Passos Manuel

Passos Manuel

DISCURSO DE PASSOS MANUEL.

 

Discurso de Manuel da Silva Passos - Passos Manuel - na Câmara dos Deputados em 8 de Abril de 1837, explicando os actos tomados em ditadura.

 

Passos Manuel quando se apresentou no Congresso, assembleia constituinte unicamaral, era ministro do reino, da fazenda e da justiça, formando ministério com Sá da Bandeira, que acumulava a secretaria da guerra, dos negócios estrangeiros e da marinha, já que Vieira de Castro tinha abandonado o governo no mês anterior.

O governo em que Passos Manuel participava tinha sido formado em 5 de Novembro de 1836, a seguir à tentativa de golpe de estado conhecido pela Belenzada, acontecido entre 2 e 4 de Novembro, que tinha tentado repor a carta constitucional revogada pela Revolução de Setembro desse mesmo ano. O governo apoiado pela Guarda Nacional estacionada em Campo de Ourique, que tinha defendido a situação revolucionária, tinha governado em ditadura, assim como os dois que o precederam desde Setembro de 1836.

Com a abertura das câmaras em 2 de Janeiro de 1837, tratava-se de fazer com que o Congresso aceitassem as leis promulgadas anteriormente por meio de uma lei de remissão.

O problema colocado por vários deputados, e que Passos Manuel tenta responder neste discurso, é o da legitimidade destas leis. Sem nunca falar explicitamente dos casos anteriores - revolução inglesa de 1688, revolução americana de 1777 revolução francesa de 1789 -, Passos Manuel defende que o povo tinha o direito de fazer e desfazer governos, e que a legitimidade da produção legislativa dos governos setembristas se baseava na legitimidade revolucionária de Setembro e sobretudo da de Novembro, no direito de resistência do povo contra os abusos do poder e o poder despótico.

Para Passos Manuel, e os setembristas, o fulcro da questão era saber onde residia a soberania, defendendo que, como se tinha afirmado em 1820 ela «residia fundamentalmente na Nação» e não no rei.

 

«o povo soberano foi quem por este meio reconheceu o princípio da ditadura legislativa. Ele era soberano e contra esta sua expressa vontade, não sei o que possa opor-se. Se se quiser porém entrar na discussão, se os homens do Campo de Ourique eram ou não a nação ou representavam parte do povo livre, o Congresso o decidirá»

 

Sr. presidente, eu tenho a agradecer aos nobres deputados que propuseram a suspensão das leis da ditadura a cortesia com que trataram a administração; eles fizeram justiça às nossas boas intenções, mas apregoaram-nos de grandes materiais; nisto não me. fizeram grande injustiça, porque já me tenho declarado sendeiro neste parlamento; por consequência não tenho senão a ensoberbecer-me por ver o pouco juízo confirmado pelo de tão ilustres oradores.

Sr. presidente, se as leis da ditadura não são úteis ao país, o Congresso não tem mais que revogá-las todas e eu agradeço muito o tirar de sobre nós o peso da responsabilidade imensa, que essas leis nos trouxeram; se porém essas leis são úteis ao país, então a questão deve ser considerada debaixo doutro ponto de vista. É muito fácil censurar, é muito fácil destruir: o destruir todas as leis da ditadura, é um acto muito simples: uma votação deste Congresso ... e a grande obra está consumada. Os Srs. deputados que me precederam, disseram que nós fizemos leis de mais; disseram que fizemos leis por fantasia; disseram que essas leis são más, porque são muitas; e que são más porque são novas; finalmente disseram coisas, que eu na verdade fiquei espantado de as ouvir dentro deste Congresso. Porém a verdade é que essas leis em grande parte são tiradas dos trabalhos dos corpos legislativos que tem havido em Portugal desde 1820; dos trabalhos das Cortes constituintes, das Cortes ordinárias de 1822, e das Câmaras de 24 e 34, e das Câmaras dos pares; além desses trabalhos que serviram de base a todos os decretos da ditadura, houve trabalhos especiais, esses decretos antes de sancionados, foram maduramente examinados por comissões especiais; por homens esclarecidos que se interessavam na glória e felicidade do país; homens que queriam a vitória da revolução de Setembro, que não fugiram dela; esses homens, digo interessados na glória da revolução, aconselharam o governo; e esses homens, entendo eu, que deveriam ser tratados com mais justiça por alguns dos nobres oradores desta, casa.

