Folha de rosto

Folha de rosto da História Genealógica da Casa Real Portuguesa

 

 

D. ANTÓNIO CAETANO DE SOUSA

 

"Aparato" do autor da «História Genealógica da Casa Real»

 

Como até o presente não havia História Genealógica dos nossos Reis, quando desta não consiga gloria o meu trabalho, não se me poderá negar, que fui o primeiro, que à força das minhas laboriosas fadigas, levantei esta majestosa fabrica, que há anos, que pudera ser pública, porém todo o tempo, que se retardou, que não foi omissão de seu Autor, nem teve mais culpa na demora, que aquela casualidade, a que chamam fortuna, ou desgraça. O ano em que a ofereci na Academia Real se vê da data das licenças, que foi o de 1730, porém devo a esta suspensão conseguir os Selos Reais, que é uma Colecção admirável, de que deduzi uma Real série dos nossos Reis até o presente, em que os curiosos verão as diferenças das Armas, provadas com o testemunho dos Selos, de que os Reis usaram. Nisto tive um grande trabalho para o conseguir, e poder salvar estes preciosos monumentos da antiguidade, conservados sem estimação, e como coisa, em que se não supunha serventia, e assim de todo acabariam, se a minha diligência, e aplicação os não livrara do esquecimento, e desprezo em que estavam, matéria, que ninguém até agora empreendeu neste Reino. Também foi grande o trabalho, que tive em levantar a grande, e formosa fábrica desta obra, sem mais socorro, do que o meu braço; pelo que serão mais desculpáveis os erros, ao que poderei facilmente acomodar‑me, pois todas essas grandes obras, que vemos, ou materialmente levantadas em edifícios, ou formadas pelo entendimento na Republica literária não deixam de lhes buscar defeitos, os que nunca se satisfazem mais, que das suas próprias produções, tendo em menos todas as que não são por partos dos seus engenhos, ou beneméritas pela sua aprovação, e com ingenuidade confesso, e com sincero animo afirmo, que de boa vontade aceitarei os reparos, e emendas, dos que são capazes de as poderem fazer. Também não duvido, que se acharão outros na mudança de alguns números, com que se alteram os dias, e os anos, ou por descuido da pena, o que evitei tudo o que foi possível, ou por inadvertência, que é inevitável nas cópias, e na impressão; serão reparados nas erratas quanto puder ser, nem eu posso imaginar, que na impressão desta obra deixe de suceder o que experimentam os demais, ainda naqueles mesmos Países, em que o cuidado dos Compositores, e Correctores, fizeram tão célebres as Oficinas pela correcção, como pela grandeza. Porém advirta-se, que em muitas ocasiões se acham nascimentos, e mortes de Príncipes, e Senhores, em que os Autores discordam, o que muitas vezes observamos nas memórias do tempo, e ainda nos antigos, e não podemos estar presentes em todos para o evitar; e destas leves culpas para que não concorri, se me não deve fazer cargo, nem menos de escrever algumas vezes os nomes estrangeiros, não só dos apelidos, mas ainda das Cidades, e dos Estados, como os achava na língua Francesa, como por exemplo: HoIstein por Alsácia, Saxe-Gota por Saxónia Goda, e outros semelhantes; porque nisto não houve afectação, antes poderá ser útil nesta História, que sendo escrita em língua não muito usada dos Estrangeiros, se lhe farão perceptíveis, e também porque os apelidos vertidos fazem não só diferente harmonia, mas duvida para se conhecerem.

