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| DAS MEMÓRIAS DA MARQUESA DE ALORNA 
 Nota: Algumas das ligações no texto remetem para entradas no «Portugal - Dicionário histórico». 
 O ANO DE 1780. 
 
 No 1.º de Fevereiro de 1780 cheguei a Salvaterra, e
            conheci logo pelo modo com que me recebeu a  princesa do Brasil, Dona
            Maria, que a Família Real, não obstante as cartas fulminantes do
            
            General da Província e de Aires de  Sá 1, estava muito a meu favor. As Princesas mesmas me facilitaram uma ocasião de poder encontrar a
            
            Rainha só. Aproveitei logo dela e disse a sua Majestade, que,
            vistos os dissabores que o Conde de  Oeynhausen 2 tinha. experimentado
            na província, eu não podia deixar de lembrar-lhe que era debaixo
            da sua protecção que se tinha feito o meu Casamento e que mais que
            nunca, precisava que sua Majestade verificasse as esperanças que tão
            justamente tínhamos concebido e as suas promessas augustas tinham
            autorizado. Longe de parecer que este meu discurso (a que juntei
            algumas frases ternas, conformes ao meu estado) tinha produzido um
            bom efeito sobre a Rainha, achei um modo muito seco e mesmo me pareceu
            severo, respondeu simplesmente: – Veremos, e foi andando para diante. É dificultoso pintar o desalento que
            espalhou sobre mim esta cena, que pareceu tão extraordinária
            depois do que se tinha passado no ano antecedente, no mesmo mês de
            Fevereiro. O número de apaixonadas que eu tinha nesse tempo no Paço,
            sim, me podia mostrar que esta indiferença da Rainha era uma
            daquelas aparências que a política da nossa Corte julga essencial
            à sua dignidade, mas eu estava muito desconsolada para poder augurar da resposta da Rainha alguma coisa favorável. Dona
            M ... A ... e  Dona B ... H ... 3, mostrando-se muito minhas amigas e muito minhas interessadas, quiseram saber logo o que eu tinha
            passado com Sua Majestade. A minha sinceridade e o seu valimento, me
            facilitaram para logo esta confidência, e como os olhos das pessoas
            da Corte vêem diversamente as coisas do que as vê uma mulher
            costumada à Natureza singela e sem arte, acharam que as coisas iam
            belamente, e puseram-me o «veremos» da Rainha em tal perspectiva,
            que seria loucura descontinuar os meus esforços para melhorar de
            fortuna. Fui dos corredores do Paço para a Antecâmara da Rainha,
            aonde estive fazendo versos e contando Novelas às  Açafatas 4
            da
            Rainha toda a noite, até que apareceu o famoso  Arcebispo de
            Tessalónica,
            que entrou por ali dentro aos encontrões, como costumava, para ir
            rezar com a Rainha. As Açafatas lançaram-se todas a ele para que
            me falasse, e ele, marrando com tudo e com todos, apenas me disse
            que já tinha falado com meu Marido, que não tinha que me dizer,
            que fossem à fava e que a Rainha estava esperando por ele para
            rezar. Estas duas cenas com os primeiros agentes da minha felicidade
            facilmente se julgará a impressão que me fizeram, mas, por
            habilidade das Açafatas ainda tive que tomar estes estoiros do
            Arcebispo como sinais de benevolência. Por felicidade minha e para
            poder costumar-me à marcha retrógrada que se pratica naqueles sítios,
            a escassez das casas em Salvaterra obrigava-me a dormir no Paço em
            casa da  Camareira-Mor da Rainha mãe 5, que era minha Amiga. Esta
            senhora, uma das veteranas do Paço, não se deitava senão depois
            da meia-noite e o seu quarto era o rendez-vous da boa
            companhia, circunstância que me facilitou, dentro em dois ou três
            dias, o Conhecimento daquele terreno, da linguagem necessária
            nele e dos indivíduos de que se compunha a casa de Sua Majestade.
