronel Marques de Sousa destacou para Norte um corpo de 200 homens para observar as forças do coronel D. Ignacio de la Quintana, que tinham saído do forte de Serro Largo em número de 700 efectivos e se dirigiam para as bandas do rio Santa Teresa, tentando contra-atacar no flanco direito do dispositivo português para proteger a região das Missões e sobretudo São Borja. 

Esta diminuição tão sensível das forças espanholas em redor do forte de Serro Largo, e as derrotas sucessivas dos piquetes espanhóis que defendiam os vaus do Jaguarão, permitiram pensar que seria possível atravessar o rio rapidamente e em força e conquistar a fortaleza de Serro Largo. Com as informações prestadas pelos prisioneiros, e com as forças moralizadas pelos desfechos favoráveis dos combates, o governador Veiga Cabral decidiu-se a atacar a principal fortaleza espanhola na fronteira Sul com uma força de cavalaria, formada por um esquadrão de cavalaria ligeira e outro de milícias a cavalo, reforçados por um terceiro de dragões, que acompanhava uma força de infantaria, que nesta região se movimentava sempre montada, acompanhado por três peças ligeiras de artilharia. 

O comando da operação foi entregue ao coronel Marques de Sousa, que dividiu as forças em duas colunas. Logo que a artilharia atravessou o rio por meio de uma jangada improvisada, a força avançou em direcção à fortaleza espanhola. A coluna da direita era comandada pelo tenente-coronel da Legião de Cavalaria Ligeira Jerónimo Xavier de Azambuja, antigo braço direito do brigadeiro Rafael Pinto Bandeira, o primeiro comandante do corpo de cavalaria, e a da esquerda pelo major Vasco Pinto Bandeira, irmão mais novo, segundo parece, do célebre brigadeiro, os dois membros das principais famílias do Rio Grande. 

A força composta de 800 homens, saiu de Jaguarão a 27 de Outubro, chegando três dias depois, de manhã cedo, em frente do forte de Serro Largo. Tendo colocado as suas forças em linha de batalha o coronel enviou o ajudante da Legião, o seu filho Manuel Marques de Sousa, com uma carta de intimação ao governador espanhol. Comandante de uma guarnição de mais de 600 homens, o oficial espanhol recusou a notificação, cordial mas firmemente. Então, o coronel Marques de Sousa recolocou as suas forças, preparando-as para um ataque ao forte e avançou de imediato contra a fortificação. 

A artilharia do forte disparou duas salvas de artilharia contra a linha portuguesa mas sem qualquer efeito no desenrolar da marcha. O governador espanhol decidiu então tentar parar o ataque fazendo carregar a sua cavalaria. Um corpo de lanceiros espanhóis forte de 90 homens saiu da fortaleza em coluna, fez a conversão de coluna para linha, alinhou as suas forças e galopou direito ao flanco esquerdo português. O coronel Marques de Sousa respondeu prontamente enviando contra ela a cavalaria comandada pelo major Pinto Bandeira. A resposta da cavalaria portuguesa foi tão pronta, e realizada com tanta impetuosidade, que a cavalaria espanhola estancou, virou costas e fugiu desordenadamente de regresso à fortaleza. 

O coronel português fez então avançar a artilharia, para começar o bombardeamento de Serro Largo. Meia hora depois de a artilharia ter começado a actuar a situação começava a piorar para o lado espanhol, e o governador do forte, D. José Bolanos, viu-se na necessidade de requerer a capitulação. Enviou o ajudante da fortaleza para negociar a rendição, que sendo aceite rapidamente por Marques de Sousa, se resumia à saída das tropas da fortaleza, sendo permitido, como sempre nestas regiões, a cada membro da guarnição sair com cavalo e arma. No dia seguinte, ao romper do dia 31 de Outubro de 1801, o comandante do forte de Serro Largo, depois de passar pelas suas tropas perfiladas na praça de armas, saiu pela porta principal do forte dirigindo-se ao encontro do comandante português. Cumprimentou-o e postou-se ao seu lado. Enquanto as suas forças passavam por entre as alas de tropas portuguesas com as bandeiras desfraldadas e os tambores batendo como era de norma, o oficial espanhol perguntou pelo responsável da artilharia. Marques de Sousa chamou o cabo de esquadra Joaquim Luís, que foi cumprimentado pessoalmente pelo governador da fortaleza, tendo recebido como prémio pela sua actuação uma pipa de bom vinho espanhol. Quando as tropas espanholas abandonaram finalmente o forte, o coronel Marques de Sousa entrou em Serro Largo à frente das suas tropas, às seis da tarde, tomando oficialmente o forte em nome do Príncipe Regente. 

Depois da cerimónia de tomada de posse do forte, que se realizou como sempre içando-se a bandeira portuguesa, dando-se três vivas ao soberano e ouvindo a arenga do comandante das forças, a fortaleza começou a ser demolida, tendo os quartéis sido incendiados. Impedido que a povoação de Melo fosse saqueada pelas suas tropas, o coronel autorizou, em compensação, os soldados de todos os tipos a arrebanhar o gado solto, como paga da sua actuação na conquista do forte. Quando o forte acabou de ser demolido, o grosso das forças portugueses regressou ao Jaguarão. 

O forte estava situado no território atribuído a Portugal pelo tratado de 1750, mas as forças consideráveis do coronel Quintana estacionadas a Norte, preparando-se para atacar a fronteira do rio Pardo, e as forças dos fortes de S. Miguel e Santa Teresa a Sul, não permitiam uma ocupação segura de Serro Largo. Retirando-se, conservava-se a linha do rio Jaguarão, e mantinham-se forças suficientes para apoiar o regimento de Dragões se necessário fosse, sendo que destruindo o forte se impedia, em princípio, uma concentração espanhola no centro do dispositivo na zona fronteiriça do Rio Grande. Para observar os movimentos espanhóis foi deixada em Melo uma força de cavalaria comandada pelo tenente Manuel de Paiva. 

Entretanto, o tenente-general Veiga Cabral, que se mantinha na vila de Rio Grande a dirigir as operações, começou a preparar a próxima acção militar concentrando na guarda de Taím, em finais de Outubro, forças regulares e milicianas, preparando-se para avançar em direcção ao Sul, com intenção de conquistar o forte de Santa Teresa. Parece que as forças chegaram a avançar de novo em direcção ao arroio de Chuí, riacho que delimitava a Sul os campos neutrais entre as duas linhas fronteiriças, e já desguarnecido da guarda espanhola, em finais de Outubro. Esta acção, para além de restabelecer os limites acordados, permitiria apoiar convenientemente o ataque realizado por Marques de Sousa contra Serro Largo. Será aqui, nestes terrenos incorporados definitivamente no território da colónia, que será edificada mais tarde a cidade de Santa Vitória do Palmar, sede do município mais meridional do Brasil. 

A morte de Veiga Cabral no dia 5 de Novembro, após 20 anos de governo da capitania, veio desorganizar os planos de ataque à fortaleza de Santa Teresa, local na costa onde estava estabelecida a fronteira de acordo com o tratado de 1750. Será só em finais de Novembro, após a nomeação de um governador interino, que o plano irá ser retomado.

continuação


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© 2001-2009, Manuel Amaral