D. Afonso III

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D. Afonso III

Juramento solene, que fez o Infante D. Afonso, Conde de Bolonha, estando em Paris, de administrar justiça no governo do Reino

 

"Todas estas coisas eu, o conde sobredito, cumprirei, ressalvando meu direito, e do reino de Portugal, de tal modo, que tudo o que fica dito permaneça estável, e firmemente, e se guarde, e cumpra em tudo, e por tudo.  "

 

Como afirma Leontina Domingos Ventura "a morte prematura de Afonso II e a incapacidade política de Sancho II haviam exposto o poder e o país à desintegração e justificado o apelo ao infante Afonso. Este, morto seu irmão Sancho II pouco depois de 3 de Janeiro de 1248, tornou-se o titular legítimo do trono português. 

Após prolongada época de desorganização e violência que atravessou todo o reinado anterior, a maioria dos homens desejava, acima de tudo, a paz e segurança. Por isso se entende que, da conjuntura de discórdia, de tendência para a insurreição contra a autoridade régia, tenha decorrido num processo de afirmação dessa autoridade. A guerra, ao mesmo tempo que enfraqueceu os adversários e criou um desejo de paz, encorajou a implantação de uma autoridade forte e, em última análise, facilitou o desenvolvimento do aparelho de Estado. 

Com efeito, sobre a difusão das estruturas feudo-vassálicas decorrente da discórdia, Afonso III irá reorganizar e reconstituir o seu poder. O juramento de Paris de 1245 já se afirmava como um programa político: manutenção da paz no reino, submissão incondicional ao direito e aos costumes e exercício da justiça, adoptando uma atitude vigilante contra os que quisessem introduzir novidades e restabelecendo o equilíbrio quando estivesse comprometido. Revelava já a consciência de que assegurar a paz e a justiça internas era afirmar a autoridade régia."


A todos os que esta escritura virem, mestre João, capelão do senhor papa e deão da Igreja Carnotense, mestre Lucas, deão, mestre Pedro, chanceler de Paris, Pêro Garcia, tesoureiro de Braga, Soeiro Soares, chantre de Frei Pedro de Pictavia, custódio da Casa dos Frades Menores de Paris, frei Henrique Teutónico, frei Martinho de Valentinis, frei Pedro Afonso Espanhol da Ordem dos Pregadores, frei Domingos Bracarense da Ordem dos Menores, Rui Gomes de Briteiros e Gomes Viegas, cavaleiros, Pedro Honórico e Estêvão Enes, varões nobres, camareiros de D. Afonso, conde de Bolonha, saúde no Senhor.

Haveis de saber que o ilustre varão D. Afonso, conde de Bolonha, e filho de D. Afonso rei de Portugal de ínclita memória, estando em nossa presença, jurou aos Santos Evangelhos, em que pôs sua mão, dando-lhe o juramento o venerável padre D. João, Arcebispo de Braga, em seu nome, João Martins, capelão do venerável padre D. Tibúrcio, bispo de Coimbra, em nome do dito bispo, que o mandou para este efeito com seu selo, não podendo assistir por causa da enfermidade, na forma seguinte:

“Eu D. Afonso, conde de Bolonha, filho de D. Afonso de ilustre memória rei de Portugal, prometo, e juro sobre estes Santos Evangelhos de Deus, que por qualquer título que alcançar o reino de Portugal, guardarei, e farei guardar a todas as Comunidades, Conselhos, Cavaleiros, e aos povos, aos Religiosos, e Clero do dito Reino todos os bons costumes, e foros escritos, e não escritos que tiveram em tempo de meu avô [D. Sancho I], e de meu Bisavô [D. Afonso Henriques]: e farei que se tire todos os maus costumes, e abusos introduzidos por qualquer ocasião, ou por qualquer pessoa, em tempo de meu pai, e irmão [D. Sancho II], e particularmente, quando se cometer homicídio, que se não leve dinheiro aos vizinhos do morto, mormente quando é manifesto quem foi o matador.

Também farei quanto for em minha mão, que por todo o reino se ponham juízes justos, e tementes a Deus, conforme o eu melhor alcançar, e se elegerão ou por votos do povo, ou de outro modo lícito e conforme à Lei de Deus, e não por dinheiro, ou por opressão dos povos, ou por valia de algum poderoso senhor da mesma terra; e o que sair eleito tratará de fazer justiça inteiramente a todos os de seu distrito, segundo Deus, e sua consciência sem haver excepção de pessoas, e para este fim se mandará tirar inquirição todos os anos do procedimento dos juízes, e se algum se achar culpado, será castigado, segundo suas culpas merecerem.

Da mesma maneira darei ordem que se faça justiça de qualquer homicida, em especial daqueles que por si ou por outrem prendem, roubam, matam, ferem clérigos ou religiosos, e a pena destes será tal, que fique aos demais para exemplo.