Sr. presidente, disse-se que nós não tínhamos o poder legislativo, senão até ao dia 18, mas que Constituição há aí sobre a terra, a de 22, a de 26, enfim que Constituição existe, que desse ao Sr. conde de Lumiares, ao Sr. Visconde de Sá, ao Sr. Vieira de Castro, e a mim, homem de Bouças, o direito de legislar? Sr. presidente é singular que a ditadura até agora não tivesse oposição; e só quando ela expirou, é que nos chamam tiranos e usurpadores! São insultos ditos na face de César, depois de levar vinte punhaladas. Aonde estava a coragem, o patriotismo, o amor à liberdade, e o respeito à Constituição? Quando Polignac usurpou o poder legislativo, eu vi os corajosos jornalistas de Paris, cercados de gendarmes, arremessando sobre armas as suas folhas, para inflamar os ânimos e admoestar o povo à insurreição e à defesa das leis e o usurpador caiu entre as ruínas de um trono, e foi pagar a sua audácia ao Castelo de Ham. Mas os nossos censores não desenvolveram o amor ao sistema representativo; é porque não provocaram contra nós o povo generoso, que de certo nos teria feito em postas! Sr. presidente é necessário que eu faça justiça aos meus mais implacáveis inimigos; o partido que mostrou coragem em combater a ditadura foi o partido da administração transacta, partido corajoso, porque não recuou, nem empalideceu, nem estremeceu diante dos tiranos e foi ele que pugnou pela não violação duma lei Constitucional. Ora, Sr. presidente, nenhum dos nossos amigos políticos então nos combateu, nem nos disse que, nós de certa maneira usurpámos dos poderes do Estado o mais importante o podar de legislar! Reservaram-se para tarde! Hoje vêem estes grandes cavalheiros como campeões, declarar-nos agora, que nós violámos a Constituição, que de facto foi violada desde Setembro. Sr. presidente, a questão é considerada debaixo de dois pontos de vista: a questão de direito e a questão de facto ou de conveniência. Sr. presidente, hoje não só se combateram os actos da ditadura, mas até se disse que a ditadura não é senão para fazer calar as leis. Oh! Sr. presidente! Tenho pasmado com o que tenho ouvido! Ouvi, que ditadores só os havia em Roma; a ditadura, Sr. presidente, tem existido há muitos séculos; que era Moisés, senão um verdadeiro ditador legislativo? Que era o imperador, quando dava a Carta Constitucional a Portugal? Pois não houve ditadores senão em Roma? Ainda há poucos anhos o general Clopiché não foi ditador na Polónia? O imperador, com a sua espada de guerreiro destruiu exércitos e com a sua pena como legislador destruiu os colossos da tirania. E foi isso a que se chamou a primeira ditadura chamaram-lhe assim os sábios representantes da nação: os legistas da nação: bem ou mal, não sei; mas chamaram-lhe assim e ninguém combateu, nem repreendeu essa expressão, e vêem agora combater questões de gramática! Agora, Sr. presidente, se quiserem consultar as Constituições e as leis de direito público, para mostrarem que o Sr. Conde de Lumiares, o Sr. Visconde de Sá da Bandeira, o Sr. Vieira de Castro e o homem de Bouças (riso) não tinham recebido, nem pela Constituição, nem da mão de Deus, o direito de dar leis ao país, concordamos exactamente; mas nós não derivamos da vontade do Eterno o direito de legislar. Não fomos mandados pela Providência! Somos filhos da revolução e a revolução pode destruir, trono, altar, leis e Constituição. O povo fazendo uma revolução e encarregando-nos a sua defesa, deu-nos o direito de nos armarmos de um poder discricionário, e de quantos meios lícitos houvesse para fazermos triunfar e brilhar a causa do povo, e, um poder legislativo. Os que se opuseram contra nós, os homens que nos combateram, quem eram? Eram os sectários da tirania e os partidários da administração passada.