            Vi que pouco a pouco se tinham costumado à minha fisionomia, e que
            o mesmo Arcebispo já bracejava menos, quando me encontrava, e quase
            que mostrava alguma curiosidade em me ouvir. Não me enganei, porque
            adoecendo  Dona M ... A ... 6 e achando-me eu no seu quarto, veio ele
            de propósito falar-me. Seria coisa curiosa mas inútil relatar
            o princípio da conversação. Basta só dizer que, depois de muita
            grosseria, muita patada e muito despropósito, que nos divertiram
            muito, a mim e a Dona M... A..., resolveu-se S. Ex.ª a falar em Negócios.
            Comecei por argui-lo muito resolutamente do abandono em que nos
            tinha deixado, depois de se interessar com tanta eficácia em que 
            meu Marido ficasse em Portugal e casasse comigo, e não sabia
            como ele podia concordar este desamparo com o nome de filho que lhe
            continuava a dar; que as histórias que acabavam de passar-se no
            Porto provavam que S. Ex.ª ou não tinha conhecido o Conde quando
            se interessava por ele ou o desconhecia agora, deixando-o vítima da
            cabala e da emulação; que eu tinha ordem de meu marido para dizer
            a S. Ex.ª que, não obstante ter abandonado tudo pelo serviço da Rainha, a sua
            honra o obrigava a largar o 2.° Regimento do Porto, de que era Coronel, se Sua Majestade não estava capacitada de que, longe de
            merecer a carta que Aires de Sá lhe escreveu, precisava de uma
            satisfação completa, e que, tendo merecido o desagrado da Rainha,
            não queria ficar nem um dia mais em Portugal: Como as ordens do 
            Conde de la Lippe tinham força de lei, entregasse S. Ex.ª a Sua Majestade
            a Cópia de uma que eu lhe dava, pela qual se governou o Conde para
            revogar outra anterior, de cuja inexecução o arguíam. Olhou para
            mim muito pasmado e respondeu-me: – Isso é ponto de Estado. Nem eu nem ele soubemos então que coisa
            era ponto de Estado. Insisti, dei-lhe quantas razões me lembraram
            para o obrigar a falar, mas tudo era inútil e a resposta constante
            foi sempre: – Isso é ponto de Estado! Até que eu, que já tinha percebido que
            o homem era de têmpera amorosa, não obstante a casca bruta,
            comecei a explanar as consequências daquele rigor, e como bastava
            que eu considerasse na situação aflitiva de meu Marido, para me
            enternecer. Pintei-lhe tão vivamente as minhas penas, que já lhe
            bailavam as lágrimas nos olhos, até que rompeu, dizendo: – Já me não posso interessar por seu
            marido, Senhora. ele é um ingrato, que não quis aceitar os benefícios
            da Rainha e que recusou o governo da Beira, que Sua Majestade lhe
            mandou oferecer, declarando que precisava de uma pessoa do seu préstimo
            naquela província. O que de ali se havia seguir, V. Ex.as
            o veriam; mas como não quiseram, queixem-se de si. Estas palavras, que podiam assustar-me,
            produziram o efeito contrário, e estimei ver tão distintamente uma
            das causas do desagrado da Corte e ter tantos meios de convencer de
            falsidade os autores de uma calúnia sem nome. Perguntei-lhe em que
            ocasião tinha sido feito esse oferecimento e por quem. Respondeu-me
            logo que S. M. tinha encarregado o  Marquês de Angeja de escrever ao
            Conde, e que ele lhe tinha respondido que não aceitava. Eu, que
            estava bastante certa do modo de proceder do Conde, assegurei-lhe que,
            para provar a Sua Majestade que a tinham enganado, eu respondia pela
            aceitação do Conde, mesmo sem lhe comunicar o que acabava de
            passar-se, e que além disso eu me obrigava a provar a Sua Ex.ª que
            o Marquês de Angeja não tinha nunca proposto ao Conde semelhante
            coisa. Teimou o Arcebispo muito que era verdadeira a proposta e a
            recusa; e eu, pelo contrário, sustentei-lhe sempre que era mentira
            e que no dia seguinte lhe traria todas as cartas do Marquês de Angeja
            para ver se achava nelas o mínimo vestígio do negócio. A minha
            firmeza começou a persuadi-lo e. facilitou-me insistir em que desse
            ali mesmo a ordem do Conde de La Lippe, para achar uma nova prova de
            animosidade com que começavam a caluniar e perseguir meu marido.