Defenderei também, empararei, com particular cuidado conservarei ilesos os mosteiros, lugares pios, clérigos, religiosos,  suas fazendas,  possessões quanto me for possível: restituirei, e farei que se lhe restitua tudo o que até agora se lhe tem mal levado, seja quem quer que for o injusto defensor, invasor ou roubador. Dar-se-lhe-á satisfação dos danos e injúrias que por quaisquer modos lhe são feitos por quaisquer pessoas, ou se chamem padroeiros ou herdeiros: conforme o que melhor julgarem convir à paz e quietação do Reino o arcebispo de Braga, o bispo de Coimbra, e os outros prelados, religiosos, e mais homens bons, que não forem suspeitos, nem culpados.

Mandarei que se ponham por terra as quintas, e casas feitas de novo por quaisquer pessoas em tempo de meu Irmão D. Sancho, que são em prejuízo de outros, e principalmente das igrejas, mosteiros, e mais religiosos, sem lhe valer o tempo que há que são feitas.

Também prometo que defenderei as igrejas, e mosteiros, especialmente daqueles que por seus delitos, ou de seus pais, têm perdido juridicamente o direito do padroado das mesmas igrejas, tanto que disto me constar por relação dos bispos daqueles lugares.

Prometo evitar todos os excomungados que me constar que o são, e se os tais e mostrarem contumácia, e permanência naquele mau estado, depois de os ter privados das mercês que de mim tiverem, lhes darei ainda maior castigo, conforme o arbitrarem os prelados, e deve fazer todo o príncipe cristão.

De conselho dos mesmos prelados se taxará também pena àqueles que penhoram, ou fazem injúrias aos que os excomungam, e sem haver aqui aceitação de pessoas, se dará a execução o castigo, pois convém preparar novos remédios para novos males.

Mais prometo de não receber colheitas em quantidade de dinheiro certo, nem maiores do que meu avô recebia, e isto só uma vez no ano. E quando passar pelos lugares aonde pagam, o farei com brevidade, e guardarei o que neste particular deixou ordenado o senhor papa Gregório IX a instância do arcebispo de Braga, e farei que em todo o reino os meus vassalos o cumpram.

Emendarei também, e procurarei com todas minhas forças que se emende, segundo julgarem os prelados, respeitando o estado do reino, e a quietação dele, todos os males que até agora se fizeram em Portugal, e não permitirei que daqui em diante se cometam sem castigo; dos quais trata o decreto do papa Inocêncio IV dirigido a mim, e aos prelados, comunidades, e mais pessoas do reino.

Também prometo de cumprir, e tratar fielmente, quanto me for possível, o governo, e administração do Reino, e mais coisas para que sou eleito; e farei que se exercite justiça com todo cuidado: que não prevaleça a ousadia dos maus, que a cada um seja dado o que é seu, sem haver nisto respeito a grandes ou pequenos, pobres ou ricos.

Serei mais obediente sempre, e devoto à igreja romana minha mãe, como convém a príncipe católico tratarei com todo meu poder de a honrar, e exaltar, sem haver nisto dúvida, ou engano.

Em todos os negócios que tocarem ao estado do reino, pedirei também o conselho dos prelados, ou daqueles que sem dificuldade puderem ser chamados; e nisto não haverá engano.

Porém, por este segredo, ou conselho não entende o arcebispo, e bispos, que o conde será obrigado quando houver de fazer aos seus mercê de terras ou dinheiro, pedir o parecer dos prelados, que nisto seguirá o que vir é mais acertado, e assim lho concedem os mesmos prelados.

Todas estas coisas eu, o conde sobredito, cumprirei, ressalvando meu direito, e do reino de Portugal, de tal modo, que tudo o que fica dito permaneça estável, e firmemente, e se guarde, e cumpra em tudo, e por tudo.  

Por tanto nos outros em testemunho das cousas sobreditas, e petição do mesmo conde, e do arcebispo de Braga, e bispo de Coimbra tivemos por bem de pôr nossos selos na presente escritura. E nós frei Pedro Afonso de Espanha, e frei Domingos de Braga, e Gomes Viegas, cavaleiro, porque não temos selos próprios, aprovamos a confirmação dos selos sobreditos. Foi feita em Paris em casa do chanceler da mesma cidade a oito dos idos de Setembro, que é a seis do próprio mês do ano do Senhor de 1245.

 

Fonte: Monarquia Lusitana, parte 4.ª, Livro XIV, cap. XXVII, fl. 158

A ver também:

A ler também:
  • Leontina Domingos Ventura, “Afonso III e o Desenvolvimento da Autoridade Régia” in Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques (dirs.) Nova História de Portugal, vol. III: Portugal em Definição de Fronteiras. Do Condado Portucalense à Crise do Século XIV, Lisboa, Presença, 1996, págs. 123-144.

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