Agora, Sr. presidente, dizer que eu não poderei apresentar os publicistas, enganam-se. O publicista está depositado neste mesmo edifício, é a Torre do Tombo, e quando os mesmos partidários da administração passada me pedirem que mostre esse publicista, eu hei de pedir-lhe que apresentem o plebiscito, que investiu o imperador da ditadura que ele exerceu: quando me mostrarem os seus pergaminhos e diplomas, nós mostraremos que o plebiscito está no grito do povo e na necessidade de o amparar e defender. Sr. presidente, nós pudemos explicar o facto, que apontou o Sr. Leonel, da reunião de nossos amigos; mas nessa reunião se declarou, que a responsabilidade moral era de todos, e a legal nossa; mas nós sabíamos bem, que qualquer que fosse o resultado da revolução, pelo das eleições só nós responderíamos; porque se hoje temos um Congresso composto de homens amigos da revolução de Setembro, podíamo-lo ter composto na sua maioria de homens amigos da administração passada, e se nos perguntassem pelo nosso publicista, e déssemos esta resposta, que acabei de dar há pouco, havíamos de descer ao banco dos acusados e dali subir ao cadafalso. Tomámos sobre nós uma responsabilidade imensa, com a maior repugnância e coragem; mas o nosso sangue é tributo do país, e nós nos julgamos com força bastante para tomar essa e maior responsabilidade nos momentos de dificuldade; porque tudo devemos à nossa pátria. Sr. presidente, dissesse-nos: salvai o país e a revolução: ficai com os braços soltos, mas depois não vos desculpeis, que não tínheis forças, meios, nem. poder. Era esta a linguagem que se nos falou, prometendo-se-nos apoio, mas o governo não, quer senão um apoio franco diante de seus actos; eu farei justiça às intenções daqueles senhores que entendem que a ditadura não devia ser levada tão longe, nós entendemo-lo de outro feitio; mas não deixámos de esperar que hoje se nos haviam de pedir estreitas contas, como se nós fossemos um ministério regular e constitucional; nós sabíamos que haviam de ser condenados os nossos actos, que havíamos de ter a sorte de mais legisladores e, reformadores; porque as nossas reformas haviam de ferir muitos interesses e simpatias; que haviam de revoltar as ambições e a vaidade; e que por consequência havíamos de ter essas vaidades, essas ambições, contra nós no dia do juízo; mas nós não cedemos diante de considerações e reformámos; mas ainda assim não esperávamos ser tratados, como há dois dias, temos sido. Agora, Sr. presidente, digo, que do triunfo da revolução dependia a sorte dos ministros; porque quando fossem incomodados os mais cidadãos, e ainda os Srs. deputados, as cabeças dos ministros teriam caído primeiro. A glória do Congresso, a sua marcha brilhante era do nosso dever prepará-la: porque era a única garantia do nosso repouso e permanência dentro do país. Mas disse um Sr. deputado que se senta daquele lado, que já se serviu mal da palavra amores, e que mal se serviu também da palavra ciúme, que por ciúme do Congresso nós tínhamos legislado tanto, porque queríamos mostrar que valamos mais do que as Cortes. O que nós mostrámos bem claro é que queríamos a liberdade progressiva; porque respeitamos sempre o princípio electivo em todas as nossas leis, e portanto que somos sinceros amigos da verdadeira liberdade como os que mais o são. Ora acusam-nos de termos feito leis más; ora de termos feito leis boas; tão boas, que receia o orador que o Congresso as não possa fazer melhores! Esta honra não a podemos nós aceitar; tão injusto é o elogio, como a censura. Diz-se: fizemos leis boas para mostrar que três homens, quatro homens, podem fazer melhores leis que o Congresso e que por este meio tornamos odioso o sistema representativo! Notem, senhores, a miserável contradição do nobre deputado: enquanto censurou todos os actos da segunda ditadura e se extasiou com elogios à primeira ditadura, a quem eu tenho sempre feito justiça: depois de ter lançado uma censura cruel sobre a segunda ditadura, em que nos disse; a nós, ministros: vós não fizestes coisa que prestasse; mas isso que vós fizestes, e que não presta, é melhor do que tudo quanto tem de fazer o Congresso; e assim o povo dirá: entre os males o menor. Se as nossas leis são tão más (como pretende o orador) e tão más que nelas há coisas para aproveitar; então levantamos um grande padrão à glória do Congresso, e convencemos a razão, de que as da primeira ditadura não podem fazer bem, e que o sistema representativo é óptimo se fossem leis boas, e tais que o Congresso as não pode fazer iguais; para que são essas censuras exageradas, iníquas; para que iludir o povo, e dizer que nós fizemos mal! Triste contradição. Disse-se que nós legislámos de mais, e eu digo, e todos os homens que tiverem meditado, e tiverem amor ao país, dirão, que, nós legislamos de menos, porque o país estaca desorganizado. Demais, se os Srs. deputados dizem, que as leis da segunda ditadura são precisos quatro anos para as ler e estudar, pergunto eu em quantos anos se discutirão estas? Quererão os Srs. deputados, que este Congresso seja eterno: querem deixar as suas cadeiras para filhos e netos? Não querem por certo! O Congresso tem de fazer a Constituição, tem de organizar a fazenda e isso não é pouco; porque só para a Constituição, o Congresso constituinte gastou dois anos para fazer uma Constituição, o que um homem entendido fazia em dois dias; constituição que durou coisa de seis meses. Eu espero que o Congresso não há de dilatar as suas discussões tanto, porque não há de converter esta Assembleia em escola de direito público e gastar o tempo com coisas já sabidas de qualquer estudante; porque, o meu empenho e desejo é apresentar leis sábias e acudir aos interesses do país. Mas diz-se, o governo fez tudo. Será isto verdade? Creio que não. Esta censura é igualmente injusta e infundada: bastante tem o Congresso que fazer. O Sr. deputado disse, que as nossas leis são más, porque são novas. Sr. presidente, eu sempre ouvi que féis e mulheres, quanto mais novas melhor. E a não ser assim, teríamos de voltar ao código filipino, ou antes às leis bárbaras dos tempos tenebrosos: isto é, devíamos ser governados pelos homens de meia-idade. Isto é um insulto feito à civilização do país e ao século actual.