            Tive então a completa satisfação de ver que a leitura da
            sobredita ordem lhe provou evidentemente que o Conde tinha enchido
            completamente a sua obrigação. O ponto estava em convencer o Arcebispo
            da verdade, para logo começar a blasfemar contra as intrigas da
            Corte e a dizer-me que ninguém conhecia os amigos (quer dizer: o Visconde, o Marquês de Angeja) como ele, que se interessava. muito
            por mim  e pelo Conde, mas que, não obstante o que eu diria, não
            deixava de ter que o arguir, porque a verdade do caso era que o
            Conde, tendo casado comigo, estava com isso tão contente, que não
            queria mais nada do serviço e queria largá-lo. 
            Esta foi sempre a arma formidável com que o atacaram na
            presença da Rainha, e é desnecessário dizer que também lhe
            provei facilmente o contrário. Nesta conversação ganhei tanto terreno ...! Não obstante repetir-me por várias
            vezes que tudo aquilo eram "pontos de Estado", sempre concluiu,
            segurando-me que, se o Conde não tivesse casado comigo, não teriam
            os fidalgos tanto campo para intrigas, e que um dedo seu valia mais
            que todos eles juntos; que a Rainha a necessidade que tinha era de
            um homem como ele, para lhe endireitar as coisas; que veria o que se
            podia fazer e que ele ia logo dizer à Rainha que as intrigas do
            Porto procediam de não saberem os Ministros qual era a sua mão
            direita, porque lhe esqueciam os decretos de que deviam de ser
            fiscais e clamavam pela execução das ordens que se tinham abolido.
            A conversação durou muito tempo, mas o resto foram sempre indícios
            de amizade, misturados com muita grosseria. Soube pelas açafatas,
            depois, que ele me não tinha falado menos claro que a Sua
            Majestade, e que a Rainha, cuja bondade aproveitava todas 
            ocasiões de manifestar-se, mostrou grande desejo de me
            favorecer e fez várias expressões honrosas a respeito dos talentos
            e merecimentos do Conde. O efeito de tudo isto foi maravilhoso,
            porque, no dia seguinte, entregando eu as cartas do marquês de
            Angeja ao Arcebispo, foi com elas imediatamente à Rainha e fez tal
            alarido que ordenou sua Majestade mesmo ao Marquês de Angeja que
            chamasse o Conde de Oeynhausen e lhe desse uma satisfação de tudo
            que se tinha passado e que lhe segurasse, da parte de S. M., que
            ela ficava inteirada de tudo que se tinha passado no Porto,
            reconhecia os seus talentos Militares, e aprovava muito o modo com
            que se tinha conduzido. Na manhã seguinte, teve o Arcebispo, uma
            larga conferência com meu marido e pareceu renovar nele todo o
            entusiasmo antigo. O Conde foi beijar a mão à Rainha, que
            o tratou muito bem, e eu fui continuando a minha assistência no Paço,
            donde me propus não sair, sem arrancar meu Marido à situação
            penosa em que se achava. As Princesas, que constantemente me
            fizeram muita honra, contribuíram muito a benquistar-me com a
            Rainha e dispuseram a Rainha mãe a favorecer todas as minhas
            pretensões. Um destes dias, chegou a notícia da morte de  D.