Nada escrevo sem bons fiadores, que é a fé de Autores graves, e com geral estimação, assim dos nossos, como dos Estrangeiros; e o que ainda é mais, a imensa copia dos documentos originais, vistos, examinados, e a maior parte copiados pela minha própria mão. Destes documentos muitos serão novos à curiosidade dos eruditos, ainda que antigos pela origem, dos quais não fizeras menção os nossos mais celebres Escritores, como se verá nos tomos das provas, o que nas indivíduo, porque os doutos, e cientes da História o conhecerão (aos demais tudo se lhes faz novo) como são, Escrituras, Doações, Contratos de casamentos, Testamentos, Bulas, Breves, e outros documentos, e papeis semelhantes de grande estimação, todos dignos de fé, porque ou são originais, ou Registos das Chancelarias dos Reis, que são de igual valor, que os originais; e a este fim passei as suas Chancelarias, e as gavetas da Casa da Coroa, que compreendem imensos papeis, que vi, apontei, e copiei todos os que me eram precisos para a Historia Genealógica, continuando anos nesta ocupação; porque como a minha obra é tas geral, e tas vasta pelo que compreende, de tudo me era preciso valer, e nas cabe no tempo de uma só vida poder alcançar tudo o que encerra o Arquivo Real da Torre do Tombo, nas se reduzindo só a ele a minha aplicação; porque também vi o Arquivo da Sereníssima Casa de Bragança, o qual posso dizer, que não tem papel, que eu não visse; os Arquivos da Catedral de Lisboa Oriental, o do Real Mosteiro de S. Vicente de Fora, o do Real Mosteiro de S. Diniz de Odivelas, o do Real Mosteiro de Belém, e os dos dois Senados da Câmara de Lisboa, e outros, que ainda que particulares, são de grande estimação, como o do Duque do Cadaval, com um notável Gabinete de manuscritos, e uma admirável Colecção de diversos livros de memórias, e alguns originais, que foram da Sereníssima Casa de Bragança, vinte tomos com o título de papéis vários seguidos, de diversos Reinados, que são excelentes pelas matérias com alguns originais, além de outros muitos livros, e papeis de importância, formados pela ansiosa curiosidade do Duque D. Nuno seu pai, a que ajuntou dezoito volumes com o titulo de copiadores (obra sua) que contém votos, e tudo o que passou no largo tempo dos seus grandes empregos políticos, e militares. Esta Colecção é admirável, pelo estilo, e pelas notícias, em que se lêem coisas não vulgares, e de grande estimação, a que juntou vários papéis de suma importância, que não são daquele lugar, e pelo que estes livros não têm ordem, e é o único defeito, que [se] lhe pode achar, a falta da Cronologia. A benignidade daquele Senhor me facilitou este tesouro, e depois me continuou a mesma graça o Duque D. Jaime, fiel retrato de seu grande pai nas virtudes, e na curiosidade, com que aumenta este tesouro, com novos manuscritos de Importância, assim à Historia, como à política, e ministério da Corte, fazendo memórias dos sucessos mais importantes, e gloriosos do seu tempo, que escreve com pontualidade, e exacção, ficando desta sorte mais estimável a continuação daquela obra. Nela tive hum bom socorro, de que me vali, e não acharia em outra alguma parte, nem estes manuscritos são comunicáveis pela recomendação, com que o Duque D. Nuno ordena no seu Testamento se guardem.

Também me serviu para alguma coisa o largo tempo, em que me tinha entretido na Livraria manuscrita do Marquês de Gouveia D. Martinho Mascarenhas, Mordomo-mor, enquanto viveu, que com especial mercê ma facilitava, e da mesma sorte o Marquez Mordomo mor D. João Mascarenhas seu filho; e suposto era em tempo, que eu não tinha empreendido esta obra, com tudo me vali de algumas memórias, que curiosamente apontava com diferente ideia. Nesta Livraria há muitos livros de Famílias, e outros de negociados diferentes, e Ministrarias, passadas em diversos tempos. Alguns livros do Marquez de Castelo Rodrigo D. Manuel de Moura, que ajuntou muito com curiosidade, e poder; porém andam os tais manuscritos espalhados por diversas partes, do que tenho compaixão, por ver, que o que custou tanto trabalho para se ajuntar, se malogre, e por isso sinto muito, que os originais, que pertencem aos Arquivos públicos, andem em poder de particulares, faltando-se assim à utilidade da Republica, porque se perdem de todo, passando de umas para outras partes. A estes livros se ajuntaram outros do Duque de Aveiro D. Pedro de Lencastre, com todos os que havia na Casa de Portalegre, e por morte do Marquês de Gouveia D. João da Silva, passaram todos com a sua Casa ao Conde de Santa Cruz D. João Mascarenhas, Mordomo-mor. Esta Colecção de manuscritos é grande, mas necessitava de alguma separação dos livros, que não servem mais, que de fazerem numero.

Da grande, e admirável Livraria do Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes me vali sempre, porque além da mercê, que há tantos anos me permite a sua generosidade, a tem feito como se fora pública, não só para os eruditos, mas ainda para os curiosos, franqueando-a com notável benevolência, para que nela estudem, fiando os livros, não só impressos, mas os raros, e também os manuscritos com incrível facilidade, e talvez a pessoas de pouco conhecimento; querendo pela sua parte, por todos os modos, promover a glória da nação, não só com as suas prodigiosas composições, filhas do seu raro engenho, e da sua incomparavel erudição, mas que se adiantem os estudos alheios com o seu patrocínio. Não só nas grandes Casas tenho encontrado manuscritos, e originais, mas em pessoas particulares, de que pudera de todas estas partes extrair preciosas memorias Históricas, e Genealógicas, que lançadas nas suas próprias partes seriam singularíssimas; porém suposto se me não dificultariam as copias, nunca tive quem me escrevesse, nem meios para o poder mandar fazer, e não me era possível fazê-lo pela minha própria mão; porque ocupado com outros estudos, e obrigações domesticas, e precisas da vida regular, sempre fui pobre em todo sentido, não só pela profissão, mas por fortuna, porém com tanto desinteresse, que o meu génio é superior à mesma prosperidade, contentando-me com o credito, que consegui na verdade, e trato das gentes, e ainda dos grandes Senhores, que sem vaidade posso afirmar, que todos estes, e outros tesouros, guardados com cuidado, se me franquearam com grande generosidade para os desfrutar; assim coubera no tempo o podê-lo fazer, como o desejava.

 

Fonte:

D. António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa, vol.I, Coimbra, Atlântida, 1946; págs. v-viii.   

 

Historiografia
D. António Caetano de Sousa
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