Sr. presidente, nada mais fácil do que censurar; eu não sou grande poeta; mas entendo e sou capaz de dizer ao Sr. Garrett, que tem alguns versos maus, outros fracos, outros duros, outros talvez de pé quebrado; mas daqui não se segue, que eu os faça melhores? Para destruir, Sr. presidente, basta um pigmeu; mas para edificar; é necessário um gigante: tantas vezes temos agitado a urna eleitoral e nunca acertamos com as provas de nossos representantes! Estaria essa felicidade reservada para o ano de 1837? Começaria agora o reinado de Saturno e o século de ouro? Só agora é, que apareceram os Sólons e os Licurgos? O Congresso é o representante da nação, mas ele rejeita, como podre incenso, qualquer elogio que se faça ao Congresso actual; com detrimento dos antigos parlamentos aonde brilharam tantas ilustrações; porque o Congresso começa os seus trabalhos, e é só quando os ultima que pode esperar o juízo da história. Demais, a modéstia é a coroa dos sábios.

Alguns Srs. deputados dizem, que não têm lido as nossas, leis, mas nisto não fizeram senão dar mais um documento de sua conhecida modéstia, porque eles têm lido; e a prova de que têm lido, é, que o Sr. deputado secretário, que foi um dos que assim o disse, foi buscar ao centro do código um artigo para o censurar.