            Francisco Inocêncio, embaixador em Espanha, e, segundo as disposições
            em que estava o Arcebispo, não pareceu nada extraordinário a
            nenhuma das minhas amigas que este lugar se desse ao Conde; mas
            estava o Visconde de  Ponte de Lima 7 pela proa e, apesar da opinião
            do Ministro dos Negócios Estrangeiros e da boa vontade do
            Arcebispo, como tinha receio que D. Miguel de Portugal  tivesse muito
            frio em Alemanha, insistiram com a Rainha e foi ele nomeado
            Embaixador. Meu Marido não quis pedir nada, mas eu que estava da
            parte de dentro do Paço e que via como se distribuíam aquelas
            postas, falei a Aires de Sá, pedindo-lhe que fizesse entrar o
            Conde na Carreira Diplomática, porque assim se lhe tinha prometido
            antes do Meu Casamento, e eu não podia subsistir, na situação em
            que estava. Respondeu que no Conselho já não podia dizer mais do
            que tinha dito, porque, a respeito das Coisas Militares como das Políticas,
            entendia que ele era o homem que se necessitava, mas que, à força
            de dizer o que entendia, já os seus colegas o increpavam de
            parcialidade. Todas as minhas amigas e a Princesa
            faziam força para que o Conde entrasse na Carreira Diplomática,
            mas nenhuma me dava segurança e todas acusavam o Visconde e o Marquês
            de Angeja de oposição. Resolvi-me a falar ao Visconde, assentando
            de fazer o contrário do que ele me dissesse. Fez-me muitos
            cumprimentos, mostrou-me grande desejo de me servir, disse-me que a
            embaixada de Espanha ainda não estava dada, nem por consequência
            vago o lugar de Viena e que me -pedia encarecidamente que naquela
            noite não falasse eu à Rainha. Isto me bastou para ver a sua opinião.
            Fui imediatamente falar com uma das minhas amigas, a qual me
            comunicou que, tendo tido a resolução de perguntar a S. M. se meu
            Marido seria nomeado para algum dos lugares, S. M.
            respondeu que eu ainda não tinha pedido nenhum. Esta resposta
            aclarou-me e, abolindo todos os meus antigos princípios, conheci
            que na nossa Corte é preciso pedir, e que de pouco ou nada serve
            merecer. Encontrei a Princesa D. Maria, que me disse: - Vai depressa pedir o lugar de Viena,
            se o queres, porque já está dada a embaixada a D. Miguel. Estas palavras bastaram para fortificar
            o meu parecer e obrar o contrário do que me tinha aconselhado o
            Visconde. Fui imediatamente esperar a Rainha ao quarto de sua Mãe e
            pedir-lhe o lugar. Não me lembra o que me respondeu, mas foi tão
            pouco que, por mais que me seguraram que o Negócio ia bem,
            interiormente o dei por perdido. No outro dia, pelas sete horas da manhã,
            já eu estava na antecâmara, mas achei o  Marquês de Angeja moço a
            contas com o Arcebispo. E como a experiência me tinha mostrado que
            daquela família saía toda a fábrica de embrulhadas com que me
            atazanavam, tomei o meu privilégio de senhora e disse-lhe
            polidamente que quisesse S. Ex.ª retirar-se, que eu tinha que falar
            com o Arcebispo em particular. Não colhi desta conferência senão
            dizer-me ele mal de  meu Pai, relatar uma carta que ele tinha
            escrito à Rainha, pouco necessária. Voltei desconsolada para o
            oratório, aonde achei Dona M... A..., que com palavras misteriosas
            pretendia animar-me. Tinha razão, porque, chegando depois o Conde
            de Oeynhausen, veio atrás dele o Visconde de Ponte de Lima e lhe
            disse com grande aceleração que Sua Majestade acabava de o nomear