A prova de que se lêem as leis da ditadura é que todos os dias estamos aqui a ser censurados por elas. - Sr. presidente, um dos membros que já se não senta neste Congresso e que é um distinto escritor, disse em uma carta que me escreveu, que Deus me desse muita saúde para fazer menos leis do que aquelas que se não podiam ler; este escritor acredito eu que as não lesse, porque é muito preguiçoso; e se as não lia era pela sua própria preguiça e não por culpa minha. Disse um Sr. deputado, que as leis eram más. Fazer uma censura a qualquer lei dizendo que é má, é muito fácil; e eu também vou provar que o código de Napoleão, sendo um dos grandes monumentos da sabedoria, tem muitas coisas más. Mas apresento eu outro código melhor do que aquele? Em teoria concordo que todas as leis hão de ter muitos defeitos. Já se disse que nós tínhamos legislado muito e administrado pouco; mas eu digo, que quanto ao cumprimento dos nossos deveres ninguém nos pode censurar sem a mais flagrante injustiça: no primeiro dia que eu aceitei o ministério, mandaram-me a casa uma pasta tão cheia de papéis para despachar, que eu hesitei e estive quase resignando (V. Ex.ª estava presente.) Os meus amigos sabem a actividade e o zelo com que me emprego no desempenho dos meus deveres, e que para nenhum despacho me não confio de procuradores. Se algum Sr. deputado quiser ir à secretaria do reino, revolvendo todos os papéis, verá claras provas do mais assíduo trabalho. Quanto, às leis da ditadura, todas as que pertencem à minha repartição foram por mim examinadas; o Sr. José Alexandre de Campos sabe, que eu examinei artigo por artigo, a lei da instrução pública; o Sr. João de Oliveira assistiu a discussões no tesouro, e podia ver quanta solicitude mereciam ao governo os públicos negócios. A lei dos expostos era uma lei passada na Câmara dos pares, aprovada pela Câmara dos deputados: a lei dos novos inventos é obra da Câmara dos pares, aprovada pela dos deputados, e depois examinada por pessoas muito sábias e instruídas. O código administrativo, o que é este código administrativo? É a mesma lei de 16 de Maio (n.º 23) com as modificações feitas pela Câmara de 1835, e resultado da prática do sistema; as bases são as mesmas com melhoramentos da experiência com nexo, cuidado e sistema; mas é muito mau esse código. (Disse um Sr. deputado e este lançou lágrimas de dor sobre as Câmaras Municipais): eu declaro ao nobre deputado, que quando as Câmaras faltarem aos seus deveres, podem ser metidas em processo; porque eu num governo constitucional não conheço inviolável senão a rainha. Ora o art. 82.º do código administrativo diz (leu); portanto não se trata do processo; trata-se de posturas, que não hão de prevalecer sobre as leis. Sr. presidente, o direito que têm as Câmaras de pôr as posturas, não é mais forte que aquele, que tem o Congresso de fazer as leis. Há princípios vitais, estabelece-se um direito geral de exportação mas uma Câmara quer aumentar este direito; e então há de essa Câmara ter mais direito que o Congresso? Certamente não; e então o poder judiciário tem, acção contra a Câmara. Em França entende-se bem esta teoria e a alta necessidade dos tribunais e da magistratura. Aqui não pode ser já, porque o nosso poder judiciário não está ainda estabelecido e não tem ainda recebido a necessária independência, que vem menos das leis, que dos costumes públicos. Não digo que todas as nossas leis são perfeitas; mas hão de se ir sucessivamente aperfeiçoando. Para que é um código administrativo? E pergunto, para que é um código de processos? Para que é um coligo civil; para quê um código penal? Fizemos um código administrativo, não inteiramente bom; mas melhor do que a lei que ele substituiu. E é isto objecto de censura? - O Sr. deputado falou também de juízes ordinários. - As leis publicadas depois de 18 de Janeiro não são de grande importância; contudo algumas delas (se fossem revogadas) poderiam pôr a administração em grandes embaraços; como por exemplo as leis para o ultramar que, senão fossem aprovadas poriam o governo em dificuldades. E eu recordo ao Congresso, que não há muitas horas que o Sr. Garrett aludiu, aprovou e aplaudiu essas leis. Há também outra lei, que é a das pautas; eu a apresentei como um acto que atesta a nossa independência nacional. Até aqui dizia-se que não tínhamos pautas, porque os ingleses não consentiam. Esta calúnia está destruída. As pautas têm muitos defeitos; mas o governo deseja e promove os seus melhoramentos. As pautas sem fiscalização não seriam como a bolsa de Pandora: eu estabeleci aquele sistema, e se este decreto não for aprovado, havemos amanhã de pedir ao Congresso, que o converta em lei, ou que suspendam as pautas. As Câmaras de 1834 não aprovaram explicitamente actos da ditadura, reconheceram um facto. Nós fazemos uma declaração solene de que reconhecemos o direito, que tem o Congresso, e que a responsabilidade dos ministros fica salva. Olhamos a questão pelo lado da conveniência; este não a pode haver. Diz um Sr. deputado, que o Congresso pode fazer as leis, e que as deve fazer; mas se o Congresso tem de fazer a Constituição e de discutir objectos da fazenda, e outros importantes; se se encarrega de nos dar a 2.ª edição das nossas leis, fará amanhã o que hoje desfez. Perde perfeitamente o seu tempo. Sr. presidente, quanto à cortesia, disse um Sr. deputado, que se assenta daqueles lado, que não pedia licença aos ministros para censurar os seus actos! Mas isto é expressão usada em todas as assembleias deliberativas e o que se chama cortesia parlamentar. Eu faço toda a justiça, à independência do nobre deputado; mas decerto não é menor a de todos os outros membros desta casa e não é menor também a dos membros da administração, que é decerto a mais independente, e que nunca foi visto andar a pedir aprovação, nem apoio, nem os votos a nenhum deputado; nós temos, aquela atenção, que nos merecem os nobres deputados pelas suas virtudes e luzes, pela sua independência; como ministros da coroa nós somos os ministros mais independentes e mais orgulhosos, que se tem apresentado diante de todos os parlamentos da terra. O apoio que pedimos é a nossos actos, combatendo e discutindo: o Sr. deputado é muito independente, mas os mais também o são; e os ministros actuais de tudo podem fazer sacrifício menos da sua honra e do seu pundonor. – Disse o Sr. deputado, que faltámos à cortesia do Parlamento, porque fizemos leis na véspera da sua reunião isso mesmo se poderia dizer de um ou dois meses antes; e então lá vai a ditadura pelos ares. O Congresso no discurso do trono reconheceu o facto das nossas leis e disse à coroa que as examinaria e hoje não pode dizer o contrário. Sr. presidente, se os decretos eram muitos, se os Srs. deputados os não têm lido até hoje, muito menos os poderiam ler antes do discurso do trono; mas aporá depois de ter dito à rainha qual era a política do Congresso, dizer hoje que mudou dela? Não sei se o Congresso queria passar por essa humilhação. A cortesia está da parte do governo, que depois do dia 18 não fez um só decreto. O Sr. José Liberato sabe muito bem, que todos os decretos da minha repartição lhe foram remetidos antes desse dia; o direito vinha do acto da assinatura de S. M., e a publicação não serve senão para regular a época da mesma, mas não para dar a força legislativa, que está no decreto e na sanção. Tenho mostrado que o governo teve com o Congresso toda a cortesia. Agora direi, que eu deixei sem execução a lei de fiscalização: e por isso o Congresso pode revogá-la; porque não ofende interesses novos; ainda não nomeei os empregados. Mas se o Congresso assim decidir, tem nesse momento um grande monumento levantado à sua glória por todos os contrabandistas. Eu publiquei a lei das hipotecas, tal qual fora apresentada pela comissão de legislação da Câmara de 1836, onde, havia óptimos legistas, óptimos menos um (que sou eu); receei regular o direito antigo e por isso fiz examinar este negócio por uma nova comissão: a lei das hipotecas está em execução; mas ela pressupõe a divisão do território efectuada; e montado o novo sistema: se a lei judiciária sair, não sei como se segurará a lei das hipotecas, ainda que anteriormente decretada; e assim perderá o país um dos maiores benefícios que recebeu da segunda ditadura.