            Ministro Plenipotenciário para a Corte de Viena; - e que lhe podia
            ir agradecer essa graça. Sem grande temeridade posso dizer que a
            perturbação que mostrou o Visconde neste anúncio, me indicou
            bastantemente que se tinha desarranjado algum plano seu, o que
            depois se confirmou, porque soube com bastante certeza, que na véspera
            à noite, pouco tempo depois de me ter dado aquele conselho de
            amigo, tinham o Marquês de Angeja e ele, insistido muito com a
            Rainha, para que nomeasse D.  Diogo de Noronha
            8 em seu lugar. Quando
            eu saí do Oratório, achei o Arcebispo como um doido, dando uns
            sinais de alegria tão imprudentes como inesperados, e disse-me logo
            em ar de triunfo. - Diga lá a seu Pai que lhe pegue e que
            vá ralhar com V.ª Ex.ª a Viena. Eu não fiz nada continuou ele. -
            A Rainha é que quis, mas diga lá que não sou seu Amigo nem do seu
            Homem! Vai por terra ou por mar? Que é do homem? Que venha beijar a
            mão à Rainha, e eu tenho que lhe falar. Esta multidão de coisas juntas
            atordoaram-me de modo que apenas me lembra o que lhe respondi, tanto
            mais que a ideia de ver o Conde satisfeito era a que absorvia todas
            as minhas faculdades. Sei, porém, que ficámos, eu, ele e Dona M
            ... A..., muito tempo comentando a multidão de intrigas que se
            tinham feito aqueles três dias, das quais eu já não fazia caso
            algum, lembrando-me que a piedade da Rainha me punha 774. léguas
            longe dos intrigantes. As circunstâncias em que me achava então
            com meu Pai não deixavam de me dar cuidado; porque, como me tinham
            feito assinar uma escritura, e ao Conde também, de que eu nunca
            sairia de Portugal, necessitava uma nova ordem da Rainha
            para poder acompanhar meu Marido. Depois de beijar a mão à
            Rainha, foi o Conde conferir com o Arcebispo, que o tratou às mil
            maravilhas e logo lhe disse que era preciso tirar uma Princesa de
            Portugal do paradeiro em que elas estavam; que ele não tinha ordem
            nenhuma da Rainha para lhe falar naquela matéria, mas que estava
            certo que, observada toda a decência e delicadeza neste ponto, a
            Rainha estimaria ver a senhora  Infanta D. Mariana Vitória casada
            com o  Imperador  9. O Conde respondeu-lhe que desejava encher todas as obrigações
            do seu emprego com a maior habilidade possível e que ficava muito
            lisonjeado com a simples ideia de uma incumbência tão lisonjeira, mas
            que a mesma importância da matéria exigia a maior circunspecção,
            e por isso lembrava a S. Ex.ª que, para que o não julgassem
            intruso ou o viessem a arguir de precipitado, seria bom que, pelo
            Ministro dos Negócios Estrangeiros, mandassem pôr aquele ponto nas
            instruções por escrito que ele devia receber. Pareceu isto muito
            bem ao Arcebispo, louvou a sua prudência e sagacidade e continuou
            dizendo que esse serviço lhe daria a ele (Arcebispo) ocasião de
            fazer valer a sua amizade e ao Conde a de consolidar a sua fortuna;
            que esta ausência, sendo cheia por um serviço tal, aplacaria as
            intrigas e emulação dos Angejas e a antipatia do Visconde„e lhe
            daria a ele tempo para vencer as objecções que tinha feito o Marquês
            de Angeja ao Estabelecimento da Caixa Militar, sem a qual era impossível
            a execução do plano que tinha feito ao Conde, e que ele esperava
            que, depois de estar alguns anos em Viena, pudesse vir executar,
            sendo chamado para se pôr à testa das coisas militares, que era o