Disse-se também que o novo processo não é, bom e que dá lugar a muitos tropeços. Sr. presidente, este processo é fundado sobre as bases do decreto n.º 24, e eu sou o primeiro que declaro, que o decreto n.º 24 com todos os seus defeitos, é talvez o maior monumento da glória do defunto Libertador; e que ali se acham as bases da verdadeira organização judicial. Sr. presidente, a ditadura que nós exercemos, não foi confiada aos ministros, mas sim a Sua Majestade; porque a nação não pode ter tão ilimitada confiança em três ou quatro homens, que compõem o ministério; mas sim na augusta casa de Bragança e em S. M., de quem a nação diz, que é herdeira das virtudes e glória de seus passados: e consequentemente a segunda ditadura é de S. M. a rainha, como a primeira foi do imortal imperador. Também se disse, que o Sr. D. Pedro tinha tão aparada a pena, como a espada. É verdade, Sr. presidente, os decretos que aquele augusto príncipe publicou, foram leis da salvação, filhas do século actual e tendentes a fazer a felicidade dos portugueses. Mas o príncipe não fez essas leis, foram os seus ministros; - verdade é que o príncipe fez algumas além do n.º 24; mas essas, não outras, não lhe podiam dar o nome de autor. - O príncipe entendeu que a magistratura para ser um corpo respeitável devia ser independente e dar-se-lhe de comer, e por isso queria ele, que os magistrados fossem bem dotados. Como há de ler uns autos, examinar a justiça das partes, o juiz que se vê cercado de mulher e filhos que lhe pedem pão? Se porém nós, hoje não seguimos nesta parte, inteiramente a política do imperador, é por causas estranhas à vontade do Congresso e do governo. A nossa cruel economia é uma cruel necessidade do momento. Agora, Sr. presidente, direi que a reforma das prefeituras foi feita pelo Sr. Garrett (segundo me parece), o que contudo não assevero: e a da reforma fiscal pelo Sr. Mousinho da Silveira. Nesta sala combatemos nós muitos dias para conhecemos quais eram as vantagens, que resultavam dos juízes ordinários: - e não foi pequeno o combate que houve a este respeito.

O decreto, Sr. presidente, não pertence à minha repartição; mas apesar disso, a primeira parte dele foi revista por mim, e a verdade disto pode conhecer-se recorrendo ao original, que deve existir nas mãos do chefe da magistratura portuguesa: - eu vi-o, examinei-o; ainda que as minhas opiniões não tiveram a inteira aprovação de uma comissão; isto é, a prova de que não foi precipitado, está em que ele foi feito sobre o projecto de Cádis, feito por uma comissão de juízes estranhos ao Parlamento, respeitáveis pelos seus conhecimentos e animados do bem público, membros da associação jurídica, e todos reconheceram que não podia haver paz, nem justiça com o sistema adoptado pela Câmara de 1834. Depois disto, Sr. presidente, foi nomeada uma comissão de distintos juízes para o examinarem: - e depois de tudo isto, que fez o governo? Apresentou-o ao Sr. Manuel Duarte Leitão, um dos ornamentos da magistratura e de quem são respeitados os conhecimentos como dum magistrado velho e experimentado: - mas o Sr. Leitão ouviu e foi ajudado com as luzes de muitos jurisconsultos; e creio que alguns deles estão nesta Câmara: E poderá com justiça dizer-se o que ouvi a um Sr. deputado; depois de tão sérios e escrupulosos exames, que o código foi feito com precipitação! Defeito há de por força ter, porque é obra dos homens; mas que aquela obra nada tem de bom, nem de aproveitável, isso é que não pode admitir-se.