            que se precisava. Que, por agora, o melhor era partir, para
            extinguir a parcialidade do Visconde, motivada pelos alaridos dos
            meus parentes, e que eles calariam a boca, quando o Conde estivesse
            no lugar que lhe competia. Disse-lhe mais que os Ordenados de Viena
            não eram grandes e que, se além dos seus soldos militares, que ele
            queria que conservasse, julgava precisar mais dinheiro, que lho
            dissesse francamente, que ele lho procuraria. Quem conhece a boa fé germânica e quem
            teve ocasião de observar a candura, nobreza e generosidade da alma
            do Conde, verá que este discurso não podia produzir nele senão
            uma gratidão sem limite, um desejo sem limite de encher as intenções
            da Rainha e um abandono total da conveniência, apropriado à
            generosidade de S. M. e ao zelo do seu Procurador, que, sendo primeiro Ministro, tinha na mão todos os meios de o fazer feliz. Eu participei do modo de pensar de meu Marido, e, ainda que dezoito anos de trabalhos e o ter nascido neste
            país me faziam duvidar de tanta felicidade junta, era tal a multidão
            de sentimentos que me ocupava, que não tive tempo para objecções. Parti de Salvaterra para Almeirim, a dar
            parte a meus Pais da nomeação do Conde; e, bem como eu temia, meu
            Pai perguntou logo se a Rainha tinha dispensado o termo que me
            obrigava a não sair de Portugal. Por aqui vi logo quais eram as
            disposições de meu Pai. Tratei de não falar mais naquela matéria.
            Para evitar algum excesso, encarreguei minha irmã e meu  irmão de o
            adoçarem quanto pudessem nesta matéria, mas o que me custou mais a
            combater foi minha Mãe, que não suportava a ideia de separar-se de
            mim para sempre. Contra as suas armas, que são saudade e lágrimas,
            não tinha eu força alguma nem pude resistir-lhe, senão
            entregando-lhe a minha filha, como penhor da minha volta dentro em
            dois anos. No dia seguinte, voltei para Salvaterra,
            aonde estava o Conde; voltei, para envenenar-lhe aqueles instantes
            de alegria, com a notícia do que se passava na minha família e com
            receio de que me separassem dele por muito tempo. Ele disse-me
            logo quanto era necessário para sossegar a minha inquietação. E,
            a dizer a verdade, mais temia eu a impertinência da contenda que as
            forças dela, porque, visto querer o Arcebispo que eu partisse,
            estava certa que a Rainha me havia de mandar. Sem embargo disto,
            ainda durou muitos dias a indecisão, mas finalmente venceu-se,
            entregando o Arcebispo uma petição minha a S. M., que foi
            despachada logo. O Conde foi nomeado para Viena no dia 15
            de Fevereiro, e daí até o dia 14 de Abril, em que partimos para
            Viena, passei os dias em cumprimentos, despedidas e mortificações.
            Meu Pai fez tudo quanto podia contribuir para a minha felicidade;
            porque, estando persuadido de que, quanto mais me afligisse e
            mortificasse, mais excitaria o interesse da Corte a meu favor e, por
            consequência, mais se seguraria a minha fortuna, mortificou-me
            quanto soube e quanto pôde. Mas, como os meios extraordinários nem
            sempre são os mais seguros, eu fiquei com as mortificações, e
            nunca me chegaram as fortunas, que ele talvez me desejava. Notas: Na transcrição do documento actualizámos a grafia, mas mantivemos a utilização das maiúsculas e das minúsculas, assim como a sintaxe mantendo as vírgulas. Normalmente, e seguindo aqui a transcrição de Hernâni Cidade, transformámos o ponto e vírgula num ponto, e modernizámos a transcrição dos diálogos, fazendo parágrafo e acrescentando o travessão. 1. Aires de Sá e Melo (c. 1690 - 1786), secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, de 1777 a 1786 , tinha sido nomeado em 1775 secretário de estado adjunto do Reino para ajudar o marquês de Pombal no seu despacho. Fora embaixador em Madrid de 1764 a 1775, sendo o principal defensor da aproximação diplomática com a Espanha. O filho, João Rodrigues de Sá e Melo, foi feito visconde de Anadia em 8 de Maio de 1786, em consideração aos serviços do pai. (regressar ao texto) 2. Carlos Augusto, conde de Oyenhausen, familiar do conde de Lippe, e da mulher do marquês de Pombal, embora longínquo, veio para Portugal em Setembro de 1776 recomendado pelo ainda marechal general do exército português. Nomeado coronel do 1.º regimento de infantaria do Porto, que estava destacado na fortaleza de Valença, foi acusado em Junho de 1777, já no reinado de D. Maria I, por oficiais do seu regimento de introduzir novidades no regulamento, sem autorização. Ilibado pelo inquérito realizado sob a autoridade do conde de Bobadela, saiu de Portugal, durante cerca de 6 meses. Em 15 de Fevereiro de 1779 casou com a futura marquesa de Alorna, regressando ao comando do seu regimento agora aquartelado no Porto. (regressar ao texto) 3. Hernâni Cidade transcreve estas iniciais como Maria Antónia e Bernarda Campos. Uma das Damas da Câmara da Rainha chamava-se Maria Antónia de Azevedo. (regressar ao texto) 4. As Açafatas faziam as funções de criadas de quarto da Rainha. Eram quem a ajudava a vestir e despir e que tratavam dos vestidos, assim como das jóias. O nome vinha do árabe as-safat, que era um pequeno cesto de vime, de borda baixa sem arco nem asas. Em 1782, data da 1.ª edição do Almanaque de Lisboa, em que se listam as pessoas servindo no «Quarto da Rainha», havia onze açafatas servindo a rainha, a princesa do Brasil e a infanta D. Maria Ana, irmãs da rainha, assim como a infanta D. Mariana Vitória, sua filha. (regressar ao texto) 5. D. Maria Caetana da Cunha, marquesa de Povolide, tinha nascido em 10 de Setembro de 1699, era filha do 1.º conde de Povolide, irmã do 2.º conde e tia do 3.º, D. José da Cunha de Ataíde, o titular à época. Fora casada com D. Brás Baltazar da Silveira, que tinha sido capitão-general das Minas. (regressar ao texto) 6. Hernâni Cidade, em nota, afirma que se trata de D. Maria de Almeida Bernarda Campos, considerando por isso que estas iniciais não se referem à mesma pessoa que as primeiras M.A. que transcreve como Maria Antónia. V. nota 3. (regressar ao texto) 7. Há aqui uma confusão. O Visconde de Vila Nova de Cerveira só foi feito Marquês de Ponte de Lima em Dezembro de 1790, data provável portanto da produção destas memórias, ou da sua cópia. (regressar ao texto) 8. D. Diogo de Noronha (1747-1806), filho do 3.º marquês de Angeja, feito 8.º conde de Vila Verde em 1799, foi nomeado ministro assistente ao despacho, e secretário de estado do Reino em Fevereiro de 1804, tendo assumido interinamente nesse mesmo ano a secretaria de estado dos Negócios Estrangeiros e Guerra. Morreu em Novembro de 1806, com 57 anos. Em 1781 será nomeado embaixador em Roma. (regressar ao texto) 9. José II (1741-1790), Imperador do Sacro Império Romano Germânico da Nação Alemã em 1765, filho da rainha da Hungria e Boémia Maria Teresa (1717-1780), e do Imperador Francisco de Lorena (1708-1765), tinha enviuvado em 1767 devido à morte da sua segunda mulher, a princesa Josefa Maria da Baviera. (regressar ao texto) 
 Fontes: Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Arquivos
            Particulares, Casa Fronteira, Família Almeida, doc. 170. Marquesa de Alorna, Inéditos: Cartas e outros Escritos, Lisboa, Sá da Costa («Clássicos Sá da Costa»), 1941, págs. 59 - 72. 
 
 A ler: 
 
        
         
 
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