Alguns Srs. deputados disseram, que não pode conhecer-se a bondade das nossas leis, senão quando executadas: mas, a isto direi eu, que é necessário então que os povos vão por si fazendo as leis e executando-as depois para que nós as decretemos mais tarde; - o fazer as leis pertence aos legisladores estes podem conhecer a priori que, tal e tal lei é boa ou má, e fazê-la ou rejeitá-la; mas a experiência depois é quem dá a conhecer os seus defeitos e inconvenientes. Aí está a experiência, o progresso, o princípio de perfeição. Resumindo pois direi, que o governo usou para com o Congresso de toda a cortesia, porque depois do dia 18 não fez nenhuma lei.

Que a comissão de legislação é excessivamente generosa, enquanto aprova com o seu parecer as leis, que até aquela data foram feitas.

Sr. presidente, quando se tratou Ï de reunir os portugueses e de reconciliar S. M. com a nação, entre as condições que se escreveram e ajustaram com os vencedores do Campo de Ourique, uma delas foi que seriam válidos todos os decretos da ditadura: esta condição foi mandada dar pela junta de Campo de Ourique, o povo soberano foi quem por este meio reconheceu o princípio da ditadura legislativa. Ele era soberano e contra esta sua expressa vontade, não sei o que possa opor-se. Se se quiser porém entrar na discussão, se os homens do Campo de Ourique eram ou não a nação ou representavam parte do povo livre, o Congresso o decidirá.

O governo reconhece autoridade no Congresso para alterar, revogar ou suspender todas as leis; mas ao governo parece também, que antes de revogar as leis seria melhor se encarregassem comissões para as examinarem e proporem depois ao Congresso quais eram aquelas que deviam ser reformadas e quais as que deviam ser sustentadas: - o contrário disto porá o governo em grandes embaraços.

Peço ao Congresso, me desculpe de o ter cansado tanto; mas assim foi necessário, porque o ministério foi tratado por alguns Srs. deputados com demasiada severidade, quando se disse que todas as leis publicadas para nada prestavam e nem ao menos se nos fez justiça às boas intenções. Que entre todas essas leis não haja nenhuma boa; é o que se não pôde admitir.

Sr. presidente, eu já disse e repetirei de novo, que o imperador tinha feito mais com a pena, do que com a espada; por quanto sem as leis que então se fizeram não podia vingar o sistema constitucional; porque é uma verdade sabida de todos, que sem leis que destruam as instituições velhas, nenhum país se tem regenerado. Porém, o grande mal foi, que o imperador com a publicação da Carta não destruiu as leis velhas; e daqui resultaram muitas desordens e desgraças. Eu creio que a primeira ditadura foi mais gloriosa do que a segunda; mas também creio que a segunda fez alguns serviços ao país.

Sr. presidente, nos senhores. deputados reside o direito de examinar aquelas leis da ditadura aquilo que eles acharem dever sofrer emenda, seja embora emendado; mas não se destrua tudo. Se eu viesse pedir ao Congresso que aprovasse tudo quanto nós fizemos, eu seria um ministro imprudente: - mas eu não venho pedir essa aprovação; venho pedir aquilo que é de esperar da honra e glória do Congresso, que ele faça, para bem da nação e das liberdades proclamadas pela gloriosa revolução de Setembro.

 

Fonte :

Prado d'Azevedo (Ed.), Discursos de Manuel da Silva Passos, Porto, Escrptorio da Empreza («Bibliotheca Modelos de Eloquencia«), 1879.

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